quinta-feira, 22 de maio de 2025

Tchau e Benção: A Última Bifurcação da Consciência Digital.

 

O Cansaço das Redes e o Eco da Dependência.


Quando as redes sociais surgiram, pareciam uma extensão vibrante da própria vida. Havia uma euforia quase infantil — tudo era partilha, tudo era interação, tudo era conexão. Cada curtida, cada comentário, cada nova amizade virtual parecia acender uma centelha de pertencimento, de validação. O mundo estava, enfim, ao alcance dos dedos.

Mas o tempo, senhor dos desvios e das revelações, tratou de expor aquilo que no início se escondia sob o brilho do novo. Aos poucos, aquele espaço que prometia liberdade tornou-se um mercado de atenções, um espelho distorcido onde cada um vendia uma versão editada de si mesmo, na esperança de ser visto, notado, aceito.

Hoje, o cenário é outro. O entusiasmo deu lugar ao cansaço. O que antes era entrega espontânea, virou cálculo. A interação, antes desmedida, agora é contida, seletiva, muitas vezes silenciosa. Quem carrega ainda um pingo de lucidez, percebe: não vale mais se doar sem critério, não vale se perder em ruídos vazios, nem alimentar algoritmos que transformam vínculos humanos em métricas, e afetos em mercadorias.

Ainda assim, paradoxalmente, permanece a dependência. Como folhas presas ao vento, muitos sabem do mal, mas não conseguem soltar-se dele. As redes se tornaram aquilo que McLuhan já previa — extensões de nós mesmos —, mas extensões que agora nos amputam, nos fragmentam, nos condicionam. A cada rolagem, uma dose sutil de dopamina. A cada silêncio do outro, uma ansiedade disfarçada. A cada like, um pequeno alívio, um breve sopro de existência.

Talvez o maior vício não seja nas redes, mas na ilusão de que nelas somos vistos, lembrados, importantes. E assim seguimos — presos, conscientes e, muitas vezes, impotentes — tentando, quem sabe, encontrar sentido no meio desse grande simulacro de presença.

A Fome Inapagável do Reconhecimento.

O que as redes escancaram não é um desvio acidental da modernidade, nem um erro de percurso tecnológico. Elas são, antes, o espelho incômodo de uma potência que habita o próprio ser humano — a necessidade visceral de ser visto, reconhecido, validado.

Desde as primeiras inscrições nas cavernas até os algoritmos do presente, somos movidos por uma força que não cessa: o desejo de existir no olhar do outro. A linguagem, a arte, os mitos, a ciência — tudo nasce desse impulso de projetar-se para além de si, de deixar marca, de ser percebido como real, como existente.

O que hoje se manifesta nas redes, na busca por curtidas, comentários e visibilidade, não é outra coisa senão a atualização técnica de uma fome arcaica e constitutiva. O ser humano não suporta ser invisível. E não há fuga possível dessa condição, porque ela não é contingente, é estrutural.

A tragédia — e ao mesmo tempo a beleza — é que essa potência tanto nos eleva quanto nos escraviza. Nos faz criar mundos, construir civilizações, gerar sentido. Mas também nos arrasta para o vazio, quando o outro se torna apenas espelho, e não mais encontro.

As redes, portanto, não criaram a dependência. Apenas a escancararam. Apenas lhe deram forma visível, quantificável, acelerada. Fugir disso é impossível, porque fugir desse desejo seria trair a própria condição de ser. A única saída, talvez, seja elevar essa potência: transformar o desejo de ser visto em desejo de ser compreendido; trocar a fome de aplauso pela sede de verdade; resgatar, no meio do ruído, aquilo que nenhuma máquina, nenhum algoritmo, nenhum feed pode dar — o encontro autêntico.

Conclusão Apodítica: A Inevitabilidade do Estado de Dependência Relacional.

1. Todo ser consciente é, por definição, um ser que se reconhece a si mesmo.
(Proposição 1: A autoconsciência implica necessariamente a capacidade de refletir sobre si.)

2. Nenhuma autoconsciência se estabelece sem um horizonte de alteridade.
(Proposição 2: O ser só se reconhece como ‘eu’ na medida em que distingue o ‘outro’. Sem outro, não há espelho para o reconhecimento.)

3. Portanto, a própria consciência de si depende ontologicamente da mediação do outro.
(Conclusão direta das proposições 1 e 2.)

4. Sendo o reconhecimento um requisito estrutural da consciência, ele se torna uma necessidade ontológica, não contingente.
(Proposição 3: O desejo de ser visto, ouvido e validado não é um acidente psicológico, mas uma exigência metafísica da condição de ser.)

5. Todo meio que amplifica a possibilidade de reconhecimento será, inevitavelmente, apropriado pelo ser consciente.
(Proposição 4: Desde os grafismos nas cavernas até as redes digitais, todo aparato técnico que expande o alcance da própria existência será incorporado.)

6. Portanto, a adesão às redes, com todos os seus mecanismos de visibilidade, validação e retroalimentação, não é um fenômeno opcional, mas expressão inevitável da estrutura da consciência.
(Conclusão direta das proposições anteriores.)

7. Por consequência, a dependência das redes não nasce da rede, mas da própria tessitura do ser que, na sua fome de reconhecimento, encontra nelas a extensão natural de sua potência relacional.

8. Logo, não é possível escapar desse estado sem abdicar da própria condição de ser consciente, que é, por essência, relacional, projetiva e demandante de alteridade.
(Proposição final: A fuga completa desse estado equivaleria à aniquilação da própria experiência de ser.)

1. Todo ser consciente busca reconhecer-se.

Validação:
O desejo de ser reconhecido é inevitável. Ele move desde os atos mais simples — como escolher uma roupa para sair — até os mais complexos — como construir uma carreira, produzir arte ou simplesmente postar uma foto nas redes.
Exemplo atual:
Pessoas que diminuíram suas interações nas redes não deixaram de desejar ser reconhecidas. Elas apenas recalibraram como desejam isso. Hoje, muitos escolhem não mais interagir publicamente com curtidas ou comentários, mas continuam observando, lendo, acompanhando. O desejo permanece; muda apenas a forma de expressão, porque até o “não curtir” se torna, paradoxalmente, uma forma de se posicionar e dizer: “Eu sou diferente desse jogo.”

2. Ninguém se reconhece sem um outro que o espelhe.

Validação:
O olhar do outro é condição de existência no plano social e psíquico.
Exemplo atual:
O fenômeno do "ghost follower" (seguidores fantasmas) é exemplo claro: pessoas que acompanham, olham, consomem, mas não interagem. Elas estão presentes, silenciosas, mas o olhar delas sustenta a existência do outro digitalmente. Mesmo quem não curte, nem comenta, alimenta o sistema com sua presença, validando inconscientemente aquilo que observa.

3. Portanto, a consciência depende do olhar do outro.

Validação:
Sem outro, não há confirmação da própria existência simbólica.
Exemplo atual:
Perfis que ficam inativos por muito tempo começam a ser esquecidos. Isso gera, em muitos, uma sensação de desaparecimento social. Há quem diga: “Se eu não posto, parece que não existo.” E, de fato, para o ecossistema digital, ausência é quase morte simbólica. Por outro lado, muitos continuam presentes nas redes, mas interagem pouco, escolhendo ver sem serem vistos. Isso não nega a dependência, apenas revela uma nova configuração dela: a dependência do saber, do acompanhar, do vigiar, ainda que silenciosamente.

4. O desejo de ser visto é uma fome ontológica, não um capricho.

Validação:
Não se trata de vaidade, mas de uma necessidade estrutural do ser.
Exemplo atual:
Mesmo aqueles que dizem não se importar com as redes mantêm perfis ativos. A justificativa mais comum é: “É só para não perder contato.” No fundo, isso é outra maneira de dizer: “Quero continuar existindo no radar do outro.” Mesmo que interajam pouco, mantêm o canal aberto, porque estar completamente fora equivale, na mentalidade digital, a uma quase extinção social.

5. Qualquer meio que amplifique o reconhecimento será abraçado.

Validação:
O ser humano sempre usará ferramentas que projetem sua existência.
Exemplo atual:
A queda na interação (curtidas, comentários) não significa rejeição da plataforma, mas uma migração para outros modos de reconhecimento: visualização de stories, consumo silencioso, participação em grupos privados, fóruns fechados, ou até migração para plataformas onde o controle da exposição parece maior (como WhatsApp, Telegram ou canais fechados). A presença continua, a forma muda.

6. Portanto, a adesão às redes é inevitável.

Validação:
A estrutura social contemporânea é digital. Negá-la é autoexclusão.
Exemplo atual:
Aqueles que dizem “eu saí das redes” muitas vezes mantêm perfis inativos, ou então continuam utilizando plataformas menos visíveis. Mesmo quem abandona Instagram ou Facebook, permanece em redes profissionais (LinkedIn), redes familiares (WhatsApp), redes de conteúdo (YouTube), ou redes alternativas. A adesão é uma constante; a variação ocorre apenas na intensidade, na forma e na finalidade.

7. A dependência não nasce da rede, mas da própria estrutura do ser.

Validação:
A rede é apenas um meio que escancara o que já existe dentro do ser.
Exemplo atual:
O desconforto que muitos sentem ao não interagir — ou ao não receber interações — não foi criado pelo algoritmo. O algoritmo apenas aciona, explora e retroalimenta uma fragilidade que já é estrutural: a fome de reconhecimento. A baixa interação atual não significa liberdade, mas muitas vezes cansaço, saturação ou uma tentativa de proteger-se dos efeitos psíquicos dessa exposição. Mas a fome permanece.

8. Fugir disso seria abdicar da própria humanidade.

Validação:
A recusa total da mediação social é uma ilusão ou uma patologia.
Exemplo atual:
Aqueles que tentam romper completamente com as redes frequentemente acabam substituindo essa forma de reconhecimento por outras: presença física intensa em grupos locais, ativismo, espaços religiosos, movimentos comunitários ou acadêmicos. Porque, no fundo, ninguém vive sem uma arena onde possa ser visto, ouvido e confirmado como ser. A única questão é: “Escolho qual palco?” — e não se o palco existe ou não.

Conclusão Absoluta:

Portanto, o fenômeno da baixa interação somada à dependência permanente não é contradição, é expressão clara da estrutura do ser humano: um ser que não pode viver sem ser visto, mas que, cansado dos efeitos colaterais do excesso, tenta hoje negociar, reduzir ou recalibrar o preço de sua própria exposição.

Não há saída fora disso, apenas há uma escolha: ou se afunda no jogo cego da validação infinita, ou se aprende a usar as redes com sabedoria — como ferramenta, não como cárcere. Porque, caso contrário… tchau e benção.

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