domingo, 4 de maio de 2025

Reflexões de um Domingo.

Título: Grilhões e Ilusões: Reflexões sobre o Espetáculo da Vida

— Tragam-me os louros — pensou Júlio César.
— Até tu, Brutus, filho meu... — disse Júlio César.

Como a vida é: vai dos louros ao sangue num piscar de olhos. E digo mais — acontece muito mais rápido do que se imagina.
Dia normal: café, sangue no jornal, e muita controvérsia nas ações — seja no pensar, seja simplesmente no agir.

Ontem, por essas bandas, houve o que as pessoas chamam de teatro a céu aberto — uma apresentação ilusória para aqueles cuja única fonte de felicidade é a ilusão. Uma nota de loucura numa imensidão de insensatez.

Dizem as más línguas: show de artista estrangeiro reúne dois milhões de espectadores. Que sina — dois milhões em prol de alguma liberdade. Pois sim, isso mesmo. Enxergo grilhões que se soltam. De que outra forma se poderia classificar? Indivíduos buscando redenção pela voz de um anjo?

Assim fica forçado — até porque o tal anjo está sendo comparado a um demônio. Que anjo pousaria na cabeça de um alfinete, travestido de rubro e carregando um amontoado de ossos?

Fica difícil pensar dessa forma, pois nossa capacidade é limitada — e mais restrita ainda é nossa imaginação, sobretudo quando o que está em jogo é alguma certeza.

Dúvida frequente: vejo um anjo, me espreita um demônio. Claro, só não podemos esquecer que toda indagação é, no fundo, sobre um amontoado de estrume.

Da minha parte, não sou adepto de cantar melodias sobre um amontoado de merda. Prefiro ser um pouco mais realista: se é para rir, ou se é para chorar, que cada qual o faça em seu devido lugar de destaque.

E lugar, meus amigos, é aquele no qual risos e lágrimas se dão — e quando se dão, que o façam sem trazer consigo qualquer via crucis contrária à peregrinação de um sofrer que se converta, de fato, em lágrimas.

Não sou contra espetáculos, tampouco sou a favor de que existam sem alguma ideia do que trazem consigo. Shows como esse, que se dizem feitos para soltar grilhões, são, na verdade, a troca de um grilhão por outro — como quando Feijó diz: "Retiremos esse, e troquemo-lo por algo mais resistente."

Portanto, pequenos cidadãos, que sobre esse estrume que são nossas vidas, nestas bandas de cá, os novos grilhões — vindos dessa ilusão constante, desse espetáculo — se façam valer corretamente.

E que, se o que nos espreita é o anjo vestido de rubro sobre o alfinete, ou qualquer demônio que se lhe assemelhe, que olhem para nossa miséria como ela de fato é: uma mudança dos risos aos louros, ou do sangue ao som de “filho meu” — e nada mais.

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Titulo: Lembrança do Que Não Se Esquece.

A quem acredita no retorno das coisas da vida, da minha parte — não duvido nem coloco fé. Porém, sempre existe o aspecto direto da “testemunha solitária”, ou, como diria meu bom e velho professor Olavo: “Você tem que fazer uma escolha — querer saber sem poder contar, ou contar aquilo que não sabe, mas acredita conhecer.” Diria Hamlet: “Dúvida cruel.”

Hoje me aconteceu algo que traz um pouco dessa nuance e, mesmo não podendo verbalizar na sua totalidade, tentarei, sem verborragia, exprimir da minha forma. Ou, dito de outra maneira, vender o que comprei da melhor forma possível.

Desperto — um bom começo. Saio às pressas, realidade do meu domingo: missa ao meio-dia, mercado à uma, leitura às três, futebol às cinco, jantar por volta das oito. Nos intervalos, as teorias sociais da minha esposa — alma boa, lutadora, guerreira — que vê no sujeito que vos fala um misto. Ou, como diz ela: “Tem horas que te amo, e horas que quero te esganar” — de raiva e paixão. Deve ser natural do gênero feminino: luz e sombra ao calor do meio-dia.

Na missa, o costume dos nossos ritos travestidos do nosso melhor — só podemos dar aquilo que temos. Liturgia, homilia, comunhão: um aperto de mãos aqui, um mero olhar acolá, e “sempre seja feita a vossa vontade”. Comunhão necessária. Eucaristia. Ritos finais. Algum agradecimento sem arrependimento — e vamos nessa. A semana se encarregará do próximo perdão de domingo.

Descida, XV de Novembro — costumo guardar o carro no estacionamento de um conhecido. Homem bom, às vezes perdido, e que, no apelido que carrega, traz as marcas daquilo que sua boca não diz. As crianças riem, a esposa também ri, e, como falei, descemos.

Ao chegar no local — deserto aos domingos — entramos. E, quando vamos partir, um toque no vidro:
— Moço, moço, com licença.
— Pois não — respondo.
— Desculpe incomodar — diz a sujeita — meu carro furou o pneu e moro muito longe. Você não poderia me ajudar?

Pasmem! Respondi que não. Minha rotina é algo sólido em minha vida. Geralmente, quando me desvio dela, algo na consciência se perturba.
— Estou sem ferramentas — disse — e as que tenho são velhas, não vão te servir.

Fecho o vidro.

Mas, como tudo na vida gira em ciclos — e os nortes de ontem não são mais do que o sul de amanhã — uma brisa ultrapassa a solidez do veículo, como se uma voz, brotando do som ligado de dentro, me lançasse aos confins do fora. Longe de qualquer mesquinharia que, nos minutos anteriores, era o motivo da minha decisão. Aos lodos com a rotina.

E a voz disse: “Esqueceste!”

Saí num relance, e, antes que ela entrasse no seu veículo lamentando a podridão em que o homem se tornou — ao negar ajuda a qualquer alma à beira da estrada — falei:
— Moça! Podemos tentar.

Notei um certo sorriso nos lábios das crianças e da minha esposa. Meu filho me lembrou:
— Isso, pai. A união faz a força.

E fomos de encontro à tentativa. O problema dela era um pouco sério e, de fato, as nossas ferramentas se mostraram deficientes. Luta daqui, penumbra no acolá, e continuamos tentando. E, por incrível que pareça, quando tudo parecia uma queda livre, as asas de cera do mito grego alcançaram o sol — sem se derreter.

Sucesso!
— Moço, não sei como agradecer.

Essas palavras não dizem muito ao meu coração, mas, naquele momento, soaram como um sino que, de longe, trazia o aviso que anunciava.

Respondi duas coisas — uma da boca pra fora:
— Imagina, não foi nada.

E outra, que soou nos átomos de todo o meu ser:
— Não. Eu não esqueci.

E, de fato, não posso esquecer. Como falei no começo, não creio nem duvido que exista um retorno das coisas da vida — do que fazemos e do que deixamos de fazer. Mas muito dessa crença, ou descrença, vem antes daquilo que me lembrou o velho professor:
“Vai acreditar sem poder contar, ou vai duvidar acreditando que já pode esquecer?”

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