Na obra Ciência da Lógica, Hegel elabora a arquitetura fundamental de seu sistema filosófico, fundando uma lógica que transcende os limites da lógica formal tradicional e da lógica transcendental kantiana. Esta lógica não se refere simplesmente às leis do pensamento subjetivo, mas é a lógica do próprio ser, isto é, a exposição do movimento interno da realidade enquanto pensamento que se pensa a si mesmo. A lógica hegeliana é, portanto, ontológica, pois capta o absoluto na sua autoconstituição conceitual. O desenvolvimento da lógica se articula dialeticamente, por meio de determinações que não permanecem fixas, mas se negam, se conservam e se superam em um processo contínuo de automediação e autodeterminação do conceito.
O ponto de partida da Ciência da Lógica é o ser puro, absolutamente indeterminado, vazio de qualquer conteúdo específico, cuja própria ausência de determinação o faz coincidir imediatamente com o nada. Esta identidade do ser e do nada não é uma simples tautologia, mas revela a vacuidade de qualquer pretensão de fixar a realidade em uma positividade abstrata. Da tensão interna dessa identidade, emerge o devir, que é a síntese dinâmica do ser e do nada, o movimento puro, a transição incessante, no qual o ser se determina tornando-se outro de si e, neste mesmo processo, retorna a si como determinação. O devir, portanto, não é um momento exterior, mas o próprio processo pelo qual o ser se realiza.
A doutrina do ser desenvolve-se então através das categorias de determinação, qualidade, quantidade e medida. A qualidade, enquanto determinação imediata, manifesta o limite como constitutivo da coisa. A quantidade, por sua vez, introduz a exterioridade das determinações, permitindo a transição da diferença qualitativa para a variação quantitativa. A medida, como síntese de qualidade e quantidade, é o ponto culminante dessa etapa, indicando que todo ser determinado possui uma medida interna que condiciona sua realidade específica. No entanto, ao esgotar as possibilidades internas da medida, o pensamento se vê conduzido necessariamente ao domínio da essência.
A doutrina da essência é o momento da mediação. Se o ser era a imediaticidade pura, a essência é o ser que se recolhe, que se torna reflexivo, que se retira da simples presença e se apresenta como o fundamento do aparecer. Aqui, o pensamento não opera mais com determinações dadas de modo direto, mas com relações mediadas, com pares conceituais estruturados em oposição e correlação: essência e aparência, identidade e diferença, interior e exterior, causa e efeito. A essência se constitui como um processo de reflexão, onde cada determinação só possui sentido na sua relação com a sua contrapartida, e toda positividade é imediatamente marcada pela negatividade que a constitui. A contradição emerge nesse contexto não como um defeito ou uma insuficiência do pensamento, mas como a própria dinâmica ontológica que impele o ser à superação de si na direção do conceito.
Este movimento culmina na doutrina do conceito, onde a mediação já não se dá mais externamente, entre opostos que se refletem, mas no interior da própria estrutura do conceito enquanto tal. O conceito é a unidade orgânica da universalidade, particularidade e individualidade, isto é, a realidade que se determina a partir de si mesma, segundo sua própria lógica interna. Enquanto o ser é imediatidade e a essência é mediação reflexiva, o conceito é a autodeterminação plena, o retorno do ser a si mesmo por meio da negatividade da essência. O conceito, portanto, não é uma abstração mental, mas a própria estrutura do real enquanto racionalidade efetiva.
Na articulação interna do conceito, o julgamento surge como a cisão pela qual o conceito se desdobra em sujeito e predicado, estabelecendo as relações diferenciais que estruturam a realidade. O raciocínio, enquanto desenvolvimento do julgamento, revela o processo pelo qual o conceito reconcilia suas determinações, produzindo a totalidade concreta. Este movimento culmina no conceito absoluto, no qual a razão reconhece que todo o desenvolvimento do ser, da essência e do conceito não é senão o processo pelo qual o absoluto se manifesta a si mesmo, tornando-se plenamente transparente a si na forma do espírito.
Este espírito, enquanto conceito realizado, não permanece meramente no âmbito lógico, mas transborda para a natureza e, a partir desta, retorna a si na forma do espírito subjetivo, objetivo e absoluto. Desse modo, a Ciência da Lógica não é apenas uma teoria sobre os conceitos, mas a exposição rigorosa do próprio processo pelo qual o absoluto se autoconstitui, se manifesta e se reconcilia consigo, superando toda cisão entre pensamento e ser, entre sujeito e objeto, entre finito e infinito. O desenvolvimento lógico formal, portanto, não é externo à realidade, mas é a própria dinâmica imanente do real enquanto racionalidade efetiva.
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