quarta-feira, 28 de maio de 2025

O Colapso do Pensável: Realidade, Sem Ser, Sem Potência, Sem Efeito.

 


Do Abismo Ontológico: Uma Análise da Realidade sem Potência nem Efeito.

1. Formulação da Tese.

A presente tese parte de uma investigação radical: conceber uma realidade desprovida de qualquer forma de potência, ato ou efeito. Trata-se, portanto, de imaginar um horizonte ontológico no qual não haja entes, nem espaço, nem tempo, nem relações, nem manifestação de qualquer natureza. Uma realidade pura, anterior ou exterior a toda diferenciação, sem qualquer tensão interna, sem direcionamento, sem estrutura dinâmica.

Essa realidade, por definição, não carrega possibilidades para fora (no sentido de gerar, manifestar ou atualizar) nem para dentro (no sentido de conter virtualidades latentes). Ela não se constitui como substrato, nem como causa, nem como ato, nem como potência. Ela simplesmente é — mas esse “é” não deve ser entendido como um ser determinado, e sim como a pura necessidade ontológica de haver realidade, independentemente de qualquer forma de manifestação.

Nessa formulação, espaço e tempo colapsam, pois são categorias coextensivas aos entes. Eliminados os entes, eliminam-se igualmente as condições que sustentam distância, sucessão, extensão e mudança. Contudo, o colapso de espaço e tempo não implica o colapso da realidade enquanto tal. Ao contrário, aquilo que resta é uma forma de realidade absoluta, indiferente, anterior a toda dialética de ser e não-ser, de ato e potência.

Este horizonte ontológico se aproxima do que as tradições cosmogônicas simbolizaram como as Águas Primordiais, o Abismo, o Caos Incondicionado, ou, na linguagem da metafísica pura, o Absoluto Supra-ontológico.

2. Confronto com o Modelo Ontológico Clássico: A Metafísica Aristotélico-Tomista.

2.1. Descrição do Modelo Clássico.

O paradigma aristotélico-tomista funda-se na estrutura binária de ato e potência como princípios ontológicos fundamentais. Todo ente é composto de ato (o que ele é atualmente) e potência (aquilo que ele pode vir a ser). Essa dialética sustenta tanto a mudança quanto a permanência, tanto a realização quanto a virtualidade.

Para além dos entes contingentes, o modelo postula um ente necessário, absoluto, puro ato — Deus. Este, enquanto ato puro, é causa primeira, motor imóvel, fundamento do ser dos entes, e está livre de toda potência, pois é absolutamente pleno, atual e perfeito.

Contudo, mesmo Deus, nesse modelo, é pensado dentro da categoria do ser — embora seja ser necessário, sua definição repousa na plenitude do ato e na negação de qualquer potência residual.

2.2. Pontos de Semelhança.

Ambos os modelos reconhecem um horizonte de realidade que é absolutamente independente dos entes, dos acidentes e das condições espaciotemporais.

Tanto a tese proposta quanto o modelo clássico concebem que aquilo que é absoluto não está submetido à dialética interna de mudança, de relação e de dependência.

Em ambos, esse absoluto não é um ente entre os entes, mas uma condição ontológica fundamental.

2.3. Pontos de Dissimetria.

No modelo aristotélico-tomista, o absoluto é pensado como ato puro, isto é, a realização máxima de ser, desprovida de potência, mas ainda assim um ser, com determinação ontológica positiva, mesmo que supracategorial.

Na tese aqui formulada, o absoluto não é ato, nem potência, nem ser no sentido clássico. É um horizonte anterior ou exterior à própria distinção entre ser e não-ser. Trata-se de uma realidade sem tensão ontológica, sem direcionamento, sem estrutura dinâmica.

Enquanto o Deus aristotélico-tomista é plenamente atual e, portanto, ativo na manutenção do ser dos entes (causa primeira), a realidade proposta na tese não é ativa, não sustenta, não cria, não fundamenta: ela simplesmente subsiste na pura indiferença ontológica, não como fundamento, mas como anterioridade radical à própria ideia de fundamento.

No modelo clássico, a inteligibilidade do ser repousa na ordenação das causas (material, formal, eficiente e final). Na tese presente, a própria noção de causalidade colapsa, pois não há relação, nem processo, nem finalidade possível no interior dessa realidade sem potência e sem efeito.

3. Conclusão Filosófica.

O exercício aqui conduzido evidencia que a tese proposta ultrapassa os limites da metafísica clássica, tocando um domínio que poderíamos nomear como metaontológico ou supra-ontológico.

Enquanto a tradição aristotélico-tomista opera dentro do horizonte do ser — mesmo ao postular um ser absoluto, necessário, puro ato — a presente tese desloca o foco para além desse horizonte, propondo uma concepção de realidade que não se deixa capturar pela dicotomia ser/não-ser, nem pela dialética ato/potência.

Essa realidade, que aqui foi comparada simbolicamente às Águas Primordiais, não é um ente, não é ser, não é causa. Ela é aquilo que resta quando toda determinação colapsa. É o próprio abismo do pensável, o limite extremo onde a filosofia toca sua fronteira com o inominável.

Diante disso, é possível afirmar que a tese não contradiz a metafísica clássica, mas simplesmente a ultrapassa em seu eixo fundamental. Onde a metafísica tradicional busca a razão suficiente do ser, este pensamento se debruça sobre aquilo que é anterior à própria exigência de razão, fundamento ou manifestação.

Em última análise, essa tese recupera, sob uma forma rigorosamente filosófica, o que as tradições místicas mais radicais sempre intuiram: que há, no fundo de tudo, uma realidade abissal, anterior à própria luz do ser — e que dela nada pode ser dito, exceto que ela é, não sendo.


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