O mundo que nos cerca se manifesta por meio de uma operação que envolve duas entidades bastante distintas, que podemos entender como sujeito e objeto; o sujeito é o receptor e o objeto, o emissor. É claro que, por mais que nos tomemos como únicos, não podemos ter a ousadia de afirmar que somos, em todos os casos, o sujeito da operação, pois alguém, nesse contexto, poderia nos dizer: "para mim, você é um objeto".
Por outro lado, essa relação esconde aspectos que, tomados com seriedade, explicam muito do que envolve nossa deficiência quanto aos questionamentos acerca da vida. A vida, para se dar, precisa passar pelo crivo dessa relação — uma reação natural da parte do Ser, que, para ser, precisa se manifestar na resultante dessa operação sujeito-objeto.
Todavia, nessa relação existe muito mais do que apenas sujeito e objeto. É consenso — perceptível em todas as línguas do mundo, do sânscrito às línguas latinas e árabes, estendendo-se aos dialetos africanos — que o amor possui um ponto em comum entre todas elas. Esse ponto não decorre de um consenso construído, até porque essas línguas, separadas pelo espaço-tempo, não tiveram a possibilidade de dialogar entre si. Ainda assim, o elo que as une é a participação, a união, a interação.
Essa atração — essa força que une — torna o amor uma espécie de elo de ligação, de argamassa, de sustentação na correlação sujeito-objeto. E é aqui que encontramos eco na literatura: Machado de Assis, em seu conto O Espelho, propõe a existência de duas almas em cada pessoa — uma que vem de fora, do olhar social, e outra que brota de dentro, do ser profundo. É na primeira que se revela a dependência da imagem, da validação, da alteridade. Assim como no conto, onde o espelho só devolve um reflexo após a imposição de um símbolo de status, também nós, enquanto sujeitos, só nos vemos inteiros quando percebidos e reconhecidos pelo outro — o que nos torna, ao mesmo tempo, objeto do olhar alheio.
Na ilustração feita através do conto, vemos que o amor — esse ponto de ligação — é dado não apenas pelo mundo ao se apresentar diante de nós, mas também pela medida de importância que atribuímos àquilo que amamos, o quanto acreditamos nessa “coisa” como parte integrante de nós mesmos. O vínculo não nasce apenas do externo que nos toca, mas da adesão íntima, da aceitação interior, da fusão entre o que está fora e o que, ao se reconhecer naquilo, passa a habitar dentro.
Portanto, antes de ser apenas um termo qualquer, ou algo utilizado para justificar ações de equilíbrio entre os indivíduos, o amor é uma força — algo sólido e indestrutível — que, em sua constituição, permite moldar aquilo com o qual interagimos, com o qual construímos. Nele, somos a ponte — o pontífice, o mediador — entre o material e o espiritual, entre o corpo e o espírito, entre a ideia e sua realização e, mais do que tudo, entre o ontem e o amanhã: um ontem de erros e um amanhã de esperanças.
Nenhum comentário:
Postar um comentário