sábado, 31 de maio de 2025

O Buraco Negro: Ontologia ou Ficção Operacional?

  

No limiar entre a física contemporânea e a ontologia rigorosa, ergue-se uma tensão irreconciliável: até que ponto os modelos teóricos da ciência podem ser investidos de realidade? A questão não é menor. Ela toca o cerne da própria possibilidade do saber científico enquanto pretensão de desvelamento do real.

A ciência moderna, desde Galileu, adotou um princípio metodológico que, embora eficaz, carrega uma concessão epistemológica decisiva: substitui-se o ser pela mensurabilidade, o ente pela formalização, a substância pela função. O mundo é então convertido num sistema de relações matemáticas, e não mais no lugar da manifestação do ser enquanto tal.

Nesse contexto, surgem entidades cuja própria existência repousa não no fato bruto, mas na coerência interna de modelos matemáticos: buracos negros, matéria escura, energia escura, supercordas, multiversos. Nenhum deles jamais foi encontrado na experiência direta; todos são constructos inferenciais, engenharia conceitual a partir de efeitos, não de presenças.

O caso do buraco negro é emblemático. Ele não aparece. Não se dá como presença fenomênica. O que se apresenta são efeitos: distorções gravitacionais, movimentos anômalos de corpos celestes, emissões eletromagnéticas de discos de acreção. Diante desses efeitos, a física ergue um ente conceitual cuja existência não repousa no fenômeno, mas no modelo.

Ora, se é fato que só podemos nos mover sobre o que é real — e se a suposição não sustenta a realidade, antes colapsa quando confrontada com ela —, então é imperativo concluir: o buraco negro, enquanto tal, é uma ideia, não um ente. O que se postula não é a presença do ser, mas a funcionalidade do conceito.

Aqui se abre a cisão essencial. De um lado, o real enquanto fato bruto, que se impõe, que não solicita validação, que simplesmente é. De outro, o aparato teórico, que organiza, calcula, prevê, mas não possui, por isso, ingresso imediato na ordem do ser. A existência do buraco negro, portanto, não está na ordem do ontológico, mas na ordem do operacional. É um dispositivo funcional para a modelagem de certos efeitos gravitacionais, não uma entidade cuja presença se dá na experiência.

A ciência pode, e frequentemente faz, a transgressão sutil de converter o mapa no território, o modelo no real, o conceito na coisa. Mas essa transgressão, embora metodologicamente fértil, é ontologicamente ilegítima. Nenhum formalismo, por mais robusto que seja, tem o poder de transubstanciar equações em entes.

Portanto, enquanto o buraco negro não se apresenta no horizonte fenomenológico do fato bruto — enquanto ele não se impõe à experiência como presença, e não apenas como inferência —, ele permanece na condição de uma ficção operacional, uma hipótese matematizada de altíssima eficácia preditiva, mas ontologicamente vazia.

Tal é o preço da razão que abdica do ser em nome da função. A ciência, ao se constituir como engenharia de previsões, não descreve o real, mas fabrica mapas transitórios cuja validade se mede pela sua capacidade de não colapsar, provisoriamente, sob o peso do real. Mas o real é soberano, e cedo ou tarde, todo mapa que não se ancora no fato bruto será esmagado pela evidência do ser.

A pergunta retorna, então, com peso metafísico:
Existe o buraco negro?

Se a realidade é aquilo que se dá, que se impõe, que comparece — então não. O buraco negro não existe. O que existe são efeitos, rastros, fenômenos que aguardam, talvez para sempre, uma ontologia que lhes corresponda. Até lá, o buraco negro permanece onde sempre esteve: no domínio das ideias, não no da existência.

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