Ao longo da história, a constituição de qualquer nação esteve intrinsecamente vinculada à existência de instrumentos estruturais que, além de permitir sua coesão interna, garantiam sua continuidade enquanto entidade minimamente livre. Entre tais instrumentos, nenhum se revela tão fundamental, tão estruturalmente determinante, quanto o monopólio da força — especificamente, a força militar, que opera como base silenciosa, porém indispensável, sobre a qual se erguem as demais dimensões da vida social. É essa força que, ao sustentar os limites da ordem, viabiliza que as expressões culturais, políticas, econômicas e institucionais possam, dentro de certo perímetro de segurança, respirar, florescer e reivindicar seu próprio espaço. Esta realidade, longe de ser uma contingência do passado, permanece vigorosamente ativa na tessitura das grandes potências contemporâneas, como Rússia, China e Estados Unidos, cuja lucidez geopolítica se manifesta, antes de qualquer outra coisa, na permanente atualização, expansão e sofisticação de seus aparatos bélicos, não como fetiche bélico em si, mas como condição ontológica de soberania, de autodeterminação e, portanto, de liberdade.
Entretanto, quando se volta o olhar para a realidade brasileira, o que se percebe é um fenômeno que ultrapassa o mero déficit material ou tecnológico — trata-se de uma inércia existencial da própria camada encarregada de operar a salvaguarda nacional. Uma força que se encontra adormecida, paralisada em um transe narcótico, alimentado por resquícios de um nacionalismo anacrônico, cuja substância já se esvaneceu, restando apenas símbolos ocos e discursos desconectados da realidade histórica e geopolítica presente. O que outrora constituiu um ethos orgânico de proteção, defesa e orgulho coletivo, hoje se converte em simulacro — uma tentativa melancólica de reconstituir um espírito perdido, sem, contudo, enfrentar as condições materiais, estratégicas e intelectuais que essa tarefa exige.
Esse quadro, por sua própria gravidade, conduz inevitavelmente a uma disjuntiva lógica inescapável. Quando se observa que tal força, cuja função precípua seria a de garantir a perenidade da nação e a integridade de seus valores, permite, de modo quase cúmplice, que forças internas — muitas vezes corrosivas, ideológica e materialmente hostis à própria ideia de Brasil — avancem sobre as estruturas da sociedade, surge uma pergunta que não pode ser evitada, e que, embora desconfortável, impõe-se com a severidade própria das questões que decidem o destino dos povos: estaríamos diante de uma elite militar incapaz de compreender o seu próprio papel — reduzida, portanto, a uma condição de ignorância estratégica, de cegueira operacional — ou, mais gravemente, tratar-se-ia de uma elite macomunada, conscientemente alinhada com os vetores de dissolução nacional, convertida, assim, em instrumento ativo da própria desintegração que finge combater?
Responder a essa questão é, sem dúvida, tarefa que exige mais do que mera análise circunstancial. Trata-se de um problema que se enraíza nas camadas mais profundas da psicologia coletiva, da formação histórica da consciência nacional e da arquitetura invisível dos poderes que, muitas vezes, operam além das fronteiras visíveis do Estado. Contudo, o que se pode afirmar, sem qualquer margem de hesitação, é que a permanência desse estado de inação conduz, de modo absolutamente previsível, à expropriação simbólica e material dos próprios fundamentos que ainda sustentam a ideia de Brasil. E se essa força não reencontrar em si mesma a disposição para mover-se, para reativar sua função originária de guardiã da soberania, o que restará, no horizonte não muito distante, será testemunhar que os valores do orgulho, da identidade e da autonomia nacional serão não apenas esvaziados, mas reescritos em outra língua — sob outro alfabeto de poder, outra gramática de dominação, outro destino.
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