A Promessa e o Espírito
A história humana é repleta de singularidades — pontos de convergência que, em determinados momentos, alteram a curva do rio e se movem ao sabor do vento. Isso que chamamos de vida, em suma, não passa de um efeito: a manifestação do que Hegel chamou de Geist der Zeit, o espírito do tempo, e que eu chamo de providência divina.
Uma das nuances mais belas desse desenrolar é a história da Igreja. Antes de ser oriunda da crucificação e ressurreição de um Homem que se fez Deus, ela é a história de uma promessa — um compromisso firmado, em totalidade, por um amor sem limites de Deus para com suas criaturas.
Seja nos relatos antigos dos sumérios, babilônios, fenícios, egípcios, ou na esperança filosófica grega — de que um dia a verdade, a sabedoria, encarnaria na forma humana —, ali já pulsava o anseio por um encontro definitivo entre o divino e o temporal.
Contudo, foi na linhagem hebraica que tal promessa ganhou solidez. Os hebreus, enquanto linhagem humana, foram os únicos a manter coesão com o fio inicial da História. Preservaram os registros dos primeiros tempos por meio do Talmud — a tradição oral —, da Torá — a tradição escrita —, e da Cabala — a tradição oculta. Sua disciplina cumpria, em termos materiais, aquela promessa feita no limiar da aurora.
Muitos, desavisados, por não compreenderem o desenrolar dos fatos que ultrapassam o instante, não percebem que a totalidade só se revela na completude do movimento em função de sua forma. É como uma semente plantada: sabemos que se tornará árvore e dará frutos. Mas, se não soubéssemos, seria impossível conceber que um grão de mostarda pudesse gerar algo tão grandioso.
Assim é a história da Igreja.
Nos momentos finais que antecederam a crucificação, alguns homens que seguiam o Galileu certamente estavam confusos: tudo se foi, perdemos. Seu Mestre fora capturado, traído com um beijo por um dos seus, humilhado publicamente. O que poderia se esperar a partir dali?
Em termos de desenrolar humano, tudo... e nada.
Sabemos que a vida é uma caixinha de surpresas — muito do que tomamos como certo se revela duvidoso, e o que parecia impossível, por vezes, se cumpre. Assim é a vida.
Todavia, o que se poderia fazer? Onze homens, mais alguns simpatizantes... contra o mundo?
E é aí que aquela singularidade — aquele ponto de convergência — adentra o palco.
Antes de ser o Geist hegeliano, a práxis marxista ou o nada sartreano, ele é a graça dos céus, o maná dos primeiros pais. Como num toque de mágica, a cortina se fecha... e se abre novamente.
Onze homens, com a ajuda de um carrasco convertido, fundaram a maior instituição da história. Vinte séculos se seguiram — com rupturas, reformas, correções.
Porém, nunca um fim.
E hoje, mais um ponto de singularidade: a frase do dia é Sede vacante.
Nos próximos dias, nas próximas semanas, seremos testemunhas de mais um ponto de inflexão, de mais um ponto de convergência. Dentro de algumas semanas — talvez meses — bilhões de católicos ao redor do mundo conhecerão seu novo vigário. Roma terá um novo bispo.
E a história, mais uma vez, sentirá o toque invisível da providência.
Alguns podem duvidar; outros, mais além, podem temer.
Seitas militaristas dirão que é o fim, que um tal negativo do Cristo surgirá. Outras dirão que ele sempre existiu.
Quanto a mim, sei o suficiente.
"Os meus tempos estão nas tuas mãos;
livra-me dos meus inimigos e dos que me perseguem."
— Salmo 31:15
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