A Lógica da Obediência Invisível
Como a manipulação das fontes redefine a verdade no espírito humano
O filósofo espanhol Afonso Lopes Quintás escreveu uma obra que, ao meu ver, deveria ser referência de cabeceira para qualquer pessoa sensata: Teoria e Manipulação. Nela, o autor destrincha as etapas pelas quais a manipulação é realizada, bem como os métodos e técnicas que permitem a determinados sujeitos — os manipuladores — cooptar aqueles que são manipulados.
A manipulação, na obra, obedece a uma dinâmica que atua em escalas, tornando a própria autodefesa ineficaz diante do método. A psique humana opera em níveis, em graus de importância que o intelecto atribui às coisas que a cercam. É justamente explorando essa estrutura que o manipulador progride em sua ação: primeiro, reduz o outro a um simples meio; depois, estabelece uma relação assimétrica, conduzindo o vínculo sem que o outro perceba. A comunicação, antes aberta, torna-se uma via de mão única, moldando percepções. Com o tempo, o próprio horizonte de sentido do manipulado se altera, e a lógica do manipulador é incorporada como se fosse natural. Quando se chega a esse ponto, resistir já não parece uma opção — pois a submissão passou a vestir a máscara da convicção.
Ou seja, o manipulado passa a ser a própria manifestação da manipulação. Quando se chega a esse nível, no sujeito, sua vontade — e tudo aquilo que a ela está ligado — sofre um revés, uma espécie de abandono imediato. A crença deixa de ser própria e torna-se a crença do outro: uma forma de “ser no outro outro”, uma alienação consciente, sem possibilidade de retorno.
Dito isso, podemos encontrar no meio social diversos exemplos da teoria da manipulação de Lopes Quintás:
Política: Um exemplo clássico ocorre quando líderes carismáticos reduzem o eleitor a mero instrumento de poder, explorando medos coletivos e construindo inimigos imaginários. A comunicação se torna unilateral, repleta de slogans e frases de efeito, que visam substituir o pensamento crítico por reações emocionais. Com o tempo, o cidadão interioriza esse discurso e passa a reproduzi-lo como se fosse seu, tornando-se defensor de uma narrativa que não construiu.
Jornalismo: A manipulação se manifesta quando veículos de comunicação selecionam, distorcem ou omitem informações com a intenção de moldar a percepção do público. Ao invés de informar, passam a formar — mas não no sentido nobre do termo, e sim conduzindo o leitor a adotar determinada visão de mundo sem perceber o viés presente. O leitor, então, perde o referencial próprio e passa a interpretar a realidade segundo os filtros do veículo.
Religião: Em certos contextos, líderes religiosos se valem da autoridade simbólica para instaurar relações assimétricas com seus fiéis, manipulando afetos, medos e desejos de transcendência. A fé, que deveria ser experiência interior e livre, é substituída por um conjunto de crenças impostas, muitas vezes legitimadas por promessas ou ameaças veladas. O fiel, nesse estágio, já não crê por convicção, mas por submissão — e toma como sua uma crença que, na origem, foi implantada.
Podemos, aqui, estender os exemplos, pois são muitos. No entanto, o meu intuito é demonstrar que, entre as diversas esferas nas quais a manipulação se manifesta, é nas redes sociais que ela assume sua forma mais sutil.
Nelas, as abordagens dos chamados “posts” atuam de modo a tornar o indivíduo o próprio agente por meio do qual a manipulação se concretiza — sem que seja necessária a atuação direta de um manipulador. Um simples vídeo, que para muitos possui um teor cômico, às vezes dramático, outras vezes trágico, carrega em seu cerne uma mensagem que passa despercebida pelo receptor: você precisa saber disso.
Essa mensagem só encontraria barreiras de defesa se aquele que a recebe possuísse um senso de percepção crítica direta — um efeito natural da psique quando esta não se encontra amortecida. Por exemplo, ao assistir a um vídeo com forte apelo emocional, uma mente crítica imediatamente percebe não apenas o conteúdo explícito, mas também a intenção subjacente: a indução de uma resposta, a fabricação de consenso, ou a normalização de determinados valores.
Ademais, atuar contra a própria natureza do conhecer não é tarefa fácil. A consciência foi construída para buscar a verdade, e essa verdade se encontra no meio, fragmentada. Nossa consciência sabe disso, percebe isso, muitas vezes não aceita, mas se torna refém da situação. Dito isso, não se pode fugir daquilo que te cerca por todos os lados sem saber, primeiro, que faça o que fizer...
O homem nasceu para saber, e esse saber só pode vir na forma de informação.
Portanto, é na necessidade desenfreada de buscar informação que se esconde o perigo — e também a única forma de se proteger frente às armas lançadas.
A informação é, ao mesmo tempo, espada e escudo.
Informações são dados que nossa mente busca para se orientar diante do mundo, permitindo-nos uma melhor convergência com o meio que nos cerca. Ela — a informação — nos alcança por um meio que chamamos de testemunho: seja pela escrita, por algo gravado ou pela fala, dita por alguém. A informação é esse apresentar-se — uma espécie de coisa que parte da necessidade do sujeito e retorna como reflexo do objeto.
Logo, é na fonte — na confiabilidade dessa fonte — que se encontra a chave que pode nos permitir manipular, em vez de sermos manipulados. Aqui, ao falar em "manipular", refiro-me à manipulação dos dados: à extração da informação e, consequentemente, à verificação de sua veracidade por parte do nosso espírito.
Em última instância, tudo aquilo que chega até você deve encontrar, em seu interior, a predisposição para a aceitação — e essa, por sua vez, deve repousar sobre a confiabilidade da fonte. Deve ser a fonte, e não a informação em si, o critério que lhe permita afirmar se algo é verdadeiro ou falso.
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