sábado, 26 de abril de 2025

O Religare e a Batalha Contra o Espírito do Tempo.

Por milênios, o Homem tenta uma conexão com o divino, uma tentativa única, oriunda de uma espécie que tem em sua constituição a necessidade de vislumbrar — e também buscar — nessa pergunta alguma resposta que conforte seus dias e lhe dê mais do que um alívio momentâneo; não serve aquilo que seja passageiro.
E disso ele tem consciência. Nessa esfera — a do religioso, termo cuja raiz etimológica provém do latim religare ("religar"), indicando o esforço de unir novamente o humano ao divino — o Homem tenta seguir uma linha contínua, algo que lhe permita manter e, mantendo, reproduzir a ideia central que fundamenta toda a busca: a felicidade, na forma de um bem orientado pela verdade e envolto na sublime beleza daquilo que o transcende.
Em todo esse esforço, ele acredita haver uma recompensa, e para tal condensa tudo nesse religare, nessa tentativa de encontrar aquilo que está para além de seu mundo — um outro, separado mais pela cortina da ilusão do que por pensamentos desordenados.
Para isso, nos primórdios, ele institui a premissa primeira — o amor à verdade — que pode ser traduzido nas linhas dos primeiros mandamentos judaico-cristãos: amar a Deus sobre todas as coisas. Com essa premissa, inicia sua jornada, lembrando que a verdade é a manifestação daquilo que é, e como é.
Depois dessa jornada iniciada, a própria verdade, não podendo deixar de lado essa tentativa tão nobre por parte daquele que a busca, resolve intervir, cumprir uma promessa que, em outros tempos, fora feita e que, em determinado momento, parecia ter sido esquecida. Então, Ela reencarna.

Assim, como o próprio Gênesis 3:15 declara: "Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente; este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar."
A promessa estava desde o princípio, anunciada à humanidade, e, mais tarde, Isaías 7:14 veio reforçar: "Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel."
E, no esplendor da profecia, Isaías 9:6 revelou a grandiosidade desse ato divino: "Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz."

Promessa essa que, após sua manifestação direta na forma humana, fundou a estrada por onde hoje caminhamos: a civilização ocidental. Vinte séculos depois, essa estrada está pavimentada.
Só que essa pavimentação precisa de reparos. Assim como em diversas ideias existe seu antagônico, seu oposto existencial, nesse religare não é diferente. Nele, essa pavimentação pode ser entendida como algo ortodoxo — termo que provém do grego orthós ("reto, correto") e dóxa ("opinião, doutrina"), ou seja, a "doutrina correta". E, por outro lado, quando o reparo é feito de forma incorreta, surge aquilo que chamamos de heresia — palavra oriunda do grego haíresis ("escolha", "opção"), indicando uma escolha que se afasta da verdade reta.
Dito isso, vejamos como andam os reparos dessa pavimentação.

Como já advertia o apóstolo Pedro em sua segunda carta:

> "Assim como no meio do povo surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão dissimuladamente heresias destruidoras, chegando a negar o Soberano que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição."
(2 Pedro 2:1)

Esses falsos reparos, disfarçados de zelo mas corroídos de erro, não apenas deturpam a estrada, mas afastam muitos da própria direção do Caminho.
E, como bem advertia o apóstolo Paulo:

> "Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos."
(2 Timóteo 4:3)

Assim, aquilo que deveria ser um simples reparo na via da ortodoxia torna-se, muitas vezes, uma completa subversão da rota, lançando muitos em estradas de trevas, ainda que pavimentadas com as aparências de luz.

Hoje, as palavras ditas em outros tempos nunca tiveram tanta relevância quanto agora. O homem, nessa tentativa desesperada de religar algo a algo mais sublime, lança-se em esperanças vãs — das mais bizarras às mais perigosas.
Com isso, acaba por se tornar presa fácil, um animal doente que, ao caminhar com dificuldade, fica à mercê, inerme, de um predador cujas garras e dentes se apresentam afiados, apenas à espera do momento certo para o bote fatal.

O Espírito do Tempo.

Ele, mais do que um predador, é um vento invisível que, soprando sobre as consciências, molda e entorpece. O Espírito do Tempo — sutil, sorrateiro e disfarçado de progresso — se infiltra nos pensamentos e costumes, deformando a estrada antiga até que ela se torne irreconhecível.

Para traduzir seus males em palavras mais densas, evoquemos um poema de G.K. Chesterton, que trata dos males que o Espírito do Tempo carrega:
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Poema — Os Males do Espírito do Tempo (inspirado em The Ballad of the White Horse)

> "Outros ventos se levantarão,
ventos contrários ao eterno,
soprando torres que já foram fortes,
e enterrando heróis em silêncio.

A Fé, uma vez cantada nas praças,
será sussurrada com temor,
e as luzes das velhas cidades
apagar-se-ão, uma a uma.

Mas mesmo quando as trombetas falharem,
e as espadas jazirem quebradas,
um eco sobreviverá no coração dos que sonham,
pois o que foi verdadeiro jamais morrerá."
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E como nos alertam as palavras de Chesterton, é ele, o Espírito dos Tempos, esse predador, que espreita, que espera, e que, como um leão faminto, se lança sobre a manada desavisada, aguardando a hora certa para o bote.
São três os aspectos desse inimigo: o diabo, a carne e o mundo.

O Espírito do Tempo age no tempo, nas suas facetas, e dele extrai sua força. Lutar contra ele só se torna possível se o indivíduo compreender onde pode repousar, no tempo.
O indivíduo deve segurar o tempo, fazer dele sua estrada, deitar nele de forma sensata. Deve movimentar-se nele de maneira ortodoxa, sem buscar reparos heréticos.

Reparos esses que se dão de forma contundente nos discursos daqueles que não têm apreço pela tradição. Seu argumento é simples: "o novo é sempre bom". Mas não é. Valendo-se dessa deficiência da alma, o Espírito do Tempo joga com as paixões, com sentimentos e percepções, iludindo a alma ao lhe oferecer prazeres que não pode dar: "transforme estas pedras em pães"; "lance-se daqui, e nenhum mal lhe ocorrerá"; "ajoelhe-se, e tudo isso te darei."
Templos erguidos com gula, soberba e vanglória — é isso que o Espírito do Tempo tem a oferecer.

Alguns escapam, muitos não.
Uma forma de detectar esse espírito se encontra na percepção direta daquilo que ele oferece como felicidade: "ela não pode ser esperança, tem que ser ação", diz ele.
Nunca há, nesse Espírito do Tempo, uma verdade em sua totalidade; ela sempre vem revestida de recortes, momentos fugazes de uma felicidade embriagante.

Portanto, homens que oferecem nada em troca de tudo: "Veja! A partir de hoje não haverá mais sofrimento na sua vida, somente fartura, abundância, fama e riqueza"; ou que lhe dizem que o sofrer é penar por não se ter: "Quer ser? Tenha, não divida" — são astutos em preparar o bote fatal.
"Homens tolos! Apenas os reis são lembrados pela história."

Complemento.

[Interior de uma igreja silenciosa. Dois homens sentam-se próximos a um vitral iluminado.]

João:
— Às vezes penso que estamos perdendo algo que não volta. Não é só fé... é como se o próprio fio que nos ligava ao alto estivesse se desfazendo.

Mateus:
— Não é impressão, João. O Espírito do Tempo sopra forte. Ele tenta nos convencer de que romper o fio é liberdade... mas é apenas queda.

João:
— Queda que chamam de progresso.
(Pausa.)
— Como resistir, se até dentro da própria fé já vemos rachaduras? Heresias travestidas de bondade...

Mateus:
— Segurando-se na estrada antiga. O novo, quando não nasce da verdade, é apenas uma ilusão brilhante. Precisamos de ortodoxia, não de reparos heréticos.

João:
— E isso exige coragem...
(Olha para o altar.)
— Coragem de permanecer quando o mundo inteiro já se dobrou.

Mateus:
— Sim. Fé, verdade e beleza. Ou seremos apenas mais uma geração perdida no vento.

[Os sinos tocam suavemente. Silêncio reverente.]


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