sexta-feira, 30 de maio de 2025

Nota - Uma simples caminhada.

Diálogo no Parque: Sobre a Existência de Cristo.

(Caminham lado a lado. O sol atravessa as folhas das árvores, enquanto um silêncio confortável acompanha seus passos até que Saulo rompe a quietude.)

Saulo:
Sabe, André… às vezes me pergunto se esse tal de Cristo não foi apenas mais um mito. Um conto, uma invenção de gente ignorante, ávida por sentido. Afinal… povos antigos criavam deuses para tudo.

André:
(Sorrindo, com as mãos nos bolsos)
Curioso você dizer isso, Saulo. Você se percebe cometendo um erro de categoria?

Saulo:
Erro? Ora, me explique.

André:
Você confunde a existência objetiva de um evento com a percepção subjetiva das pessoas que o viveram. A verdade de algo não depende da cognição dos seus contemporâneos.

Saulo:
(Cruzando os braços, atento)
Mas veja… não é absurdo supor que pessoas ignorantes adotaram uma crença qualquer. Isso explica muita coisa.

André:
Então vamos a uma pergunta simples e direta. Você acha que os judeus do século I eram ignorantes no sentido de serem incapazes de discernir mito de realidade?

Saulo:
Comparados a nós, modernos, talvez.

André:
(Ergue uma sobrancelha)
Interessante. Sabia que esse argumento é anacrônico? Você projeta sobre eles uma régua iluminista que sequer se sustenta. Afinal, foram eles que nos legaram a própria ideia de Deus único, transcendente e absoluto. Um conceito que nenhuma outra civilização havia formulado. Isso parece ignorância para você?

Saulo:
(Silencia por alguns segundos)
Admito que há sofisticação aí. Mas… não poderiam eles, ainda assim, criar um mito específico — o tal Jesus?

André:
(Pára e aponta para uma árvore partida no meio)
Veja essa árvore. Imagina ela partida assim, sem vento, sem força, sem motivo. Simplesmente… se parte, sem causa. Faz sentido?

Saulo:
Não… seria absurdo. Toda quebra exige uma força, uma causa.

André:
Exato. E se aplicarmos a mesma lógica, pergunto: qual a força, qual o vento metafísico que parte a história em duas? Que faz um grupo de judeus — obsessivamente monoteístas, rigorosamente avessos a qualquer divinização — de repente, começar a proclamar que um homem, morto numa cruz — sinal máximo de maldição segundo sua Lei — é o próprio Deus encarnado?

Saulo:
(Franze a testa)
Talvez… uma histeria coletiva?

André:
(Ri suavemente)
Histeria não gera estrutura doutrinal, não organiza ritos, não sustenta mártires. E muito menos produz uma revolução espiritual que atravessa milênios. Histeria é fogo de palha. O cristianismo, Saulo, foi um incêndio que nunca cessou.

Saulo:
Mas as pessoas podem se enganar coletivamente…

André:
(Com voz firme)
Engano coletivo, Saulo, não resiste à perseguição, à tortura, à morte. O que os primeiros cristãos ganharam, afinal? Foram expulsos das sinagogas, perseguidos por Roma, assassinados nas arenas. Me diga… quem morre por uma mentira que sabe ser mentira?

Saulo:
(Caminha em silêncio por alguns passos)
Talvez… não sou capaz de responder isso tão facilmente.

André:
Pois então te proponho mais. O mundo antigo não era um berçário de mentes crédulas e tolas. O próprio ambiente helênico respirava filosofia: estoicos, epicuristas, platônicos — todos eles profundamente críticos de superstições. O cristianismo nasce nesse choque, e triunfa não por seduzir ignorantes, mas por resistir à análise crítica dos mais céticos e exigentes.

Saulo:
(Olha para o chão, pensativo)
Então você me diz que a hipótese do mito não se sustenta?

André:
Lógica pura, Saulo. Se um efeito desse tamanho — o surgimento do cristianismo — existe, ele exige uma causa proporcional. E qual seria essa causa? Uma fraude? Um engano? Não há precedente na história de que fraudes gerem santos, nem que delírios produzam mártires. A única hipótese consistente é que o fato central — a existência de Cristo, sua vida, sua morte, sua ressurreição — não seja mito, mas verdade.

(Silêncio. Apenas o som do vento nas folhas.)

Saulo:
(Suspira, após alguns passos)
André… você sabe que essa conversa não termina aqui.

André:
(Sorrindo)
E nem deve. O Logos não se impõe. Ele se oferece. E espera que cada razão, no seu tempo, dobre-se livremente diante da Verdade.

(Os dois seguem andando. O sol começa a descer no horizonte, enquanto o debate se recolhe para dentro de cada um deles.)

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