quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Um pequeno Trecho.

O que é a vida, senão uma sucessão de fatos que ora acontecem como desejamos, ora não?
Ele tinha um nome — todos têm.
Chamava-se Meia Curva, ideia que insiste em mudar mesmo quando a borda já se acabou.
Seu nome corresponde ao motivo pelo qual veio.
Meia Curva andava pelas bandas do litro e do peso, onde as coisas que insistem em ser são caçadas pela inquisição dos tempos — unidades erguidas para garantir a ordem, pois que ordem melhor há do que aquela que meus desejos assentaram no trono?
Sabia, porém, que ali havia perigo, pois esses sujeitos, ao verem Meia Curva, logo saberiam tratar-se de uma entidade que não aceitava as escolhas. E nada odiavam mais do que os Mãos Soltas — a não ser sujeitos como Meia Curva, que, não sendo desapegado, era coisa pior: um desapegado que sente falta.
Mas Meia Curva precisava passar por ali.
E, ao ver o primeiro litro, cedeu:
“Que mal há? É apenas um litro.”
E com isso — pois quem cede ao litro entrega o peso — esse, que tira mais do que dá, veio de solapo e agarrou Meia Curva.
Com um litro na mão e pesando tudo com a outra, Meia Curva tornou-se o que os moradores chamavam de Perdido e Meio: sujeitos que ainda têm esperança, mas ela está tão distante quanto o juízo que lhes falta para serem aquilo que foram destinados a ser.
    
Um trecho retirado da obra "Honesto" de Jardel Almeida. 

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