terça-feira, 6 de maio de 2025

Entre Gargalhadas e Ruínas.

O homem moderno aprendeu — e aprendeu bem. Seu mimetismo já não toma por modelo a perfeição; agora, ancorado no cômico, transforma sua face num reflexo da crença inflada de que “tudo é piada”. Ri-se de tudo. Tudo pode ser distorcido em nome de alguns cliques, alguns views.

E se esses cliques e views vierem acompanhados de quinze minutos de fama, virão recheados — e em boa hora. Essa disposição geral de encarar tudo pelo prisma do riso — muitas vezes de um riso exagerado, quase grotesco — torna o sujeito refratário à seriedade. Tratar com gravidade as coisas da vida passou a ser visto como um fardo. E se o tema exige outra abordagem que não o cômico, o sujeito se inquieta, se perde — na melhor das hipóteses, desorienta-se. Essa condição não é só a da dúvida — que ainda carrega a dignidade da transição —, mas sim uma deficiência da faculdade de inteligir (intelligĕre: do latim inter, “entre”, e legĕre, “escolher, recolher”) — a inteligência, entendida como a arte de perceber o que se passa entre as coisas.

Dito isso, vejamos. O Brasil é um dos países com maiores índices de analfabetismo funcional do mundo. Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), cerca de 27% da população brasileira adulta apresenta dificuldades em compreender e aplicar informações básicas do cotidiano. No Pisa de 2022, o país ocupou posições inferiores em leitura, ciências e matemática, mesmo investindo cerca de 5,5% do seu PIB em educação — índice comparável ao de países desenvolvidos como Suécia ou Nova Zelândia.

E isso nos impõe um dilema perturbador: como pode um país investir tanto em educação e, ainda assim, figurar entre os últimos em desempenho intelectual?

A resposta talvez não esteja apenas na estrutura, mas na cultura. Na inteligência real — e não na inteligência zombeteira que ri de tudo o que não compreende. O Brasil parece ter se transformado num grande palco de stand-up: comédia nos noticiários, flagelos de ironia no horário nobre, sarcasmo e hipocrisia como carro-chefe do poder. Como se, cansado de chorar, ao brasileiro só restasse rir.

Mas aqui cabe lembrar: no riso também habita o sofrimento. Há nele um peso específico, uma forma de paralisia. Às vezes, diante do medo e da impotência, ri-se — não por alívio, mas por não saber o que fazer. Esse riso não liberta. Ele encobre. Ele adormece.

Nesse cenário, cabe ao brasileiro médio uma decisão que começa com o abandono desse riso forçado, desconectado da realidade — esse “demoníaco desejo de que tudo exploda”, apenas para gerar uma gargalhada. Isso nada mais revela do que incapacidade. E a incapacidade, frustrada, transfigura-se em inveja. Somente ao rejeitar esse modelo cômico estereotipado — personificado em artistas, políticos, pseudo-líderes religiosos, mentores de ocasião — é que poderá recuperar a faculdade de discernir. E com ela, a de julgar e decidir com retidão os cursos da própria vida.

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