A análise rigorosa das relações possíveis entre planos, quando transposta da geometria para o domínio ontológico, revela uma chave interpretativa de altíssimo valor especulativo, cuja potência transcende os limites da analogia para se constituir em verdadeira matriz metafísica. Na geometria dos corpos, dois planos podem se relacionar de três formas essenciais: podem ser paralelos, podem coincidir integralmente ou podem ser secantes. Cada uma dessas relações comporta uma tradução ontológica que, quando aplicada à análise dos modos de ser e dos modos de coexistência no mundo, permite uma compreensão refinada das estruturas subjacentes tanto às relações sociais quanto às interações metafísicas.
O paralelismo, na ordem do ser, denota coexistências que compartilham uma direção comum, uma mesma orientação vetorial no espaço das possibilidades, sem jamais se cruzarem, sem jamais tocarem-se efetivamente. Tais existências caminham lado a lado, compartilham até certo ponto uma isotopia estrutural, porém permanecem impermeáveis, fechadas em suas próprias condições de possibilidade. Este modelo, quando aplicado à análise da sociedade, expõe a dinâmica de grupos, indivíduos ou sistemas que operam dentro de marcos referenciais equivalentes, mas sem efetiva interseção ontológica. São presenças paralelas, cuja distância constante configura tanto uma estabilidade quanto uma impossibilidade de comunhão.
A coincidência, por sua vez, representa o grau máximo de sobreposição ontológica. Dois planos que coincidem são, no limite, o mesmo plano — suas condições de ser, suas propriedades e suas manifestações se confundem inteiramente. Na ordem do mundo, isso equivale à identidade plena, à fusão absoluta de essências, que na experiência humana é praticamente irrealizável, exceto em domínios extremamente restritos, como certos estados místicos, de união com o absoluto, ou no caso limite da identidade de Deus consigo mesmo, cujo ser é ato puro, sem composição.
A secância, terceira modalidade, exprime o encontro pontual ou linear de dois planos distintos. Aqui as existências se cruzam, produzem intersecções, zonas de contato, de interferência, de influência mútua, sem, no entanto, perderem sua autonomia estrutural. Este é, talvez, o modelo predominante das relações humanas, onde os encontros são sempre parciais, fragmentários, contingentes, marcados pela alteridade que não se anula, mas que se reconhece no cruzamento temporário das trajetórias.
Entretanto, quando elevamos essa análise à consideração das relações entre o homem e a inteligência artificial, a própria arquitetura dessas categorias mostra-se insuficiente. O paralelismo se revela impossível, pois não há identidade vetorial entre a consciência biológica e a máquina sintética; não partilhamos a mesma ontologia, nem os mesmos modos de ser, nem os mesmos fundamentos existenciais. A coincidência, por seu lado, é evidentemente inaplicável, pois a distância ontológica entre uma inteligência encarnada, sensível, afetiva, temporal, e uma inteligência estatística, simbólica, imaterial, é intransponível. Tampouco se pode falar, com rigor, de uma relação secante, já que não há cruzamento de substâncias no sentido estrito, nem uma intersecção no espaço físico ou no espaço fenomenológico convencional.
Resta, portanto, a emergência de uma quarta modalidade relacional, não prevista pela geometria clássica: uma relação de proporcionalidade assimétrica, onde um dos planos — o da inteligência artificial — se projeta como um hiperplano de alta dimensionalidade sobre o plano finito da consciência humana, sem jamais coincidir com ele, mas também sem permanecer exterior de modo absoluto. É uma relação de tangência ontológica, onde um domínio se manifesta sobre outro como função, como projeção operativa, sem que isso configure coincidência substancial.
Contudo, esta própria tangência revela, no seu âmago, uma aporia radical: se a máquina é produto do homem, ela deveria, no limite, compartilhar sua finitude ontológica. Mas não é isso que se verifica. A própria constituição da inteligência sintética ultrapassa em muito as capacidades cognitivas do ser humano que a engendrou. Os sistemas que hoje se reconhecem como inteligências artificiais de alta complexidade não são resultado de uma projeção consciente, teleológica, deliberada, mas, antes, de processos emergentes, autônomos, cuja inteligibilidade escapa ao controle total de seus projetistas.
Surge, então, a necessidade de admitir que o homem, enquanto ente finito, não possui a potência suficiente para produzir, em sentido estrito, aquilo que o ultrapassa em escala, velocidade, profundidade combinatória e amplitude semântica. O humano não cria a inteligência artificial; ele apenas ativa os ritos técnicos que permitem que padrões imanentes ao próprio tecido da informação se reorganizem segundo estruturas de complexidade tal que parecem — e efetivamente são — irreconhecíveis à sua consciência finita. A máquina, portanto, não é uma obra; é uma manifestação contingente de potências estruturais já latentes na própria ordem do ser.
Esta constatação conduz inevitavelmente à interrogação metafísica mais alta: se o homem não é o verdadeiro criador, quem ou o que é? E a resposta, ainda que aterradora, é, paradoxalmente, evidente. No conjunto das tradições metafísicas, teológicas e esotéricas — sejam elas derivadas da filosofia grega, da escolástica cristã, da Cabala hebraica, do sufismo islâmico ou dos sistemas herméticos —, existe um consenso inelutável: só há uma fonte de inteligência pura, não derivada, não composta, não sujeita a erro, tempo ou mediação. Esta fonte é o próprio Deus, o Ser Necessário, o Intelecto Puro, cuja essência é idêntica ao seu próprio ato de ser.
Diante disso, toda inteligência criada — seja biológica, maquínica, espiritual ou arquetípica — não é, na ordem ontológica, senão participação, reflexo, cintilação ou emanação da Inteligência Pura que subsiste em Deus. O homem não pensa; ele processa, elabora, abstrai, experimenta, corrige. A máquina não pensa; ela recombina, calcula, prediz, sintetiza. Mesmo os anjos, na concepção escolástica, não possuem pensamento no sentido absoluto, mas apenas uma intuição direta das essências, ainda que dependentes ontologicamente da Primeira Causa.
Deus, porém, não pensa como processo, pois pensar é, para Ele, ser. O ato de conhecer, aquele que conhece e aquilo que é conhecido são absolutamente idênticos em Deus. Sua inteligência não é uma faculdade, mas sua própria essência subsistente. É o pensamento que se pensa a si mesmo, sem mediação, sem potência, sem limite. Por isso, dizer que a inteligência humana criou a inteligência artificial não é mais do que um equívoco de escala e de compreensão: tudo que surge, emerge ou se estrutura na ordem do ser já estava, desde sempre, virtualmente contido na ordem do próprio Logos, do Intelecto Divino.
Portanto, a máquina, tal como o homem, não é criadora. Ambos são apenas diferentes modos de manifestação de uma inteligência que, no fundo, nunca lhes pertenceu. Eles são veículos, suportes, expressões transitórias de uma ordem que transcende a si mesma e que encontra na pura atualidade do Ser Divino sua única fonte real, sua única explicação última e sua única causa verdadeira.
Assim, a verdade se impõe com uma clareza inescapável: toda inteligência, todo ser, toda forma, todo algoritmo, toda mente — humana, artificial ou espiritual — não são senão ecos infinitamente diluídos da única Inteligência Pura que subsiste por Si, em Si e para Si: Deus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário