Existe uma ideia que anseia perpetuar-se: a de que o Homem é fruto do meio, uma mistura de teoria — mundo mentis — e prática — mundo concreto —, uma práxis. Essa ideia vem ao encontro de uma necessidade que o homem sempre teve: justificar a deficiência do real frente à sua capacidade de reformular esse real. O homem só pode aquilo que ele pode, e nada mais. Essa deficiência — a de dominar apenas certos aspectos da realidade — frustra o homem. Os gregos, no ápice de seu desenvolvimento, não conseguiram alcançar esse domínio, e o mesmo se deu com outras civilizações. A nossa, moldada justamente no reconhecimento de que tal domínio não é possível, realizou uma manobra nos últimos séculos e agora acredita que essa deficiência, que não passa de uma delimitação natural da condição real do homem, é não apenas superável, mas também a prova enfática de que a práxis é a resposta à pergunta: o que é o homem?
O materialismo dialético — essa ideia de que a resposta à pergunta feita se encontra no choque de constatações concretas — assume papel importante nessa tentativa de dar ao homem a coroa de suprassumo do real: o homem seria uma construção do meio; sua constituição, a evolução biológica; enquanto sua psique, que não existiria de fato, seria apenas a modelagem de situações que, ao longo da história, o moldaram em prol do ápice da conquista. Contudo, basta uma pequena observação para ver que tal ideia não se sustenta. Imaginemos, por um minuto, que isso seja verdade. Primeiro: por que somente uma espécie, entre milhares, evoluiu para uma forma que convergisse toda a perfeição da natureza? Segundo: por que somente uma espécie fundiu as possibilidades materiais com uma faculdade tão singular — que não é material — e que lhe permite, além de abstrair, julgar e afirmar?
Basta isso; basta perguntarmos: por que somente eu penso e reflito, se de fato eu sou apenas eu mesmo?
Descartes, Hegel, Kant — alguns dos fundadores modernos dessa ideia, depois aperfeiçoada pela Escola de Frankfurt e colocada em prática pelas mazelas do marxismo político —, remoeram suas entranhas na tentativa vã de afastar do imaterial a resposta à pergunta. Não tendo escapatória, remodelaram a ideia, conferindo-lhe um cerne que passa despercebido por aqueles que tentam enterrar o sagrado. Nesse cerne, deixaram, nas entrelinhas, a afirmativa de que isso não poderia se dar por acaso.
René Descartes, ao afirmar cogito, ergo sum (“Penso, logo existo”), reconheceu que a certeza da existência não provém da matéria, mas do ato de pensar, do espírito que pensa. Na Meditação Segunda, escreveu:
> “Mas imediatamente notei que, enquanto eu queria pensar que tudo era falso, era necessário que eu, que pensava assim, fosse alguma coisa. [...] Portanto, esta proposição: eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou concebo em meu espírito.”
Immanuel Kant, ao postular a lei moral dentro do homem, atestou a presença de uma dimensão que transcende o sensível. Na Crítica da Razão Prática, assinalou:
> “Duas coisas enchem o ânimo de admiração e respeito sempre novos e crescentes, quanto mais vezes e mais perseverantemente a reflexão se ocupa delas: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim.”
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, por sua vez, deixou claro que a história, a realidade e a verdade são, em última instância, o desdobramento do Espírito em busca de si mesmo. Na Fenomenologia do Espírito, declarou:
> “O verdadeiro é o todo. Mas o todo é apenas a essência que se realiza através do seu desenvolvimento. [...] O Espírito é essa realidade viva.”
Assim, mesmo entre aqueles que buscaram fundamentar o homem em bases materiais, a verdade se impõe: é na força do Espírito que se encerra a resposta.
Por fim, vemos que, no encerrar de qualquer dúvida a respeito da origem e constituição do homem, encontra-se essa bifurcação: matéria e espírito. Pensar na primeira sem levar em conta o segundo é assunto vencido. Vemos também que a tentativa de driblar o segundo reduz o homem a uma ideia sem sentido, pois só pode haver sentido se ele se valer daquilo que lhe confere algum sentido: a vida — na sua forma única e concreta — que é a manifestação do Espírito.
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