quinta-feira, 1 de maio de 2025

Os Verdadeiros Adoradores e a Fonte Viva.


Aqui reside, nesse pequeno diálogo entre a Verdade encarnada e uma mulher, um mistério que muitos não levam em conta: os verdadeiros adoradores.

> Venit mulier de Samaria haurire aquam. Dicit ei Iesus: Da mihi bibere.
Veio uma mulher da Samaria tirar água. Disse-lhe Jesus: Dá-me de beber. (Jo 4,7)

Jesus inicia o diálogo com uma sede aparente, mas rapidamente revela uma sede mais profunda — a da alma humana — e oferece, em troca, uma promessa:

> Respondit Iesus et dixit ei: Si scires donum Dei, et quis est qui dicit tibi: Da mihi bibere; tu forsitan petisses ab eo, et dedisset tibi aquam vivam.
Jesus respondeu e disse-lhe: Se conhecesses o dom de Deus e quem é que te diz: Dá-me de beber, talvez tu mesma lhe tivesses pedido, e ele te teria dado água viva. (Jo 4,10)

Logo adiante, vem a revelação que desloca toda a prática religiosa para o interior do ser:

> Sed venit hora, et nunc est, quando veri adoratores adorabunt Patrem in spiritu et veritate.
Mas vem a hora — e já chegou — em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. (Jo 4,23)

É aqui que o conceito de adoração precisa ser compreendido em sua profundidade. A palavra vem do latim adoratio, derivada de adorare, formada por ad- (“para”, “em direção a”) e orare (“falar”, “rezar”, “suplicar”). Etimologicamente, adorar é “voltar-se com palavras e reverência a algo maior”. Era, na tradição romana, um gesto físico e espiritual: levar a mão à boca e lançá-la em direção à divindade — um sinal de entrega e reverência silenciosa. Assim, adorar é mover-se, é reconhecer, é oferecer-se.

[Nota: A ideia que certas correntes fazem do termo adoração é demasiadamente pobre. Baseia-se nas crenças de um vulgo que há muito perdeu a capacidade de recordar o que o termo realmente expressa. Tomam-no como algo acima de qualquer contato — algo cujo desdobramento não admite reverência, mas exige antes uma obediência cega. Adorar, para eles, é submeter-se sem o olhar da dúvida a algo que se considera superior. Contudo, essa definição distorce o real sentido do termo, que implica uma submissão nascida do respeito. Confundem, de maneira grosseira e sistemática, adoração com fé — como se ambas fossem sinônimos absolutos. É nessa fusão imprópria, amplamente difundida no pensamento comum de certas correntes religiosas, que a adoração se torna apenas uma caricatura daquilo que originalmente foi: não um apagamento do sujeito, mas um reconhecimento consciente da grandeza.

Adorar é manter-se diante do ser, com a consciência desperta e o juízo intacto, reconhecendo sua superioridade sem abdicar da razão; é uma forma de reverência que supõe liberdade interior. Ter fé, por outro lado, é lançar-se ao desconhecido sustentado por uma confiança que prescinde da evidência. A fé tolera — e até exige — o véu; a adoração exige o desvelamento. Uma busca o invisível; a outra se curva diante do que se revela como digno. Quando se confunde essas duas posturas, submete-se o espírito não à grandeza do real, mas à sombra de uma crença imposta.]

Retomando...
Não se trata mais de um local físico — nem o monte dos samaritanos, nem o templo em Jerusalém — mas de uma disposição interior, um estado de escuta, espírito e verdade. O verdadeiro templo é a consciência desperta, o altar é o coração que se volta à Fonte.

Pois o Espírito se move. E esse movimento é livre, imprevisível, como Cristo revelou a Nicodemos:

> Spiritus ubi vult spirat, et vocem eius audis, sed nescis unde veniat, aut quo vadat: sic est omnis qui natus est ex Spiritu.
O Espírito sopra onde quer, ouves sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai; assim é todo aquele que nasceu do Espírito. (Jo 3,8)

Esse sopro não se dá em lápides. Tais consciências não podem ser túmulos sem vida, repetidores de fórmulas. Elas precisam ser mananciais, fontes ativas, interiores, que se alimentam da presença e vertem graça. São João da Cruz, em seu poema místico, descreve isso com precisão e beleza:

> Que bien sé yo la fonte que mana y corre,
aunque es de noche.

Como bem conheço a fonte que mana e corre,
ainda que seja noite.

Aquesta eterna fonte está escondida
en este vivo pan por darnos vida,
aunque es de noche.

Esta fonte eterna está escondida
neste pão vivo, para nos dar vida,
ainda que seja noite.

Allí está llamando a las criaturas,
que de esta agua se hartan, aunque a oscuras,
porque es de noche.

Ali está ela, chamando as criaturas,
que dessa água se saciam, mesmo na escuridão,
porque é noite.

A “noite” é a da fé — uma obscuridade que não impede a água de jorrar, mas antes a purifica. Onde tudo é silêncio, a Fonte canta. Onde tudo parece ausência, há presença que transforma.

E corre sem controle da vontade humana — inerme, sem direção própria — pois a vontade por si mesma é incapaz. Diante disso, toda suficiência humana se desfaz: torna-se nada. Porque aquilo que vem, vem com poder. E é com esse poder que cria as condições. Pois o Espírito é Santo.

Na nossa sina — nossa deficiência mais íntima —, acreditamos ser donos da verdade, da capacidade, da autonomia. Presos a uma ideia ilusória de que somos únicos, exigimos que toda verdade nos seja submetida, como se o mundo girasse ao redor do nosso entendimento. Mas isso não é verdade.

Em outros tempos, ninguém precisaria ser lembrado disso, muito menos eu. Mas parece que hoje vivemos tempos difíceis. Tempos em que o que importa é o ouro e a prata, e como um cavalo manco, o infeliz sai por aí, espalhando, entre gritos e cânticos: "O salvador chegou!". Mas não se enganem, para conquistar almas, o falso profeta não hesita em montar em um jumento, cobrir o lombo com um saco, e até mesmo falar a língua dos anjos.

Pois seu intento é a corrupção, a destruição e o fim último do homem. Mas Cristo, sendo a Verdade encarnada, prometeu:

> "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela." (Mt 16,18)

E para muitos, parece ser noite — e sem nenhum vento que a torne mais amena. Mas não se enganem: o Espírito, por vezes, é silencioso, e trabalha no seu tempo. Ele não está ausente — apenas opera no invisível. Pois como Ele mesmo disse:

> “Se o dono da casa soubesse a que hora viria o ladrão, não deixaria que sua casa fosse arrombada. Por isso, estai também vós preparados, porque o Filho do Homem virá numa hora em que menos esperardes.”
(Mt 24,43–44)

Nota: A verdadeira Tradição.

É comum observarmos que existe uma luta em torno desse tema. Alguns, dotados de astúcia, defendem ser os verdadeiros mantenedores do que consideram a Tradição e, baseando-se nisso, alegam que o que dizem não pode ser contestado ou refutado. Porém, olhemos para a questão com um senso mais amplo.
Em todas as línguas, o termo Tradição possui uma conotação única, não variando muito de cultura para cultura. Em todas elas, Tradição é transmissão, passagem — um conjunto de ideias passadas de uma geração a outra.

Tradição seria, então, uma espécie de “realidade sólida” — algo que, por ser acreditado como verdadeiro, impediria a geração subsequente de cometer erros já corrigidos pela geração anterior. Uma espécie de ideia do real na qual se pode confiar. Só existe Tradição onde há algum tipo de continuidade.

Quando trazemos essa ideia para o contexto do senso comum, vemos que a Tradição nos legou conceitos sobre os quais fundamos nossa vida: família, trabalho, preceitos éticos e morais, hábitos. Coisas pelas quais nos orientamos na busca por uma melhor interpretação da existência.
No âmbito religioso, não é diferente. Somos ocidentais, pensamos e agimos como ocidentais. Nossa condição está alicerçada sobre três pilares: a filosofia grega, a jurisprudência romana e a fé judaico-cristã. Alicerces que, somados, nos dão a dimensão da nossa existência.

Contudo, alguns desses pilares estão sendo constantemente depredados — pancadas que vêm dos mais insólitos indivíduos, sujeitos que ora brotam do próprio seio da cultura, ora vêm de fora.
Os primeiros, sendo fruto da própria Tradição, não acreditam nela. Preferem submeter-se a novas formas de cosmogonia — formas de ver o mundo — e, com isso, tentam mudar o chão sobre o qual pisam. Seja por desconhecimento, seja por insatisfação, sua fé distorcida ameaça justamente aquilo que os sustenta.
Já os segundos, esse é seu intuito declarado. Não de maneira disfarçada, mas direta: são entidades que, movidas pela gana de exercer domínio total sobre o real, não aceitam qualquer forma de continuidade que não lhes pertença.

Tendo dito isso, olhemos para os verdadeiros mantenedores da Tradição.
Quando o cenário foi proposto, nasceu com ele uma condição única: um embate entre formas distintas de pensar e ver o mundo.
De um lado, tínhamos a ideia grega de um mundo fundado no arché — um princípio originário, herdado dos egípcios, e reinterpretado pelos gregos com o intuito de desvelar o véu que cobria os olhos da razão.
Do outro, tínhamos o pensamento romano, fundado na tradição do império e de seus costumes, que via o mundo como extensão do orbis — uma espécie de: “vocês existem, mas devem reverência à forma como penso”.

É nesse embate que nasce o Cristianismo — uma forma de ver o mundo que interpreta a busca pelo princípio em conformidade com a liberdade da alma, ambos em comunhão com a verdade revelada.
Uma das passagens mais belas se dá com Paulo, ao chegar à Grécia. Perguntado sobre o nome de seu Deus, ele aponta para uma estátua dedicada a uma divindade sem nome e responde: “É esse.”
Não há nome que possa descrever — nas palavras de Paulo, trata-se da “loucura da cruz”.

Essa tratativa, vista aos olhos gregos, não tinha descrição. Fundados nos nomes, os gregos não compreendiam como algo sem nome poderia representar a continuidade de algo. Porém, esse é justamente o aspecto mais direto da Tradição: ela não é nome, mas realidade.
A ideia da “loucura da cruz” trazia consigo a Tradição em sua forma mais pura, pois excluía a dúvida grega, rejeitava a certeza romana e, em seu lugar, depositava a firmeza do espírito — que, em movimento constante, é mudança em prol da verdade.

Hoje, vinte séculos depois, a Tradição ainda existe, sólida — não nas palavras daqueles que anseiam por mudá-la, seja de dentro ou de fora, mas na Verdade encarnada, que andou pela terra, pregou, curou e salvou.
E vinte séculos depois, a fé de que ela ainda vive encontra sua prova na força de suas ações, que, por meio da Santa Igreja, continuam firmes e fortes.

> “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão.”
— Mateus 24:35

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