A natureza, em seu sentido mais originário, designa aquilo que nasce, cresce e se desenvolve por si, sem o concurso direto da arte ou da técnica humana. Derivada do grego physis, e mais tarde do latim natura, a palavra guarda em si o dinamismo do vir-a-ser, o mistério da geração espontânea e da ordem imanente. Na antiguidade clássica, sobretudo na filosofia pré-socrática, a natureza era o princípio primeiro de todas as coisas, a totalidade em que o ser se manifesta e se oculta. Para Heraclito, era fluxo incessante; para Parmênides, permanência imóvel. Já em Aristóteles, a physis era o princípio interno de movimento e repouso, a causa formal que explicava o ser de cada ente segundo sua finalidade própria. Assim, a natureza não era o “ambiente” externo ao homem, mas a própria tessitura do real, o campo no qual se desvelava o sentido do mundo.
Com o advento do cristianismo e a consolidação da metafísica medieval, a natureza passou a ocupar um lugar intermediário entre o Criador e a criatura, sendo compreendida como obra de Deus e espelho de Sua sabedoria. Contudo, ainda era pensada como dotada de ordem e finalidade, como uma totalidade coerente que convidava à contemplação e à participação. O homem, nesse cenário, não estava separado da natureza; era parte dela, embora ocupando um lugar singular na escala do ser. A natureza era, então, não apenas aquilo que existe, mas aquilo com o qual o homem convive em comunhão ontológica.
A ruptura moderna, no entanto, reconfigura radicalmente este quadro. Com Descartes, Galileu e Newton, a natureza é convertida em mecanismo, em extensão submetida a leis matemáticas, em objeto de manipulação e domínio. O homem moderno, investido de razão instrumental, coloca-se fora da natureza, diante dela, como senhor e possuidor. O mundo natural, outrora visto como organismo, torna-se máquina. Já não se participa da natureza; dela se extrai, mede e controla. Essa cisão entre sujeito e natureza instaura um dualismo profundo: o mundo deixa de ser a morada do ser para tornar-se cenário de operação. A natureza, reduzida a recurso, deixa de ser contemplada como realidade viva e passa a ser contabilizada em termos de utilidade.
Na contemporaneidade, essa concepção entra em colapso. Diante das crises ecológicas, do esgotamento dos recursos, da emergência de novas sensibilidades éticas e cosmológicas, o pensamento retorna à questão fundamental: o que é, afinal, a natureza? Estaria ela fora de nós, ou seríamos nós uma de suas expressões? Se o mundo natural foi, durante séculos, o pano de fundo silencioso da ação humana, hoje ele se ergue como interlocutor e juiz. E a pergunta filosófica ressurge com força: é a natureza o mundo?
Responder afirmativamente implica reconhecer que a natureza não é apenas um conjunto de coisas visíveis, mas o próprio horizonte de possibilidade do ser, o lugar onde tudo acontece, inclusive a consciência humana. Ao mesmo tempo, implica renunciar à pretensão de exterioridade total: se a natureza é o mundo, o homem está inevitavelmente implicado nela, não como dominador, mas como partícipe. Tal reconhecimento exige uma ética do pertencimento, uma ontologia da coabitação, onde cada ente, humano ou não humano, tem lugar e voz.
A natureza, portanto, não pode ser pensada apenas como substrato físico ou paisagem inerte. Ela é condição de possibilidade, linguagem silenciosa do ser, espelho no qual o homem se vê — e se perde, quando nela já não reconhece sua origem. Reabilitar o conceito de natureza como algo mais do que o “ambiente” ou o “ecossistema” é, hoje, um imperativo filosófico. É restituir ao mundo sua dignidade de morada e ao homem sua vocação de habitante — e não de invasor. Assim, entre a physis antiga e a máquina moderna, entre o cosmos e o recurso, é preciso reencontrar o laço esquecido: o de que a natureza não é o outro do homem, mas o seu próprio mundo em desdobramento.
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