sexta-feira, 13 de junho de 2025

Obra: A Segunda Vinda de Cristo: Escatologia, Juízo e Glória. Autor: Antônio Freixo

ÍNDICE GERAL

Capítulo I – A Promessa do Retorno: Fundamentos Teológicos e Raízes na Revelação.

1. A Expectativa Messiânica e o Fim dos Tempos na Tradição Judaica

2. Cristo Glorificado: A Ascensão como Sinal do Retorno

3. A Promessa no Magistério Apostólico: Pedro, Paulo e João

4. A Patrística e a Esperança da Parúsia: De Inácio a Agostinho

5. A Liturgia como Memória e Antecipação: 'Vinde, Senhor Jesus'

6. Fé Escatológica: O Credo como Profissão da Vinda Gloriosa

Capítulo II – O Dia do Senhor: Juízo, Glorificação e Consumo do Século.

1. Os Sinais Precursores: Apostasia, Anticristo e Angústia das Nações

2. A Parúsia de Cristo: Manifestação, Majestade e Imutabilidade

3. A Ressurreição da Carne: Unificação do Corpo com o Espírito

4. O Juízo Universal: Justiça Eterna e Restauração do Ordinal Divino

5. Inferno e Paraíso: Separação Definitiva e o Destino Escatológico

6. A Vitória do Cordeiro: A Cruz Tornada Trono no Fim dos Tempos

Capítulo III – Nova Criação: Eternidade, Participação e o Reino sem Fim.

1. A Reintegração Cósmica: Céus Novos e Terra Nova

2. A Visão Beatífica: Contemplação, União e Êxtase Ontológico

3. O Reino de Deus como Consumação, não Etapa Histórica

4. A Jerusalém Celeste: Ecclesia Triumphans e a Comunhão dos Santos

5. Fim do Tempo e Glorificação da História: Nada se Perde, Tudo se Cumpre

6. O Retorno como Reentrada: Cristo como Alfa e Ômega da História


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Capítulo I – A Promessa do Retorno: Fundamentos Teológicos e Raízes na Revelação.

Artigo 1 – A Expectativa Messiânica e o Fim dos Tempos na Tradição Judaica.

Desde as primeiras páginas da Revelação, o tempo é apresentado como história da promessa. A escatologia cristã, longe de ser um acréscimo artificial ao Evangelho, nasce do próprio âmago da esperança veterotestamentária, onde o retorno de Deus ao seu povo é aguardado como evento derradeiro. O Antigo Testamento não concebe a eternidade como fuga do tempo, mas como sua plenitude. A expectativa messiânica, portanto, não é apenas a vinda de um libertador político ou moral, mas o advento definitivo do Reino de Deus, onde justiça e verdade se tornarão permanência.

A promessa feita a Abraão, reiterada em Moisés, renovada em Davi e purificada pelos profetas, aponta sempre para uma consumação da história na qual Deus será tudo em todos. Isaías vê esse tempo como o dia do Senhor, quando as espadas serão transformadas em arados e o lobo habitará com o cordeiro. Daniel, por sua vez, anuncia o “Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu”, já antecipando o modelo da glória futura com traços que o próprio Cristo assumirá ao falar de sua segunda vinda. Essa escatologia, no entanto, permanece velada: os justos hebreus, embora esperem a redenção, não contemplam ainda com clareza a face do Redentor.

A literatura apocalíptica, especialmente nos livros de Enoque, Jubileus e os escritos de Qumran, acentua o juízo cósmico e a expectativa de uma intervenção divina que rompe os ciclos da injustiça. Aqui se reforça a ideia de que o mundo presente é provisório, e que o tempo se inclina, como uma ponte estendida, rumo ao “tempo do fim”. Contudo, ainda se trata de uma visão fragmentada, onde as imagens são mais simbólicas que doutrinárias.

Com o advento de Cristo, a escatologia judaica é radicalmente superada, mas não negada. O que era figura se torna presença. O tempo da espera é reconfigurado à luz da Encarnação. No entanto, o Novo Testamento não dissolve o tempo escatológico: ao contrário, o intensifica. A Segunda Vinda é o selo dessa expectativa que já não pertence apenas a um povo, mas à humanidade inteira. O Cristo que veio em humildade voltará em majestade. Assim, a antiga esperança messiânica, que no Antigo Testamento esperava o cumprimento das promessas, se converte no Cristianismo na certeza de que aquele que cumpriu tudo voltará para consumar todas as coisas.

A tradição católica, ao mergulhar nessa herança, compreende a Parúsia não como um acontecimento periférico da fé, mas como sua culminância. A história caminha, desde suas origens, para esse ápice onde o Reino que já está presente sacramentalmente será finalmente manifesto em plenitude. Cristo não voltará para começar algo novo, mas para revelar o que sempre esteve em processo: o desvelamento definitivo do plano eterno de Deus.

Artigo 2 – Cristo Glorificado: A Ascensão como Sinal do Retorno.

A Ascensão de Cristo, longe de ser mero encerramento da presença física do Verbo na história, constitui, na tradição católica, o primeiro movimento escatológico visível que antecipa a promessa da segunda vinda. Quando o Senhor sobe aos céus diante dos olhos dos discípulos (cf. At 1,9-11), não se trata de afastamento ou evasão, mas de elevação em glória, um prelúdio da manifestação futura em poder.

A teologia da Ascensão é fundamentalmente cristológica e escatológica. Cristo, ao ser elevado, não abandona o mundo, mas inaugura o novo modo de sua presença: o tempo da Igreja, tempo do Espírito, tempo da vigilância. A sua partida corporal abre espaço para a fé, e sua glorificação nos céus inaugura a economia da esperança. O mesmo Cristo que sobe, segundo o testemunho dos anjos, "virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu". Essa fórmula encerra a tensão escatológica: a ausência visível é o penhor da vinda visível.

Santo Agostinho, em seus Sermões e na Cidade de Deus, insiste que a Ascensão não é um movimento apenas espacial, mas ontológico. Cristo adentra o seio do Pai com sua humanidade, elevando a carne ao trono da Trindade. Esse gesto, incompreensível aos olhos do mundo, marca o início da glorificação do corpo, sinal daquilo que será dado aos eleitos na ressurreição final. A parúsia, portanto, não será uma nova encarnação, mas a irrupção gloriosa d’Aquele que já reina, ocultamente, desde a destra do Pai.

A liturgia católica celebra a Ascensão não como despedida, mas como promessa. Cada vez que se canta o Credo afirmando que “subiu aos céus, está sentado à direita do Pai, de onde há de vir”, a Igreja reafirma sua confiança escatológica. Na Eucaristia, ela vive esse entre-tempo: “anunciamos, Senhor, a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição, vinde, Senhor Jesus!” A presença sacramental do Ressuscitado é a presença real daquele que há de vir visivelmente, fechando o ciclo da fé com a visão.

A iconografia cristã, especialmente a bizantina, retrata a Ascensão como um duplo movimento: o Cristo que se eleva aos céus e os apóstolos que permanecem olhando para o alto, interpelados a descer e evangelizar. Essa tensão vertical e horizontal expressa o coração da escatologia cristã: o céu não é fuga do mundo, mas destino do mundo redimido. O Cristo glorificado é o mesmo que voltará. A separação é apenas aparente, pois a glória futura já se derrama, em germe, sobre o tempo da Igreja.

Dessa forma, a Ascensão é promessa viva da Segunda Vinda: ela não é um fim, mas um marco entre a redenção e a consumação. O Cristo que ascendeu é o mesmo que virá em glória. E virá não para dialogar com a história, mas para julgá-la à luz de sua própria glória. Assim, todo cristão vive não apenas da memória da cruz, mas da espera da manifestação daquele que está oculto no sacramento, mas virá visível no esplendor.

Artigo 3 – A Promessa no Magistério Apostólico: Pedro, Paulo e João.

A fé cristã primitiva é intrinsecamente escatológica. O anúncio apostólico não apenas proclama que Cristo ressuscitou e reina, mas que Ele há de vir novamente para julgar, restaurar e glorificar. Pedro, Paulo e João, colunas da doutrina da Igreja nascente, testemunham com clareza a centralidade dessa promessa: não se trata de um simbolismo espiritual, mas de uma certeza profética transmitida como parte essencial do kerygma.

Pedro, no discurso de Pentecostes, já evoca o profeta Joel para anunciar os "últimos dias" (At 2,17). Para ele, o tempo da Igreja é o início da consumação, e a segunda vinda de Cristo é o ápice esperado por Israel e agora revelado em Cristo. Em sua segunda epístola, Pedro adverte contra os escarnecedores que dirão: “Onde está a promessa da sua vinda?” (2Pd 3,4). Ele responde com firmeza: o tempo de Deus não é o tempo dos homens, e o adiamento aparente é expressão de sua misericórdia, pois “Ele não quer que ninguém se perca, mas que todos cheguem à conversão” (2Pd 3,9). A vinda do Senhor será súbita e definitiva, como o ladrão que vem à noite, e os céus e a terra serão renovados pelo fogo.

Paulo, mais que qualquer outro, estrutura toda a sua teologia em torno do advento final de Cristo. A Parúsia não é, para ele, um apêndice, mas o fim natural da história da salvação. Na Primeira Carta aos Tessalonicenses, o apóstolo consola os fiéis dizendo que “o próprio Senhor descerá do céu, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro” (1Ts 4,16). Essa não é linguagem alegórica, mas descrição direta da realidade esperada: a ressurreição dos corpos, a glorificação dos justos e a instauração plena do Reino. Para Paulo, a Segunda Vinda é o instante em que “Deus será tudo em todos” (1Cor 15,28), quando Cristo entregará o Reino ao Pai após ter vencido toda autoridade contrária.

João, por sua vez, oferece a visão mais simbólica e profunda da escatologia cristã. Seu Apocalipse não é um roteiro cronológico, mas uma revelação mística da vitória de Cristo sobre o mal e da glorificação da Igreja. O Cordeiro imolado que está de pé é o centro da história, e sua volta em glória é o juízo da Babilônia, a queda do dragão e o nascimento da Jerusalém Celeste. “Eis que venho em breve” (Ap 22,12), diz o Senhor. A resposta da Igreja, ecoando o Espírito, é: “Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20). O apóstolo João não especula sobre datas, mas afirma a iminência qualitativa do retorno: não o quando, mas o como – com poder, com glória, com verdade.

Em todos os três, a Segunda Vinda não é invenção tardia, mas parte constitutiva do depósito da fé. O cristianismo apostólico é escatológico por essência. A fé na encarnação se completa na fé no retorno. Cristo, que veio na carne, voltará na glória. E a Igreja, sustentada por esse ensinamento desde o início, caminha como virgem vigilante, lâmpadas acesas, aguardando o Esposo que virá.

Artigo 4 – A Patrística e a Esperança da Parúsia: De Inácio a Agostinho.

A era patrística é o terreno onde a semente escatológica dos apóstolos floresce sob a luz da Tradição. Os Padres da Igreja não apenas conservaram a doutrina da Segunda Vinda, mas a aprofundaram com rigor teológico, combatendo desvios e oferecendo à Igreja nascente uma compreensão mais articulada do que significava esperar o retorno de Cristo.

Santo Inácio de Antioquia, mártir do século I, testemunha com simplicidade e vigor a certeza de que Cristo virá em glória. Em suas cartas, especialmente aos Esmirnenses, ele insiste que o Cristo que verdadeiramente sofreu e ressuscitou é o mesmo que verdadeiramente voltará para julgar os vivos e os mortos. Contra os docetas – que negavam a realidade do corpo de Cristo – Inácio afirma a necessidade da carne redimida, pois o Cristo ressuscitado não é ideia, é corpo glorificado. A Parúsia, assim, não é símbolo, mas evento futuro e concreto.

São Justino Mártir, no século II, testemunha a fé da Igreja na ressurreição da carne e no juízo universal. Embora influenciado por certas ideias milenaristas correntes em seu tempo, Justino nunca separa a realeza de Cristo da sua natureza escatológica. Para ele, o fim dos tempos será marcado pela manifestação do Logos glorioso, que virá não mais para ser julgado, mas para julgar. No seu Diálogo com Trifão, destaca que a profecia de Daniel sobre o Filho do Homem encontra seu cumprimento pleno em Cristo, e que sua vinda futura instaurará a justiça perfeita.

Ireneu de Lião, na obra Contra as Heresias, estabelece uma das mais sólidas visões patrísticas da escatologia. Contra os gnósticos, ele defende a bondade da criação e a finalidade escatológica da história. Para Ireneu, Cristo é o recapitulator de todas as coisas, e a Parúsia é o momento em que essa recapitulação se completa: o homem, criado para ver Deus, será plenamente glorificado quando a criação for transfigurada na glória do Cristo ressuscitado.

Com Tertuliano e Cipriano, a ideia de vigilância ganha ênfase: o cristão vive no tempo da prova, mas com os olhos voltados para o céu. A segunda vinda não é para eles uma especulação, mas critério de vida. Quem crê que o Senhor virá, vive de modo santo, pois “o tempo se abrevia”. O cristão é aquele que vive já sob o juízo, mas com esperança, pois “nos foi prometido não apenas viver, mas viver para sempre com Ele.”

Por fim, em Santo Agostinho, a escatologia patrística alcança maturidade. Em sua monumental Cidade de Deus, Agostinho distingue com precisão entre o Reino presente e o Reino futuro. A Igreja, enquanto peregrina, já é sinal do Reino, mas sua plenitude virá apenas com a volta gloriosa de Cristo. Contra o milenarismo, Agostinho estabelece a doutrina que será seguida pela Igreja: não haverá reino temporal intermediário, mas o tempo da Igreja será seguido imediatamente pelo juízo final. O fim da história será a consumação do plano eterno de Deus.

Na patrística, a Parúsia não é apenas crença: é estrutura da vida cristã. A vigilância, a sobriedade, a caridade e a fé são virtudes escatológicas porque brotam da certeza de que o Senhor virá. A doutrina da Segunda Vinda não é um detalhe: é o horizonte em que o cristão caminha. A esperança não é sonho, é certeza. E a Tradição dos Padres a proclama com vigor: o Cristo que veio voltará. E virá para glorificar os seus, julgar os rebeldes, e instaurar o Reino sem fim.

Artigo 5 – A Liturgia como Memória e Antecipação: “Vinde, Senhor Jesus”.

A liturgia da Igreja não é uma representação simbólica de verdades distantes, mas uma atualização real do mistério de Cristo, prolongado no tempo sacramental. E é nesse horizonte que a escatologia encontra sua expressão mais viva: a liturgia, especialmente a Eucaristia, é a união do já e do ainda não, memória da primeira vinda e antecipação da segunda.

Desde os primeiros séculos, a celebração litúrgica guarda, em suas fórmulas e ritos, a tensão escatológica da fé cristã. A aclamação central da Missa — “Anunciamos, Senhor, a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição, vinde, Senhor Jesus!” — revela com clareza essa tríplice dimensão: passado (morte), presente (ressurreição) e futuro (parúsia). O altar se torna então o lugar onde o tempo é suspenso, e a Igreja, ainda peregrina, se coloca diante daquilo que virá em plenitude: a manifestação do Senhor em glória.

O próprio Cristo instituiu a Eucaristia como memorial escatológico. Ao dizer “não beberei do fruto da videira até que o beba novo no Reino de meu Pai” (Mt 26,29), Ele associa o banquete sacramental a um cumprimento definitivo no Reino. A ceia do Cordeiro, prefigurada na Missa, terá sua consumação nas bodas eternas do Apocalipse. A Igreja, ao celebrar, não apenas recorda: ela espera e clama. A súplica “Maranatha” — “Vem, Senhor!” — não é uma invocação poética, mas uma súplica ontológica, gravada no coração da Esposa que anseia pelo retorno do Esposo.

A Liturgia das Horas, por sua vez, estrutura o tempo em torno da vinda do Senhor. Cada hino, cada salmo, cada antífona é perpassado por essa vigilância sagrada. Os ofícios não são meras orações cronológicas: são respiros de eternidade no tempo, como sentinelas que guardam a aurora da vinda gloriosa. Os textos do Advento, especialmente, são impregnados dessa espera ardente, onde a Igreja reveste a alma com o manto da expectativa messiânica, não apenas em preparação para o Natal, mas como sinal constante da parúsia prometida.

A arquitetura litúrgica também expressa essa escatologia: o altar orientado ad Dominum, o uso do incenso, o silêncio profundo, tudo aponta para o “Deus que virá”. A celebração não é um fim em si, mas um vislumbre do que será eterno: a contemplação do Cordeiro sobre o trono. Por isso, a liturgia é ao mesmo tempo sacramento da esperança e forma da fidelidade: quem celebra verdadeiramente, aprende a vigiar; quem comunga do Corpo do Senhor, se prepara para vê-lo face a face.

Na tradição católica, a liturgia não é apenas pedagogia: é profecia. O rito revela o destino. E nesse sentido, ela é o lugar onde o futuro se faz presente. Enquanto o mundo espera sem saber o que espera, a Igreja celebra já o que virá. A Eucaristia é o pão da peregrinação, mas também o alimento do tempo escatológico. Ela não apenas prepara, ela antecipa. E cada Missa bem celebrada é um grito silencioso que sobe aos céus: “Vinde, Senhor Jesus.”

Artigo 6 – Fé Escatológica: O Credo como Profissão da Vinda Gloriosa.

A profissão de fé da Igreja, condensada no Símbolo dos Apóstolos e, com maior densidade teológica, no Credo Niceno-Constantinopolitano, não é apenas um resumo doutrinal: é expressão litúrgica da alma crente. Quando a Igreja proclama: “De novo há de vir em sua glória, para julgar os vivos e os mortos, e o seu Reino não terá fim”, ela não formula uma tese abstrata, mas declara uma certeza escatológica que estrutura sua identidade.

A teologia católica reconhece que o Credo é uma síntese normativa, e por isso cada expressão nele contida tem peso dogmático. O verbo “virá” não admite condição; é absoluto, definitivo, afirmado na gramática do eterno. O adjetivo “de novo” conecta a segunda vinda à primeira, mas destaca sua natureza distinta: se a primeira foi na humildade da carne, a segunda será na majestade gloriosa. O retorno de Cristo não é um novo capítulo, mas a revelação final de sua realeza já instaurada.

O Concílio de Constantinopla (381), ao formular o artigo escatológico do Credo, agiu para combater heresias que negavam a corporeidade da ressurreição, a eternidade da alma ou a consumação do juízo. A tradição católica, recebendo esse ensino, o entendeu como verdade central da fé: não se pode ser cristão e negar o retorno glorioso de Cristo. Tal negação não é apenas erro teórico, mas ruptura com o núcleo da esperança cristã.

Ao professar que Ele virá “para julgar”, afirma-se que a história é moral, que o tempo será pesagem e que o homem será chamado à responsabilidade final. Não há neutralidade diante da parúsia: todo joelho se dobrará, e toda língua confessará. Julgar os vivos e os mortos implica que nenhum ser escapará à sua luz: os que ainda vivem e os que já dormem serão trazidos à presença do Juiz eterno. É o desvelamento total da verdade.

O “seu Reino não terá fim” liga escatologia à cristologia: o reinado de Cristo, iniciado invisivelmente com a ressurreição, será plenamente visível na sua volta. Esse Reino não é de duração milenar, nem de ordem temporal ou geopolítica. É eterno, absoluto, espiritual, sem sucessor nem declínio. Ao professar essa eternidade do Reino, a Igreja rejeita qualquer substituição terrena da esperança escatológica – seja política, ideológica ou tecnocientífica.

Assim, o Credo é oração, doutrina e combate. Ele coloca nos lábios do fiel aquilo que o coração deve desejar: o retorno de Cristo. Proclamá-lo em cada liturgia é lembrar que a história caminha, sim, mas não para o vazio – caminha para o encontro. O Juiz que virá é o Cordeiro que foi imolado. A glória que se revelará é a do mesmo que lavou os pés dos seus discípulos.

Professar a fé na vinda gloriosa de Cristo é viver sob a luz da eternidade. É recusar o adormecimento espiritual, a banalidade do presente, o cinismo histórico. É resistir, como virgem prudente, com a lâmpada acesa. É manter, contra todas as trevas, a chama da esperança. Porque o mundo passará, mas aquele que virá permanece.

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Capítulo II – O Dia do Senhor: Juízo, Glorificação e Consumo do Século.

Artigo 1 – Os Sinais Precursores: Apostasia, Anticristo e Angústia das Nações.

A fé católica não fixa datas, mas reconhece sinais. A escatologia cristã, fiel às Escrituras e à Tradição, ensina que antes da vinda gloriosa de Cristo ocorrerão manifestações que abalarão a ordem visível do mundo e da Igreja. Tais sinais não são para alimentar especulações, mas para sustentar a vigilância, corrigir a presunção e purificar a esperança.

Entre esses sinais, três se destacam com clareza teológica e patrística: a apostasia generalizada, a manifestação do Anticristo e o colapso das estruturas civilizacionais – a angústia das nações.

A apostasia é a negação coletiva da fé por parte dos povos, culturas e até de muitos batizados. O apóstolo Paulo, em 2Ts 2, anuncia que “antes venha a apostasia” e se revele o “homem da iniquidade”. Esse abandono da verdade, diferente da simples ignorância, é ruptura deliberada com o Evangelho. Trata-se de uma perda do senso do sagrado, da recusa em submeter-se à verdade objetiva de Deus, e da elevação do homem como único critério moral. A apostasia se manifesta em múltiplas formas: relativismo, sincretismo, idolatria do progresso, dissolução do conceito de pecado, negação da transcendência.

A figura do Anticristo, ainda que envolta em mistério, é doutrina sólida. Ele não é uma metáfora, mas uma realidade pessoal e histórica, embora escatológica em natureza. A Tradição identifica-o como aquele que surgirá no tempo da apostasia, usurpará o lugar de Deus, seduzirá as massas com prodígios e promessas de paz falsa, e perseguirá a Igreja com crueldade. Santo Irineu, São Hipólito, São João Damasceno e tantos outros confirmam sua vinda como o clímax do engano. O Anticristo não se oporá à religião em geral, mas oferecerá uma religião substituta: culto ao homem, ao poder, à técnica, ao domínio. Será, como diz o apóstolo, aquele “que se levanta contra tudo o que é chamado Deus ou objeto de culto” (2Ts 2,4).

A angústia das nações é a consequência moral, espiritual e social desses eventos. Cristo a profetiza em Mt 24 e Lc 21: guerras, terremotos, fomes, traições, escândalos, ódio à verdade. Mas tudo isso não é o fim, e sim o princípio das dores. As nações entrarão em colapso não apenas econômico ou bélico, mas espiritual. O homem moderno, esvaziado de sentido, será levado a aceitar qualquer messias terreno. Haverá confusão global, desordem total, inversão de valores. A ordem criada será profanada, e a ordem moral será ridicularizada.

Contudo, a Igreja não teme esses sinais. Eles são parte da purificação do mundo. São João Crisóstomo dizia que a noite se faz mais escura antes do amanhecer. Assim, também a Igreja será provada, e os fiéis terão que resistir não só às perseguições externas, mas às tentações internas de negar a esperança. A vigilância não será opcional. Os sacramentos serão fortaleza, e a fidelidade, martírio.

A Tradição não nos convida a adivinhar os sinais, mas a reconhecê-los espiritualmente. O cristão não busca datas; busca perseverança. O tempo do Anticristo será breve, e sua queda será esmagadora. Cristo o destruirá com o sopro de sua boca (cf. 2Ts 2,8). Mas antes disso, será exigido dos fiéis não apenas crença, mas testemunho. Não apenas palavras, mas sangue.

A Segunda Vinda se aproxima através dos estertores da história. A escuridão dos sinais é anúncio da luz. O que para o mundo será terror, para os santos será libertação. Os sinais não são ameaça, mas batida à porta: o Esposo se aproxima.

Artigo 2 – A Parúsia de Cristo: Manifestação, Majestade e Imutabilidade.

A Parúsia de Cristo é o centro luminoso da escatologia cristã. Não se trata de um retorno figurado ou espiritual, mas de uma manifestação real, visível, gloriosa e definitiva do próprio Senhor. A tradição católica, fiel às Escrituras e ao Magistério, afirma com clareza: o mesmo Cristo que ascendeu ao Céu, voltará no fim dos tempos — não como servo, mas como Rei e Juiz.

A palavra Parúsia (do grego παρουσία) não significa apenas “vinda”, mas presença majestosa, advento de um soberano. Ela expressa, na teologia, a irrupção de Deus no tempo com poder irresistível, encerrando a história e inaugurando a eternidade visível. Diferente da primeira vinda, marcada pelo véu da humildade e da cruz, a segunda será a plena manifestação da realeza de Cristo. Ele virá “nas nuvens, com poder e grande glória” (Mt 24,30), como anunciado por Daniel e confirmado pelos anjos da Ascensão (At 1,11).

A manifestação será total, sem ambiguidade, sem ocultamento. Toda criatura verá, toda consciência será atingida. Não haverá mediação simbólica ou lugar para dúvida. Os céus serão rasgados, e a glória de Cristo envolverá o cosmos inteiro. Os justos reconhecerão seu Redentor; os ímpios, seu Juiz. A manifestação não será local, mas cósmica. A criação, que geme em dores de parto (Rm 8,22), será envolvida nesse clarão escatológico.

A majestade do Cristo glorificado não será adicionada a Ele, mas desvelada. Desde a ressurreição, Cristo já reina à direita do Pai, mas sua glória permanece oculta aos olhos carnais. Na Parúsia, essa glória será revelada como luz sem ocaso. O “Cordeiro imolado” aparecerá como “Leão da tribo de Judá”, e a cruz, antes instrumento de suplício, será seu estandarte real. Os anjos o acompanharão, os tronos cairão, as nações serão julgadas. Cristo será visto como verdade absoluta, beleza invencível, santidade incontestável.

A imutabilidade da Parúsia é dogma de fé. O evento não será suspenso, postergado, nem alterado por circunstâncias históricas. O Senhor virá quando quiser, como quiser, mas virá com certeza infalível. Ele mesmo o disse: “Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24,35). A Tradição sustenta que o dia do Senhor já está determinado no plano eterno. Não depende da vontade dos homens, nem da conversão coletiva. A Parúsia é dom absoluto, ato divino soberano, que fecha o tempo como se sela um livro.

O Catecismo da Igreja Católica afirma:

“Antes da vinda de Cristo, a Igreja deverá passar por uma provação final que abalará a fé de muitos... O Reino não se realizará por um triunfo histórico da Igreja, mas pelo triunfo de Deus sobre o último desencadeamento do mal” (CIC §675-677).

Portanto, a Parúsia não será diálogo com a história, mas seu juízo. Ela não pedirá licença para entrar no mundo: será o próprio mundo a ser convocado diante do trono. É a hora em que as máscaras cairão, os ocultos se revelarão, e os santos serão glorificados.

Para o cristão fiel, esse momento é esperança ardente. Ele não teme a vinda do Juiz, pois é o mesmo que morreu por ele. A vigilância escatológica é, então, vigilância amorosa. Esperar a Parúsia é manter o coração voltado ao céu e os pés firmes no combate. Quem espera verdadeiramente o Cristo glorioso, vive já na luz do dia que virá.

Artigo 3 – A Ressurreição da Carne: Unificação do Corpo com o Espírito.

No centro da escatologia católica encontra-se a doutrina da ressurreição da carne, professada solenemente no Credo e afirmada por toda a Tradição. Trata-se de uma verdade de fé infalível: no fim dos tempos, todos os mortos ressuscitarão com seus próprios corpos — os justos para a glória, os ímpios para a condenação. Essa ressurreição não é um retorno à vida natural, mas uma transfiguração ontológica: o corpo será restituído ao espírito de forma glorificada, incorruptível, espiritual, mas ainda plenamente humano.

A doutrina se funda em Cristo. A ressurreição de Jesus é o paradigma e a garantia da ressurreição dos mortos. Como ensina São Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, vã é a vossa fé” (1Cor 15,17). Mas se Cristo ressuscitou, e o fez em corpo real — capaz de ser tocado, de comer, mas também de atravessar portas —, então os que são d’Ele ressuscitarão de modo semelhante. A carne, tão humilhada pelo pecado, será redimida pela graça. O homem inteiro, e não apenas a alma, participará da vida eterna.

A tradição católica rejeita qualquer visão espiritualista ou gnóstica que trate o corpo como prisão da alma ou como obstáculo à salvação. Para a Igreja, o corpo é parte essencial do ser humano: foi criado por Deus, santificado pelo Verbo encarnado, instrumento da virtude, templo do Espírito Santo e, por fim, destinatário da glória. A separação entre corpo e alma, causada pela morte, é uma ruptura antinatural. A ressurreição, portanto, é o restabelecimento da unidade do homem, agora elevado à condição escatológica.

Santo Tomás de Aquino, em sua Suma Teológica (Suplemento, q. 75-86), discorre com precisão sobre as qualidades dos corpos ressuscitados. Os justos possuirão quatro propriedades:

1. Incorruptibilidade – não mais sujeitos à doença, decadência ou morte.

2. Claridade – o corpo irradiará a glória da alma em estado de graça.

3. Agilidade – total obediência do corpo à vontade da alma.

4. Sutileza – capacidade de atravessar matéria, como o corpo do Ressuscitado.

Já os réprobos também ressuscitarão, mas seus corpos conservarão a incorruptibilidade apenas como condição de sua pena eterna. Sua existência será a permanência do tormento, a vergonha da carne recusada à graça.

A ressurreição universal precederá imediatamente o juízo final. Não haverá reencarnação, nem retorno cíclico: a vida humana é única, irrepetível, e caminha para a consumação. Todos os homens, desde Adão até o último concebido, comparecerão reunidos com seus corpos diante do trono de Cristo. Não haverá anonimato. Cada um será ele mesmo, em sua identidade plena, restaurada, elevada ou corrompida conforme sua resposta à graça.

Essa doutrina tem implicações práticas e espirituais profundas. Ela convida à reverência pelo corpo, à mortificação virtuosa, ao cuidado com os mortos, à esperança concreta na glória. O cristão não espera dissolver-se no absoluto, mas ser plenamente ele mesmo, redimido, reconstituído, glorificado.

A ressurreição da carne sela o triunfo de Deus não apenas sobre a culpa, mas sobre a morte. Ela é o cumprimento último da Encarnação. O Verbo assumiu a carne para que a carne fosse glorificada. E no dia da manifestação final, todo o cosmos verá o milagre: a carne, que se corrompia, ressuscita para a eternidade. O pó se revestirá de luz.

Artigo 4 – O Juízo Universal: Justiça Eterna e Restauração do Ordinal Divino.

O Juízo Universal, à luz da tradição católica, não é um símbolo didático, mas um evento real e definitivo que encerrará a história humana. Não se trata de um segundo julgamento, mas da manifestação pública e gloriosa daquele juízo que já se deu, em segredo, na hora da morte de cada alma. O juízo final não contradiz o particular, mas o confirma, o torna visível, o insere no drama da história total. O que foi selado no silêncio será proclamado diante de todos os povos e tempos. Cada vida será revelada em sua verdade mais íntima.

Neste dia, o Senhor se assentará em seu trono, rodeado por anjos e santos, e os mortos ressuscitados comparecerão diante Dele. Não haverá mediação, nem defesa retórica, nem escapatória possível. A justiça de Deus será plena, infalível, impessoal e pessoal ao mesmo tempo. Não julgará aparências, mas corações; não números, mas intenções; não resultados, mas fidelidade. Cada ação, cada omissão, cada pensamento, cada recusa da graça será pesados na balança da eternidade.

O Juízo Universal não é somente ato de justiça; é também o instante da restauração da ordem divina na criação. No mundo caído, a desordem impera: os ímpios prosperam, os justos são perseguidos, o mal se disfarça de bem. No juízo final, a verdade se impõe. O que era ambíguo se revela, o que era oculto se ilumina, e cada ser é colocado no lugar que lhe corresponde na hierarquia eterna. É a reintegração da criação na harmonia do Logos.

Para os justos, será hora de glorificação. As lágrimas escondidas, as renúncias ocultas, os sofrimentos silenciosos serão reconhecidos publicamente. Deus não deixará sem recompensa nem mesmo o copo d’água oferecido em Seu nome. A caridade verdadeira, vivida muitas vezes sem aplauso, será exaltada diante dos anjos. Não por vanglória, mas porque a justiça divina exige que o bem, como o mal, tenha sua luz.

Para os réprobos, será momento de vergonha e exclusão. A recusa da graça, a persistência no pecado mortal, a dureza de coração diante da verdade, serão expostos não para humilhação teatral, mas para que a justiça divina se mostre em sua inteireza. O inferno, nesse instante, não será apenas pena infligida: será consequência livremente escolhida. A criatura que rejeita a luz, escolhe as trevas. E Deus, que respeita a liberdade humana até as últimas consequências, apenas confirma essa escolha com seu veredito eterno.

O juízo final não é um tribunal meramente legalista. É teológico, ontológico e cósmico. O universo inteiro participa: os céus e a terra, os elementos, os anjos, a história. É a consumação da ordem, a reestabelecimento do ordo amoris, onde o amor e a justiça se encontram em sua forma mais pura. O Juiz é o mesmo que foi julgado, o mesmo que morreu na cruz. E por isso seu juízo não é arbitrário: é expressão da verdade eterna.

A tradição da Igreja vê esse momento com temor reverente, mas também com esperança jubilosa. É o fim do escândalo, o fim da mentira, o fim da dúvida. É o instante em que a glória de Deus se manifesta sem véus, e todos os joelhos se dobram. Não haverá apelo, mas também não haverá injustiça. Cada alma conhecerá por inteiro a razão de sua sentença. E em tudo será reconhecida a sabedoria de Deus.

Esperar o juízo final não é ansiedade apocalíptica: é certeza de que a história tem um sentido, e que o amor, no fim, será justificado. Quem ama a verdade, deseja esse dia, ainda que tema por si. Quem busca a justiça, o aguarda como o amanhecer. Porque, enfim, Deus será tudo em todos.

Artigo 5 – Inferno e Paraíso: Separação Definitiva e o Destino Escatológico.

Com a consumação do juízo universal, a humanidade é conduzida a seu destino final, irrevogável e eterno: ou o gozo da glória divina na bem-aventurança do Paraíso, ou a separação absoluta de Deus nas trevas do Inferno. A tradição católica nunca hesitou em afirmar com firmeza e gravidade essa realidade escatológica: o Céu e o Inferno não são estados psicológicos ou metáforas pedagógicas, mas condições reais da existência definitiva do ser humano após a ressurreição da carne.

O Paraíso é o cumprimento total da promessa feita desde os patriarcas. Não é um lugar de repouso passivo, mas a plenitude do ser, a consumação do amor, a visão face a face da Verdade eterna. Nele, o homem conhecerá Deus como Ele é, sem véus, sem mediações. A alma será elevada à visão beatífica e, com o corpo glorificado, entrará na comunhão dos santos, onde todos partilham da unidade no Cristo. Não haverá mais dor, nem dúvida, nem sombra. Apenas luz, paz e adoração. O Céu é mais que recompensa: é a própria participação na vida trinitária, onde cada bem particular é absorvido na alegria do Bem absoluto. A caridade que foi plantada na terra floresce ali em eternidade, e cada alma encontra não uma dissolução, mas a sua identidade mais pura em Deus.

O Inferno, por sua vez, é a autodestituição definitiva da criatura que, por livre vontade, rejeita a graça. Deus não cria almas para o Inferno, mas respeita até o fim a liberdade de quem O recusa. O inferno é a consequência da recusa absoluta de Deus, da verdade, da misericórdia. Nele, a alma não experimenta a ausência de Deus como ignorância, mas como tormento. Pois sabe, com clareza irrefutável, que foi feita para Ele e que O perdeu por sua própria escolha. Essa dor espiritual é acompanhada da pena dos sentidos, pois o corpo ressuscitado participa da condenação. Não há alívio, nem progresso, nem esquecimento: há consciência plena, lúcida, irreversível.

Os Padres da Igreja, especialmente São Gregório Magno, Santo Agostinho e São João Crisóstomo, foram unânimes em ensinar que o Inferno é eterno, não por crueldade divina, mas porque o amor não pode ser imposto. Deus se oferece totalmente, mas não força ninguém a recebê-Lo. A eternidade da pena corresponde à eternidade da escolha. O dogma da Igreja exclui qualquer doutrina de aniquilação da alma ou de redenção pós-morte para os condenados. A separação é final, e justamente por isso, a vida presente é tempo de salvação.

A escatologia católica não é indiferente à dor dessa verdade. Os santos choraram por ela. Santa Teresa d’Ávila tremia diante da possibilidade da condenação eterna. São João Maria Vianney suplicava conversão até o último segundo de vida. O Inferno não é arma de medo, mas expressão da seriedade da liberdade humana. No fim dos tempos, todo fingimento será retirado, e cada alma verá o que amou, o que buscou, o que adorou — e com isso será unida ou separada de Deus.

A visão final do Céu e do Inferno revela que a salvação não é uma abstração genérica. Ela é pessoal, concreta, ligada à história de cada um. O tempo presente, com seus sofrimentos, escolhas e cruzes, será iluminado nesse juízo final. O paraíso não será apenas uma recompensa: será o desvelamento da glória que Deus já vinha construindo na alma fiel. O Inferno, por contraste, será a revelação da recusa contínua à luz, que se fez treva pela persistência voluntária no pecado.

A eternidade não é uma linha infinita, mas um estado absoluto. O que ali se é, se é para sempre. Por isso, os santos esperam com temor e esperança. E a Igreja, como mãe, reza continuamente por cada alma, para que nenhuma se perca, e para que todos, no fim, possam ouvir: Vinde, benditos de meu Pai; recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo.

Artigo 6 – A Vitória do Cordeiro: A Cruz Tornada Trono no Fim dos Tempos.

Ao fim de todos os tempos, quando o juízo tiver sido pronunciado e os destinos eternos estabelecidos, a história revelará sua verdade mais profunda: o Cordeiro que foi imolado reina, e reina para sempre. O que o mundo viu como fracasso, Deus manifestará como triunfo. A cruz, instrumento de suplício, aparecerá gloriosa no firmamento como trono do Juiz eterno. Nada da paixão será esquecido, pois nela está o eixo oculto do tempo. A vitória do Cristo crucificado não é apenas espiritual: ela é cósmica, real, total.

O Apocalipse, com suas imagens majestosas e terríveis, prepara a mente e o coração da Igreja para este clímax escatológico. No centro da visão, não há uma espada ou coroa de ferro, mas o Cordeiro — em pé, embora marcado pelo sacrifício. Ele detém o livro da história, rompe seus selos, julga com justiça, salva com poder, reina com misericórdia. A vitória final de Cristo não é destruição violenta do mundo, mas sua transfiguração pela força da cruz. O cordeiro reina porque morreu, e sua realeza não será entendida senão por aqueles que passaram também pelo caminho da renúncia, da obediência, do amor que se entrega.

Na consumação do século, os eleitos verão a cruz como sinal da sabedoria eterna. Ali onde o mundo via fraqueza, escândalo ou loucura, ali brilhará a fonte da glória. A cruz é a chave da história, e no fim, todas as coisas convergirão para ela. A economia da salvação será revelada em sua plenitude, e o plano eterno do Pai, que dispôs todas as coisas em Cristo, será plenamente conhecido. Cada dor assumida em comunhão, cada lágrima unida à paixão, será resgatada como glória. A cruz, no fim, mostrará sua face trinitária: o amor do Pai que entrega, o Filho que se oferece, o Espírito que une.

A vitória do Cordeiro não anula os combates, mas os justifica. A história, tantas vezes marcada pelo absurdo, pelo silêncio de Deus, pela injustiça triunfante, encontrará ali sua resposta definitiva. Não será uma explicação discursiva, mas uma revelação luminosa. Ver-se-á que tudo foi conduzido com sabedoria, mesmo quando os olhos humanos não conseguiam compreender. A cruz glorificada será o selo dessa sabedoria. Não haverá palavra que possa contradizê-la.

Para a Igreja, essa vitória é mais do que promessa: é fundamento da esperança presente. É porque o Cordeiro venceu que os mártires perseveram. É porque a cruz triunfará que os santos não desistem. A liturgia já antecipa essa glória nos cânticos do Apocalipse, nos hinos pascais, nos sinais sagrados. O altar é figura do trono, a hóstia é o Cordeiro, o sacerdote é imagem do Cristo que se oferece. Tudo na Igreja aponta para esse dia em que a cruz será luz.

A vitória final de Cristo é o coroamento da justiça, mas também o esplendor da misericórdia. O mundo será salvo não por força, mas por amor. E todo poder que se opôs a Deus será reduzido ao silêncio diante da humildade vitoriosa do Cordeiro. O tempo terá fim, mas a cruz não passará. Ela permanecerá como sinal eterno da fidelidade de Deus e da resposta dos fiéis. Ela será o novo estandarte, diante do qual toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.

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Capítulo III – Nova Criação: Eternidade, Participação e o Reino sem Fim.

Artigo 1 – A Reintegração Cósmica: Céus Novos e Terra Nova.

A consumação escatológica da história não culmina na aniquilação do mundo, mas na sua reintegração definitiva. A tradição católica, em consonância com as Escrituras, não concebe o fim dos tempos como destruição pura, mas como transfiguração da criação. Quando o Senhor vier em glória, não apenas os homens serão julgados, mas o cosmos inteiro será atingido por esse ato divino de restauração. Céus novos e terra nova não são paisagem imaginária, mas realidade espiritual e ontológica: a ordem criada, marcada pelo pecado e pela corrupção, será purificada, elevada e incorporada plenamente ao Reino.

Essa visão não é alheia ao pensamento bíblico. O profeta Isaías já anunciava um novo céu e uma nova terra como promessa futura, como espaço definitivo da paz entre Deus e seu povo. São Pedro, na sua segunda carta, retoma essa profecia e a conecta com a parusia de Cristo, afirmando que “esperamos novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça”. O Apocalipse de João sela essa promessa com uma visão direta: “vi um novo céu e uma nova terra... a primeira terra passou, e o mar já não existe”. Ali não se trata de extinção, mas de transformação: tudo quanto foi criado, e que geme até agora, será reconciliado em Cristo.

A teologia da nova criação nasce da Encarnação. Se o Verbo assumiu a carne, e por ela redimiu a natureza humana, então essa carne, e com ela toda a matéria, está destinada à glorificação. A ordem física, tão desprezada por heresias gnósticas e espiritualistas, será envolvida pela luz da eternidade. Não se trata de um retorno ao Éden, mas de um salto escatológico: da criação ferida à criação glorificada. O tempo, encerrado, cederá lugar ao estado eterno, e a beleza do mundo não será apagada, mas purificada de toda dissonância. A natureza deixará de ser apenas reflexo e se tornará presença. O rio deixará de correr para o mar, e passará a fluir diretamente do trono do Cordeiro.

A doutrina católica nunca separou a redenção da criação. Desde os Padres da Igreja, especialmente Ireneu de Lião, essa unidade foi afirmada contra toda tentação dualista. O mundo não será abandonado: será elevado. A matéria não será descartada: será espiritualizada. A terra nova não é outra terra, mas esta mesma, tornada transparente à glória de Deus. Nesse horizonte, até os elementos naturais, como luz, som, espaço e movimento, serão permeados pela presença de Deus. Não haverá noite, não porque o sol tenha desaparecido, mas porque o Cordeiro será a própria luz.

O homem, inserido nesse novo cosmos, será plenamente homem. Nada se perderá do que foi bom, justo, belo. Cada memória purificada, cada gesto de caridade, cada obra feita na verdade será incorporada à eternidade. O tempo terá consumado sua função de gerar eternidade, e o mundo criado encontrará seu repouso definitivo. Não mais instabilidade, nem luta, nem corrupção: apenas o repouso dos filhos de Deus, na ordem do Espírito.

Por isso, a esperança cristã é cósmica. Não se limita à salvação individual, nem à sobrevivência da alma, mas abraça a totalidade da criação. A Igreja, ao proclamar a fé na nova criação, convida o fiel a viver já segundo a lógica da eternidade. A oração, o trabalho, o cuidado com a vida, o louvor, tudo deve ser orientado para essa reintegração final. Porque tudo será consumado, e nada que tenha sido oferecido a Deus com amor se perderá. A terra passará, sim, mas renascerá em esplendor. E os justos caminharão nela, não como forasteiros, mas como herdeiros da promessa.

Artigo 2 – A Visão Beatífica: Contemplação, União e Êxtase Ontológico.

No ápice da esperança cristã, acima de todas as promessas de glória, paz e plenitude, resplandece a visão beatífica, fim último do homem e cumprimento supremo de sua vocação. A visão de Deus face a face não é metáfora de uma experiência mística elevada, mas realidade absoluta prometida àqueles que forem glorificados na eternidade. A alma, unida ao corpo ressuscitado e purificada de todo traço de pecado, será elevada por pura graça à contemplação direta da essência divina, sem véus, sem figuras, sem mediações. Essa contemplação não será passiva, mas participativa: a criatura verá, conhecerá e amará Deus como Ele é em si mesmo, em sua Trindade eterna e indivisível.

A tradição católica, desde as formulações de Santo Agostinho até a maturação sistemática em Santo Tomás de Aquino, compreende a visão beatífica como a finalidade objetiva de toda a ordem criada. O homem não foi feito para repousar em si, nem para viver eternamente em um paraíso natural, mas para ser introduzido na própria vida de Deus. E esta participação não será por imagens ou abstrações, mas por um ato direto de intelecto elevado pela graça sobrenatural. A alma será tornada capaz de ver o Infinito, não por força própria, mas por infusão da luz glória — o lumen gloriae — que a capacitará a suportar aquilo que, em sua natureza, a esmagaria. Ver Deus é, pois, mais do que conhecer; é ser transformado naquilo que se contempla.

Essa visão será, ao mesmo tempo, plenitude de conhecimento e êxtase de amor. O que aqui se conhece por fé, lá será visto em realidade. O que aqui se deseja, lá será possuído. Não haverá mais busca, nem dúvida, nem inquietação. O coração do homem, que por natureza não repousa senão em Deus, encontrará repouso eterno, não no esquecimento de si, mas no transbordamento total de sua identidade para dentro do mistério trinitário. O intelecto será satisfeito em sua fome de verdade. A vontade será saciada em sua sede de amor. O ser inteiro será absorvido em uma adoração sem fim, sem cansaço, sem repetição.

Na visão beatífica, cessa o tempo. Não porque o tempo seja destruído, mas porque ele será cumprido. Tudo quanto foi feito em ordem à salvação encontrará ali seu sentido. Cada lágrima, cada renúncia, cada ato escondido de caridade, será iluminado por esse olhar eterno. A alma verá sua própria história à luz do olhar divino, e compreenderá que tudo o que foi permitido cooperou para esse momento. Nenhuma dor será absurda, nenhuma espera será vã. Tudo terá convergido para esse encontro, onde o Amor eterno se revelará como Aquele que sempre esteve presente, mesmo no silêncio e no abandono.

A visão de Deus não anula a individualidade da criatura, mas a realiza. Cada bem particular será preservado e elevado. Não haverá uniformidade estática, mas diversidade em harmonia. Cada santo verá a mesma essência divina, mas sob um grau distinto de participação, conforme o grau de caridade alcançado nesta vida. Haverá hierarquia, sim, mas sem inveja, sem competição, pois a plenitude de um não diminuirá a do outro. O menor no Céu será absolutamente feliz, pois verá a Deus segundo a medida que lhe foi concedida. E essa medida será suficiente, pois será infinita na forma, embora limitada no recipiente.

A visão beatífica é o estado de eternidade, o repouso do sábado eterno, o ápice da redenção. Não há mais possibilidade de queda, nem de perda. A liberdade se consuma na fidelidade, e o desejo encontra seu fim, não na saciedade que farta e enjoa, mas no amor que arde e jamais se extingue. Não há palavras humanas que bastem para descrever esse estado. Mesmo as maiores visões místicas são pálidas em comparação com aquilo que está reservado aos santos. O que o olho não viu, o ouvido não ouviu, e o coração não imaginou, Deus preparou para os que O amam.

É este o Céu: ver Deus, ser visto por Ele, e nele repousar para sempre.

Artigo 3 – O Reino de Deus como Consumação, não Etapa Histórica.

O Reino de Deus, tão frequentemente invocado na pregação evangélica, é, à luz da tradição católica, uma realidade de duplo aspecto: já presente de forma germinal na Igreja, mas ainda por se manifestar em sua plenitude escatológica. Essa tensão entre o “já” e o “ainda não” constitui o núcleo da espiritualidade cristã. Todavia, é fundamental compreender que esse Reino, cuja vinda definitiva se dará com o retorno glorioso de Cristo, não será uma etapa sucessiva na história, mas seu término absoluto. O Reino de Deus não é um momento a mais na sequência dos tempos; é a consumação do tempo, sua absorção na eternidade.

A Igreja sempre combateu as falsas interpretações milenaristas que, ao longo dos séculos, buscaram reduzir o Reino a um estado político ou terrestre, imaginando um reinado temporal de Cristo sobre o mundo antes do juízo final. Contra tais erros, os Padres e os Concílios afirmaram com clareza que o Reino não é de ordem carnal ou histórica, mas espiritual e definitiva. A sua vinda não será uma fase, mas a instauração de uma realidade nova e irreversível, para além de toda sucessão temporal. Cristo, ao declarar que seu Reino “não é deste mundo”, não nega sua presença invisível e eficaz na Igreja, mas recusa qualquer tentativa de submetê-lo às categorias do poder terreno.

No tempo presente, o Reino já se realiza de modo sacramental na vida da Igreja, no mistério da graça, no agir oculto do Espírito. Mas essa presença é velada, imperfeita, sujeita à liberdade dos homens e às limitações da história. É campo onde crescem o trigo e o joio, onde o fermento ainda atua em silêncio na massa. No fim dos tempos, porém, o Reino será revelado como o que sempre foi em essência: domínio absoluto de Deus sobre todas as coisas, irradiação de sua glória sobre toda criatura, participação plena dos eleitos na realeza de Cristo. Não haverá mais ambiguidade, nem sombra, nem resistência. A vontade divina será feita como no Céu, porque não haverá mais terra separada do Céu.

O Reino como consumação não significa anulação da criação, mas sua elevação. Tudo o que foi verdadeiramente humano será assumido. A cultura, a arte, a linguagem, os vínculos forjados em caridade — tudo quanto foi tocado pela graça será preservado e transfigurado. Mas toda estrutura de pecado, toda forma de poder que se opôs à verdade, será abolida. O Reino de Deus é, nesse sentido, o juízo definitivo de tudo quanto foi construído sobre a areia. Só o que foi edificado na rocha subsistirá.

Na eternidade, os santos reinarão com Cristo, não como senhores separados, mas como membros vivos de sua realeza. Participarão de sua glória, de seu juízo, de sua comunhão com o Pai. O Reino, portanto, não é um império exterior, mas uma ordem interior plenamente manifestada. Será a restauração do ordo amoris, onde cada ser ocupa o lugar para o qual foi criado, e onde o amor é a única lei. Haverá governo, mas sem opressão; autoridade, mas sem violência; hierarquia, mas sem inveja. Porque o centro do Reino é o Cordeiro, e sua coroa é a cruz.

Esperar o Reino é esperar, não um evento cronológico, mas uma realidade ontológica. É viver com os olhos fixos na promessa, mas com os pés fincados na fidelidade. É recusar as versões caricaturais do paraíso prometido, e crer firmemente que o que nos aguarda não é mais um mundo — é o fim dos mundos, e o começo do que jamais terá fim. O Reino não virá por evolução, nem por revolução. Ele virá como dom, como luz, como juízo, como presença. E, diante dele, tudo o que é temporário se curvará, e tudo o que é eterno se revelará.

Artigo 4 – A Jerusalém Celeste: Ecclesia Triumphans e a Comunhão dos Santos.

Quando a história se encerrar e o Reino se revelar em sua forma eterna, surgirá plenamente à luz da glória a Jerusalém Celeste, não como metáfora de paz, mas como realidade mística, estrutural, habitável. A tradição católica a identifica não como uma cidade geográfica ou física, mas como o símbolo vivo da comunhão consumada entre Deus e os eleitos. A Jerusalém do alto é a imagem escatológica da Igreja glorificada — a Ecclesia Triumphans —, formada por todos os santos, anjos e bem-aventurados que, unidos ao Cristo-Cordeiro, vivem para sempre na luz da visão beatífica.

A Sagrada Escritura descreve essa cidade como vinda do céu, ornada como esposa para seu esposo. Suas doze portas, seus fundamentos de pedras preciosas, sua ausência de templo — porque o próprio Deus e o Cordeiro são seu templo — não são ornamentos literários, mas expressões simbólicas de verdades teológicas profundas. A nova Jerusalém é, ao mesmo tempo, templo, noivado, povo e morada. Nela, não há mais separação entre Criador e criatura, entre tempo e eternidade, entre culto e vida. Tudo nela é culto perfeito, vida eterna, amor sem sombras.

A Igreja terrestre, peregrina, vive em tensão constante com essa realidade que aguarda. Enquanto caminha, sofre e combate, a Ecclesia Militans contempla a glória da Jerusalém celeste como sua meta e sua origem. Pois é do alto que ela nasceu, e para o alto que retorna. A Liturgia da Igreja já antecipa, ainda que em forma sacramental e velada, essa realidade celeste. Quando os fiéis cantam, oram, comungam, fazem memória dos santos e dos mártires, já participam da communio sanctorum — essa misteriosa ligação entre os que lutam na terra, os que se purificam no purgatório e os que já contemplam a glória. A Jerusalém celeste é o ponto de encontro desses três estados da única Igreja de Cristo.

Na eternidade, porém, essa comunhão será perfeita. Não mais haverá distância, nem véus, nem purificação. Os santos estarão unidos em caridade plena, reconhecendo-se mutuamente, amando-se em Deus, celebrando juntos o louvor eterno. Cada um verá no outro o reflexo da glória de Cristo. A comunhão dos santos não será fusão de consciências, mas convergência plena de identidades, onde cada alma, sem perder-se, será enriquecida pela presença do outro. A caridade será total porque será divina, e o vínculo entre os salvos será expressão da unidade trinitária.

A cidade celeste é também o fim da solidão. Tudo o que aqui foi vivido na fé — vínculos familiares, amizades santas, cruzes partilhadas — será transfigurado, sem possessividade, sem ciúmes, sem sombras. O amor que aqui foi vivido na precariedade será ali selado na eternidade. E o corpo glorificado, refeito em sua plenitude, participará dessa comunhão sem limites. Os santos, em seus corpos espirituais, formarão uma cidade viva, onde o espaço será comunhão, e o tempo, adoração.

A Jerusalém celeste não é apenas dom, é destino. Ela representa o fim para o qual cada batizado é chamado. E é por isso que a Igreja jamais abandona a memória dos santos: ela sabe que ali já estão aqueles que venceram, e que intercedem pelos que ainda combatem. A comunhão dos santos é um só corpo, uma só alma e um só culto. E na cidade do alto, onde não há mais lágrimas, nem morte, nem pecado, tudo quanto é humano, divinizado pela graça, será celebrado eternamente.

Assim, esperar a Jerusalém celeste é viver a terra como exílio, mas não com desespero. É amar este mundo como peregrino ama o caminho: sabendo que o caminho vale, mas porque conduz à casa. E a casa, uma vez aberta, não se fechará jamais.

Artigo 5 – Fim do Tempo e Glorificação da História: Nada se Perde, Tudo se Cumpre.

O advento da eternidade com a Segunda Vinda de Cristo não significa uma anulação da história, mas sua glorificação. A tradição católica sempre sustentou, com profundo senso teológico e místico, que o tempo, embora transitório, não é descartável. O tempo é o útero da eternidade; é nele que a liberdade humana foi exercida, que a graça foi acolhida ou rejeitada, que o Verbo se encarnou. Por isso, o tempo não será apagado como erro, mas levado à sua consumação plena. O fim do tempo será, na linguagem do Espírito, um cumprimento, uma colheita, uma recapitulação.

Na perspectiva escatológica da fé, cada momento vivido na graça será conservado, elevado e manifestado como parte do desígnio divino. Nenhum gesto de caridade será perdido, nenhum sofrimento unido à cruz será esquecido, nenhuma oração secreta será ignorada. Aquilo que parecia irrelevante, nos olhos da eternidade se mostrará essencial. Os caminhos tortuosos, as quedas, as voltas, os silêncios, as esperas, tudo será transfigurado, sem mentira, sem maquiagem. A verdade da história será revelada na luz de Deus, e cada existência será compreendida em sua totalidade.

O tempo deixará de fluir porque não haverá mais vir-a-ser. Tudo quanto devia acontecer já terá acontecido. Mas essa cessação não será como um congelamento, e sim como o repouso do sétimo dia, onde a criação inteira, tendo atingido seu fim, louvará eternamente o Criador. A eternidade, nesse sentido, não é uma sucessão interminável de instantes, mas o presente absoluto de Deus, no qual todas as coisas têm sua raiz e seu cumprimento. O passado não será apagado, mas abraçado; o futuro, não aguardado, mas realizado em plenitude.

A história, tão marcada pelo pecado e pelo drama da liberdade, será lida à luz da redenção. Cristo, que é o sentido de todas as coisas, mostrará como até o mal foi vencido em sua cruz, como até o aparente absurdo foi matéria de glória. A cruz será a chave hermenêutica da história. Não haverá niilismo escatológico. Deus não aniquila o que criou: Ele o restaura, o redime, o eleva. Por isso, cada cultura, cada povo, cada expressão verdadeira da beleza e da verdade será integrada à eternidade, não como relíquia, mas como realização.

Na eternidade, tudo o que foi vivido com amor se tornará luz. O tempo de cada homem será visto como parte de um grande mosaico, onde a Providência soube costurar até as rupturas com fios de misericórdia. E mesmo os pecados confessados, mesmo as feridas curadas, brilharão como sinais da graça. A história pessoal de cada santo será canto de louvor, e o conjunto da história humana, por mais turbulento que tenha sido, será sinfonia ordenada no coração do Cordeiro.

A glorificação da história não relativiza a gravidade do tempo: ao contrário, a confirma. Se tudo será mostrado, se tudo será preservado em sua verdade mais íntima, então tudo o que fazemos importa. Cada minuto é matéria de eternidade. A vida é única, e seu desenrolar no tempo é preparação para o estado definitivo. O que se viveu fora da caridade será perdido como mérito, mas o que foi vivido em Cristo será assumido por Ele e transfigurado.

Assim, o fim do tempo será um início sem ocaso. Não um recomeço cíclico, mas a entrada naquilo para o qual tudo sempre apontou. A história não será negada pela eternidade, mas nela encontrará seu repouso. Nada do que foi feito em Deus se perderá. Tudo se cumpre. E o que era fragmento, será totalidade.

Artigo 6 – O Retorno como Reentrada: Cristo como Alfa e Ômega da História.

A Segunda Vinda de Cristo não será apenas o encerramento da história, mas sua reintegração plena no próprio Cristo, que é princípio e fim de todas as coisas. Dizer que Ele é o Alfa e o Ômega — como proclama o Apocalipse — é reconhecer que todo o real, desde sua origem até seu destino, existe n’Ele, por Ele e para Ele. O retorno de Cristo, nesse horizonte, não é deslocamento ou intervenção externa, mas manifestação definitiva da presença que sempre sustentou o mundo. Ele não virá de fora: Ele se revelará no centro. É o mesmo Cristo encarnado, crucificado, ressuscitado, velado na Eucaristia e oculto na história, que surgirá glorioso, não para começar algo novo, mas para reentrar visivelmente naquilo que nunca deixou de possuir.

A tradição católica entende essa reentrada como ato trinitário e cristocêntrico. O Cristo que volta é o mesmo Verbo que criou todas as coisas no princípio e que, ao fim, levará tudo de volta ao Pai. Ele é a origem que se fez carne, e é também o fim que se tornará visível. N’Ele, o tempo se curva, a criação se consuma, e a eternidade abraça o que foi feito. Não há neutralidade em relação a essa vinda. Não haverá espectadores. O próprio ser será chamado a reconhecer sua origem e seu destino. O universo inteiro será convocado à liturgia do desvelamento.

O Cristo que retorna não será outro. Será o mesmo que caminhou entre os homens, que perdoou pecadores, que suou sangue no Horto, que entregou o espírito na cruz. A reentrada do Filho será, portanto, ato de glória e de memória. Nele tudo será restaurado, e os redimidos verão que sua esperança não foi ilusão, mas fidelidade. Sua carne glorificada será o selo da promessa cumprida, e seu rosto será o mesmo rosto do Servo sofredor, agora irradiante de majestade. Todo joelho se dobrará, não por coação, mas por verdade revelada.

Cristo, sendo o princípio de toda história pessoal e coletiva, será também aquele que sela cada biografia com sentido. Nada escapará de sua luz. Nada que tenha existido fora d’Ele terá permanência. Por isso, sua vinda é também juízo, não por arbitrariedade, mas por coerência: Ele é o critério com o qual todas as realidades serão medidas. O que foi feito segundo Ele será preservado; o que foi contra Ele será consumido no fogo da verdade.

Essa reentrada é também o matrimônio escatológico entre Cristo e a Igreja. A esposa será entregue ao esposo, purificada, glorificada, unida sem separação. A história da salvação se encerrará como um cântico nupcial, onde o amor de Deus, que iniciou todas as coisas com um “faça-se”, se manifestará como plenitude. A cruz, plantada no centro do tempo, será então vista como o eixo invisível que sustentou o mundo até o fim. A criação, que gemeu por séculos aguardando redenção, será conduzida ao repouso. E o nome de Cristo será a última palavra pronunciada sobre tudo o que existe.

Na eternidade, os salvos não apenas contemplarão o Verbo: viverão n’Ele, respirarão n’Ele, serão n’Ele. E compreenderão, finalmente, que a história não foi um acaso, nem um erro, mas um caminho trinitário traçado desde sempre para que, no fim, tudo quanto vive pudesse confessar: Jesus Cristo é o Senhor. Alfa e Ômega, início e fim, causa e destino. O que começou por amor, termina em glória. E o que parecia caos, revela-se como ordem inscrita no próprio Deus.









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