Não é sempre, mas em alguns momentos escuto o silêncio e me volto para trás. Neste instante, a coisa não é diferente. Resolvi dar um pulo e espiar com um pouco mais de afinco as culpas do passado. Nesse olhar, voltei aos 16, flor da idade — tempo em que tudo é, de fato, o que é, e os sonhos… ah, esses são espetaculares; por mais que não se tenha nada, ainda se sonha com alguma coisa.
Foi uma época em que o horizonte se desenhava como magnífico. O céu, o distante — tudo parecia possível de tocar. Não havia limites; o limite era somente a imaginação. Minha vida foi rodeada de amigos sinceros, cujo único interesse era o que comungava com os meus: descobrir a vida.
Éramos soltos — terra quente, paraíso azul — e, por mais que alguns idiotas, sem entender o que de fato é a vida, misturem sua visão distorcida do mundo, atrelando a ela lugares mágicos como “atrasados” e tomando a pobreza financeira como um malgrado dos céus — minha gente, para uma criança, o verdadeiro tesouro é o amor que a vida, gratuitamente e de bom grado, lhe oferece. A vida de uma criança é magnífica.
Lembro de umas cenas interessantes que, junto com a coisa, traziam uma espécie de “fogo à prova”. A moça por quem eu nutria um certo carinho morava na capital. Ela aparecia na nossa cidade de tempos em tempos. Como é costume na vida, as coisas sempre se dão em ciclos. Seu pai era uma espécie de cabo político e, às vezes, precisava fazer algumas visitas — algo desse tipo. Eu era tímido e, como todo sujeito que teme aquilo que lhe é dado, nunca disse nada sobre os meus sentimentos por ela.
Como disse em outro lugar, “faz parte”. E como o passado só serve para vasculharmos em busca de alento, as coisas se dão como devem ser. Se decidirmos mudar algo, que seja pelas mãos do momento, em prol de algum futuro. Um dia antes da sua partida, conversamos — e digo: foram momentos em que o tempo, naquele instante, se incumbiu de fazer voar, como o vento. Quando terminou, fui para casa e lá pedi aos céus que permitissem mais uma noite — não nego, pedi com todas as minhas forças. E, por incrível que pareça, no outro dia o carro do pai dela deu problema. Ficaram mais um dia. [risos] São momentos como esse que sempre dizem mais — de que há, sim, mais do que um céu sobre nossas cabeças.
E os 16 se vão como as palavras que, ditas, escapam. Vieram os vinte — o mesmo ser, sonhos diferentes e a vontade mais amena, mas os impulsos… esses eram fortes, vieram para ficar. Nessa idade, o que se espera da vida já começa a se distinguir.
Ela já não era mais o suprassumo da confiança — o eixo ia se invertendo. Veio, nesse tempo, a necessidade de afirmação: eu precisava dizer mais de mim, para mim — algo que não fosse só medo e lágrimas. Veio a busca por um chão. Primeiro, a crença no mágico — essa, desde aqueles tempos, era meu alicerce, minha confiança. Fui de encontro à vida.
Lembro que, nesse período, um dos primeiros empregos foi algo que me despertou. Acreditem: o sujeito que vos fala arrumou emprego numa montagem de cestas de alimento. Trabalhava das seis da noite às seis da manhã. Regime duro... [risos]
Lá tive algumas das mais nobres constatações que a vida nos oferece. Entendi que não adianta chorar — o que é lançado, depois de tomar seu curso, nunca mais irá parar. Também compreendi que, na vida, sempre existe um porto seguro; mesmo que não se queira, a vida sempre arruma um para você.
Depois de algum tempo, saí de lá — já com uns vinte e poucos — e fui trabalhar como balconista. Aprendi, como poucos, o peso do tempo. A maioria dos clientes eram homens e mulheres de cinquenta e poucos anos, que amavam os meus ouvidos. E que ambiente: uma cerveja, boa comida e um ouvinte atento, que escuta… e não faz perguntas.
Esse era eu. E hoje, olhando tudo de relance — com uma boa música e um bom copo de whisky — tudo parece ter algum sentido.
E, lógico, se estão curiosos: hoje tenho quarenta.
E sim, vivi muita coisa.
Mas os mergulhos mais profundos não são os que, no tempo, têm mais idade, e sim aqueles que, na alma, carregam maior compreensão — só se dá o que se tem.
E que compreensão da vida um jovem tem? Menos do que se espera, e mais do que se vê.
Portanto, quando um novo mergulho profundo eu der, podem ter certeza: os restos resgatados irão surpreender seus pensamentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário