segunda-feira, 21 de abril de 2025
Da Consciência ao Ser: Múltiplas Leituras da Verdade.
Da Consciência ao Ser: Múltiplas Leituras da Verdade
É notório que há uma tentativa constante de desvirtuar o que chamamos de verdade. No entanto, é necessário desenvolver minimamente o conceito de verdade, para que o texto não careça de sentido.
1. A Verdade como Construção Social
Comecemos pela abordagem sociológica.
Do ponto de vista sociológico, a verdade não é entendida como um reflexo objetivo e imutável da realidade, mas como uma construção social, moldada por contextos históricos, culturais e relações de poder. O que uma sociedade aceita como verdade está intimamente ligado às instituições que detêm autoridade — como a ciência, a religião, a mídia e o Estado —, e reflete os valores e interesses dominantes em determinado momento histórico. Assim, a verdade, sob essa ótica, é contingente, negociada e sujeita a disputas simbólicas.
2. A Verdade como Consistência Formal
Nessa esteira, passemos à abordagem matemática.
Na matemática, a verdade assume um caráter formal e absoluto, sendo definida dentro de sistemas axiomáticos. Uma proposição é considerada verdadeira se pode ser logicamente deduzida a partir de axiomas e regras de inferência previamente estabelecidos. Trata-se, portanto, de uma verdade interna ao sistema, imune às variações culturais ou subjetivas — uma verdade que se sustenta pela coerência lógica e pela consistência formal. Diferente da perspectiva sociológica, aqui a verdade não é negociável: ou uma afirmação é provada dentro do sistema, ou não é considerada verdadeira.
3. A Verdade como Experiência Psíquica
Dito isso, vejamos como a psicologia — tentativa moderna da filosofia de sondar a alma com rigor empírico — compreende a verdade.
Do ponto de vista psicológico, a verdade está frequentemente relacionada à percepção individual e à coerência interna da experiência subjetiva. Verdade, nesse campo, pode significar aquilo que um sujeito acredita sinceramente com base em suas vivências, memórias e estruturas cognitivas. Assim, não se trata de um absoluto, mas de algo profundamente enraizado na consciência e nos mecanismos mentais. A verdade psicológica é aquela que ‘faz sentido’ para o indivíduo, mesmo que, do ponto de vista lógico ou factual, esteja equivocada. Isso abre espaço para distorções cognitivas, autoengano e crenças consolidadas por reforço emocional, o que torna o conceito de verdade aqui fluido, pessoal e, muitas vezes, inconsciente.
4. A Verdade como Essência Oculta
Por fim, antes de continuarmos, vejamos como a metafísica — aqui me abstenho da filosofia propriamente dita — enxerga a verdade.
Na perspectiva metafísica, a verdade é concebida como algo absoluto, anterior e superior às manifestações empíricas e aos jogos humanos de linguagem. Trata-se de uma essência, uma estrutura oculta da realidade que permanece imutável mesmo quando os fenômenos mudam. A verdade, nesse sentido, é aquilo que é, independentemente de ser percebido, compreendido ou aceito. Ela não depende do sujeito nem do contexto; é, por excelência, uma dimensão do ser. Muitas tradições metafísicas sustentam que a verdade é revelada, intuída ou contemplada em estados de consciência ampliada, e não construída por processos discursivos. Assim, a verdade metafísica opera como fundamento último, como aquilo que sustenta e transcende todas as aparências.
5. Verdade: Fragmento de uma Realidade
Ao vermos essas quatro abordagens, deparamo-nos com uma constatação: a de que a verdade não é um conceito que extraímos de um termo, nem algo dissecado hermeneuticamente — nada disso. A Verdade é uma realidade. E é justamente isso que explica a distinção tão marcante entre as abordagens acima.
O que acontece é o seguinte: cada uma dessas explicações provém de uma ciência, e bem sabemos que toda ciência trabalha com recortes — cada uma estuda apenas uma fração da realidade. Logo, sua impressão sobre a verdade refletirá apenas a importância que esse objeto possui dentro de seu campo de atuação. Seria como um sujeito que usa uma faca para cortar, luvas para vestir e uma cadeira para sentar: cada ferramenta tem seu uso, e seu valor é determinado por esse uso. Assim também é a ciência — ela se vale do objeto apenas na medida em que ele serve ao seu propósito.
Em suma, a verdade é algo de que o homem apenas consegue ter impressões — um estado. É o que ele alcança, o quão alto pode ir. Para ele, a verdade se apresenta como uma realidade em escala: da mais nobre elevação espiritual aos abismos infernais da consciência. Não se trata de algo que o homem possua, mas de algo em cuja direção ele se projeta, experimentando fragmentos, reflexos, ecos. A verdade, para o homem, nunca é plena — é sempre vestígio, intensidade, clarão ou treva. É claro, podemos continuar, e abordar mais dezenas de ciências, pois cada uma delas, com suas ferramentas próprias, tenta decifrar esse enigma a partir de ângulos distintos — sempre parciais, sempre provisórios. Como por exemplo: a física, a química, a biologia, a história, o direito, a teologia, a antropologia, a linguística, a semiótica e a cibernética.
Cada qual tem seu recorte da verdade. Ademais, isso não deixa de parecer óbvio — ao menos, uma vez sabido.
Portanto, se a verdade, enquanto recorte, não é válida por si só, o homem se vê lançado numa incógnita:
se o meu máximo se dá pelo rigor científico — pois o ápice do meu saber é a técnica aliada à razão — como posso, então, conhecer a verdade, se ela só me chega em fragmentos?
São, em essência, as mesmas palavras de Pilatos diante de Jesus: Quid est veritas?
E a resposta de Cristo: o silêncio.
O silêncio nas ciências não existe, pois ele é a conformação da matéria à mente — uma espécie de katallagē, uma reconciliação entre o objeto e o sujeito, onde o mistério é dissolvido no método. A ciência não suporta o silêncio porque nele não há operação, não há hipótese, não há sistema. A ausência de discurso não é admissível como forma legítima de saber.
E ainda assim, essa é a única forma de alcançar alguma verdade — não no nosso silêncio, mas no silêncio de Cristo.
Ao calar-se, Cristo responde a Pilatos o que é a verdade: presença. A manifestação do fato por meio de uma pessoa.
Na abordagem anterior, não podemos esquecer que tudo o que dissemos sobre a verdade foi dito, em última instância, não pela “Ciência” — essa entidade abstrata —, mas por pessoas, indivíduos opinando sobre aquilo que acreditam ser alguma verdade.
Logo, o que Cristo estava dizendo é: a verdade só existe na pessoa, enquanto esta, com afinco e sinceridade, segue em direção à Sabedoria — pois Ele é “o Caminho, a Verdade e a Vida”.
Portanto, Ele é a Sabedoria.
A maioria das pessoas encontra dificuldade em conceber que a realidade possa se encerrar em uma pessoa — e, de fato, trata-se de uma dúvida válida, uma questão de complexidade imensa, de um encontro profundo e transformador.
Contudo, quando esse encontro acontece, ele se revela leve como uma pluma e denso como uma estrela — um paradoxo de graça e profundidade que nenhuma estrutura conceitual é capaz de conter.
Em outro lugar — não me lembro bem — tratei acerca da realidade: sua essência na relação entre sujeito e objeto, seu entorno e exterior, e seu mundo mental. Não me cabe aqui retomar esse tema.
Meu intuito é demonstrar que, na ação material dos fatos, a validade do argumento se dá pela própria manifestação do ser perante o mundo — isso, no fim, é o que importa.
Essa relação não existe sem a estrutura do racional em paralelo com a vida (as coisas), ambas ancoradas por um intuir — esse impulso originário que ninguém sabe de onde vem, nem para onde vai.
Por último, se alguém duvida que, no seu turno, se acomode no leito de alguma ciência e sobre ela trace os dias de sua vida, será trágico. Como Cristo advertiu aos que duvidam:
"Se não virdes sinais e prodígios, não crereis." (João 4:48)
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