quinta-feira, 19 de junho de 2025

A Dissolução da Forma: Poder, Identidade e Engenharia Global.

 

Capítulo I — O Eclipse do Poder Real: Da Autoridade Encarnada à Máquina Administrativa

Artigo I — A Coroa como Forma Teológica: O Rei entre o Céu e a Ordem
Examina a figura do rei como arquétipo de mediação entre o sagrado e o político. Demonstra que o poder monárquico não era meramente institucional, mas expressão visível de uma ordem ontológica. Analisa como o rei representava o centro unificador da vida coletiva e como sua decadência marca o fim da soberania como encarnação.

Artigo II — O Desmonte Metódico: Da Soberania Encarregada à Representação Desvinculada
Investiga o processo histórico de erosão da autoridade real, mostrando que revoluções, constituições e parlamentos, longe de libertarem os povos, os inseriram sob o domínio de uma tecnocracia crescente. Mostra que a "representação" moderna é desvinculada da realidade, operando sob o signo da abstração jurídica e da estatística populacional.

Artigo III — O Rei Morto, o Sistema Vivo: Tecnocracia e a Transição ao Comando Invisível
Descreve como a derrocada do poder real deu lugar a um regime de governança impessoal, operado por redes administrativas, financeiras e tecnológicas. Aqui, Carroll Quigley é mobilizado para demonstrar que essa transição foi planejada pelas elites bancárias e intelectuais anglo-americanas, não como caos, mas como passo necessário para a governança global.

Capítulo II — A Imigração como Vórtice: Estratégia de Dissolução Civilizacional

Artigo I — Fronteiras como Limites do Ser: A Nação como Corpo Político e seu Cerco
Analisa a nação como extensão simbólica do corpo humano: fronteiras, identidade, linguagem, memória. Examina a relação entre território e espírito coletivo. Propõe que a imigração irrestrita não é falha de gestão, mas ferramenta de ataque ao princípio da unidade orgânica.

Artigo II — Caos como Método: Multiculturalismo, Desintegração e Domínio
Desvela a lógica do multiculturalismo promovido pelas elites globalistas. Longe de afirmar a diversidade real, ele funciona como arma de fragmentação, dissolvendo os laços internos da cultura majoritária. A imigração em massa aparece como vetor de desintegração das identidades tradicionais e como pretexto para instaurar estados de exceção e vigilância.

Artigo III — O Cidadão Global e o Fim da Pátria: Universalismo como Cativeiro
Argumenta que o projeto de um “cidadão global” não é humanista, mas anti-humano. Ele anula o pertencimento, esvazia a história, apaga as lealdades concretas e entrega o sujeito a um poder planetário anônimo. A imigração descontrolada cumpre aqui sua função: tornar impossível qualquer enraizamento político real, preparando o homem para aceitar a máquina como novo soberano.

Capítulo III — O Discurso da Dívida Histórica: Culpa, Ressentimento e Engenharia de Sujeição

Artigo I — O Ressentimento como Vontade de Poder: Psicopolítica da Reparação
Aprofunda a análise do ressentimento como estrutura psíquica coletiva. Mostra como o discurso da dívida histórica se alimenta da inveja, do recalque e da negação da responsabilidade individual. Apresenta a figura do intelectual militante como sacerdote moderno de uma teologia da culpa.

Artigo II — Inversão Moral e Manipulação Simbólica: A Vítima como Nova Autoridade
Investiga a inversão dos papéis morais: o culpado voluntário se submete, o beneficiário inconsciente se isenta, e o oportunista ganha espaço. Aqui, a autoridade não se baseia mais na verdade, mas na dor. A vítima — ou quem a representa — torna-se critério último de legitimidade. A análise mostra como esse jogo enfraquece as bases racionais e jurídicas do Ocidente.

Artigo III — Culpa como Instrumento de Governo: Engenharia Emocional e Reconfiguração do Poder
Conclui com uma reflexão sobre a manipulação da culpa coletiva como método de governo. A dívida histórica é explorada como mecanismo de reconfiguração social, onde o Estado passa de servidor do bem comum a gestor de ressentimentos. A engenharia emocional torna-se, então, o novo campo de batalha da política.


Capítulo I — O Eclipse do Poder Real: Da Autoridade Encarnada à Máquina Administrativa

Artigo I — A Coroa como Forma Teológica: O Rei entre o Céu e a Ordem.

A figura do rei, enquanto forma política suprema dos mundos antigos e medievais, não pode ser compreendida fora da articulação metafísica entre ordem, autoridade e transcendência. O rei não era apenas um administrador de territórios nem um árbitro entre facções; ele representava o ponto de encontro entre o invisível e o visível, entre o divino e o social, entre o tempo e a eternidade.

Na concepção tradicional, expressa tanto no pensamento hebraico quanto nas monarquias cristãs da Europa, o rei é ungido, não eleito. Seu poder não emerge da vontade das massas, mas do alto, do céu, sendo a expressão de uma autoridade que transcende os interesses humanos. Trata-se, pois, de um poder que é recebido, e não conquistado, cujo exercício é cercado de obrigações simbólicas, rituais e espirituais. A coroa não é um adorno, é um sacramento: confere ao corpo do rei uma natureza dupla, carnal e espiritual, como se nele encarnasse a própria soberania.

Esse modelo remonta às monarquias sacras do Oriente e se consuma no imaginário cristão medieval, onde o rei é visto como defensor da fé, restaurador da paz e guardião da justiça. Tal figura não se limita à prática política: ela é a expressão de uma cosmologia, onde o mundo é hierarquizado, ordenado segundo graus de participação no Ser. O rei participa mais plenamente da ordem celeste que os demais, não por seus dotes pessoais, mas por sua investidura. Nessa configuração, destruir o rei é abrir o corpo político à anarquia ontológica.

A modernidade, ao rejeitar esse arcabouço, introduz uma ruptura fatal: a soberania, que antes residia numa pessoa sacralizada, passa a residir no povo abstrato, na nação jurídica ou, mais tardiamente, em comitês de administração impessoal. A autoritas é dissolvida, e o que resta é a potestas nua, a força de gestão que organiza populações, fluxos e recursos sem referência superior. O rei não apenas morre: é desintegrado, e com ele o simbolismo que ligava o alto ao baixo.

Ao examinar a coroa como forma teológica, reconhecemos nela o derradeiro elo entre o espírito e a forma social. Sua perda não é apenas um dado histórico: é a manifestação de um colapso espiritual civilizacional. O que se segue não é a liberdade, mas o vazio. Um vazio que será rapidamente preenchido por máquinas, sistemas e funções, mas nunca mais por presença, por autoridade encarnada. O rei, como figura, encerra o drama de uma humanidade que, ao expulsar o sagrado do centro da vida política, entrega-se à gestão técnica do caos.

Artigo II — O Desmonte Metódico: Da Soberania Encarregada à Representação Desvinculada.

A transição do poder real para a democracia representativa é vendida pelos manuais modernos como progresso inevitável. Contudo, o que se esconde nesse deslocamento é a substituição de uma soberania encarnada, visível, e ligada ao dever simbólico, por uma soberania abstrata, funcional e desvinculada do real. O rei não representava um grupo de interesses: ele representava a totalidade do reino. Sua morte não deu origem a um sistema mais justo, mas a uma fragmentação operada por representações rotativas e sem enraizamento.

A representação moderna não opera com base na qualidade ou na participação orgânica, mas na estatística eleitoral e na gestão de expectativas. O que se representa, afinal? Um partido, um grupo, um clã ideológico, mas não mais a ordem comum. A figura do representante, ao contrário do monarca, não simboliza a unidade, mas a disputa. Ele é, em sua essência, transitório, programado, e subordinado à manutenção de sua imagem.

Essa mudança não foi espontânea. Como Carroll Quigley indicou, a ascensão das estruturas administrativas modernas está profundamente ligada às elites financeiras e burocráticas que desejavam controlar os sistemas políticos sem precisar ocupar visivelmente seus cargos. A representatividade moderna serve então como cortina de fumaça: esvazia-se o conteúdo da soberania e distribui-se o simulacro em cadeiras parlamentares, conselhos e comissões.

O desmonte metódico da soberania tradicional segue um roteiro: substitui-se o homem-símbolo por um conjunto de funções; dissolve-se o elo com o transcendente; implanta-se a rotatividade como valor; converte-se a autoridade em gestão. Ao fim, o povo não governa: é administrado. Não decide: opina. E sua opinião é moldada por estruturas que ele não vê, mas que controlam aquilo que ele entende como "espaço político".

Artigo III — O Rei Morto, o Sistema Vivo: Tecnocracia e a Transição ao Comando Invisível.

Com a morte simbólica do rei, não se instaurou o vácuo, mas uma nova forma de poder: não mais encarnada, mas sistêmica; não mais visível, mas operacional; não mais sagrada, mas funcional. A figura do monarca, que respondia ao Alto, foi substituída por redes de gestão que respondem apenas a metas, indicadores e algoritmos. Aqui, o poder não desaparece: ele se automatiza.

A tecnocracia é a forma contemporânea da soberania sem rosto. Os novos soberanos não usam coroas, mas cargos em organismos internacionais, consórcios bancários, sistemas regulatórios e complexos tecnocientíficos. Seu poder não precisa de exércitos — basta-lhe a normatização silenciosa, a gestão da linguagem, a regulação dos fluxos e a tutela da opinião.

Essa transição não se deu por ruptura, mas por substituição gradual. Em vez do "rei que reina mas não governa", passamos ao "sistema que governa sem reinar". Não há responsabilidade, apenas procedimentos. O poder deixa de ser assumido para ser diluído em instâncias técnicas, aparentemente neutras, mas profundamente ideológicas.

Carroll Quigley identificou esse movimento como parte de um projeto: retirar dos povos a capacidade de identificar a origem das decisões que os governam. A impessoalidade do sistema não é um defeito, mas um desenho. A tecnocracia global não deseja governar pelo convencimento, mas pela inevitabilidade. Ela se apresenta como única solução racional a um mundo complexo demais para ser deixado nas mãos de reis, povos ou parlamentos.

Assim, a transição do trono à mesa de reunião, do cetro ao algoritmo, não marca uma evolução, mas uma mutação: do poder simbólico ao poder cibernético. O corpo político não é mais organizado em torno da autoridade e do sentido, mas da eficiência e da adaptação. O rei morto não foi sucedido por um povo livre, mas por uma engrenagem viva que comanda, normatiza e prevê — sem rosto, sem alma, sem responsável.

Capítulo II — A Imigração como Vórtice: Estratégia de Dissolução Civilizacional.

Artigo I — Fronteiras como Limites do Ser: A Nação como Corpo Político e seu Cerco.

A fronteira transcende o simples traçado geográfico para assumir uma dimensão ontológica profunda. Ela representa o limite que define a existência coletiva de um povo, demarcando não apenas espaços físicos, mas ordens simbólicas, linguagens, memórias e modos de ser distintos. A nação, assim, configura-se como um corpo político vivo, uma totalidade orgânica que se reconhece na continuidade de sua forma e identidade. A preservação dessa integridade exige a manutenção dos seus limites, pois a fronteira é o que assegura a distinção e a coesão interna.

Ao contrário de uma barreira arbitrária ou expressão de hostilidade, a fronteira é um princípio vital, semelhante à pele que protege um organismo, garantindo sua integridade frente ao ambiente externo. A dissolução ou relativização dessa linha, promovida por discursos globais que exaltam a “solidariedade” e a “inclusão” sem limites, constitui um ataque direto ao ser da nação. Essa política de fronteiras abertas, muitas vezes vendida como gesto humanitário, atua como instrumento deliberado de desestruturação do corpo político.

A invasão de fluxos migratórios desordenados, oriundos de contextos culturais e sociais dissonantes, impõe tensões e choques de valores que corroem o tecido simbólico da nação. A assimilação, que é processo complexo e gradual, é substituída por convivência forçada, onde o pluralismo se torna fonte de conflito e fragmentação. Enquanto as elites que promovem essas políticas se resguardam em guetos protegidos e ambientes seletos, o povo é lançado à experiência de insegurança, sobrecarga de serviços públicos e diluição de sua cultura e identidade.

Essa manobra configura um cerco simbólico e material ao corpo político, um vírus que desestabiliza as defesas naturais da nação, tornando-a vulnerável a influências externas e a um poder supranacional que se alimenta do caos para impor sua autoridade. O globalismo sabe que sem fronteiras não há pertencimento e, sem pertencimento, não há resistência.

A negação da fronteira equivale, em última instância, à negação do ser coletivo. O discurso que transforma o limite em tabu e o defensor da nação em inimigo é parte da violência simbólica contemporânea que liquida a dignidade política dos povos em nome de uma universalidade abstrata e despida de enraizamento.

Artigo II — Caos como Método: Multiculturalismo, Desintegração e Domínio.

O multiculturalismo, longe de ser uma celebração das diferenças, é uma doutrina de dissolução. Ele não visa à convivência harmônica entre culturas distintas, mas à superposição desordenada e conflituosa de modos de vida inconciliáveis dentro de um mesmo território. A consequência não é a paz, mas o caos. Um caos administrado e desejado pelas instâncias que lucram com a instabilidade.

Sob o manto da inclusão, o multiculturalismo impõe a impossibilidade de unidade. Ele dissolve o imaginário comum, fragmenta o espaço público, atomiza o tecido social. A cultura majoritária, em vez de ser o eixo estruturante, é relativizada, culpabilizada e enfraquecida. O resultado é a inversão de hierarquias simbólicas: o centro cede lugar à periferia, a continuidade à ruptura, a memória ao esquecimento.

Esse caos não é efeito colateral. É estratégia. A desintegração social gera demanda por controle. Onde antes bastava a autoridade simbólica compartilhada, agora exige-se vigilância, policiamento, censura e normatização obsessiva das relações. O caos cultural abre espaço para a tecnocracia de contenção. A torre de Babel moderna serve ao Leviatã digital.

A elite globalista compreende com precisão esse mecanismo. Patrocina a substituição demográfica não apenas por razões econômicas, mas para gerar instabilidade permanente. Povos que não se reconhecem mutuamente não resistem juntos. Grupos em tensão constante imploram por mediação superior. A engenharia multicultural é, pois, uma arma silenciosa: incapacita a unidade e, assim, prepara o campo para o domínio técnico total.

A propaganda multicultural ignora que culturas não são equivalentes nem perfeitamente compatíveis. Cada cultura é um mundo, com sua gramática simbólica, seus interditos, seus ritos. Sobrepor culturas sem critérios é destruir todas. A ilusão de que tudo pode conviver é, em si, uma forma de desrespeito: desrespeito ao enraizamento, à memória, à forma de vida como expressão de um povo.

No centro dessa lógica está a recusa da verdade. O multiculturalismo, como engenharia, não admite formas superiores de civilização, não reconhece hierarquias de valor, não aceita que algo possa ser considerado mais verdadeiro, mais belo ou mais justo. Tudo é equivalente — e, portanto, descartável. Quando tudo vale, nada tem valor. E o vácuo axiológico que se abre é rapidamente ocupado por normas técnicas, protocolos de conduta e dogmas igualitários.

O resultado é uma sociedade sem alma. Uma colcha de retalhos onde os fios não se entrelaçam, mas se repelem. A comunidade dá lugar ao coletivo funcional. A pátria vira espaço de circulação. A lei, ferramenta de acomodação. E a política, instrumento de contenção de fraturas. O multiculturalismo não constrói um mundo novo — apenas dinamita o velho, para que no escombro reine o controle sem rosto.

Artigo III — O Cidadão Global e o Fim da Pátria: Universalismo como Cativeiro.

A figura do “cidadão global” emerge como projeto político-ideológico que visa dissolver os vínculos concretos da pessoa com sua terra, sua história e sua comunidade. Essa identidade deslocada pretende substituir o pertencimento orgânico por uma adesão abstrata a direitos universais e valores cosmopolitas, promovendo a liquefação das identidades particulares em nome de uma suposta fraternidade universal.

Essa operação não é neutra nem espontânea, mas parte de uma estratégia que instrumentaliza o universalismo como forma de controle. Ao descolar o sujeito do território e do corpo político, o projeto globalista cria um indivíduo isolado, desprovido de raízes e de sentido histórico, pronto para ser moldado pelas instituições supranacionais e pelas tecnologias de vigilância.

A destruição da pátria como espaço de enraizamento político implica a perda da liberdade verdadeira, pois o pertencimento não é mero dado legal, mas experiência viva de solidariedade e responsabilidade compartilhada. O universalismo abstrato, que se apresenta como emancipatório, é na verdade um cativeiro, pois rompe o elo entre o sujeito e sua fonte de legitimidade e sentido.

O cidadão global é um ser de direitos desconectados de deveres, uma figura que exige proteção e inclusão, mas que não se compromete com o corpo coletivo. Essa fragmentação do sujeito político favorece a governança técnica e burocrática, que substitui a participação ativa pelo controle passivo, a decisão soberana pela gestão automatizada.

Nesse cenário, a pátria, a nação, a cultura e a história tornam-se obstáculos a serem superados em nome de um “humanismo” que não reconhece diferenças nem hierarquias, mas apenas protocolos e normas. A consequência é a erosão da autonomia popular e a ascensão de uma autoridade global sem rosto, que governa a partir da uniformidade e do desencanto.

Assim, o fim da pátria não é o início da liberdade universal, mas o prelúdio da servidão em escala planetária. O universalismo desarraigado instala uma nova forma de dominação: sutil, difusa e totalitária, que anula a polis para transformar o homem em mero objeto de gestão.

Capítulo III — O Discurso da Dívida Histórica: Culpa, Ressentimento e Engenharia de Sujeição.

Artigo I — O Ressentimento como Vontade de Poder: Psicopolítica da Reparação.

O discurso da dívida histórica opera com a lógica do ressentimento elevado à condição de motor político. Não se trata de justiça, mas de vontade de poder mascarada por uma retórica de reparação. O ressentido não busca equilíbrio: busca domínio. A injustiça real do passado é usada como instrumento para a redistribuição simbólica de culpa e autoridade no presente. E essa redistribuição não visa restaurar a ordem, mas invertê-la.

O ressentimento, como estrutura psíquica, é marcado pela incapacidade de aceitar o próprio fracasso sem projetar a culpa sobre o outro. É uma paixão reativa, que se alimenta da inveja, do recalque e da idealização da vítima. Quando convertido em programa político, esse estado de espírito dá origem a uma nova moralidade: a moral do humilhado triunfante, do fraco elevado à condição de juiz moral absoluto.

A figura do militante da dívida histórica é o novo sacerdote do ressentimento. Ele não busca curar feridas históricas, mas mantê-las abertas como fonte permanente de poder discursivo. Sua autoridade vem da dor, e não da razão. Sua legitimidade deriva do sofrimento ancestral que ele reivindica, mesmo que não o tenha experimentado. Sua linguagem é moralista, mas sua motivação é essencialmente política: capturar o imaginário coletivo e redefinir os critérios de justiça, mérito e verdade.

Esse processo cria uma nova hierarquia simbólica: o culpado voluntário é convidado a se calar; o crítico é silenciado sob acusações de opressão; e o ressentido é entronizado como novo mediador entre o passado e o futuro. A justiça se transforma em liturgia, e a política em ritual de expiação contínua.

A psicopolítica da reparação não emancipa ninguém: escraviza todos à memória seletiva e à paralisia moral. O passado, em vez de ser compreendido, é mitificado; e o presente, em vez de ser transformado, é reconfigurado como palco de uma eterna culpa coletiva. Nessa estrutura, o ressentimento deixa de ser um sintoma e passa a ser método.

Artigo II — Inversão Moral e Manipulação Simbólica: A Vítima como Nova Autoridade.

No novo regime simbólico instaurado pelo discurso da dívida histórica, a figura da vítima ocupa o centro do poder moral. Já não é o justo, o sábio ou o virtuoso que conduz a comunidade, mas o ferido — ou aquele que reivindica falar em nome da dor. A dor, nesse sistema, não é mais uma experiência a ser superada, mas um capital político, uma fonte inesgotável de autoridade simbólica. A vítima transforma-se no novo soberano moral.

Essa inversão não é mera consequência de uma mudança sensível, mas uma reengenharia profunda dos critérios de autoridade. A tradição aristotélico-tomista, que via a autoridade como fundada na excelência da alma racional e ordenada ao bem comum, é substituída por uma lógica emotiva, onde quem mais sofreu — ou diz ter sofrido — possui prerrogativa interpretativa sobre o mundo. A dor passa a ser o critério último da verdade.

Essa dinâmica permite uma manipulação simbólica sofisticada: ao investir a vítima de autoridade absoluta, elimina-se o contraditório. O agressor presumido, mesmo que inexistente, é deslegitimado por definição. O espaço público transforma-se num tribunal moral onde os papéis estão previamente designados: culpado é quem pertence à classe, cor ou cultura historicamente dominante; inocente é quem invoca a herança da opressão.

A manipulação opera sobre dois eixos simultâneos: a moral e a linguagem. Na esfera moral, instaura-se a ideia de que toda crítica ao discurso da vítima é nova violência, chamada de revitimização. No campo linguístico, qualquer tentativa de problematizar a narrativa oficial é classificada como discurso de ódio. Assim, a verdade factual torna-se irrelevante — o que importa é a coerência emocional da narrativa. A história torna-se instrumento, e não objeto, da política.

O resultado é a cristalização de uma nova elite simbólica: não mais a dos méritos, mas a das memórias. Uma elite formada por porta-vozes da dor, legitimados por sua suposta proximidade com o sofrimento ancestral. Essa elite moral redefine o vocabulário da vida pública e decide quem pode falar, como e sobre o quê. Trata-se de um regime de controle pela sensibilidade, onde a autoridade não se exerce pelo logos, mas pelo pathos convertido em dogma.

Tal sistema é politicamente útil às forças de dominação tecnocrática, pois substitui o conflito de ideias pelo conflito de sensibilidades, imobilizando a razão crítica. A política torna-se, então, administração de afetos. O soberano moderno já não é o legislador: é o gestor de ofensas. E o espaço público deixa de ser arena de argumentação para se tornar espaço de vigilância emocional.

Essa inversão, longe de promover justiça, perpetua o desequilíbrio. Ao elevar a vítima à condição de oráculo, compromete-se a justiça, pois esta requer distância, proporção, objetividade. O novo regime substitui o critério pelo clamor, a ponderação pela denúncia, o argumento pela acusação. Assim, a manipulação simbólica da vítima torna-se uma forma eficaz de silenciar, subjugar e governar — sob o pretexto de emancipar.

Artigo III — Culpa como Instrumento de Governo: Engenharia Emocional e Reconfiguração do Poder.

A culpa, enquanto afeto político, tornou-se uma das mais eficazes ferramentas de controle no regime simbólico contemporâneo. Sua instrumentalização não se dá por acaso: ela oferece o terreno ideal para a aceitação passiva de normas, a obediência cega a instituições e a autocensura espontânea dos indivíduos. A engenharia emocional que opera por meio da culpa não visa à expiação, mas à administração prolongada da impotência.

A lógica é clara: se a história é uma cadeia de opressões, então o presente é um campo de reparação constante. Essa reparação, no entanto, não é pontual nem mensurável — ela é infinita, difusa, indeterminada. O culpado moderno, especialmente aquele pertencente ao que se chama de “classe dominante” histórica (homem, branco, cristão, ocidental), não pode se redimir; sua culpa é estrutural, hereditária, ontológica. Ele não deve agir: deve aceitar, calar, entregar.

Esse modelo de governo é perfeitamente funcional ao ideal tecnocrático. Ele substitui a ação política pela passividade moral. Quem carrega culpa não questiona: obedece. Não reivindica: justifica. Não resiste: autoflagela-se. A engenharia emocional da culpa reconfigura o poder, deslocando-o da coerção para a sugestão, da violência para a conformação afetiva. Trata-se de uma servidão voluntária afetiva, onde o sujeito se rende em nome de uma justiça que nunca chega, mas cuja promessa nunca cessa.

O aparato institucional que alimenta essa estrutura é vasto: escolas, mídia, leis, discursos religiosos secularizados. A pedagogia da culpa começa na infância e segue pela vida adulta, moldando o sujeito para a conformidade, para a abdicação moral e para a dependência de mediações alheias à sua vontade. A elite que manipula essa emoção sabe que o homem culpado não tem coragem, não se organiza, não lidera. Apenas sobrevive.

No plano coletivo, essa engenharia anula a soberania. Um povo que se vê como culpado de sua própria história torna-se incapaz de defendê-la. Abre mão de suas tradições, de sua cultura, de sua força. Aceita a colonização simbólica em nome da justiça, a perda da autonomia em nome da reconciliação, o enfraquecimento em nome da paz. A culpa funciona, assim, como vírus político que corrói a espinha dorsal da civilização.

O que está em jogo, portanto, não é o reconhecimento de erros passados, mas a transformação da culpa em método de governo. A memória, reconfigurada por critérios ideológicos, passa a servir como base para a reconstrução seletiva do presente. E esse presente, culpado, anestesiado e fragmentado, torna-se ideal para o domínio técnico global, onde não há mais heróis, mas apenas gerenciadores de narrativas.

A superação desse quadro não exige negação do passado, mas recuperação da responsabilidade. Somente uma civilização que reconhece seus méritos e falhas com equidade, e que se recusa a viver de joelhos perante suas sombras, pode voltar a erguer uma política fundada na verdade e na justiça. Fora disso, restará apenas a administração cínica das emoções, o controle psicológico de massas e a lenta extinção do espírito político ocidental.



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