sábado, 7 de junho de 2025

As Categorias de Aristóteles: Fundamento Ontológico do Discurso sobre o Ser.

As Categorias de Aristóteles constituem uma das pedras angulares de sua filosofia, oferecendo uma estrutura conceitual rigorosa para a análise da realidade. O filósofo estagirita parte da observação de que tudo aquilo que é pode ser enunciado de modos distintos, e que tais enunciações não são arbitrárias, mas obedecem a princípios fundamentais que estruturam a própria inteligibilidade do ser. Assim, sua classificação das categorias visa apreender os modos fundamentais pelos quais o ser se manifesta ao pensamento e à linguagem.

Em termos gerais, as categorias são modos básicos de predicação, isto é, as formas elementares pelas quais se pode dizer algo a respeito de um sujeito. Aristóteles distingue dez categorias: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, estado, ação e paixão. Dentre elas, a substância ocupa posição central, pois é aquilo que existe em si e não em outro. As demais categorias são modos de ser que se atribuem a uma substância, e por isso são chamadas de acidentes — não têm existência própria, mas existem em algo.

A substância, portanto, é aquilo que é propriamente ente: um homem, um cavalo, uma pedra. Quando dizemos que "Sócrates é homem", estamos atribuindo-lhe uma substância secundária (homem, enquanto espécie da substância), ao passo que "Sócrates" é a substância primeira — aquilo de que tudo mais se predica, mas que não se predica de mais nada.

Já as categorias acidentais permitem apreender as variações e modificações possíveis da substância. A quantidade responde à pergunta “quanto?”, expressando a extensão mensurável do ser (como "três metros"). A qualidade indica “como é” o ser (como "branco", "valente"). A relação remete a uma comparação ou referência a outro (como "maior que", "pai de"). Lugar e tempo situam a substância no espaço e na duração. Posição indica a disposição do corpo (como "sentado"), enquanto o estado refere-se a algo que está aderido à substância de forma estável, como vestimentas ou armas. A ação é o ato de causar mudança em algo, e a paixão, o sofrer ou receber uma ação.

Ao estabelecer tal classificação, Aristóteles não apenas cria um vocabulário técnico para a metafísica, mas também define os limites do que pode ser dito com sentido acerca do mundo. As categorias, nesse sentido, operam como quadros conceituais que delimitam o campo do pensável, do dizível e do inteligível. Elas servem à lógica, à gramática e à ontologia, sendo o ponto de interseção entre a linguagem e o ser.

Por fim, é preciso notar que Aristóteles não propõe essas categorias como construções mentais arbitrárias, mas como reflexos da própria estrutura da realidade. A linguagem, ao empregar essas categorias, não está apenas descrevendo o mundo, mas, de certo modo, o refletindo conforme ele se dá ao pensamento. Assim, as Categorias são ao mesmo tempo uma taxonomia do discurso e uma ontologia mínima — o alicerce silencioso de todo conhecimento racional do ser.

A categoria da substância é a primeira e mais fundamental entre todas as categorias aristotélicas. Ela designa aquilo que existe em si mesmo e não em outro. É o sujeito último do qual todas as demais categorias podem ser predicadas, mas que não se predica de nada mais. Trata-se do ente concreto individual, como “Sócrates”, “este cavalo” ou “aquela árvore”. Ao afirmar “Sócrates é homem”, usamos “homem” como uma substância secundária — espécie da substância — mas é “Sócrates” a substância primeira. Outros exemplos seriam: “este livro sobre a mesa”, “a pedra que rola pelo monte”, “o menino que corre no campo”. Em todos esses casos, temos algo que subsiste por si, e que serve de base para todos os acidentes.

A categoria da quantidade refere-se à extensão mensurável de um ente. Diz respeito ao “quanto” ou “quanto mede” algo. Está presente quando atribuímos medidas, proporções ou dimensões ao sujeito. Exemplo disso se dá na afirmação “o bastão tem dois metros de comprimento”, onde a extensão do objeto é determinada numericamente. Outro exemplo seria “ele pesa 80 quilos”, em que se expressa uma medida de massa, ou ainda “o grupo tinha cinco pessoas”, em que a quantidade define um número discreto. Esses predicados não afetam a substância em sua essência, mas descrevem-lhe dimensões quantificáveis.

A categoria da qualidade expressa o modo como o ente é, em termos de disposição, caráter, cor, forma ou qualquer atributo que defina sua maneira de ser. Quando se diz “o vinho é amargo”, a qualidade refere-se ao sabor. Ao afirmar que “ela é corajosa”, atribui-se uma característica de alma ou caráter. Ou, dizendo “a seda é macia”, trata-se de uma qualidade sensível. Qualidades, para Aristóteles, dizem respeito tanto ao sensível quanto ao inteligível, podendo abranger desde cor e textura até habilidades e virtudes.

A relação designa uma referência do ente a algo distinto de si. Ela expressa um vínculo comparativo ou funcional entre dois sujeitos. Quando dizemos “ele é o pai de Marcos”, a paternidade só se entende em relação ao filho. Em “esta linha é mais longa que aquela”, há uma comparação que exige dois termos. Ou, ainda, quando se afirma “a chave pertence à porta”, há uma referência de uso ou função. Relações, portanto, são essencialmente relativas e não podem existir isoladamente; só se compreendem em paridade.

A categoria de lugar situa o ente no espaço. Diz respeito à posição espacial em que a substância se encontra. Ao afirmar que “o cão está no quintal”, indica-se a localização atual da substância. Em “o livro está sobre a mesa”, a posição espacial é definida pela superfície em que repousa. Outro exemplo: “ele mora em Atenas”, onde o lugar não apenas determina posição, mas também implica um pertencimento geográfico ou político. Lugar é, para Aristóteles, o limite do corpo continente — aquilo que contém sem ser parte do que está contido.

A categoria de tempo delimita a duração ou a posição cronológica do ente. Refere-se ao “quando” algo ocorre ou subsiste. Ao dizer “o jantar foi ontem”, a ação é situada em um ponto anterior no tempo. Em “ele chegou ao meio-dia”, o instante é delimitado. Outro exemplo: “nasceram no inverno”, onde o tempo é referido como estação e não apenas como hora. O tempo, nesse contexto, não modifica a substância, mas marca sua ocorrência no fluxo da duração.

A categoria de posição indica a disposição do corpo no espaço em relação a si mesmo. É diferente de lugar, pois não se refere ao espaço externo, mas à maneira como o corpo está arranjado. “Ele está sentado” é um exemplo claro, onde os membros estão dispostos de certo modo. “O atleta está de pé” também implica uma organização corporal distinta. Ou ainda “o cadáver está deitado”, onde a posição do corpo marca um estado particular e reconhecível. A posição, portanto, envolve o arranjo interno do corpo e sua configuração.

A categoria de estado refere-se a condições que a substância possui como adornos ou equipamentos, algo que pode ser retirado sem afetar sua essência. Quando se diz “o guerreiro está armado”, o estado é conferido pela posse da armadura. “A mulher está calçada com sandálias” também indica um estado por meio de um acessório. Ou “o juiz está togado”, em que a toga representa um símbolo de função ou autoridade. O estado, então, é um tipo de disposição externa e contingente, mas reconhecível.
A categoria de ação diz respeito ao agente que causa mudança ou afeta outro ente. Ao afirmar que “ele corta a madeira”, há uma ação que transforma algo externo. Em “a criança desenha no papel”, a ação é uma produção sensível. Ou, ainda, em “o pregador ensina aos fiéis”, temos uma ação intelectual ou verbal que opera mudança no outro. A ação, nesse caso, parte do agente e se dirige a um paciente, sendo o modo pelo qual algo se efetua no mundo.
Por fim, a categoria de paixão (ou passividade) refere-se ao sofrer de uma ação, ao ser afetado por algo. Quando se diz “a madeira é cortada”, ela sofre a ação de um agente externo. Em “o campo foi alagado”, a terra recebe a ação da água. Ou ainda “ele foi elogiado pelo mestre”, onde o sujeito é afetado por uma manifestação verbal vinda de fora. A paixão é, portanto, o reverso da ação, o polo que recebe, sente, sofre ou é transformado.
Em conjunto, essas dez categorias não se reduzem a classificações linguísticas, mas exprimem os modos fundamentais pelos quais o ser se dá ao pensamento. São, por isso, uma metafísica do discurso, em que cada predicação revela uma dimensão específica da realidade, e onde Aristóteles inscreve a gramática do mundo.


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