sexta-feira, 25 de abril de 2025

Um copo de vodka e uma história qualquer.

“O que ele chamava de felicidade”

João achava que era feliz. Tinha um emprego, um teto, contas pagas, e a repetição diária que chamava de vida. Foi o que lhe ensinaram, e ele aceitou. Até que a vida — que não respeita certezas frágeis — lhe tirou o chão.

Demissão. Luto. Vazio.

Foi na dor que João acordou. Começou a buscar — nos livros, nas conversas, no silêncio da praça. Descobriu que a felicidade verdadeira era um movimento, uma busca, uma aceitação humilde do mistério.

E durante um tempo, acreditou ter encontrado seu lugar no mundo: vendendo bolos, livros usados, palavras sinceras.

Mas a vida, que nunca para, trouxe novas perdas. Sofrimento velho, rosto novo.

João mergulhou novamente na dor, mas dessa vez não fugiu. Observou. Deixou doer. Deixou passar. Entendeu, numa clareza dura, que não há alternativa: tudo retorna à origem. E a vida é, simplesmente, o que se faz, quando se faz.

Essa verdade poderia ter encerrado a história.

Mas não.

Porque, como ele próprio percebeu, um copo de vodka nunca é só um copo de vodka.

A essência, por si, não basta.
A compreensão, por si, não basta.
Era preciso recomeçar — mas agora com tudo o que era seu: o passado, a dor, as derrotas, as vitórias, a sabedoria.

João então decidiu: não viveria apenas para existir, nem para suportar.

Ele viveria para vencer.

Não no sentido comum, de fama ou riqueza — mas no sentido profundo: vencer a si mesmo, vencer o tempo morto, vencer o esquecimento.

Pegou seus cadernos antigos, suas ideias, seus projetos inacabados. Reuniu tudo o que a vida tinha quebrado, e começou a construir.

Reabriu um pequeno café-livraria — não por dinheiro, mas para criar encontros, histórias, possibilidades. Escreveu um livro. Cantou músicas antigas com desconhecidos. Amou de novo. Errou de novo. Tentou de novo.

E nesse novo modo de ser — o modo dos que sabem que o tempo é curto, que o amor é urgente, que a vida é rara — João alcançou o máximo da felicidade.

Não porque tudo estivesse perfeito.

Mas porque tudo, enfim, era verdadeiro.

À Beira do Rio

(O entardecer banha o céu de laranja e púrpura. As águas do rio deslizam mansas. João senta numa pedra, olhando o movimento da corrente. De repente, escuta — ou sente — uma voz. Sua própria consciência.)

Consciência:
— Então... achou que tinha chegado ao fim?

João:
— Achei. Por um tempo, achei que tinha entendido tudo. Que a dor era a última lição.

Consciência:
— E não era?

João:
— Não. A dor é só uma porta. Depois dela, o corredor continua.

Consciência:
— E o que encontrou nesse corredor?

João:
— Silêncio. Depois, memória. Depois, vontade.
(pausa)
O que eu sou... não cabe só no que eu sofri.

Consciência:
— Você carrega suas dores como medalhas, João. Mas a vida não quer soldados. Quer poetas.

João:
(sorri, amargo)
— E o que eu faço com tudo o que perdi?

Consciência:
— Faz caminho. Cada perda é uma pedra. Constrói com elas uma estrada.

(João pega uma pequena pedra no chão e joga no rio. Ondas leves se espalham.)

João:
— Então não há descanso.

Consciência:
— Não para quem acordou. Descansar é para quem ainda dorme.

João:
(olhando para o horizonte)
— Eu queria voltar a ser como antes, às vezes.

Consciência:
— Não queria. Você quer esquecer que queria ser mais. Mas agora sabe. E saber é um fogo que nunca apaga.

(As últimas luzes do dia tocam a água como dedos de ouro.)

João:
— Então... o que me resta?

Consciência:
— Fazer. Cada gesto é uma semente. Cada palavra, uma construção. A vida é aquilo que você faz — e quando faz.

João:
(baixando a cabeça, com um sorriso triste)
— Entendi.

Consciência:
— Então levanta. Tem um mundo esperando pelo que só você pode fazer.

(João se levanta devagar. O rio segue seu curso. E João, agora parte dele, também segue.)

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