sábado, 3 de maio de 2025

A Corrente e o Fio.

Na esteira da vida, existem formas de diversas magnitudes — umas mais visíveis que outras. Subidas, descidas, do lado de lá, do lado de cá, aprofundam-se por ora e, no levante, vêm à superfície, leves como uma pena.
Todas elas pertencentes à nossa condição inicial, submetidas ao véu que separa as paredes da realidade — entre o conhecido e o desconhecido.
Ele era diferente, só não sabia disso. Aceitava de bom grado tudo o que acontecia: uma espécie de entrega desmedida; mínimo esforço. Quando pressionado pela vida, respondia sempre com aquele sorriso descabido: "faz parte". E não estava de todo errado — as partes de um objeto, quando vistas em sua totalidade, realmente fazem parte da sua condição. Quando não, acabam por ganhar uma forma distinta daquela à qual pertencem. Regras da vida.
Mas, como toda regra tem sua exceção, as da vida não são tão diferentes. Para tal, ele tinha uma solução: "deixe acontecer, depois veremos."

E a coisa continuava — continuidade em forma simples, profunda como a lama do rio. Carrega densidade, e é talvez por isso que estão sempre abaixo. Ele pensava nisso: "é profundo... mergulhar pra quê?"
O mergulho profundo é sempre cansativo. Nada de vitória — já que o que se vai encontrar é certo: sempre lama.

Mas até na lama existe vida. Ela projeta o podre, esconde a sujeira — que, separada, não vale nada, enquanto o rio se move.
E a corrente da vida ia numa direção, ele sabia — "sei menos do que gostaria, e mais do que preciso." Enfático.
Num de seus momentos, amigos foram abraçados — "agora, só uma lembrança distante", pois a carruagem de Apolo acaba por lançar diariamente o sol de um lado para o outro.
Daqueles momentos, "apenas momentos".
A carruagem solar trouxe outros dias. Mundo novo. Vida nova.

O ar que se respira sempre traz o som que se propaga — às vezes de bom grado, às vezes não.
Nunca se paga pelo que se tem — belo adágio. Mas, para ele, até o que se tinha possuía um preço.
"Paguei, peguei... só que não é meu."
E de quem seria?

Da vida? Ela nos cobra pelo que nos dá, e nos dá aquilo que cobramos.
Amigos que se foram deram lugar a outros que chegaram; compromisso quebrado, amores recuperados?
Não. Ele não recuperou. Não esqueçamos: mínimo esforço.
Àqueles a quem são dadas as cartas da vida, não se exige mais do que um mero lance — chance de vitória? Quase nenhuma.
Mas a vida requer, ao menos, uma tentativa.

Para tal, se joga no oceano.
Olhar para cima é sonhar em tentar alcançar alguma estrela.
Só que estrelas não estão no fundo, como lama densa.
E a torrente se foi.
E ele aceitou: "deixe o vento levar o barco".
— E se afundar? — pergunta um companheiro de viagem.
"Bem... se afundar, e não conseguirmos nadar, que afundemos — e que o bom e velho Poseidon nos dê um túmulo decente nesse oceano que é a vida."

Momentos fugazes, tentativas descabidas, algum sucesso, muito fracasso.
Veio Hermes — o mensageiro — ora em boa hora, ora no desagrado dos momentos.
Sua ideia: "ser feliz!"
A felicidade, já diziam os repentistas de plantão, não pode ser passageira.
"Seu recado, mensageiro alado?"

Hermes responde:
"A idade dos tempos não está sujeita a alguma vontade humana,
e os traços do que se esconde não dizem nada acerca do que se encontra."
Ele continuou.
Veio o medo.
"Vida nova em roupa velha... estou cansado."
Mas por quê — se a vida não dá mais do que se pode carregar?
"O peso do que me dá vem com calor."
Sim, é o que a vida manifesta: brilho.
E todo brilho emana luz.
Essa não é nada mais do que calor.

E a coisa se deu — sem vontade e com desejo.
Quem pode querer sem querer? Ele.
"Não busco o que tenho. Amo o que me foi dado.
Se há verdade no que falo, que fale a verdade em meu nome."
E ela falou: deserto, dor, sofrimento, solidão.
Já dizia o pregador: "nada de novo que não foi é nada mais do que aquilo que foi e continua a ser."
Uma resposta rápida para uma dúvida simples:
"Será que há felicidade nesse caminhar?"
Quem vai saber?

A torrente continua — arrasta a lama e dispõe as estrelas sobre nossas cabeças.
Felicidade é apenas um nome dentre tantos outros:
prazer e dor, opostos necessários.

Sua vida?
"Não pode ser somente isso. Existe algo a mais."
E nisso foi de encontro às Moiras do Destino.
Lá estava, diante do fio que diz o destino.
A tesoura ainda não havia cortado.

Talvez não corte.
O fio da vida é demasiado duro até mesmo para aqueles que o controlam.
Os dias se passam, e com eles se vai o que se tem: vida.
Ela não depende de menos, mas requer sempre mais.
Exige, do mínimo esforço, um lance simples — e disso não podemos fugir.
A Corrente e o Fio
(Poema)

Na vida há formas — densas, leves, vãs,
umas se erguem, outras vão ao chão.
Deslizam calmas, sob o mesmo véu
que vela o tempo e esconde a direção.

Aceita o peso sem querer lutar,
com pouco esforço, deixa acontecer.
“Faz parte”, diz, e segue a caminhar,
se a parte falta, o todo quer crescer.

Na lama espessa, o rio se arrastou,
e ali pensou: "mergulho pra quê?"
Profundo é vão, o lodo já selou
as coisas que não vamos mais saber.

E mesmo o podre esconde seu valor,
a vida pulsa até no que se esvai.
“Sei mais do que preciso, por favor,
e menos do que quero — nunca mais.”

Amigos foram. Novos? Nem tentou.
O Sol girou. A sombra o acompanhou.
Pagou por tudo, mas não carregou:
“Não era meu, embora me tocou.”

A vida cobra — dá o que se pedir.
Mas pede sempre um lance no final.
O barco vai, a estrela há de cair,
se o mar engolir, que seja funeral.

Veio Hermes, leve, alado no rumor:
“Ser feliz!” — sussurro sem prisão.
Mas ele ouviu, cansado do calor:
“Brilho é só luz que fere a solidão.”

E então falou, sem fome de buscar:
“Amo o que é dado, deixo-me ficar.
Se há uma voz que queira me dizer,
que fale a vida, pois não vou temer.”

A vida disse: dor, saudade e fim.
Nada de novo — tudo já se foi.
Felicidade? Nome sobre mim.
Prazer e dor: irmãos no mesmo boi.

Foi até as Moiras, fio a observar.
Talvez não cortem, ou talvez já vão.
A vida estica — segue a costurar
no mínimo esforço... a imensidão.


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