domingo, 26 de outubro de 2025

GUILLELMI DE OCKHAM — SUMMA LOGICAE: Pars I — De Terminibus (Primeira Parte — Sobre os Termos)

 



GUILLELMI DE OCKHAM — SUMMA LOGICAE

(Suma de Lógica de Guilherme de Ockham)


Prologus

  • Prologus Fratris et Magistri Adam de Anglia
    Prólogo do Irmão e Mestre Adam da Inglaterra
  • Epistola Prooemialis Guillelmi de Ockham
    Carta Prólogo de Guilherme de Ockham

Pars I — De Terminibus

(Primeira Parte — Sobre os Termos)

1.01 — De definitione termini et eius divisione in generali
 Sobre a definição do termo e sua divisão em geral.
1.02 — De divisione termini, et quod diversimode potest accipi hoc nomen ‘terminus’ in speciali
 Sobre a divisão do termo e as diversas acepções do nome “termo”.
1.03 — De divisione termini incomplexi
 Sobre a divisão do termo incomplexo.
1.04 — De divisione terminorum in terminos categorematicos et syncategorematicos
 Sobre a divisão dos termos em categoremáticos e sincategoremáticos.
1.05 — De divisione nominis per concretum et abstractum
 Sobre a divisão do nome em concreto e abstrato.
1.06 — Quod nomen concretum et abstractum aliquando idem significant
 Que o nome concreto e o abstrato às vezes significam o mesmo.
1.07 — Utrum huiusmodi nomina concreta et abstracta (‘homo’ et ‘humanitas’, etc.) sint synonyma
 Se nomes concretos e abstratos como “homem” e “humanidade” são sinônimos.
1.08 — De nominibus abstractis quae aequivalenter includunt syncategoremata vel determinationes adverbiales
 Dos nomes abstratos que equivalem a sincategoremas ou advérbios.
1.09 — De nominibus concretis et abstractis quorum abstracta non supponunt nisi pro multis simul sumptis
 Dos nomes cujos abstratos só supõem por muitos tomados juntos.
1.10 — De divisione nominum in mere absoluta et connotativa
 Da divisão dos nomes em absolutos e conotativos.
1.11 — De divisione nominum significantium ad placitum — prima et secunda impositio
 Da divisão dos nomes de significação arbitrária — primeira e segunda imposição.
1.12 — Quid est intentio prima et quid secunda
 O que é a intenção primeira e a segunda.
1.13 — De nominum et terminorum aequivocis, univocis et denominativis
 Dos nomes e termos equívocos, unívocos e denominativos.
1.14 — De communi ‘universale’ et de ‘singulari’ opposito sibi
 Do universal e do singular que lhe é oposto.
1.15 — Quod universale non sit aliqua res extra animam
 Que o universal não é coisa fora da alma.
1.16 — De opinione circa esse universalis extra animam — contra Scotum
 Da opinião sobre o ser do universal fora da alma — contra Duns Scotus.
1.17 — De solutione dubiorum contra praedicta
 Da solução das dúvidas contra o exposto.
1.18 — De quinque universalibus et eorum sufficientia
 Dos cinco universais e sua suficiência.
1.19 — De individuo sub quolibet universali
 Do indivíduo sob cada universal.
1.20 — De genere — Sobre o gênero.
1.21 — De specie — Sobre a espécie.
1.22 — De comparatione generis et speciei — Da comparação entre gênero e espécie.
1.23 — De differentia — Sobre a diferença.
1.24 — De proprio — Sobre o próprio.
1.25 — De accidente — Sobre o acidente.
1.26 — De definitione — quot modis dicitur definitio
 Da definição — de quantos modos se diz definição.
1.27 — De hoc nomine ‘descriptio’ — Sobre o termo “descrição”.
1.28 — De descriptiva definitione — Da definição descritiva.
1.29 — De istis terminis ‘definitum’ et ‘descriptum’ — Dos termos “definido” e “descrito”.
1.30 — De termino ‘subiectum’ — Sobre o termo “sujeito”.
1.31 — De termino ‘praedicatum’ — Sobre o termo “predicado”.
1.32 — Quomodo praedicatum dicitur inesse subiecto — Como o predicado se diz estar no sujeito.
1.33 — De termino ‘significare’ — Sobre o termo “significar”.
1.34 — De termino ‘dividi’ — Sobre “dividir”.
1.35 — De termino ‘totum’ — Sobre “todo”.
1.36 — De termino ‘opposita’ — Sobre “opostos”.
1.37 — De termino ‘passio’ — Sobre “paixão”.
1.38 — De termino ‘ens’ — Sobre “ente”.
1.39 — De termino ‘unum’ — Sobre “um”.
1.40 — De termino ‘praedicatum’ — Sobre “predicado”.
1.41 — De numero praedicamentorum — Sobre o número dos predicamentos.
1.42 — De praedicamento substantiae — Sobre o predicamento da substância.
1.43 — De proprietatibus substantiae — Sobre as propriedades da substância.
1.44 — De praedicamento quantitatis — Sobre o predicamento da quantidade.
1.45 — De obiectionibus contra praedictam opinionem — Das objeções contra a opinião precedente.
1.46 — De illis quae ponuntur in genere quantitatis — Das coisas no gênero quantidade.
1.47 — De proprietatibus quantitatis — Das propriedades da quantidade.
1.48 — Qualiter respondendum est sustinendo quantitatem esse rem absolutam
 Como responder sustentando que a quantidade é coisa absoluta.
1.49 — De praedicamento ‘ad aliquid’ — Sobre o predicamento da relação.
1.50 — Quod relatio non sit alia res a re absoluta — Que a relação não é coisa distinta da absoluta.
1.51 — De obiectionibus contra praedicta — Das objeções contra o precedente.
1.52 — De his quae ponuntur in genere relationis — Das coisas no gênero relação.
1.53 — De proprietatibus relativorum — Das propriedades dos relativos.
1.54 — De relatiuis secundum contrariam opinionem — Dos relativos segundo a opinião contrária.
1.55 — De praedicamento qualitatis — Sobre o predicamento da qualidade.
1.56 — De praedicamento qualitatis secundum aliam opinionem — Segundo outra opinião.
1.57 — De praedicamento actionis — Sobre o predicamento da ação.
1.58 — De praedicamento passionis — Sobre o predicamento da paixão.
1.59 — De praedicamento ‘quando’ — Sobre o predicamento do tempo.
1.60 — De praedicamento ‘ubi’ — Sobre o predicamento do lugar.
1.61 — De praedicamento positionis — Sobre o predicamento da posição.
1.62 — De praedicamento habitus — Sobre o predicamento do hábito.
1.63–1.77 — De suppositione terminorum et eius speciebus
 Do uso dos termos nas proposições (suposição, pessoal, simples, material, confusa, distributiva, etc.).


Pars II — De Propositionibus

(Segunda Parte — Sobre as Proposições)

Contém trinta e sete capítulos (2.01 – 2.37) abordando:

  • A estrutura das proposições,
  • As categorias de verdade (singular, universal, indefinida, modal),
  • As equivalências entre proposições categóricas e hipotéticas,
  • As regras de conversão,
  • E as propriedades específicas de proposições com partículas distributivas, privativas, exclusivas, etc.

Pars III — De Syllogismo et Argumentatione

(Terceira Parte — Sobre o Silogismo e a Argumentação)

Pars III-1 — De Syllogismo Simpliciter

(Do Silogismo em geral)
3-1.01 — De divisionibus et definitionibus syllogismorum
3-1.02 — De quibusdam praeambulis ante propositum
3-1.03 — De syllogismis in prima figura
3-1.04 — Probatio praecedentis capituli
3-1.05 — Quando syllogismus regitur per “dici de omni et de nullo”
3-1.06 — De sufficientia modorum primae figurae
3-1.07 — De solutione argumentorum contra praedicta


Pars III-2 — De Syllogismo Demonstrativo

(Do Silogismo Demonstrativo)
Capítulos sobre:

  1. O conceito de demonstratio e os modos de scire.
  2. O que se requer nos termos e nas proposições para a demonstração.
  3. A natureza e divisões da demonstração.
  4. As figuras e formas do silogismo demonstrativo.
    (Esta parte será traduzida integralmente quando chegarmos a ela.)

Pars III-3 — De Consequentiis

(Das Consequências e Argumentações Avançadas)
Inclui:

  1. Definição de consequentia.
  2. Divisão das consequências (formais e materiais).
  3. Regras das consequências.
  4. Paradoxos e insolubilia.
  5. Obligationes disputationis (regras de debate lógico).
  6. Falácias e erros de inferência.
    (Esta parte também será expandida na tradução posterior.)

Finis Tabulae Generalis

(Fim do Índice Geral)

GUILLELMI DE OCKHAM — SUMMA LOGICAE

(Guilherme de Ockham — Suma de Lógica)


PROLOGUS FRATRIS ET MAGISTRI ADAM DE ANGLIA

(Prólogo do Irmão e Mestre Adão da Inglaterra)

Quão grandes frutos traz aos que buscam a verdade a ciência dos discursos, que chamamos de lógica, ensinam-no a autoridade de muitos doutores peritos, e a razão e a experiência o comprovam e demonstram claramente.

Por isso Aristóteles, o principal autor desta ciência, ora a chama de “método introdutório”, ora de “modo de saber”, ora de “ciência comum a todos e caminho da verdade”; e com isso dá a entender que nenhum acesso à sabedoria está aberto a quem não for instruído na ciência lógica.

Averróis também, intérprete de Aristóteles, nas Físicas, diz que a dialética é “o instrumento para discernir o verdadeiro do falso”.
Com efeito, ela define todas as dúvidas, dissolve e penetra todas as dificuldades das Escrituras, como atesta o doutor egregio Agostinho.

De fato, como são dois os atos do sábio para com os outros — “não mentir sobre aquilo que conhece, e poder manifestar o mentiroso”, conforme se lê nos Elencos —, e isto não pode acontecer sem a distinção entre o verdadeiro e o falso, distinção que só este método proporciona, torna-se evidente que ela é de grandíssima utilidade ao que especula.

Pois só ela concede a faculdade de argumentar em todo problema, ensina a dissolver toda espécie de sofisma, e mostra o meio da demonstração; liberta a mente dos grilhões pelos quais, ai!, está retida, e restitui-a à liberdade.

Assim como os grilhões impedem os membros do corpo de cumprir suas funções, do mesmo modo os falsos argumentos e as sofísticas, como ensina Aristóteles, prendem a mente.
Do mesmo modo, esta arte detecta as trevas do erro, dirige os atos da razão humana como a luz; e, de fato, mostra-se até superior à própria luz.

Assim como, sem a luz corporal, os atos humanos seriam ou inexistentes ou errantes — e frequentemente em prejuízo do agente —, do mesmo modo, sem o domínio desta faculdade, os atos da razão se extraviariam.

Vemos, com efeito, muitos que, desprezando esta ciência, desejam dedicar-se às disciplinas e, contudo, erram de múltiplas maneiras: semeiam erros diversos no ensino, forjam opiniões cheias de absurdos, sem medida nem ordem; e tecem e organizam discursos longos de todo ininteligíveis — semelhantes às fantasias dos sonhadores enfermos ou às ficções dos poetas —, avaliando razões de nenhum vigor como se fossem insolúveis, ignorando a força da própria voz.

E quanto mais perigosamente erram, tanto mais se imaginam sábios sobre os outros, ousando, sem discernimento, introduzir nos ouvidos dos ouvintes falsidades em lugar de verdades.

Movido, portanto, pela utilidade que a lógica administra, aquele ilustre filósofo peripatético Aristóteles a compôs com arte, mas, porque a obscuridade da língua grega dificultava sua compreensão aos latinos, de modo que só com muito tempo alguém podia alcançá-la, os posteriores, suficientemente instruídos nela, ordenaram diversos opuscula, abrindo um caminho mais fácil aos que se esforçavam por atingi-la.

Entre estes, tenho por eminente o venerável doutor Frei Guilherme, inglês de nação, menor na Ordem, mas excelso na perspicácia do engenho e na verdade da doutrina.

Este doutor exímio, muitas vezes solicitado por insistentes preces, compôs com plenitude, clareza e seriedade a consideração de todo o método desta ciência, começando pelos termos, como pelos primeiros elementos, e prosseguindo em ordem até o fim.

Aos estudiosos, portanto, dirigindo o estilo — atendendo às súplicas por este pequeno mas ilustre volume, desejando ser útil a todos —, iniciou assim o seu dizer:


EPISTOLA PROOEMIALIS GUILLELMI DE OCKHAM

(Carta-Prólogo de Guilherme de Ockham)

Há já algum tempo, irmão e caríssimo amigo, esforçavas-te, por tuas cartas, em me induzir a reunir em um só tratado certas regras da arte lógica e a transmiti-las à tua amizade.

Induzido, portanto, pelo amor ao teu progresso e à verdade, não posso resistir às tuas súplicas: empreenderei o que me exortas — tarefa difícil, mas, como penso, proveitosa tanto para ti quanto para mim.

Com efeito, a lógica é o instrumento mais apto de todas as artes, sem o qual nenhuma ciência pode ser conhecida perfeitamente; e não é como os instrumentos materiais, que se consomem pelo uso, mas antes é daquelas que recebem incremento contínuo pelo exercício de qualquer outra ciência.

Assim como o artífice, não possuindo conhecimento perfeito do seu instrumento, adquire-o mais plenamente pelo uso contínuo, assim também quem é instruído nos sólidos princípios da lógica, enquanto se aplica com diligência às outras ciências, simultaneamente adquire maior perícia nesta arte.

Daí aquele dito vulgar: “ars logica labilis ars est” — “a arte lógica é arte instável” —, o qual reputo caber apenas aos que negligenciam o estudo da sabedoria.

Seguindo, pois, a extensão da consideração lógica, deve-se começar pelos termos, como pelas coisas primeiras; depois, tratar das proposições; e, por fim, das demonstrações e das outras espécies de argumentação.

E porque frequentemente acontece que os jovens, antes de obterem grande experiência na sutileza lógica, dedicam-se às dificuldades da teologia e de outras faculdades, caindo assim em problemas que para eles são inexplicáveis — ainda que para outros sejam pequenos ou nulos —, e precipitam-se em múltiplos erros, rejeitando verdadeiras demonstrações como se fossem sofismas e aceitando sofisticações como demonstrações, resolvi escrever este tratado, às vezes declarando as regras, no decorrer da exposição, por meio de exemplos tanto filosóficos quanto teológicos.


[1.01 — DE DEFINITIONE TERMINI ET EIUS DIVISIONE IN GENERALI]

(Sobre a definição do termo e sua divisão em geral)

Todos os tratadistas da lógica pretendem afirmar que os argumentos são compostos de proposições e as proposições, de termos.
Assim, o termo nada mais é do que uma parte próxima da proposição.

Aristóteles, no Livro I dos Analíticos Primeiros, define o termo dizendo:

“Chamo termo aquilo em que se resolve a proposição, como o predicado e aquilo de que se predica, seja afirmando ou negando o ser.”

Mas, embora todo termo seja parte da proposição — ou possa sê-lo —, nem todos são de mesma natureza; e, portanto, para se obter o conhecimento perfeito dos termos, é necessário antes reconhecer algumas de suas divisões.

Saiba-se, então, que, segundo Boécio no primeiro livro do Peri Hermeneias, há tripla enunciação: a escrita, a proferida e a concebida, que tem existência apenas no intelecto.
Assim também há triplo termo:
escrito, proferido e concebido.

O termo escrito é a parte da proposição descrita em algum corpo e visível ao olho corporal ou capaz de sê-lo.
O termo proferido é a parte da proposição pronunciada pela boca e nascida para ser ouvida pelo ouvido corporal.
O termo concebido é a intenção ou paixão da alma que naturalmente significa ou consigna algo, sendo apta a ser parte de uma proposição mental e a supor pelo mesmo.

Por isso, esses termos concebidos e as proposições deles compostas são aquelas “palavras mentais” de que fala o bem-aventurado Agostinho, no Livro XV De Trinitate, dizendo que “não pertencem a nenhuma língua”, porque permanecem apenas na mente e não podem ser proferidas exteriormente, embora as vozes se pronunciem exteriormente como sinais subordinados a elas.

Digo, porém, que as vozes são sinais subordinados aos conceitos ou intenções da alma, não porque, tomando-se propriamente o vocábulo sinal, as vozes sempre signifiquem primária e propriamente os conceitos da alma, mas porque as vozes são instituídas para significar as mesmas coisas que se significam pelos conceitos da mente.

Assim, o conceito significa algo de modo natural e, secundariamente, a voz significa o mesmo; de modo que, se o conceito mudasse seu significado, a voz — sem nova instituição — mudaria igualmente o seu.

Por isso diz o Filósofo que as vozes são “as notas das paixões que estão na alma”.
E é este também o sentido de Boécio, quando afirma que “as vozes significam os conceitos”.
E, universalmente, todos os autores, dizendo que as vozes significam as paixões da alma ou são suas notas, nada mais querem dizer senão que as vozes são sinais que, em segundo grau, significam aquilo que as paixões da alma significam em primeiro.

Do mesmo modo, e proporcionalmente, deve-se entender quanto ao escrito em relação às vozes.

[1.02 — DE DIVISIONE TERMINI, ET QUOD DIVERSIMODE POTEST ACCIPI HOC NOMEN ‘TERMINUS’ IN SPECIALI]

(Sobre a divisão do termo e as diversas acepções do nome “termo” em sentido especial)

Deve-se saber, portanto, que o nome termo (terminus) é tomado de três maneiras.

Primeiro modo:
Chama-se termo tudo aquilo que pode ser a
cópula ou um dos extremos da proposição categórica, isto é, o sujeito ou o predicado, ou ainda uma determinação de um dos extremos ou do verbo.

E, neste sentido, também uma proposição inteira pode ser termo, do mesmo modo como pode ser parte de outra proposição.
Com efeito, é verdadeira esta proposição:

“O homem é animal: é uma proposição verdadeira”;

nela, toda a proposição “O homem é animal” funciona como sujeito, e “proposição verdadeira” é o predicado.

Segundo modo:
Toma-se o nome termo em oposição a oração; e, assim, todo
incomplexo é chamado termo.
Neste sentido falei do termo no capítulo precedente.

Terceiro modo:
Chama-se termo de modo mais preciso e estrito aquilo que, tomado
significativamente, pode ser sujeito ou predicado de uma proposição.

E, neste sentido, nenhum verbo, conjunção, advérbio, preposição ou interjeição é termo; e tampouco o são muitos nomes, a saber, os nomes sincategoremáticos, porque, embora tais nomes possam ser extremos de uma proposição quando tomados materialmente ou simplesmente, quando, porém, são tomados significativamente, não podem ser extremos de proposições.

Assim, esta oração:

“Lê: é um verbo”,

é congruente e verdadeira se o verbo for tomado materialmente; mas, se fosse tomado significativamente, a oração não seria inteligível.
O mesmo se dá com sentenças como:

“Omnis: é um nome”; “Olim: é um advérbio”; “Si: é uma conjunção”; “Ab: é uma preposição.”

E é neste último sentido que o Filósofo toma o nome termo quando o define no primeiro livro dos Analíticos Primeiros.

Além disso, não apenas um simples incomplexo pode ser termo, assim entendido, mas também o composto de dois incomplexos — por exemplo, de um adjetivo e de um substantivo, ou de um particípio e de um advérbio, ou ainda de uma preposição com seu caso.

Tais composições podem ser sujeito ou predicado de uma proposição.
Por exemplo, nesta proposição:

“Todo homem branco é homem”,

nem “homem” nem “branco” são o sujeito, mas sim o todo “homem branco”.
Do mesmo modo, nesta:

“O que corre velozmente é homem”,

nem “corrente” (isto é, “aquele que corre”) nem “velozmente” são o sujeito, mas sim o todo “corrente velozmente”.

Deve-se saber ainda que não só o nome tomado no caso reto pode ser termo, mas também o nome tomado em caso oblíquo, pois este pode ser sujeito de uma proposição e também seu predicado.

Contudo, o caso oblíquo não pode ser sujeito em relação a qualquer verbo: não se diz propriamente

“Do homem vê o asno”,

embora se diga corretamente

“Do homem é o asno.”

Mas saber em relação a quais verbos o oblíquo pode ser sujeito e em relação a quais não pode — isso pertence ao gramático, a quem compete considerar as construções das palavras.

[1.03 — DE DIVISIONE TERMINI INCOMPLEXI]

(Sobre a divisão do termo incomplexo)

Tendo sido observada a equivocação deste nome termo, prossigamos agora sobre as divisões do termo incomplexo.

Com efeito, não só o termo incomplexo se divide em termo proferido, escrito e concebido, mas também cada um desses membros sofre divisões semelhantes.

Pois, assim como entre as vozes (voces) algumas são nomes, outras verbos, outras pertencem às demais partes da oração — já que há pronomes, particípios, advérbios, conjunções e preposições —, do mesmo modo acontece com os termos escritos.

E semelhantemente ocorre com as intenções da alma: algumas são nomes, outras são verbos, e outras pertencem às demais partes da oração mental — pois há nelas também pronomes, advérbios, conjunções e preposições.

Entretanto, pode haver dúvida se às formas participiais das palavras proferidas e escritas correspondem na mente certas intenções distintas das dos verbos.
Pois não parece haver grande necessidade de se admitir tal pluralidade entre os termos mentais.

Com efeito, o verbo e o particípio do verbo, quando tomados juntamente com o verbo “ser”, parecem equivaler no significado.
Por isso, assim como a multiplicidade dos nomes sinônimos não foi inventada por necessidade de significação, mas por ornamento do discurso ou outra causa acidental semelhante — já que tudo o que se significa por todos os sinônimos poderia ser suficientemente expresso por apenas um deles —, e, portanto, não há multiplicidade correspondente de conceitos na mente para essa pluralidade de sinônimos, assim também parece que a distinção entre os verbos e os particípios verbais não foi inventada por necessidade de expressão.

Daí que não se deve afirmar que aos particípios proferidos correspondam distintos conceitos mentais.
E sobre os pronomes pode levantar-se dúvida semelhante.

Há, porém, uma diferença entre os nomes proferidos e os nomes mentais: pois, embora todos os acidentes gramaticais que convêm aos nomes mentais também convenham aos nomes proferidos, o inverso não é verdadeiro.
Há, com efeito, certos acidentes que são comuns a ambos, e outros que são próprios dos nomes proferidos e escritos — pois os acidentes que pertencem aos proferidos pertencem igualmente aos escritos, e vice-versa.

Os acidentes comuns aos nomes proferidos e mentais são o caso e o número.
Com efeito, assim como estas proposições proferidas:

“O homem é animal” e “O homem não é animais”,

têm distintos predicados — um de número singular e outro plural —, assim também as proposições mentais correspondentes a essas possuem distintos predicados, dos quais um pode ser dito de número singular e outro plural.

Do mesmo modo, assim como estas proposições proferidas:

“O homem é homem” e “O homem não é do homem”,

possuem distintos predicados variando pelo caso, assim proporcionalmente se deve dizer das proposições mentais que lhes correspondem.

Por outro lado, os acidentes próprios dos nomes proferidos e escritos são o gênero e a figura.
Tais acidentes não pertencem aos nomes por necessidade de significação.
Por isso, acontece às vezes que dois nomes são sinônimos e, no entanto, de gêneros diferentes ou de figuras diversas.

Logo, tal multiplicidade não deve ser atribuída aos sinais naturais.
Assim, toda variedade e pluralidade desses acidentes que podem pertencer aos nomes sinônimos pode ser convenientemente afastada dos nomes mentais.

Quanto à comparação, poderia haver dificuldade — se ela convém apenas aos nomes instituídos por convenção —, mas, como não é de grande utilidade, passo por ela brevemente.
O mesmo se diga acerca da
qualidade, cuja dificuldade será tratada mais adiante em sua devida raiz.

Pelo exposto, o estudioso pode claramente compreender que, embora às vezes apenas pela variação dos acidentes dos termos — caso, número e comparação —, em razão, todavia, da coisa significada, uma proposição pode ser verdadeira e outra falsa, contudo isso nunca ocorre por causa do gênero ou da figura.

Com efeito, ainda que frequentemente, para que o discurso seja congruente, seja preciso considerar o gênero — pois é congruente dizer “O homem é branco”, e incongruente dizer “O homem é branca”, o que se deve unicamente à diferença de gênero —, contudo, uma vez suposta a congruência, nada importa de que gênero ou figura seja o sujeito ou o predicado.

Mas certamente importa saber de que caso ou número é o sujeito ou o predicado, para discernir se a proposição é verdadeira ou falsa.
Assim, esta é verdadeira:

“O homem é animal”,

e esta é falsa:

“O homem é animais”,

e o mesmo se diga das demais.

E assim como aos nomes proferidos e escritos pertencem certos acidentes próprios e outros comuns a eles e aos mentais, do mesmo modo deve-se dizer dos verbos e de seus acidentes.

Os acidentes comuns dos verbos são o modo, o gênero, o número, o tempo e a pessoa.
Com efeito, é manifesto pelo modo: uma oração mental corresponde a esta oração proferida “Sócrates lê”, e outra corresponde a “Quem dera Sócrates lesse”.
Pelo gênero: uma oração mental corresponde a “Sócrates ama” e outra a “Sócrates é amado”.

Entretanto, na mente há apenas três gêneros, pois os verbos deponentes e comuns não foram inventados por necessidade de significação, já que os verbos comuns equivalem aos ativos e passivos, e os deponentes aos neutros ou ativos; portanto, não é preciso admitir tal pluralidade entre os verbos mentais.

Também é manifesto quanto ao número: distintas orações mentais correspondem a estas — “Tu lês” e “Vós ledes”.
O mesmo se dá com o tempo: a estas — “Tu lês” e “Tu leste” — correspondem distintas orações mentais.
E o mesmo quanto à pessoa: a estas — “Tu lês” e “Eu leio” — correspondem orações mentais diferentes.

Deve-se, portanto, admitir que existam nomes mentais, verbos, advérbios, conjunções e preposições mentais.
E isso se prova porque a cada oração proferida corresponde uma oração mental; logo, assim como as partes da proposição proferida, instituídas por necessidade de significação, são distintas, assim também as partes da proposição mental devem ser distintamente correspondentes.

Por essa razão, assim como os nomes proferidos, verbos, advérbios, conjunções e preposições são necessários em diversas proposições e orações proferidas — de modo que é impossível expressar tudo somente por nomes e verbos aquilo que pode ser expresso por eles e por outras partes —, do mesmo modo, distintas partes semelhantes são necessárias às proposições mentais.

Os acidentes próprios dos verbos instituídos são a conjugação e a figura.
Contudo, às vezes verbos de diferentes conjugação ou figura podem ser sinônimos.

Pelo que foi dito, o estudioso pode facilmente perceber como, proporcionalmente, se deve falar das demais partes da oração e de seus acidentes.

E que ninguém se admire de eu afirmar que há nomes e verbos mentais; antes leia Boécio sobre o Peri Hermeneias, e aí o encontrará.
Por isso, quando Aristóteles define tanto o nome quanto o verbo por meio da voz, entende aí o nome e o verbo em sentido mais restrito — isto é, nome e verbo
proferidos.

[1.04 — DE DIVISIONE TERMINORUM IN TERMINOS CATEGOREMATICOS ET SYN CATEGOREMATICOS]

(Sobre a divisão dos termos em categoremáticos e sincategoremáticos)

Deve-se saber que todo termo incomplexo, tomado significativamente, é ou categoremático ou sincategoremático.

Chama-se termo categoremático aquele que, tomado em seu uso próprio e significativo, pode ser posto como sujeito ou predicado de uma proposição.
Assim, “homem”, “animal”, “corpo”, “substância”, “branco”, “justo”, “Deus”, “anjos”, “pecado”, “virtude”, e semelhantes, são termos categoremáticos; pois, de todos esses, pode-se formar proposições significativas e verdadeiras, como:

“O homem é animal”, “Deus é justo”, “O pecado é mal”, “A virtude é boa”.

Diz-se, ao contrário, sincategoremático aquele termo que, tomado em seu uso próprio e significativo, não pode ser sujeito nem predicado de uma proposição, ainda que, tomado materialmente, possa sê-lo.

Exemplos de termos sincategoremáticos são: “todo”, “nenhum”, “algum”, “não”, “e”, “ou”, “se”, “quando”, “porque”, “então”, e semelhantes.

Com efeito, nenhuma proposição é significativa se nela se puser como sujeito ou predicado apenas um desses termos tomados significativamente.
Não se pode dizer:

“Todo é branco”
ou
“E é homem”,

de modo que tenha sentido.
Mas pode-se dizer:

“Todo é termo sincategoremático”
ou
“E é conjunção”,

se forem tomados materialmente, isto é, significando o próprio signo e não a coisa por ele significada.

Deste modo, é preciso entender Aristóteles, no primeiro dos Analíticos Primeiros, quando diz:

“O termo é aquilo em que se dissolve a proposição, como o predicado e aquilo de que se predica, ou, em outras palavras, o sujeito e o predicado.”

Pois, ali, toma o termo categorematicamente.

Deve-se saber também que, assim como há termos categoremáticos e sincategoremáticos proferidos, assim também há mentais, e proporcionais aos proferidos.

Com efeito, assim como, nestas orações proferidas, os termos “todo”, “algum”, “nenhum”, “não”, “e”, “ou”, “se”, “então”, “porque”, “quando”, e semelhantes, não podem ser sujeitos nem predicados, assim também, nas orações mentais correspondentes, há certas intenções da alma, correspondentes a esses termos proferidos, que, por si mesmas, não podem ser sujeitos nem predicados, embora sejam necessárias para a composição da proposição.

Daí que a oração mental contém também sincategoremas mentais, e a oração escrita, igualmente, sincategoremas escritos, subordinados aos proferidos.

Mas deve-se advertir que alguns sincategoremas, como “todo”, “algum”, “nenhum”, “qualquer”, “somente”, “não”, e semelhantes, modificam a suposição dos termos categoremáticos que os acompanham; outros, porém, como “e”, “ou”, “se”, “então”, “porque”, “quando”, unem ou ordenam proposições inteiras.

E, por isso, alguns sincategoremas pertencem à parte da proposição categórica, enquanto outros são próprios da proposição hipotética.

E, proporcionalmente, o mesmo ocorre nas orações mentais: há certas intenções da alma que modificam outras intenções, e há outras que unem proposições mentais completas.

Com efeito, deve-se admitir que existe também uma oração hipotética mental, assim como há a proferida e a escrita.
Pois a toda proposição proferida e escrita corresponde uma proposição mental equivalente.

Assim, se digo:

“Se o homem corre, o animal se move”,

há duas proposições categóricas proferidas unidas por um sincategorema — “se... então” —, que não pode ser tomado nem como sujeito nem como predicado de qualquer delas, mas que as liga e forma delas uma proposição composta.
E, semelhantemente, há uma proposição mental composta de duas orações mentais unidas por certa intenção mental, equivalente ao “se... então” proferido.

Daí se conclui que há também sincategoremas mentais, correspondentes aos proferidos que servem de conjunções.

E embora não possamos nomear diretamente tais sincategoremas mentais, porque não se manifestam por vozes distintas, todavia é preciso reconhecê-los pela proporção natural que têm com os proferidos.

E assim como a proposição proferida é chamada hipotética porque contém tais sincategoremas, do mesmo modo a proposição mental deve sê-lo.

[1.05 — DE DIVISIONE NOMINIS PER CONCRETUM ET ABSTRACTUM]

(Sobre a divisão do nome em concreto e abstrato)

Todo nome categoremático é ou concreto ou abstrato.

Chama-se concreto aquele nome que é propriamente dito de um sujeito, e abstrato aquele que não é dito de um sujeito, mas do qual o concreto é predicado.

Assim, o nome “branco” é concreto, e “brancura” é abstrato; “justo” é concreto, “justiça” é abstrato; “animal” é concreto, “animalidade” é abstrato; “homem” é concreto, “humanidade” é abstrato.

Pois, como diz Boécio sobre o Peri Hermeneias:

“Chamam-se concretos os nomes que significam o sujeito em ato, e abstratos os que significam a forma separada do sujeito.”

Deste modo, “brancura” não é dito de nada, mas “branco” é dito de algo.

E, assim, “branco” é dito de “homem”, mas “brancura” não é dita de “homem”.
Portanto, todo nome
concreto é predicável de algum sujeito, ao passo que o nome abstrato, propriamente tomado, não o é.

Por conseguinte, é manifesto que “branco” e “brancura”, “justo” e “justiça”, “homem” e “humanidade”, e semelhantes, diferem entre si quanto ao modo de significação.

Com efeito, os nomes concretos significam a forma como existente em algo; os nomes abstratos, ao contrário, significam-na como separada, ou, ao menos, como considerada separadamente.

Deste modo, “branco” significa algo que tem a brancura, e “brancura” significa a própria forma que, em si mesma, é dita de nada, mas existe ou pode existir em algo.

E porque Aristóteles diz, no primeiro livro da Metafísica, que as ciências tratam das coisas segundo a maneira como são conhecidas, e as palavras são os sinais das noções, segue-se que esta distinção entre concreto e abstrato se funda no próprio modo do intelecto apreender.

Pois o intelecto pode considerar a mesma realidade de dois modos:
— de um modo,
como existente em um sujeito, e então o nome concreto lhe corresponde;
— de outro modo,
como abstraída do sujeito, e então o nome abstrato lhe convém.

Por isso, “branco” e “brancura” não diferem quanto à coisa significada, mas quanto ao modo de significar.

E, assim, “brancura” e “branco” não são sinônimos, porque não podem ser mutuamente predicados, ainda que significando, de certo modo, a mesma realidade.

Entretanto, deve-se notar que nem todo nome concreto tem um abstrato correspondente, nem todo abstrato tem um concreto correlato.

Pois há concretos que significam substâncias, como “homem”, “animal”, “pedra”, “Deus”, e semelhantes, e a tais nomes não convém um abstrato correspondente de igual significação.
Com efeito, não há nomes como humanidade, animalidade, divindade, lapididade — exceto por extensão analógica, e não por identidade perfeita de relação.

E há nomes abstratos, como “deidade”, “essência”, “natureza”, que não possuem concretos de igual correspondência: não se diz, propriamente, “deusidade” nem “naturado”.

Portanto, esta divisão é verdadeira em geral, mas não é recíproca.

Além disso, certos nomes concretos e abstratos se encontram por convenção da língua, e não por necessidade da significação.
Assim, em latim, diz-se “sapiente” e “sapientia”, mas não se formam palavras análogas para todos os casos — o que se deve à diversidade das línguas, e não à natureza da significação.

Ainda, deve-se saber que há alguns nomes que, embora sejam abstratos quanto à forma, têm o uso dos concretos, e outros, embora concretos quanto à forma, têm uso dos abstratos.

Exemplo do primeiro caso: o nome “pessoa”.
Pois, ainda que em sua etimologia denote algo subsistente (isto é, concreto), na significação teológica é usado como
abstrato, quando se diz, por exemplo:

“A pessoa é o que subsiste na natureza racional.”

Do mesmo modo, “essência” e “natureza”, embora abstratos na forma, são usados como concretos, quando se diz:

“A essência é una em Deus.”

E inversamente, “Deus”, embora concreto na forma, é usado como abstrato, quando se diz:

“Deus é deidade.”

E assim se pode concluir que o modo concreto e abstrato pertence às palavras antes do que às coisas — pois depende de como o intelecto considera a forma e o sujeito.

E é manifesto, finalmente, que nem todo nome concreto significa substância (pois “branco” e “grande” são concretos e significam acidentes), nem todo abstrato significa acidente (pois “essência” e “deidade” são abstratos e significam substância).

E basta, por ora, sobre a divisão dos nomes em concreto e abstrato.

[1.06 — QUOD NOMEN CONCRETUM ET ABSTRACTUM ALIQUANDO IDEM SIGNIFICANT]

(Que o nome concreto e o abstrato às vezes significam o mesmo)

Além do modo anteriormente exposto de distinção entre nomes concretos e abstratos, existem ainda muitos outros, dos quais um é este: o nome concreto e o abstrato são às vezes sinônimos.

Mas, para que não se proceda por equívoco, deve-se saber que o nome sinônimo é tomado de duas maneiras — estritamente e amplamente.

Tomados estritamente, são chamados sinônimos aqueles nomes que todos os que os usam pretendem empregar para significar exatamente a mesma coisa, e é nesse sentido que não falo aqui de sinônimos.

Tomados amplamente, porém, são sinônimos aqueles nomes que significam absolutamente a mesma coisa sob todos os modos, de modo que nada é, de qualquer modo, significado por um, que não seja significado do mesmo modo pelo outro — ainda que nem todos os que os usam creiam que signifiquem o mesmo, mas, enganados, julguem que algo é significado por um e não pelo outro.

Por exemplo, se alguém julgasse que o nome “Deus” significa um todo e o nome “deidade” uma parte dele, essa pessoa erraria, pois ambos significam a mesma realidade.

Neste segundo sentido quero usar aqui e em muitos outros lugares o nome sinônimo.

E digo, portanto, que o concreto e o abstrato às vezes são sinônimos — como, segundo a intenção do Filósofo, o são estes nomes:

“Deus” e “deidade”, “homem” e “humanidade”, “animal” e “animalidade”, “cavalo” e “equinidade”.

E é por isso que possuímos muitos nomes semelhantes aos concretos, mas não encontramos, correspondendo a eles, nomes abstratos semelhantes.

Com efeito, embora com frequência se encontrem os nomes “humanidade”, “animalidade” e às vezes “equinidade”, correspondentes como que aos abstratos de “homem”, “animal”, “cavalo”, todavia raramente ou nunca se encontram tais nomes correspondentes para outros concretos da mesma espécie.

E assim, embora Aristóteles tenha admitido poucos nomes desse gênero, é claro que, segundo sua intenção, todos esses nomes, como homo–humanitas, equus–equinitas, animal–animalitas, asinus–asinitas, bos–bovitas, quantum–quantitas, relativum–relatio, simile–similitudo, calefaciens–calefactio, pater–paternitas, ternarius–trinitas, duo–dualitas, e outros semelhantes, são sinônimos quando são nomes da primeira intenção, isto é, quando designam realidades extra mentem (fora da mente).

1288-1349,_Guillelmus_de_Ockham…

E, portanto, de todos os tais abstratos deve-se conceder o mesmo que se concede de seus concretos: se dizemos que o concreto designa uma “coisa fora da alma”, o mesmo deve ser dito de seu abstrato, pois ambos supõem pela mesma coisa, e ambos são nomes de primeira intenção.

É justamente por esta razão que Aristóteles introduziu poucos abstratos desse tipo, porque, segundo sua doutrina, todos os abstratos e concretos desse gênero, quando são nomes de primeira intenção, são sinônimos perfeitos.

Mas, segundo o uso dos falantes, acontece às vezes que tais nomes abstratos são de segunda intenção ou de segunda imposição — e então não são sinônimos, pois já não designam coisas, mas conceitos ou relações de razão.

Outros, contudo, dizem que todos esses nomes abstratos significam coisas distintas, ou ao menos relações racionais, e que, portanto, supõem por elas.

Mas, segundo a minha opinião — e conforme a intenção do Filósofo —, quando tais nomes abstratos são nomes precisamente de primeira intenção, isto é, quando significam realidades e não conceitos de realidades, são sinônimos de seus concretos.

Assim, “Deus” e “deidade”, “homem” e “humanidade”, “animal” e “animalidade” não diferem quanto à coisa significada, mas apenas quanto à forma de expressão — a diferença está no modo de significar, não no significado.

E, portanto, é evidente que o nome concreto e o abstrato às vezes significam o mesmo, não por necessidade de instituição linguística, mas pela unidade do ser que ambos exprimem sob modos diversos.

[1.07 — UTRUM HUIUSMODI NOMINA CONCRETA ET ABSTRACTA (‘HOMO’ ET ‘HUMANITAS’, ETC.) SINT SYNONYMA]

(Se tais nomes concretos e abstratos — “homem” e “humanidade”, etc. — são sinônimos)

Os filósofos e o Comentador incluem entre as coisas que caem sob essa regra todos os nomes de substâncias concretas e abstratas inventados por eles, os quais não supõem nem por acidente, nem por parte, nem por todo daquilo que é importado pelo nome concreto segundo a forma, nem por alguma realidade disparatada distinta dele — como “animalidade”, “equinidade” e semelhantes.

Pois “animalidade” não está por algum acidente do animal, nem por parte dele, nem por algum todo do qual o animal seja parte, nem por realidade alguma totalmente extrínseca e distinta do animal

Do mesmo modo, incluem-se aqui todos os nomes abstratos que se colocam no gênero da quantidade e todas as denominações das próprias paixões das coisas contidas nesse gênero — conforme a opinião daqueles que sustentam que a quantidade não é realidade distinta da substância e da qualidade, mas uma modificação delas; não, porém, segundo os que afirmam que a quantidade é coisa absoluta, realmente distinta tanto da substância quanto da qualidade.

Por isso, segundo a primeira opinião, “quantum” e “quantidade” são nomes sinônimos, e semelhantemente “longo” e “longitude”, “largo” e “largura”, “profundo” e “profundidade”, “múltiplo” e “pluralidade”, e assim de outros

Do mesmo modo, reduzem-se a esse tipo todos os nomes concretos e abstratos que pertencem à figura, segundo a opinião dos que sustentam que a figura não é coisa diversa da quantidade ou da substância e da qualidade.
Assim, afirmam que “figura” e “figurado”, “reto” e “retidão”, “curvo” e “curvatura”, “oco” e “cavidade”, “chato” e “achatamento”, “angular” e “ângulo”, “convexo” e “convexidade” e semelhantes são
nomes sinônimos, desde que nenhum deles contenha algum termo equivalente que o outro não contenha

E não apenas esses nomes concretos e abstratos são sinônimos — como afirmam os que sustentam tal opinião —, mas também, segundo os que defendem que a relação não é realidade distinta das coisas absolutas, os nomes concretos e abstratos relativos são igualmente sinônimos.

Assim: “pai” e “paternidade”, “semelhante” e “semelhança”, “causa” e “causalidade”, “potente” e “potencialidade”, “risonho” e “risibilidade”, “apto” e “aptidão”, “hábil” e “habilidade”, “capaz” e “capacidade”, “duplo” e “duplidade”, “aquecente” e “aquecitividade”, e semelhantes

Contudo, os que pensam assim sobre a relação poderiam ainda salvar que tais concretos e abstratos não são sinônimos, admitindo que o nome abstrato supõe por dois simultaneamente — por exemplo, que “semelhança” suponha pelos dois semelhantes.
Deste modo, “O semelhante é semelhança” seria
falsa, mas “Os semelhantes são semelhança” seria verdadeira

E todos os mencionados poderiam ainda salvar que nenhum desses nomes concretos e abstratos é sinônimo, segundo outro modo que será dito adiante — e então poderiam sustentar que a predicação do concreto pelo abstrato é sempre falsa.

[1.09 — DE NOMINIBUS CONCRETIS ET ABSTRACTIS QUORUM ABSTRACTA NON SUPPONUNT NISI PRO MULTIS SIMUL SUMPTIS]

(Dos nomes concretos e abstratos cujos abstratos só supõem por muitos tomados juntos)

Há alguns nomes abstratos que não podem ser verdadeiramente ditos de coisa alguma singular, mas apenas de muitos simultaneamente tomados.

Por exemplo, “igualdade”, “semelhança”, “diversidade”, “contrariedade”, “concordância”, “paridade”, “dissemelhança” e outros desse tipo.

Com efeito, não é correto dizer:

“Esta pedra é igualdade”,
nem
“Este homem é semelhança”,
nem tampouco
“Este branco é diversidade”.

Mas é correto dizer:

“Esta pedra e aquela são iguais”,
“Este homem e aquele são semelhantes”,
“Este branco e aquele são diversos”.

E, por conseguinte, é evidente que esses nomes abstratos — igualdade, semelhança, diversidade e os demais — não supõem por algo singular, mas por muitos juntos, e somente em tal composição podem ser verdadeiramente predicados.

Desta maneira, ainda que tais nomes sejam abstratos quanto à forma, significam relações que implicam multiplicidade de sujeitos.

De fato, a “igualdade” não pode subsistir em apenas um, mas sempre requer dois ou mais; o mesmo se diga da “semelhança” e da “diversidade”.

E é por isso que esses nomes, embora pareçam significar algo único e simples, implicam essencialmente pluralidade, pois sua significação é relacional.

Daí resulta que o nome concreto correspondente — como “igual”, “semelhante”, “diverso” — pode ser dito de cada um dos sujeitos envolvidos, mas o nome abstrato, de nenhum deles isoladamente.

Assim, pode-se dizer:

“Esta pedra é semelhante àquela”,

e também

“Aquela é semelhante a esta”;

mas não se pode dizer, propriamente:

“Esta é semelhança”,
nem
“Aquela é semelhança”.

E a razão é manifesta: porque “semelhança” não significa algo existente em cada um singularmente, mas comum aos dois conjuntamente considerados, isto é, a relação de conformidade que há entre eles.

Portanto, sempre que um nome abstrato é de tal modo que sua significação implica pluralidade, é necessário entender que ele não supõe por um único sujeito, mas apenas por muitos juntos.

Por outro lado, há nomes abstratos que, embora possam ser aplicados a muitos, não exigem pluralidade de sujeitos em sua significação, como “brancura”, “sabedoria”, “virtude”, “natureza”.
Com efeito, a “brancura” pode estar em uma só coisa, e o mesmo vale para a “sabedoria” e para a “virtude”.

Assim, a diferença entre “brancura” e “semelhança” é que a primeira pode subsistir em um só sujeito, enquanto a segunda requer pelo menos dois.

E, por isso, deve-se distinguir entre os nomes abstratos absolutos, que não implicam relação — como “justiça”, “sabedoria”, “humanidade” —, e os relativos, que significam uma relação essencial entre muitos — como “igualdade”, “semelhança”, “diversidade”.

E é claro que essa diferença não é meramente verbal, mas se funda na própria natureza das coisas, pois o intelecto, ao formar o conceito de “igualdade”, concebe necessariamente duas realidades correlatas; ao passo que, ao conceber “sabedoria”, basta-lhe uma única substância que possua tal qualidade.

Consequentemente, ainda que “igualdade” seja nome abstrato, não significa uma forma que possa existir em um só, mas um modo de relação entre vários.
O mesmo se aplica a “semelhança”, “diversidade” e “contrariedade”.

E deve-se ainda notar que tais nomes, quando usados na linguagem ordinária, podem ser tomados de dois modos:
formaliter, quando significam propriamente o modo de relação;
materialiter, quando se fala da própria palavra ou conceito.

Assim, quando digo:

“Semelhança é nome abstrato”,

falo materialiter; mas quando digo:

“Semelhança é relação entre semelhantes”,

falo formaliter, e nesse sentido se dá a regra aqui exposta: que tais abstratos não podem ser predicados de um só, mas somente de muitos juntos.

E basta, por ora, sobre esta distinção.

[1.10 — DE DIVISIONE NOMINUM IN MERE ABSOLUTA ET CONNOTATIVA]

(Da divisão dos nomes em absolutos e conotativos)

Todo nome categoremático, tomado significativamente, é ou meramente absoluto ou conotativo.

Chama-se nome absoluto aquele que, segundo sua significação, não importa relação a outro, mas significa uma natureza ou qualidade em si mesma considerada, como “homem”, “animal”, “substância”, “brancura”, “sabedoria”, “virtude”.
Esses nomes significam algo que pode existir ou ser concebido
sem referência a outro.

Por outro lado, chama-se conotativo o nome que, conforme a sua significação, importa referência a outro, ainda que não o designe principal ou diretamente.

Assim, “branco”, “pai”, “senhor”, “semelhante”, “criador”, “amigo”, “causa”, “feito”, “potente”, “visível”, “grato”, “virtuoso” e semelhantes são nomes conotativos.

Com efeito, cada um desses nomes, embora denote uma coisa como principal, conota outra como correlativa.
Assim, “pai” denota um homem e conota o filho; “senhor” denota uma pessoa e conota o servo; “semelhante” denota um ser e conota outro a quem é semelhante; “causa” denota algo e conota o efeito; “feito” denota a coisa feita e conota o fazedor; “visível” denota algo e conota aquele que vê; “potente” denota alguém e conota aquilo sobre o qual tem poder; “grato” denota o homem e conota aquele a quem ele é agradável.

E por isso se diz que esses nomes importam relação — não porque significam formalmente duas coisas, mas porque significam uma e conotam outra.

Convém, portanto, distinguir entre significar e conotar.
O nome “significar” diz respeito ao que é expresso
principal e formalmente pelo nome; “conotar” diz respeito ao que é expresso secundária e implicitamente, de modo relativo.

Assim, o nome “pai” significa uma pessoa racional, mas conota a geração de um filho; “senhor” significa uma substância dotada de razão, mas conota a posse ou domínio sobre outro; “causa” significa uma coisa capaz de produzir um efeito, e conota esse mesmo efeito.

Do mesmo modo, “potente” e “visível” são nomes conotativos, pois “potente” significa o sujeito que tem potência, e conota aquilo sobre o qual pode agir; “visível” significa aquilo que pode ser visto, e conota o ato de visão ou o sujeito que vê.

Assim, é próprio do nome conotativo implicar uma relação — seja real, seja de razão.

Mas nem toda relação torna um nome conotativo.
Com efeito, os nomes “igual”, “semelhante”, “diverso” e “contrário”, embora impliquem relação, não são propriamente conotativos,
mas relativos; e a diferença é a seguinte:

O nome relativo é aquele que significa formalmente uma relação — como “pai”, “filho”, “igual”, “maior”, “menor”, “semelhante”, “diverso”.
O
nome conotativo, por outro lado, significa uma coisa absoluta e apenas conota outra, como “branco”, “virtuoso”, “visível”, “potente”.

E é por isso que “branco” não significa a brancura como coisa distinta, mas significa o sujeito dotado de brancura; contudo, conota a forma que o faz ser branco.

E, assim, pode-se dizer que todo nome conotativo significa uma coisa e conota uma forma ou algum outro correlato.

Convém também saber que alguns nomes são duplamente conotativos: por exemplo, “sacerdote” significa um homem, mas conota a consagração e a relação ao ofício sagrado; “rei” significa uma pessoa humana, mas conota o poder e o domínio sobre súditos.

Outros são conotativos por acidente, quando por uso da língua adquirem sentido relativo, embora originalmente absolutos — como “dominus” (senhor) e “magister” (mestre).
Pois, embora pela forma sejam nomes absolutos, pelo uso habitual da língua tornaram-se conotativos.

Além disso, é importante observar que não há proporção necessária entre o número dos nomes absolutos e o dos conotativos, porque nem toda forma absoluta dá origem a um nome conotativo correspondente.

Assim, há “branco”, correspondente a “brancura”; mas não há nome conotativo correspondente a “virtude”, “sabedoria” ou “natureza”, porque essas formas, embora absolutas, não implicam relação habitual a outro.

E, inversamente, há nomes conotativos que não têm abstrato correspondente, como “rei”, “sacerdote”, “pai”, “senhor”, “amigo”; pois não existem nomes abstratos que exprimam com exatidão o que eles conotam.

E deve-se também saber que a distinção entre absoluto e conotativo não pertence à gramática, mas à lógica, porque depende não da forma das palavras, mas do modo de significar e de conceber.

Portanto, o nome absoluto é aquele que significa sem referência, e o conotativo é aquele que, ao significar algo, traz consigo uma relação, explícita ou implícita.

E a diferença entre ambos não está na coisa significada, mas no modo como o intelecto a concebe e a exprime por meio do signo.

Assim, o nome “branco” e “homem” podem ambos significar uma substância, mas o primeiro o faz com conotação da forma, e o segundo sem conotação alguma.

E basta, por ora, sobre a distinção dos nomes absolutos e conotativos.

[1.11 — DE DIVISIONE NOMINUM SIGNIFICANTIUM AD PLACITUM: PRIMA ET SECUNDA IMPOSITIO]

(Da divisão dos nomes de significação arbitrária — primeira e segunda imposição)

Há duas maneiras principais pelas quais os nomes podem ser instituídos ou impostos para significar: a primeira imposição e a segunda imposição.

A primeira imposição é aquela pela qual um nome é instituído para significar as coisas mesmas, como “homem”, “animal”, “pedra”, “branco”, “Deus”, “virtude”, “sabedoria”, “substância”, “quantidade”, “qualidade”, “relação”.
Todos esses são nomes da
primeira imposição, porque foram instituídos para significar as próprias realidades ou naturezas existentes — quer realmente, quer segundo a concepção do intelecto.

A segunda imposição, ao contrário, é aquela pela qual os nomes são instituídos para significar outros nomes, ou as intenções da alma que significam as coisas, ou os próprios signos.
E, assim, os nomes “gênero”, “espécie”, “predicado”, “sujeito”, “verbo”, “nome”, “proposição”, “término”, “unívoco”, “equívoco”, “universal”, “particular”, “comum”, “propriamente dito”, “impróprio”, e outros desse gênero, são nomes de
segunda imposição.

Pois esses nomes não foram instituídos para significar as coisas naturais — como pedras, homens ou animais —, mas os próprios sinais das coisas ou as intenções mentais pelas quais as coisas são significadas.

E é por isso que, segundo a doutrina de Aristóteles e de Boécio, se diz que o nome de segunda imposição é nome da arte lógica, porque não pertence ao mundo físico, mas ao mundo dos sinais e conceitos.

Deve-se, porém, advertir que os nomes da segunda imposição são instituídos de dois modos:
diretamente, quando se impõem para significar nomes de primeira imposição;
reflexivamente, quando se impõem para significar as intenções da mente, isto é, as noções pelas quais a mente considera as coisas.

Assim, o nome “nome” é instituído diretamente para significar aquilo que é nome de primeira imposição, como “homem” ou “animal”;
mas o nome “universal” é instituído
reflexivamente, para significar uma intenção da alma, pela qual um conceito é ordenado a muitos.

E, portanto, é manifesto que alguns nomes da segunda imposição significam vozes ou palavras proferidas, e outros significam conceitos ou intenções mentais.

Por exemplo, “nome”, “verbo” e “proposição” são instituídos para significar vozes ou palavras escritas;
mas “gênero”, “espécie”, “universal”, “equívoco”, “unívoco”, “analógico” e semelhantes são instituídos para significar
intenções da alma.

E, assim, dizemos que o nome “gênero” não é gênero de vozes, mas gênero de intenções, porque as intenções são aquelas pelas quais o intelecto ordena o universal e o particular.

Deve-se ainda observar que, embora o nome de segunda imposição seja instituído para significar nomes ou intenções, não significa os mesmos pela mesma razão pela qual eles significam.

Pois o nome “homem” significa uma substância sensível e racional, mas o nome “nome” não significa o homem, e sim o signo pelo qual ele é significado.
Assim, “homem” é nome
da coisa, e “nome” é nome do signo.

E por isso é dito que a segunda imposição é reflexiva, porque o intelecto, tendo formado nomes e intenções, volta-se sobre elas e institui outros nomes que as significam.

Daí se segue que o nome de segunda imposição depende do de primeira, e não o inverso.
Pois, se não existissem nomes significando as coisas, não haveria razão nem necessidade de instituir nomes que significassem os próprios nomes.

Deve-se, portanto, entender que os nomes de primeira imposição pertencem mais à linguagem natural e comum, enquanto os de segunda imposição pertencem à linguagem científica e reflexiva, própria do lógico.

E é por isso que o lógico considera com especial atenção os nomes da segunda imposição, porque eles são os instrumentos da ciência, mediante os quais se pode tratar das coisas que os primeiros nomes significam.

E convém notar que há ainda nomes que, conforme o uso, podem pertencer às duas classes.
Assim, “voz” (vox) pode ser nome de
primeira imposição, quando significa o som natural produzido pela boca;
e de
segunda imposição, quando significa a palavra articulada instituída para significar algo.

O mesmo ocorre com “signo”:
em um sentido, é nome de primeira imposição, quando significa uma coisa natural que representa outra (como a fumaça que significa fogo);
em outro, é nome de segunda imposição, quando significa um signo linguístico ou mental.

E é por isso que o lógico deve distinguir cuidadosamente a acepção em que cada nome é tomado, para não confundir a ordem das significações.

Além disso, a distinção entre primeira e segunda imposição não se refere apenas aos nomes, mas também aos verbos e proposições.
Pois há proposições de primeira imposição, que tratam das coisas — como “O homem é animal”;
e há proposições de segunda imposição, que tratam dos signos — como “O nome ‘homem’ é substantivo”, ou “O termo ‘animal’ é gênero”.

Por conseguinte, a lógica, enquanto ciência dos signos, move-se sobretudo no plano da segunda imposição, porque não considera as coisas materiais, mas os modos de significar e de raciocinar.

E é por isso que os antigos chamaram a lógica de ars rationalis, porque, mediante ela, a razão se conhece a si mesma e conhece os próprios instrumentos de que se serve no discurso.

E basta, por agora, sobre a distinção entre primeira e segunda imposição dos nomes.

[1.12 — QUID EST INTENTIO PRIMA ET QUID SECUNDA]

(O que é a intenção primeira e o que é a segunda)

Depois de exposta a distinção entre primeira e segunda imposição, convém esclarecer o que se entende por intenção primeira e intenção segunda, pois ambos os termos se relacionam estreitamente.

Digo, portanto, que a intenção primeira é o conceito ou paixão da alma que é naturalmente signo de alguma coisa extra-mental, isto é, de uma coisa real, seja ela substância ou acidente.

Assim, o conceito pelo qual entendemos “homem”, “animal”, “branco”, “substância”, “quantidade”, “virtude”, “sabedoria” é intenção primeira, porque, por sua natureza, representa e significa coisas reais.

Já a intenção segunda é o conceito que é naturalmente signo não das coisas, mas das próprias intenções primeiras, ou dos signos das coisas.

Deste modo, o conceito pelo qual compreendemos “gênero”, “espécie”, “predicado”, “universal”, “particular”, “proposição”, “termo”, “nome”, “verbo” é intenção segunda, porque significa outras intenções e não diretamente as coisas.

A diferença, portanto, é que a intenção primeira se ordena às coisas, e a segunda se ordena aos signos das coisas.

E é manifesto que as intenções segundas dependem das primeiras, assim como estas dependem das próprias coisas.
Com efeito, se não houvesse coisas, não haveria intenções primeiras; e se não houvesse intenções primeiras, não haveria segundas.

Por conseguinte, a ordem é esta:

1.      As coisas são o fundamento do conhecimento;

2.      As intenções primeiras são os conceitos das coisas;

3.      As intenções segundas são os conceitos dos conceitos — isto é, reflexões da mente sobre seus próprios atos de conhecer.

E é exatamente isso o que o Filósofo quis dizer quando afirmou que a ciência lógica é instrumento de todas as outras ciências, porque ela não trata das coisas, mas dos conceitos e dos signos pelos quais as coisas são conhecidas.

Por isso, a intenção primeira pertence ao domínio da filosofia natural, da metafísica e das ciências reais;
enquanto a
intenção segunda pertence à lógica, cuja função é considerar as intenções primeiras em sua ordem e relação.

E deve-se notar que as intenções segundas podem ser múltiplas para uma só intenção primeira, conforme os diversos modos pelos quais a mente considera essa intenção.

Por exemplo, o conceito “homem” é uma intenção primeira; mas a mente pode considerá-lo:
— como
universal, em relação aos muitos indivíduos que lhe correspondem;
— como
espécie, em relação ao gênero “animal”;
— como
sujeito de uma proposição;
— como
predicado;
— como
nome;
— como
termo.

Em cada uma dessas considerações, a mente forma uma nova intenção segunda, pois reflete sobre o mesmo conceito sob aspectos diversos.

Daí que se diga que as intenções segundas são como que “espelhos do pensamento”, nos quais o intelecto vê refletida a sua própria operação.

E porque a mente pode retornar infinitas vezes sobre si mesma, as intenções podem multiplicar-se indefinidamente, não segundo a realidade das coisas, mas segundo os diversos modos da reflexão intelectual.

No entanto, das intenções segundas apenas aquelas que se ordenam ao uso científico e discursivo são tratadas pela lógica.
Por isso, a lógica é chamada
scientia rationalis, porque considera os conceitos não enquanto simples pensamentos, mas enquanto instrumentos de discurso e de demonstração.

Convém também distinguir que a intenção segunda é dita “natural” não porque tenha sido instituída pela natureza, mas porque é causada naturalmente pelo ato de conhecer.
Pois, quando a mente conhece, forma necessariamente conceitos, e, ao refletir sobre eles, forma segundas intenções — de modo que estas nascem do próprio movimento da inteligência.

Assim, não se trata de instituição arbitrária, mas de consequência necessária da natureza racional.

E deve-se observar, finalmente, que os nomes da segunda imposição correspondem às intenções segundas, assim como os nomes da primeira imposição correspondem às intenções primeiras.
E, portanto, “homem” é nome de primeira imposição e corresponde à intenção pela qual a mente concebe o homem;
mas “universal” é nome de segunda imposição e corresponde à intenção pela qual a mente considera aquele conceito como comum a muitos.

E basta, por ora, sobre a distinção entre intenção primeira e intenção segunda.

[1.13 — DE NOMINUM ET TERMINORUM AEQUIVOCIS, UNIVOCIS ET DENOMINATIVIS]

(Dos nomes e termos equívocos, unívocos e denominativos)

Todo nome ou termo categoremático, tomado significativamente, é equívoco, unívoco ou denominativo.

Diz-se equívoco o nome que, por instituição idêntica de voz, significa diversas coisas e não uma única natureza comum.
Assim, o nome “cão” é equívoco, porque pode significar um
animal ladrador, uma constelação no céu, e até mesmo um peixe marinho.
O nome “musa” é equívoco, pois designa tanto uma
deusa inspiradora quanto uma arte poética; e “corvo” é equívoco quando se diz tanto de um animal alado quanto de um emblema heráldico.

E tal equívoco não se dá por natureza, mas por convenção ou uso da língua, porque uma mesma voz foi instituída para muitas significações distintas.
Diz-se, portanto, que o nome é equívoco
por instituição, e não por semelhança de som, como ocorre nos trocadilhos ou acidentes da fala.

Há, contudo, uma segunda espécie de equivocação, que é chamada equívoco por semelhança (aequivocatio per similitudinem), e ocorre quando coisas diversas são designadas pelo mesmo nome por analogia de razão, como quando se diz “saudável” tanto do homem, quanto do alimento e do urinar.

Pois o homem é dito saudável formalmente, o alimento é dito saudável causalmente, e a urina é dita saudável significativamente, isto é, como sinal da saúde.
E, ainda que o nome seja um só, a razão de predicação não é a mesma em todos, mas se ordena a uma única fonte de significação.

O nome unívoco, por sua vez, é aquele que é comum a muitas coisas e que é dito delas com o mesmo significado, significando uma única natureza ou essência que se encontra em cada uma delas.

Assim, “animal” é dito univocamente de homem, cavalo e boi, porque em todos significa uma e a mesma natureza animal, embora em indivíduos diversos.
Do mesmo modo, “homem” é dito univocamente de
Sócrates, Platão e Cícero, porque significa a mesma natureza racional sensível.

Desta forma, quando o nome é unívoco, há uma única razão de significação, e o intelecto, ao ouvir o nome, forma um só e mesmo conceito, aplicável a muitos.

Mas quando o nome é equívoco, nenhuma razão de significação é comum, e o intelecto, ao ouvir o nome, forma conceitos diversos, correspondentes às diversas significações.

E por isso diz Aristóteles, no Livro IV da Metafísica, que os nomes unívocos são aqueles cujo nome é comum e a razão de ser (ratio entis) é a mesma; os equívocos são aqueles cujo nome é comum, mas a razão é diversa.

Há ainda uma terceira espécie de nomes, chamados denominativos, que são aqueles formados de outros nomes, e que significam de modo derivado, exprimindo a posse ou participação de algo.

Assim, “branco” vem de “brancura”, “justo” de “justiça”, “corajoso” de “coragem”, “sábio” de “sabedoria”, “mortal” de “morte”.
Esses nomes são ditos
denominativos, porque derivam de outros nomes que significam as formas ou qualidades a partir das quais se originam.

E convém saber que todo nome denominativo é conotativo, pois não significa apenas a coisa que é dita, mas também a forma ou qualidade da qual o nome procede.

Assim, “branco” significa o sujeito e conota a brancura; “sábio” significa o homem e conota a sabedoria; “corajoso” significa o sujeito e conota a coragem.
E, portanto, todos os denominativos são conotativos, mas nem todos os conotativos são denominativos, porque alguns conotam sem derivar formalmente de outro nome — como “rei”, “senhor”, “amigo”, “potente”.

E deve-se ainda observar que, embora todo nome denominativo provenha de outro, nem sempre o modo de derivação é uniforme.
Pois há nomes derivados
do substantivo, como “animal” e “animalidade”; outros do verbo, como “agente” e “ação”; outros de adjetivos, como “branco” e “brancura”.

E de cada um deles nasce uma relação de significação diferente: o substantivo dá origem à designação da essência; o verbo, à designação do ato; o adjetivo, à designação da forma.

Dessa distinção resulta que o nome denominativo é intermediário entre o nome absoluto e o relativo: do absoluto, porque significa algo existente; e do relativo, porque o faz por conotação da forma.

E, finalmente, deve-se advertir que há também nomes que, segundo o uso da língua, podem ser unívocos em um contexto e equívocos em outro, conforme a intenção do falante.
Assim, “natureza”, “espírito”, “luz” ou “alma” são usados às vezes univocamente, outras por analogia, e outras equívocamente, conforme a matéria e a intenção do discurso.

Logo, o estudo da univocidade, equivocidade e denominação é essencial à arte lógica, pois nela reside o princípio de toda distinção entre o verdadeiro e o falso — já que o erro nasce quase sempre da ignorância das significações múltiplas dos nomes.

E basta, por ora, sobre a distinção entre nomes equívocos, unívocos e denominativos.

[1.14 — DE COMMUNI UNIVERSALE ET DE SINGULARI OPPOSITO SIBI]

(Do universal e do singular que lhe é oposto)

É manifesto, segundo a doutrina de Aristóteles e dos comentadores, que há entre as coisas conhecidas e os nomes que as significam uma distinção dupla: umas são comuns, outras singulares.

Por “comum” entende-se aquilo que pode ser predicado de muitos, e por “singular”, aquilo que não pode ser predicado de muitos, mas é dito apenas de um.

Assim, “homem”, “animal” e “substância” são comuns, pois podem ser ditos de muitos sujeitos — de Sócrates, de Platão, de Cícero; mas “Sócrates”, “Platão”, “Pedro” são singulares, porque cada um deles é dito de um só e não de muitos.

E como os nomes são instituídos segundo o modo como o intelecto conhece, é necessário que essa distinção provenha do próprio modo de conceber da alma.
Pois o intelecto pode conceber a mesma realidade
de dois modos:
— ou
segundo a natureza própria e individual, e assim forma o conceito do singular;
— ou
segundo a semelhança comum pela qual muitos se assemelham entre si, e assim forma o conceito do universal.

Deste modo, o universal não é coisa diversa do singular, mas é o mesmo objeto considerado sob outro aspecto; pois aquilo que é homem individual, enquanto considerado sob a noção comum de homem, é universal; e enquanto considerado sob sua existência própria, é singular.

E é justamente isso que o Filósofo ensina nos Segundos Analíticos, quando diz que “a ciência não se ocupa dos singulares, mas das coisas universais”, porque o intelecto, ao conhecer, abstrai das condições particulares da matéria.

Assim, o nome “homem” é universal, porque pode ser predicado de muitos; mas o nome “Sócrates” é singular, porque não se predica senão de um.

No entanto, é preciso entender que o universal não é uma realidade existente fora da alma, como alguns imaginaram — pois, fora da alma, só existem os singulares.
O universal é apenas
um modo de conceber, mediante o qual a mente, ao apreender algo que é comum a muitos, forma um único conceito representativo de todos eles.

Portanto, quando dizemos que “o homem é animal”, o nome “homem” não significa uma substância separada comum a todos os homens, mas representa muitos singulares sob um mesmo conceito.

E quando dizemos que “Sócrates é homem”, não queremos afirmar que há uma coisa chamada “humanidade” que se encontra realmente em Sócrates e em todos os outros, mas que Sócrates é um dos muitos que se compreendem sob o conceito de homem.

Por conseguinte, o universal existe na mente, não nas coisas, e nas coisas não há senão os singulares que correspondem ao conceito comum.
E por isso se diz que o universal é
unum ratione, isto é, um pela razão, e não unum re, um pela realidade.

Deve-se, porém, reconhecer que o universal não é mera ficção, porque se funda sobre algo real — a saber, sobre a semelhança e a conformidade que os singulares têm entre si.
Pois, se não houvesse alguma similitude real entre Pedro, Paulo e João, o intelecto não poderia formar um conceito comum de homem aplicável a todos.

Mas, embora o fundamento do universal esteja nas coisas, a universalidade mesma está apenas no intelecto, que abstrai das diferenças individuais e considera a natureza como comum.

E assim se deve entender a distinção entre o comum e o singular:
o comum é o
conceito universal, ou o nome que pode ser predicado de muitos;
o singular é aquilo que
não é predicável de muitos, mas é o sujeito último de toda predicação.

Por isso, quando dizemos “o homem é animal”, o nome “homem” é predicado do singular “Sócrates”, mas “Sócrates” não é predicado de coisa alguma, porque é o termo final da série de predicações.

E é nesse sentido que Aristóteles diz, no livro das Categorias, que o singular é aquilo que não se predica de nenhum outro, mas do qual tudo o mais se predica.

Dessa doutrina segue-se que o singular é o princípio do ser, e o universal é apenas o modo de conhecer; pois tudo o que existe, existe singularmente, mas o conhecimento, que é do inteligível, versa sobre o universal.

E essa é a conciliação necessária entre a metafísica e a lógica:
— a
metafísica considera o ente enquanto real, e, portanto, o singular;
— a
lógica considera o ente enquanto cognoscível, e, portanto, o universal.

Portanto, o singular é o fundamento do ser, e o universal, o fundamento do saber.
E basta, por ora, sobre o universal e o singular que lhe é oposto.

[1.15 — QUOD UNIVERSALE NON SIT ALIQUA RES EXTRA ANIMAM]

(Que o universal não é coisa alguma fora da alma)

Depois de distinguir entre o universal e o singular, é preciso agora investigar se o universal é alguma realidade existente fora da alma, como muitos antigos afirmaram.

E, quanto a isso, sustento que nenhum universal existe fora da alma, mas todo universal está somente no intelecto e segundo o modo de entender.

Com efeito, é evidente que tudo o que existe fora da alma é singular; pois vemos que nenhuma coisa sensível é comum a muitos, mas cada uma é distinta em número das demais.
A pedra que está aqui não é a pedra que está acolá; este homem não é aquele outro; este fogo não é aquele fogo.

Logo, o que é singular por si mesmo não pode ser universal realmente, porque o universal, por definição, é aquilo que pode ser dito de muitos.

E como nenhuma coisa fora da alma é dita de muitos, segue-se necessariamente que nenhum universal existe fora da alma, mas apenas na mente que o forma.

Pois, se houvesse algum universal fora da alma, ele seria ou todo ele em cada singular, ou parte dele em cada singular.
Mas ambas as suposições são impossíveis.

Primeiro, se o universal fosse todo em cada singular, seguir-se-ia que uma mesma coisa seria inteira e idêntica em muitos lugares e sujeitos ao mesmo tempo, o que é absurdo.
Porque a mesma realidade numérica não pode ser multiplicada em diversos indivíduos, assim como o mesmo corpo não pode estar simultaneamente em muitos lugares.

Segundo, se o universal fosse parte do singular, então cada singular seria composto de partes universais, o que não é verdadeiro.
Pois cada singular é uma substância completa, e não composta de partes comuns a muitos.

Logo, o universal não pode existir fora da alma, nem como todo comum, nem como parte comum, mas somente como conceito ou intenção da mente, que representa muitos sob uma única forma inteligível.

E assim se deve entender o que Aristóteles diz nos Segundos Analíticos:

“O universal é aquilo que, por sua natureza, é predicável de muitos.”

Mas ele não diz que o universal seja coisa fora da alma, e sim que é segundo o modo de predicação; isto é, algo concebido pela mente que pode ser dito de muitos.

Daí se conclui que o universal não é coisa alguma fora da alma, mas é apenas um sinal natural que representa muitos singulares.

E, portanto, o universal é uma intenção da mente, assim como o nome é um sinal vocal.
Mas há esta diferença: o nome é
sinal instituído pela vontade, enquanto o conceito universal é sinal natural, formado necessariamente pela operação do intelecto.

Pois, quando o intelecto apreende muitos singulares semelhantes, forma naturalmente um único conceito representativo de todos eles — e esse conceito é o universal.

Por conseguinte, o universal é dito “uno e comum” não porque seja uma realidade comum fora da mente, mas porque um só ato de intelecção é capaz de representar muitos indivíduos.

E, por isso, é universal não quanto ao ser, mas quanto ao representar; não quanto à essência, mas quanto à significação.

Assim como uma mesma palavra proferida pode ser ouvida por muitos e dita de muitos sem que por isso se multiplique em sua natureza vocal, assim também um único conceito mental pode significar muitos sem que exista fora da mente.

Dessa forma, o universal é “uno” enquanto signo comum, e “muitos” enquanto representa muitos; e, fora do intelecto, não há universal algum, mas somente as coisas singulares que ele representa.

E contra isso não vale o argumento dos realistas, quando dizem que, se o universal está só na alma, então a ciência seria apenas das imagens e não das coisas.
Pois, ainda que o universal esteja na alma, ele é
sinal natural das coisas, e é pelas coisas que ele é formado e das coisas que é verdadeiro.

Assim, quando conheço o universal “homem”, não conheço apenas um conceito mental, mas as coisas singulares que esse conceito representa — do mesmo modo que, ao olhar um retrato, não conheço apenas o desenho, mas aquele de quem o retrato é imagem.

E, portanto, o universal, ainda que exista na mente, é conhecimento verdadeiro das coisas fora da mente, porque representa naturalmente as naturezas delas.

Deste modo, não se segue que a ciência seja das imagens, mas que é das coisas por meio das imagens intelectuais, isto é, dos conceitos.

E basta, por ora, sobre a demonstração de que o universal não é coisa alguma fora da alma, mas modo de conhecer fundado na semelhança das coisas.

[1.16 — DE OPINIONE CIRCA ESSE UNIVERSALIS EXTRA ANIMAM — CONTRA SCOTUM]

(Da opinião sobre o ser do universal fora da alma — contra Duns Scotus)

Alguns doutores, movidos pelo desejo de conciliar a doutrina de Aristóteles com a de Platão, sustentaram que o universal, ainda que não exista fora da alma como um todo separado, existe realmente nas coisas singulares, e não apenas como conceito do intelecto.

Assim opinou o Doutor Sutil, João Duns Scotus, ao afirmar que o universal existe formaliter in re, isto é, formalmente nas coisas, mas intencionaliter in intellectu, isto é, como intenção comum na mente.

Segundo ele, a natureza comum, como “humanidade” ou “animalidade”, tem dois modos de ser:
— um
natural, pelo qual é coisa real existente nos indivíduos;
— outro
intencional, pelo qual é representada na mente como universal.

E diz ainda que, considerada em si mesma (natura secundum se), a natureza não é nem singular nem universal, mas pode tornar-se uma ou outra conforme o modo de ser que receba:
— torna-se
singular, quando existe realmente em um indivíduo;
— torna-se
universal, quando é apreendida pelo intelecto e ordenada a muitos.

Mas essa opinião, embora engenhosa e sutil, não pode ser sustentada sem contradição.

Primeiro, porque implica que uma e a mesma coisa seria duas vezes a mesma: uma vez como realidade individual, outra como natureza comum — o que repugna à distinção numérica das substâncias.
Pois, se a natureza “humanidade” existe realmente em Sócrates e em Platão, então, ou ela é
uma e a mesma coisa em ambos, ou são duas humanidades.

Se são duas, então não há nada comum realmente — o que destrói a tese.
Se é uma e a mesma, segue-se que
uma só e mesma coisa está em lugares diversos e em sujeitos distintos, o que é absurdo.

Segundo, se a natureza comum é real nas coisas, então deve ser alguma substância completa, ou uma parte real das substâncias.
Mas, se for uma substância completa, então cada homem seria uma mesma substância numérica — o que é falso.
Se for uma parte, então nenhum homem seria inteiro em si mesmo, mas composto de algo comum e de algo próprio, o que também é falso, pois cada indivíduo é uma substância perfeita.

Terceiro, se a natureza comum é neutra entre o universal e o singular, e se torna universal apenas no intelecto, então ela seria uma realidade que não é nem esta nem aquela — o que é impossível, pois toda coisa real é ou determinada em si mesma, ou nada é.

E se disserem que a natureza, considerada em si, não é nada senão um conceito de razão, então admitem implicitamente que o universal não existe fora da alma — o que é precisamente o que negam.

Logo, é manifesto que a posição de Duns Scotus, embora pareça moderar o erro de Platão, não o destrói, mas o disfarça sob outra forma.
Pois, enquanto Platão colocava o universal fora das coisas, como ideia separada, Scotus o coloca
nas coisas, mas como natureza realmente distinta do singular — e, portanto, ainda mantém uma duplicidade de entes: o individual e o comum.

Mas é certo, conforme a experiência e a razão natural, que nas coisas não há senão indivíduos.
Nem há nelas uma “natureza comum” que seja distinta deles, mas somente
uma semelhança real entre as formas singulares, pela qual o intelecto abstrai o conceito universal.

Assim, a “humanidade” de Sócrates não é uma parte comum, mas sua própria essência individualizada; e a “humanidade” de Platão é outra essência, numericamente distinta, embora semelhante.
Da semelhança dessas naturezas singulares nasce a possibilidade da
abstração intelectual, pela qual se forma o conceito de “homem”.

Logo, o universal não é natureza existente formalmente nas coisas, mas ato do intelecto fundado sobre a semelhança das coisas.

E quanto ao argumento de Scotus, de que o universal deve ter algum fundamento real, respondo que o fundamento não é o universal em si, mas a semelhança entre os singulares, pela qual o intelecto os considera sob um mesmo aspecto.

Pois não é necessário que exista algo idêntico em número entre eles, basta que haja semelhança proporcional, isto é, uma conveniência real de forma e espécie.

Assim, o intelecto, ao perceber muitos semelhantes, forma naturalmente um único conceito comum — e esse conceito é o universal.

Portanto, o universal não é coisa alguma fora da alma, nem forma real nas coisas, mas apenas signo natural da mente, que representa muitos fundando-se em uma semelhança real.

E, deste modo, se evita tanto o erro de Platão quanto o de Scotus:
— de Platão, porque o universal não é separado das coisas;
— de Scotus, porque o universal não é algo real dentro das coisas.

Mas se conserva o meio verdadeiro, conforme a doutrina de Aristóteles, segundo a qual o universal é “aquilo que, por sua natureza, é predicável de muitos”, isto é, segundo o modo de concepção, e não segundo o ser real.

E basta, por ora, sobre a opinião do Doutor Sutil e sua refutação.

[1.17 — DE FUNDAMENTO UNIVERSALITATIS IN REBUS]

(Do fundamento da universalidade nas coisas)

Embora o universal não exista realmente fora da alma, é certo, contudo, que ele não é pura ficção sem fundamento nas coisas.
Com efeito, se nada houvesse nas realidades externas que correspondesse ao conceito universal, então todo conhecimento científico seria vã imaginação, e toda predicação comum seria falsa.

Por isso é necessário admitir que o universal tem fundamento nas coisas, não como algo distinto delas, mas como semelhança real e conveniência de natureza entre os indivíduos.

Assim, Pedro, Paulo e João são homens distintos, mas semelhantes segundo a mesma espécie de forma — isto é, cada um possui uma natureza humana individualizada, conforme a qual o intelecto apreende algo comum.
Essa semelhança é o
fundamento da universalidade, não a universalidade mesma.

Com efeito, a semelhança é no ser, e o universal é no entender.
Aquela é fundamento real; este, operação intelectual fundada sobre ela.

Logo, a universalidade não é algo existente nas coisas, mas algo imputado pela mente às coisas semelhantes, como sinal de sua comunidade de natureza.

E assim, o fundamento real da universalidade é a semelhança de forma específica entre os singulares, pela qual o intelecto é naturalmente inclinado a concebê-los sob um mesmo conceito.

E é dessa inclinação que nasce o universal:

“Universalitas non est res in re, sed modus concipiendi fundatus in similitudine rerum.”
(A universalidade não é uma coisa na coisa, mas um modo de conceber fundado na semelhança das coisas.)

Deve-se, porém, distinguir entre fundamento intrínseco e fundamento extrínseco do universal.

O fundamento intrínseco é a própria natureza das coisas singulares, enquanto semelhantes;
o
fundamento extrínseco é o ato do intelecto, que apreende essa semelhança e a expressa por meio de um único conceito.

Pois não basta que as coisas sejam semelhantes — é necessário que o intelecto perceba essa semelhança e dela forme um signo mental comum.
Sem a mente, haveria semelhança real, mas não haveria universalidade.

Assim, a semelhança é condição necessária, mas não suficiente: o universal surge apenas quando a semelhança é apreendida e simbolizada intelectualmente.

Portanto, o universal depende de dois princípios:

1.      Da coisa, enquanto semelhante;

2.      Da mente, enquanto abstrai e unifica.

E é nessa dupla dependência que se encontra o verdadeiro meio entre o realismo e o nominalismo extremo:
— contra o primeiro, porque o universal não existe fora da alma;
— contra o segundo, porque ele tem fundamento real nas coisas.

E é nesse sentido que Aristóteles, nos Segundos Analíticos, diz que “a ciência é das coisas universais”, não porque o universal exista nas coisas, mas porque a mente, conhecendo o semelhante pelo semelhante, forma um conceito comum que representa a todos.

E ainda, deve-se notar que essa semelhança não é uma “forma comum” numericamente idêntica, mas uma relação de proporção: assim como vários círculos são semelhantes por terem a mesma forma geométrica, e não por compartilharem uma mesma linha, assim também os homens são semelhantes por natureza, e não por uma substância comum.

Por conseguinte, o fundamento da universalidade é uma semelhança específica entre as naturezas individuais — semelhança que o intelecto reconhece e pela qual unifica os múltiplos num só conceito representativo.

E, portanto, não é necessário supor nenhuma “humanidade” comum realmente existente em todos os homens; basta que cada um possua sua humanidade própria e semelhante à dos demais, para que o intelecto, abstraindo das diferenças individuais, forme o conceito de “homem”.

Logo, a universalidade é no intelecto, e seu fundamento é nas coisas; o ser é singular, o conhecimento é comum.

E, dessa maneira, fica salva a verdade da ciência e a unidade do mundo real, sem introduzir entes supérfluos.

Pois, se o universal fosse uma realidade distinta, multiplicar-se-iam as essências além da necessidade — o que é contrário ao princípio da economia natural, segundo o qual:

Frustra fit per plura quod potest fieri per pauciora.
(Em vão se faz por muitos o que pode ser feito por poucos.)

E basta, por ora, sobre o fundamento da universalidade nas coisas.

[1.18 — DE UNITATE UNIVERSALIS — CONTRA ERRORES REALIUM]

(Da unidade do universal — contra os erros dos realistas)

Depois de mostrado que o universal não é coisa alguma fora da alma, mas apenas modo de conceber fundado na semelhança dos singulares, é necessário agora investigar em que consiste a unidade do universal.

Pois, uma vez que o universal é dito “um” e “comum” a muitos, alguns foram levados a crer que essa unidade devia ser real, e não apenas intelectual; e, por conseguinte, imaginaram uma “forma una” realmente existente em todos os indivíduos de uma mesma espécie.

Mas essa opinião, como já se demonstrou, é falsa e destrói a verdadeira filosofia.

Com efeito, o universal é um só conceito da mente, que pode ser referido a muitos, e é dito “um” não porque seja uma coisa única nos muitos, mas porque é uma única representação mental que significa muitos.

Assim, a unidade do universal é na mente, e não nas coisas.
Pois nas coisas há multiplicidade de naturezas semelhantes, e na mente há unidade de concepção.

E, portanto, deve-se distinguir dois tipos de unidade:

1.      Unidade real (unitas rei), que é a de uma coisa em si mesma;

2.      Unidade racional (unitas rationis), que é a de um conceito único aplicável a muitos.

A primeira pertence ao ser, a segunda ao conhecer.

A unidade do universal é, pois, apenas unitas rationis, isto é, a unidade do ato intelectual, que considera sob um mesmo aspecto muitos singulares semelhantes.

E essa unidade é suficiente para toda função lógica e científica, pois é pela unidade do conceito que se formam proposições universais e se estabelecem demonstrações.
Mas não é necessário que haja uma unidade real correspondente, porque o conhecimento não exige que o que é uno no intelecto seja também uno na realidade.

Assim, quando a mente diz “o homem é animal”, o termo “homem” representa muitos homens singulares, e a verdade da proposição não requer que haja uma “humanidade una” neles, mas apenas que cada um seja verdadeiramente homem.

E por isso o universal é uno secundum rationem, mas múltiplo secundum rem.

É uno enquanto ato único do intelecto, múltiplo enquanto fundado em muitas realidades semelhantes.

E é nesse sentido que se deve entender a máxima dos filósofos:

Universale est unum numero in intellectu, multa autem in re.
(O universal é um numericamente no intelecto, mas múltiplo na realidade.)

Portanto, quando dizemos que o universal é “um”, devemos entender essa unidade não como unidade substancial, mas como unidade representativa.
Do mesmo modo que uma mesma palavra pronunciada uma vez pode ser entendida por muitos, sem se multiplicar em som, assim também um mesmo conceito pode representar muitos indivíduos.

E essa unidade representativa não é algo real distinto do ato de entender, mas é a própria unidade do ato de conhecimento, enquanto se refere a muitos.

Logo, se não houvesse intelecto, não haveria universal, nem unidade do universal; haveria apenas coisas múltiplas e semelhantes entre si.
A unidade do universal nasce
do ato da mente que recolhe a multiplicidade em uma única forma de representação.

E deve-se advertir ainda que essa unidade não implica confusão dos muitos, mas ordenação dos muitos sob um mesmo tipo de consideração.
Pois o intelecto não destrói a distinção dos indivíduos, mas os considera
segundo a conformidade da espécie.

E assim, embora o universal seja um só quanto ao conceito, os indivíduos permanecem múltiplos quanto à realidade.

Por conseguinte, o erro dos realistas consiste em transferir para as coisas a unidade que pertence somente ao conceito.
Eles confundem o unum intelligibile com o unum reale, e por isso multiplicam desnecessariamente as entidades.

Mas a unidade do universal é apenas unidade lógica, a qual se basta a si mesma para todos os fins da ciência.
Pois a ciência não requer que haja uma coisa una em muitos, mas apenas que haja
semelhança e regularidade, de modo que um mesmo conceito possa representar todos sob uma razão comum.

E, portanto, deve-se entender que:

— O universal é “um” enquanto conceito;
— É “muitos” enquanto representado nas coisas;
— É “fundado” nas semelhanças reais;
— E “existente” apenas na mente.

Dessa forma, não há contradição entre a pluralidade real e a unidade conceitual, pois pertencem a ordens diversas — a do ser e a do conhecer.

E assim se salva a verdade de Aristóteles, que ensinou que “a ciência é do universal”, e, ao mesmo tempo, a verdade da experiência, que mostra que “tudo o que existe é singular”.

Logo, o universal é um no intelecto e múltiplo na realidade, e sua unidade é apenas secundum rationem, não secundum rem.

E basta, por ora, sobre a unidade do universal e a refutação dos erros dos realistas.

[1.19 — DE DISTINCTIONE INTER UNIVERSALE, PARTICULARE ET SINGULARE]

(Da distinção entre o universal, o particular e o singular)

Depois de exposto o que é o universal e em que consiste sua unidade, é necessário agora mostrar em que ele se distingue do particular e do singular, pois toda a ordem do raciocínio e da ciência depende dessa distinção.

Digo, portanto, que universal, particular e singular não são coisas diversas fora da alma, mas diversos modos de significar e de conceber uma e a mesma realidade.

Pois aquilo que é uno e o mesmo pode ser concebido como universal, particular ou singular, conforme o modo pelo qual o intelecto o apreende.

Assim, “homem”, tomado universaliter, é predicável de muitos;
tomado
particulariter, é predicável de alguns;
e tomado
singulariter, é predicável de um só.

Logo, a diferença não está no ser da coisa, mas no modo de aplicação do conceito.

O universal é aquilo que pode ser dito de muitos — como “homem”, “animal”, “substância”.
O
particular é aquilo que pode ser dito de alguns, mas não de todos — como “este homem”, “algum animal”, “alguma substância”.
O
singular é aquilo que não pode ser dito senão de um — como “Sócrates”, “este homem aqui presente”, “esta pedra”.

Dessa forma, universalidade, particularidade e singularidade são modos de predicação, e não naturezas reais.

Pois o intelecto, ao considerar as coisas, pode fazê-lo sob três perspectivas:

1.      Universaliter, quando abstrai das diferenças individuais e considera apenas a natureza comum;

2.      Particulariter, quando considera a natureza sob certo limite ou restrição;

3.      Singulariter, quando a considera segundo toda sua determinação concreta.

Assim, quando a mente diz “homem é animal”, fala universalmente;
quando diz “algum homem é branco”, fala particularmente;
quando diz “Sócrates é homem”, fala singularmente.

E é manifesto que esses três modos não são apenas gramaticais, mas lógicos, pois se referem à maneira pela qual o intelecto distribui a extensão do conceito.

Portanto, a diferença entre universal, particular e singular não é segundo o ser, mas segundo a ordem do conhecimento e da linguagem.

Deve-se também observar que o universal é dito “um” quanto ao significado, o particular é intermediário entre o universal e o singular, e o singular é “um” quanto à existência.

Assim, a unidade do universal é de razão, a do particular é de designação, e a do singular é de ser.

O universal é “um” porque é um conceito aplicável a muitos;
o particular é “um” porque se aplica a um certo grupo limitado de coisas;
o singular é “um” porque é coisa indivisível em número.

E é nesse sentido que se deve entender o ensinamento do Filósofo nas Categorias, quando distingue entre o que é dito “de um sujeito”, o que está “em um sujeito” e o que é “nem dito de um sujeito nem está em um sujeito”.
O universal é dito de um sujeito; o particular, de alguns; o singular, de nenhum.

Consequentemente, toda proposição científica ou discursiva se apoia nesses três modos de significação, pois toda demonstração requer termos universais, toda experiência se refere a particulares, e toda existência se dá em singulares.

Assim, o universal pertence ao intelecto especulativo, o particular à razão discursiva, e o singular à apreensão sensível.

E, ainda, deve-se notar que a ciência se faz dos universais, mas se verifica nos singulares; pois o intelecto conhece universalmente, mas a experiência confirma no particular e no singular.

Portanto, a ordem do conhecimento é tripla:
— pela
sensação, apreende-se o singular;
— pela
razão, aplica-se o particular;
— pelo
intelecto, formula-se o universal.

E todas essas operações convergem no mesmo objeto, que é um só e o mesmo ente, considerado sob diferentes modos de abstração.

Assim, “homem” é um só na realidade, mas pode ser pensado como universal, particular ou singular, conforme a extensão e o grau de determinação que o intelecto lhe atribui.

Logo, o universal não é nada fora da alma; o particular é a aplicação parcial do universal; e o singular é o fundamento de ambos.
Pois todo universal e todo particular se referem, em última instância, a realidades singulares.

E é por isso que o singular é dito “principium essendi”, o particular “principium demonstrandi”, e o universal “principium sciendi” — isto é:

O singular é o princípio do ser,
o particular é o princípio do raciocínio,
e o universal é o princípio da ciência.

Dessa tríplice distinção nasce a harmonia entre a ontologia, a lógica e a epistemologia, pois o ser se manifesta no singular, o pensamento se ordena no universal, e a linguagem articula o particular como ponte entre ambos.

E basta, por ora, sobre a distinção entre universal, particular e singular.

[1.20 — DE DIFFERENTIA INTER UNIVERSALE ET AGGREGATUM PLURIUM SINGULARIUM]

(Da diferença entre o universal e o agregado de muitos singulares)

Depois de exposto o que é o universal e como ele se distingue do singular, é necessário esclarecer que o universal não deve ser confundido com o agregado de muitos singulares, pois ambos, embora se refiram a uma multiplicidade, pertencem a ordens de ser completamente diversas.

Com efeito, o universal é um ato do intelecto, pelo qual a mente, considerando muitos singulares semelhantes, forma um só conceito representativo comum a todos;
mas o
agregado é uma coletividade real de coisas singulares, que existem fora da alma, reunidas apenas por contiguidade ou número, não por unidade formal de representação.

Assim, “homem” é universal, porque é conceito único que pode ser dito de muitos;
mas “os homens” é um agregado, porque designa uma pluralidade de indivíduos distintos, considerados conjuntamente.

E por isso, o universal é unum numero in intellectu, enquanto o agregado é multitudo in re.
O universal é unidade de razão; o agregado, multiplicidade de existência.

Daí se segue que a confusão entre ambos é fonte de erro frequente entre os realistas moderados, que, não distinguindo entre o “um lógico” e o “muitos reais”, supõem que o universal seja a própria coleção de indivíduos.

Mas é manifesto que tal suposição é falsa.

Primeiro, porque o universal é indivisível quanto à significação, ao passo que o agregado é divisível quanto à composição.
O conceito “homem” é uno e o mesmo quando se aplica a Pedro, Paulo e João;
mas o conjunto “Pedro, Paulo e João” é composto de partes numericamente distintas.

Logo, o universal não é um conjunto de indivíduos, pois o conjunto se divide realmente, e o universal não.

Segundo, o universal é predicável de cada um dos indivíduos que representa;
mas o conjunto, não.
Pois não se pode dizer: “Pedro é o conjunto dos homens”, ou “este homem é todos os homens”.
Mas pode-se dizer: “Pedro é homem”, e “Paulo é homem”, e assim de todos os outros.

Logo, o universal é comum de modo predicativo; o agregado é comum de modo distributivo.
O primeiro é
unum pro multis; o segundo é multa simul sumpta.

Terceiro, o universal pode ser concebido sem os singulares atuais, mas o conjunto não.
Pois ainda que não existam homens agora, o conceito de “homem” permanece no intelecto;
mas, se não existirem homens, não pode haver conjunto de homens.

Logo, o universal depende da semelhança possível; o conjunto depende da existência atual.

E ainda, o universal é necessário e imutável quanto ao significado, pois permanece o mesmo enquanto houver intelecto que o conceba;
mas o conjunto é
contingente e mutável, pois cresce ou diminui conforme o número dos indivíduos existentes.

Assim, a diferença é manifesta:

O universal é unum intentionale;
o agregado é multa realia.

O primeiro é símbolo mental, o segundo é coleção real.

E é por isso que Aristóteles, no livro das Categorias, ao falar dos universais, não os identifica com coleções, mas com “aquilo que é dito de muitos” — o que só pode ocorrer no plano da significação e não no da existência.

Deve-se, portanto, distinguir cuidadosamente o universal lógico do coletivo físico:
— o primeiro se funda na semelhança específica;
— o segundo, na soma quantitativa dos indivíduos.

Assim, “homem” é universal; “os homens” é coletivo.
E ambos têm fundamento real: o primeiro, na semelhança; o segundo, na multiplicidade.

Mas a universalidade é de razão, enquanto a coletividade é de número.
O universal unifica pela forma; o conjunto agrega pela matéria.

E disso se segue uma regra de suma importância para toda a lógica e a metafísica:

Universale et aggregatum non differunt tantum voce, sed genere entis.
(O universal e o agregado não diferem apenas por nome, mas por gênero de ser.)

Pois o universal pertence à ordem do intelligibile, o agregado à do sensibile.
O primeiro é objeto do intelecto; o segundo, do sentido e da imaginação.

E, portanto, o erro dos realistas, que confundem o universal com o conjunto, procede da falta de distinção entre as potências cognitivas:
o sentido conhece o múltiplo e o disperso; o intelecto conhece o uno e o comum.

Mas é evidente que aquilo que é conhecido como uno pelo intelecto não é um na realidade, e aquilo que é múltiplo na realidade não é múltiplo no intelecto, senão como objeto de múltiplas representações.

Logo, o universal é uno quanto ao ato intelectual; o conjunto, múltiplo quanto ao ser real.
E quem confunde esses dois modos, confunde também o próprio limite entre o ser e o conhecer.

E basta, por ora, sobre a diferença entre o universal e o agregado de muitos singulares.

[1.21 — DE COMPARATIONE UNIVERSALIS AD INTENTIONEM SECUNDAM]

(Da relação do universal com a segunda intenção)

Depois de exposta a diferença entre o universal e o agregado de singulares, resta examinar de que modo o universal se relaciona com a segunda intenção, pois a lógica, enquanto ciência, versa principalmente sobre tais intenções.

Digo, portanto, que o universal, enquanto considerado simplesmente como conceito representativo de muitos, é intenção primeira;
mas, enquanto o intelecto considera esse mesmo conceito
enquanto universal, isto é, enquanto predicável de muitos, então torna-se intenção segunda.

Com efeito, a intenção primeira é o ato pelo qual a mente concebe as coisas;
a segunda é o ato pelo qual a mente concebe o próprio ato de conceber.

Assim, quando o intelecto forma o conceito de “homem”, e o entende como representando muitos indivíduos, ele está no nível da intenção primeira.
Mas, quando o intelecto reflete sobre esse mesmo conceito e considera que ele é
comum a muitos, ou que é predicável de muitos, então entra no nível da intenção segunda.

E, portanto, o universal é intenção primeira quanto à sua natureza, e intenção segunda quanto à sua reflexão.

Pois nada impede que uma e a mesma coisa seja de primeira intenção sob um aspecto e de segunda sob outro:
— de primeira, enquanto representa as coisas;
— de segunda, enquanto é representada por outro ato de pensamento.

Assim, “homem”, enquanto representa Sócrates e Platão, é intenção primeira;
mas, enquanto é considerado como “universal” ou “predicado de uma espécie”, é intenção segunda.

E é nesse sentido que se diz que a lógica trata do universal não enquanto significa as coisas, mas enquanto significa outros signos.
Pois o objeto próprio da lógica são os
signos, não as coisas.

Logo, o universal pertence à primeira intenção como conteúdo, e à segunda intenção como objeto.
Ele é de re quanto ao que representa, e de intellectu quanto ao modo de sua concepção.

E por isso o Filósofo, no De Interpretatione, diz que “os nomes e os verbos são signos das paixões da alma”, e que “essas paixões são semelhanças das coisas”.
Pois a lógica, considerando os signos das paixões, trata das intenções segundas — isto é, dos modos pelos quais a mente significa e raciocina.

Consequentemente, deve-se entender que o universal enquanto tal — isto é, enquanto predicável de muitos — pertence propriamente à lógica e não à metafísica.
Porque a metafísica considera a coisa mesma segundo o ser; a lógica, segundo o modo de significar.

Assim, a metafísica pergunta quid est homo, “o que é o homem”;
mas a lógica pergunta quid est universale, “de que modo o homem é predicável de muitos”.

E é justamente essa reflexão sobre o modo de predicação que constitui a intenção segunda, isto é, o conhecimento do próprio conhecimento.

Por conseguinte, toda a ciência lógica se baseia na passagem do intelecto da intenção primeira para a segunda.
E essa passagem é natural, porque a mente, ao formar conceitos, tende espontaneamente a ordená-los, compará-los e classificá-los.

Dessa comparação nascem os nomes “gênero”, “espécie”, “diferença”, “propriedade”, “acidente” — todos eles de segunda imposição e relativos às intenções segundas.

Assim, quando digo “homem é espécie”, tomo o termo “homem” não como nome da coisa, mas como nome de um conceito — isto é, como objeto da lógica.
E, portanto, “espécie” e “gênero” são nomes de segunda intenção, porque significam modos de predicabilidade.

Logo, o universal, enquanto considerado na operação do intelecto que o forma, pertence à lógica;
enquanto considerado
no fundamento real que o torna possível, pertence à metafísica.

E, deste modo, fica clara a diferença de ordem entre o fundamento ontológico e a reflexão lógica:
— o fundamento é nas coisas;
— a universalidade é no intelecto;
— e a intenção segunda é no intelecto que reflete sobre o próprio intelecto.

E por isso o universal, enquanto tal, é ponte entre o real e o lógico: nasce do real, mas é conhecido na ordem do pensamento; e, refletido enquanto signo, torna-se matéria da ciência lógica.

E basta, por ora, sobre a relação do universal com a intenção segunda.

[1.22 — DE DISTINCTIONE INTER INTENTIONES SECUNDAS LOGICORUM]

(Da distinção entre as segundas intenções dos lógicos)

Tendo sido dito o que é a intenção segunda e como ela se refere ao universal, resta agora mostrar quais são as principais segundas intenções de que os lógicos tratam, e de que modo se distinguem entre si.

Digo, portanto, que as intenções segundas são aquelas pelas quais o intelecto considera os próprios conceitos da primeira intenção, ordenando-os e comparando-os segundo diversos modos de predicação.

E as principais entre elas são cinco, conforme a doutrina tradicional dos filósofos: gênero, espécie, diferença, propriedade e acidente.
Essas cinco intenções, segundo Porfírio e Aristóteles, constituem o
predicável, ou seja, o modo pelo qual algo pode ser afirmado de outro.

Contudo, é preciso compreender que nenhuma dessas intenções existe realmente nas coisas, mas somente no intelecto, que assim organiza os conceitos das naturezas reais.

Pois o intelecto, ao conceber as coisas singulares, forma conceitos universais;
ao comparar esses conceitos, descobre que alguns são mais comuns, outros mais restritos;
e, ao estabelecer essa ordem de amplitude e inclusão, forma as intenções de
gênero e espécie.

Assim, “animal” é gênero em relação a “homem”, porque o conceito de animal se estende a mais coisas do que o de homem;
e “homem” é espécie em relação a “animal”, porque é conceito compreendido sob ele.

Logo, a diferença é o conceito pelo qual o intelecto determina a espécie dentro do gênero, como “racional” distingue “homem” de “animal”.
A
propriedade é o conceito que acompanha necessariamente uma espécie, sem ser sua essência, como “risível” acompanha o “homem”.
E o
acidente é o conceito que pode estar ou não estar no sujeito sem destruir sua essência, como “branco”, “grande”, “sábio”.

Essas cinco relações não são propriedades das coisas, mas ordens do pensamento.
Pois nas coisas não há “gênero” nem “espécie”, mas apenas naturezas singulares, semelhantes entre si;
e o intelecto, ao ordenar seus conceitos conforme o grau de generalidade, institui esses nomes e os aplica às próprias noções mentais.

Portanto, o gênero não é algo real nas coisas, mas uma intenção de amplitude conceitual;
a
espécie, uma intenção de determinação;
a
diferença, uma intenção de delimitação;
a
propriedade, uma intenção de concomitância necessária;
e o
acidente, uma intenção de predicação contingente.

Dessas intenções nascem as distinções fundamentais da lógica, pois todo discurso científico se compõe da comparação dessas formas de predicabilidade.

E é assim que o intelecto, refletindo sobre os próprios conceitos, os classifica, hierarquiza e relaciona, formando as categorias da razão.

Mas deve-se observar que essas intenções, embora sejam distintas entre si, não são distintas realmente, mas pela razão do intelecto.
Pois o mesmo conceito pode ser considerado sob diversos aspectos:
— como gênero, em relação ao que está abaixo;
— como espécie, em relação ao que está acima;
— como diferença, em relação à delimitação da essência;
— como propriedade, em relação ao que é inseparável;
— e como acidente, em relação ao que é separável.

Assim, o conceito “homem” é espécie em relação a “animal”, mas gênero em relação a “racional”.
E o mesmo conceito pode ser tomado como sujeito ou como predicado, conforme a posição que ocupa no raciocínio.

Logo, as segundas intenções não são realidades diversas, mas modos de consideração sucessiva de um mesmo conceito.
E a ordem entre elas é de
dependência lógica, não de distinção ontológica.

Por conseguinte, a lógica não trata das coisas enquanto existem, mas das intenções pelas quais o intelecto as conhece.
E o objeto próprio do lógico não é o ente real, mas o
ente de razão, isto é, o conceito enquanto ordenado a outro conceito.

E essa é a razão pela qual se diz que a lógica é instrumento de todas as ciências, porque todas as ciências usam dessas segundas intenções — gênero, espécie, diferença, propriedade e acidente — para ordenar seus conceitos e formar definições e demonstrações.

Mas, fora do intelecto, não há gênero nem espécie, senão indivíduos semelhantes e distintos.
Portanto, essas intenções não são formas substanciais nem acidentes reais, mas
relações de razão que o intelecto introduz para ordenar o conhecimento.

E é por isso que Aristóteles, no início das Categorias, diz que o lógico fala “não das coisas, mas dos nomes e dos discursos”, pois a lógica não multiplica o ser, mas apenas o modo de significar.

Logo, essas cinco intenções são as principais segundas intenções dos lógicos, e por meio delas toda ciência racional se constitui.

E basta, por ora, sobre a distinção entre as segundas intenções dos lógicos.

[1.23 — DE SUBORDINATIONE ET COORDINATIONE INTENTIONUM SECUNDARUM]

(Da subordinação e coordenação das segundas intenções)

Tendo sido expostas as segundas intenções e suas diferenças, é necessário agora mostrar como se ordenam entre si, porque toda ciência procede de uma hierarquia de conceitos, uns mais gerais, outros mais determinados.

Digo, portanto, que entre as intenções segundas há duas ordens principais:
— uma de
subordinação, que é a dependência de uma intenção em relação à outra;
— outra de
coordenação, que é a relação de igualdade entre intenções que se não incluem mutuamente.

A subordinação ocorre quando o conceito de uma intenção é contido sob o conceito de outra mais ampla.
Assim, “animal” é gênero subordinante, e “homem” é espécie subordinada, porque tudo o que é homem é animal, mas nem todo animal é homem.
Do mesmo modo, “substância” é gênero mais amplo, sob o qual estão “corpo”, “ser vivo”, “animal”, “homem” — cada qual mais restrito que o precedente.

E, portanto, a subordinação consiste em ordem de inclusão: o mais universal contém o menos universal, e este se inclui naquele.

A coordenação, ao contrário, ocorre entre intenções que estão no mesmo nível de generalidade e não se incluem mutuamente.
Assim, “homem” e “boi” são espécies coordenadas sob o gênero “animal”, porque uma não está contida na outra, mas ambas estão igualmente contidas no mesmo gênero.

Logo, a subordinação é vertical, e a coordenação é horizontal.

E deve-se saber que a subordinação se dá tanto entre intenções primeiras (conceitos de coisas) quanto entre segundas intenções (conceitos de conceitos), mas na lógica o que se considera é a subordinação intencional, e não real.

Pois a mente não compara substâncias, mas modos de significação; e a subordinação lógica consiste na relação de extensão entre os conceitos.

Assim, quando dizemos “todo homem é animal”, não afirmamos uma dependência real, mas uma ordenação de significados: o conceito “homem” está contido no conceito “animal”, como o particular no universal.

E essa ordenação é necessária para a definição e para a demonstração, pois sem a subordinação das intenções não seria possível estabelecer a cadeia do raciocínio.

Pois toda ciência parte do mais universal para o mais particular, e toda definição procede do gênero e da diferença — o gênero sendo o termo subordinante, e a diferença, o delimitante.

E, portanto, toda a estrutura da lógica e da metafísica depende dessa dupla relação:
— pela
subordinação, a mente ascende do particular ao universal;
— pela
coordenação, distingue as espécies dentro de um mesmo gênero.

Convém ainda saber que há subordinação direta e indireta.
A direta é quando uma intenção se contém imediatamente sob outra — como “homem” sob “animal”;
a indireta é quando a inclusão se dá por meio de outras intenções intermediárias — como “homem” sob “substância”, através de “animal” e “corpo”.

E essa ordem, se levada até o fim, conduz ao que se chama gênero supremo, que não está subordinado a nenhum outro, e espécie ínfima, que não contém sob si nenhuma outra.

O gênero supremo é aquele que se diz de todos os entes, como “ente” (ens);
a
espécie ínfima é aquela que se diz apenas de indivíduos singulares, como “Sócrates” ou “este homem”.

Entre esses dois extremos há uma gradação contínua de conceitos subordinados e coordenados, formando a escada do pensamento.

E é justamente essa estrutura que permite ao intelecto conhecer com ordem, definir com precisão e demonstrar com necessidade.

Por conseguinte, as segundas intenções se ordenam como os degraus de uma pirâmide:
— na base, as espécies ínfimas, próximas ao singular;
— no cume, o gênero supremo, que se diz de tudo o que é.

E essa pirâmide não existe nas coisas, mas na mente, que assim dispõe os seus conceitos para refletir a harmonia do real.

Logo, a subordinação das intenções segundas é uma ordem lógica, não natural;
é modo de pensar, não modo de ser.
Mas, como o pensamento é espelho do ser, essa ordem lógica corresponde proporcionalmente à ordem ontológica.

E por isso Aristóteles disse, com sabedoria, que “a ordem das palavras segue a ordem do pensamento, e a do pensamento, a das coisas”.

Assim, pela subordinação, o intelecto reflete a estrutura inteligível do mundo; pela coordenação, distingue a diversidade no interior da unidade.

E basta, por ora, sobre a subordinação e coordenação das segundas intenções.

[1.24 — DE GENERIBUS SUPREMIS ET SPECIIBUS INFIMIS]

(Dos gêneros supremos e das espécies ínfimas)

Depois de tratar da subordinação e da coordenação das intenções segundas, é necessário agora considerar o princípio e o término dessa ordem, isto é, os gêneros supremos e as espécies ínfimas.

Digo, portanto, que o gênero supremo é aquele que não está contido sob nenhum outro gênero mais alto, e que se diz de todos os entes.
E a
espécie ínfima é aquela que não contém sob si nenhuma outra espécie, mas apenas indivíduos singulares.

Assim, no extremo superior da série encontra-se o ens commune — o ente em geral, que é o gênero de todos os gêneros, porque nada há fora do âmbito do ser.
E no extremo inferior encontram-se as espécies últimas, como “homem”, “cavalo”, “árvore”, das quais só se predicam os indivíduos.

Logo, a hierarquia dos conceitos procede do ente comum até os entes singulares, e é nessa descida que a mente estabelece a ordem da ciência.

Mas deve-se entender que o ens commune não é gênero no mesmo sentido que “animal” é gênero de “homem” e “boi”.
Pois o ente é
comum a tudo, e nada há fora dele que possa ser “diferença específica”.
Assim, o ens é dito “gênero por analogia”, não “gênero por espécie”, porque se aplica a todos os entes
não univocamente, mas analogicamente — isto é, segundo proporção e não segundo identidade de natureza.

E é por isso que Aristóteles, no livro IV da Metafísica, diz que o “ser” se diz de muitos, mas não de todos do mesmo modo; pois “ser” se predica de substância, de qualidade, de quantidade, de relação e dos outros predicamentos, mas segundo analogia e ordem ao primeiro ser, que é a substância.

Logo, o ens commune é o mais alto dos conceitos e o termo do pensamento ascendente;
e as
espécies ínfimas são o limite inferior, o termo do pensamento descendente.

Entre esses dois polos se estende toda a pirâmide do saber, cujos degraus são formados pelos gêneros e espécies intermediárias.

E assim, a razão humana, ao contemplar o real, começa pelos singulares, abstrai o universal, ordena os gêneros e termina na consideração do ser enquanto ser.

Mas, inversamente, ao ensinar e demonstrar, parte do gênero mais alto e desce até as espécies últimas, aplicando a razão universal às coisas particulares.

Portanto, há uma dupla via:
— a da
abstração, que sobe do múltiplo ao uno;
— e a da
determinação, que desce do uno ao múltiplo.

E é pela conjunção dessas duas vias que o intelecto humano realiza a ciência: subindo para conhecer as causas, descendo para aplicar o conhecimento aos efeitos.

Deve-se ainda saber que o número de gêneros supremos é finito e determinado, conforme os dez predicamentos enumerados por Aristóteles: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, hábito, ação e paixão.
Cada um desses é um gênero supremo no seu respectivo domínio.

Pois “substância” não está contida sob nenhum outro gênero, mas contém sob si “corpo”, “ser vivo”, “animal”, “homem” e assim por diante.
E “qualidade” contém “cor”, “sabor”, “figura”, “virtude”, “ciência” etc.
E o mesmo vale para os demais predicamentos.

Assim, os gêneros supremos correspondem às categorias do ser, e as espécies ínfimas aos últimos tipos de natureza.

Mas, em rigor, essas divisões não existem nas coisas, e sim no intelecto, que ordena seus conceitos segundo graus de generalidade e determinação.
Pois nas coisas não há “gênero” nem “espécie”, mas apenas indivíduos que se assemelham.

E é a mente, ao abstrair da multiplicidade dos singulares, que forma o conceito de espécie; e, ao abstrair das diferenças específicas, que forma o conceito de gênero.

Logo, o gênero supremo é o conceito mais universal, e a espécie ínfima é o conceito imediatamente anterior ao singular.
O primeiro é limite da universalidade; o segundo, limite da particularidade.

E entre ambos se dispõem os demais conceitos, uns sob os outros, segundo ordem de inclusão.

E por isso se diz que:

Gens et species se habent per ordinem continuitatis intellectus.
(Gêneros e espécies se dispõem em ordem de continuidade do intelecto.)

Dessa continuidade nasce a estrutura de toda ciência, pois toda definição se compõe de gênero e diferença, e toda demonstração procede do universal ao particular.

Assim, os gêneros supremos são como o vértice da pirâmide do saber; as espécies ínfimas, sua base.
E entre o cume e a base se distribuem todas as categorias do pensamento lógico.

E basta, por ora, sobre os gêneros supremos e as espécies ínfimas.

1.25 — DE ANALOGIA ENTIS ET DE PARTICIPATIONE GENERUM]

(Da analogia do ser e da participação dos gêneros)

Depois de considerar os gêneros supremos e as espécies ínfimas, convém agora tratar da analogia do ser e da participação dos gêneros, porque a predicação dos mais universais não é sempre unívoca, mas muitas vezes analógica, e disso depende toda a estrutura da linguagem e da ciência.

Digo, portanto, que a analogia é um meio entre a univocidade e a equivocidade.
Chama-se unívoca a palavra que é dita de muitos
segundo um mesmo significado;
equívoca, a que é dita de muitos
segundo significados diversos;
analógica, a que é dita de muitos
segundo significados proporcionados entre si, isto é, segundo certa ordem e proporção a um primeiro.

Assim, “ser” (ens) é dito da substância e do acidente, mas não do mesmo modo:
— da substância, primariamente e por si;
— do acidente, secundariamente e por outro.
E, todavia, nem é equívoco nem unívoco, mas
analógico, porque há entre ambos uma certa proporção de dependência e participação.

Pois o acidente é, mas é no outro, enquanto a substância é em si mesma.
E ainda que o verbo “é” se diga de ambos, o modo de ser é diverso, e essa diversidade constitui a analogia.

Logo, a analogia é comunidade de nome com diversidade de razão, isto é, unidade na expressão e diferença na significação.

Por conseguinte, todos os gêneros supremos se participam entre si segundo certa analogia, porque cada um deles exprime um modo de ser, e todos se referem ao ente comum.
A “quantidade”, a “qualidade”, a “relação”, o “lugar”, o “tempo”, a “ação” e a “paixão” são ditos “entes”, mas segundo o modo de sua própria categoria e
por ordenação à substância, que é o ser primeiro e fundamento de todos.

Assim, o ser é dito de muitos por prioridade e posteridade, não por igualdade de significação.
A substância é o “ser primeiro”, o acidente é “ser segundo”, e assim o nome “ser” conserva unidade analógica.

E essa analogia não é mera convenção da linguagem, mas fundada na própria estrutura do real, pois todas as coisas se ordenam de algum modo a um primeiro ser, de quem recebem sua razão de ente.

Mas é preciso distinguir entre dois modos de analogia:
de atribuição, quando o nome é dito de muitos por relação a um único termo principal, como “saudável” é dito do homem, do alimento e da urina;
de proporção, quando é dito de muitos conforme uma proporção semelhante, como “ver” se diz do corpo e da mente, porque assim como o olho vê o visível, a mente entende o inteligível.

O nome “ser” é analógico de ambos os modos:
— por atribuição, porque tudo se refere ao primeiro ser;
— e por proporção, porque cada coisa é ser conforme o modo de sua essência.

E por isso Aristóteles, no livro IV da Metafísica, diz que “o ser se diz de muitos de modos diversos, mas todos se ordenam a um só princípio”.

E, portanto, a participação dos gêneros não é real, mas lógica e proporcional:
os gêneros se dizem uns dos outros não por identidade, mas por semelhança e ordenação.

Pois “quantidade”, “qualidade” e “relação” participam do “ser”, não como partes de uma essência comum, mas como modos distintos que dependem de um mesmo princípio.

Assim, toda a hierarquia dos gêneros é análoga:
o “ente” é comum a todos, mas cada gênero o possui segundo seu próprio modo de significação.

E dessa analogia do ser decorre a analogia de todos os outros predicáveis, pois cada termo universal se aplica a seus inferiores não por univocidade perfeita, mas segundo proporção de significado.

Assim, o nome “animal” é dito de “homem” e de “cavalo” univocamente;
mas o nome “ente” é dito de “substância” e de “acidente” analogicamente.

E, todavia, a analogia basta para o discurso científico, porque, embora a significação varie segundo proporção, permanece certa unidade de razão ordenada ao primeiro sentido.

E é isso que distingue a analogia verdadeira da pura equivocação.
O equívoco divide sem ordem; a analogia distingue com proporção.

Logo, a participação dos gêneros é modo de analogia, e a analogia do ser é o princípio supremo de toda predicação universal.

E assim se deve entender que:

— O “ente” é dito de tudo, mas não do mesmo modo;
— Todo gênero participa do ser, mas segundo sua própria categoria;
— A unidade do ser é de ordem, não de essência.

E é por essa analogia que a razão humana pode falar de Deus e das criaturas, das substâncias e dos acidentes, das causas e dos efeitos, sob o mesmo nome “ser”, sem cair em contradição.

Pois o nome é o mesmo, mas a razão é diversa e proporcional.

E basta, por ora, sobre a analogia do ser e a participação dos gêneros.

[1.26 — DE MODIS PRAEDICATIONIS SECUNDUM ANALOGIAM ET UNIVOCATIONEM]

(Dos modos de predicação segundo a analogia e a univocidade)

Depois de haver tratado da analogia do ser e da participação dos gêneros, convém agora considerar os modos de predicação, porque toda ciência consiste em ordenar conceitos de maneira verdadeira, e essa verdade depende do modo como um é afirmado do outro.

Digo, portanto, que há duas espécies principais de predicação: a unívoca e a analógica.

A predicação unívoca ocorre quando o predicado se diz de muitos segundo um mesmo conceito e uma mesma razão de ser.
Assim, “animal” é dito univocamente de “homem” e de “boi”, porque em ambos significa a mesma natureza sensitiva e viva.
E “substância” é dita univocamente de “homem” e de “pedra”, porque em ambos significa o que é em si e não em outro.

Logo, a univocidade requer identidade de razão formal e igualdade de significação.

A predicação analógica, ao contrário, ocorre quando o predicado se diz de muitos não segundo a mesma razão, mas segundo proporção ou ordem a um primeiro.
Assim, “ser” se diz de “substância” e de “acidente”; “saudável” se diz do “homem” e do “alimento”; “bom” se diz de “Deus” e das criaturas.
Em todos esses casos há unidade de nome, mas diversidade de sentido proporcional.

Portanto, na predicação analógica, a unidade é de ordem, não de essência.
E a analogia pode ser considerada de dois modos:
de atribuição, quando todos os sujeitos se referem a um termo principal;
de proporção, quando o predicado se aplica conforme uma relação de semelhança proporcional.

O nome “saudável” é analógico por atribuição, porque tudo o que é dito “saudável” o é por relação ao corpo doente ou são;
mas o nome “ver” é analógico por proporção, porque o ver corporal e o ver intelectual são distintos, mas análogos pela relação entre potência e objeto.

E da mesma forma o nome “ser” é analógico em ambos os sentidos:
é dito por atribuição, porque todos os entes dependem do primeiro ser;
e por proporção, porque cada coisa é ente conforme o modo de sua essência.

Logo, toda analogia é predicação ordenada, e toda univocidade é predicação idêntica.

Mas deve-se advertir que a ciência se serve de ambos os modos:
— da
univocidade, para o rigor da demonstração e da definição;
— da
analogia, para a comunicação entre ordens distintas do ser.

Pois a univocidade dá clareza, a analogia dá amplitude.
A primeira é necessária à precisão do discurso científico; a segunda, à correspondência com a realidade complexa do mundo.

Assim, o filósofo, ao definir, fala univocamente; mas, ao considerar as causas e proporções, fala analogicamente.
Por isso a metafísica, tratando do ser enquanto ser, usa linguagem analógica, pois o ser se diz de muitos de modos diversos, todos ordenados a um primeiro.

Deve-se também distinguir quatro modos de predicação, conforme a natureza da relação entre sujeito e predicado:

1.      Predicação essencial (per essentiam), quando o predicado exprime a própria natureza do sujeito, como “o homem é animal”;

2.      Predicação acidental (per accidens), quando exprime algo que pode estar ou não no sujeito, como “o homem é branco”;

3.      Predicação causal, quando o predicado designa a causa do sujeito, como “Deus é criador”;

4.      Predicação proporcional, quando o predicado é aplicado segundo relação de semelhança, como “Deus é luz” e “a alma é luz”.

Esses quatro modos se reduzem aos dois primeiros — unívoco e analógico —, pois a predicação essencial é unívoca, e as predicações causal e proporcional são analógicas.

E é por isso que se diz que o discurso lógico se move entre dois polos: o da identidade conceitual e o da proporção significativa.
Entre esses polos se dá toda a variação da linguagem racional.

Logo, o verdadeiro filósofo distingue sempre o modo de predicação antes de afirmar algo, porque a confusão entre o unívoco e o analógico é causa de muitos erros, especialmente quando se fala de Deus, da alma e das substâncias espirituais.

Pois o nome “ser”, dito de Deus e das criaturas, é analógico:
— em Deus, significa o ser absoluto e necessário;
— nas criaturas, o ser participado e contingente.

E, portanto, aquele que toma o nome “ser” univocamente entre ambos, comete erro de proporção e cai no antropomorfismo;
mas aquele que o toma equivocamente, nega a possibilidade de qualquer conhecimento de Deus.
Somente a analogia preserva a verdade e o equilíbrio entre unidade e diferença.

E é por isso que a analogia é o vínculo da linguagem filosófica e teológica, pois permite falar com verdade de realidades desiguais sem confundir suas ordens.

Assim, a univocidade pertence à lógica científica; a analogia, à lógica metafísica.
Ambas se necessitam: sem a univocidade não há ciência, sem a analogia não há sabedoria.

E basta, por ora, sobre os modos de predicação segundo a analogia e a univocidade.

[1.27 — DE NOMINIBUS TRANSCENDENTALIBUS: ENS, UNUM, VERUM, BONUM]

(Dos nomes transcendentais — ente, um, verdadeiro e bom)

Depois de ter falado dos gêneros e das espécies e da analogia da predicação, convém agora considerar os nomes transcendentais, porque eles se dizem de tudo o que é, ultrapassando toda divisão dos predicamentos.

Digo, portanto, que os nomes transcendentais são aqueles que se estendem a tudo o que é, e que não constituem gêneros, mas modos universais de significação do ente.

E são principalmente quatro: ente, um, verdadeiro e bomens, unum, verum, bonum.

Esses nomes exprimem as primeiras concepções do intelecto, e não derivam de nenhuma abstração posterior.
Com efeito, o primeiro conceito que a mente forma é o de
ente, porque nada pode ser pensado sem que seja pensado como algo que é.

Logo, o ente é o transcendental primeiro e fundamental, do qual todos os outros dependem.
E os demais — unum, verum, bonum — não significam outra coisa senão o mesmo ente sob diversos aspectos:
unum designa o ente
quanto à sua indivisão;
verum, quanto à sua
conformidade com o intelecto;
bonum, quanto à sua
ordenação ao apetite.

Assim, não há diversidade real entre eles, mas apenas diversidade de razão.

Pois o que é, é uno enquanto indiviso; é verdadeiro enquanto inteligível; é bom enquanto desejável.
E, portanto, o
ente, o uno, o verdadeiro e o bom são convertíveis entre si, isto é, aplicam-se às mesmas coisas, embora exprimam razões diferentes.

Logo, tudo o que é, é um; tudo o que é, é verdadeiro; tudo o que é, é bom.
Mas o modo de predicação é distinto:
ens exprime a essência da realidade;
unum exprime sua integridade;
verum exprime sua relação com o intelecto;
bonum exprime sua relação com o desejo.

Esses quatro transcendentais são como as quatro faces do mesmo ser, vistas sob diversas luzes.
E é por isso que os antigos diziam:

Ens et unum convertuntur secundum rem, sed differunt secundum rationem;
(O ente e o uno são idênticos quanto à realidade, mas diferentes quanto à razão.)

O mesmo se deve dizer do verdadeiro e do bom:
são o mesmo que o ente, mas significam-no sob aspectos diversos.

O unum exclui a divisão;
o verum exclui o erro;
o bonum exclui a falta e o mal.

E cada um deles implica certa perfeição:
— o unum a perfeição da unidade;
— o verum a perfeição do intelecto;
— o bonum a perfeição da vontade.

Mas nenhum deles é forma ou acidente acrescentado ao ser: são apenas modos de significar o mesmo ser sob diversas relações.

E é por isso que se chamam transcendentais, porque transcendem os gêneros e categorias, não sendo confinados a nenhuma delas.

Pois o “ente” se diz de substância e acidente, de ato e potência, de causa e efeito, de Deus e das criaturas, de real e de possível.
E o mesmo ocorre com o “uno”, o “verdadeiro” e o “bom”: aplicam-se a tudo o que é, embora diversamente.

Logo, esses nomes são comuns a tudo, mas não unívocos: dizem-se segundo analogia de proporção e de atribuição.
Assim, o “bom” se diz de Deus e das criaturas, mas não no mesmo sentido; contudo, há entre ambos uma relação ordenada à fonte de toda bondade.

E o mesmo se aplica ao “verdadeiro”: o intelecto humano participa da verdade divina conforme o grau de sua capacidade de conhecer.
Por isso, toda verdade criada é participação da Verdade primeira, e todo bem criado é participação do Bem supremo.

Mas, no plano lógico, esses transcendentais são considerados como conceitos puramente formais, comuns a tudo o que pode ser pensado.
E, nesse sentido, constituem o ponto mais alto da universalidade e o fundamento da linguagem racional.

Por conseguinte, todo discurso começa no “ente” e termina no “bem”:
— o “ente” é o princípio da inteligência;
— o “um”, o princípio da distinção;
— o “verdadeiro”, o princípio da ciência;
— o “bom”, o princípio da ação.

E é nesse sentido que os filósofos dizem que toda a ordem do saber e da vida se funda nos transcendentais.

Pois, pela verdade, o intelecto se eleva à contemplação;
pelo bem, a vontade se ordena à perfeição;
e pela unidade, a alma participa da simplicidade do ser.

Assim, no ens está a origem;
no unum, a consistência;
no verum, a luz;
no bonum, a finalidade.

E basta, por ora, sobre os nomes transcendentais — ente, uno, verdadeiro e bom.

[1.28 — DE OPPOSITIONE TRANSCENDENTIUM AD NIHIL ET AD MALUM]

(Da oposição dos transcendentais ao nada e ao mal)

Depois de expor o que são os nomes transcendentais, é necessário agora mostrar a que se opõem; pois toda noção universal se determina por oposição ao seu contrário.

Digo, portanto, que o ente se opõe ao nada; o um, à divisão; o verdadeiro, ao falso; e o bom, ao mal.
Essas oposições são proporcionais, pois cada transcendental implica uma perfeição, e seu oposto, uma privação dessa mesma perfeição.

Com efeito, o ente significa o que é; o nada, o que absolutamente não é.
O
um significa a indivisão; a divisão, a separação do que deveria permanecer unido.
O
verdadeiro significa a conformidade do intelecto com a coisa; o falso, sua dissonância.
O
bom significa o que é desejável e conforme ao fim; o mal, o que é deficiente e contrário à ordem do fim.

Logo, cada transcendental tem seu contrário proporcional:

Ens opponitur nihilo sicut affirmatio negationi;
Unum opponitur divisioni sicut perfectio privationi;
Verum opponitur falso sicut rectitudo deviationi;
Bonum opponitur malo sicut plenitudo defectui.

E deve-se notar que, entre essas oposições, somente a primeira é absoluta, as outras são relativas.
Pois o nada é pura negação do ser, mas o mal, o falso e a divisão são
deficiências em algo que é.

Assim, o nihil não tem sujeito; o malum tem.
O nada é
negação total do ser; o mal é negação parcial do bem.
O nada é
ausência absoluta; o mal é carência relativa.

E por isso o mal não é algo real, mas privação de perfeição em algo que deveria possuí-la.
Pois, como ensina o Filósofo, “o mal não é substância, mas acidente de privação”.

Logo, não há causa eficiente do mal enquanto mal, mas apenas causa deficiente, isto é, defeito de ordem na operação.
Pois todo agente, enquanto age, tende ao bem; mas, se falha no modo, causa o mal.

Assim, o mal é dependente do bem, e não pode existir senão nele e por ele.
O bem é afirmativo; o mal, parasitário.
O ser é primeiro; o nada, segundo e relativo ao ser.

E essa dependência se estende aos outros contrários transcendentais:
— a falsidade não é algo por si, mas a ausência de conformidade na verdade;
— a divisão não é algo real, mas ausência de unidade;
— e o nada, enfim, não é, mas é dito por relação ao ser.

Logo, todos os contrários dos transcendentais são negações e privações, e não entes positivos.

Dessa forma, a estrutura do real é assimétrica:
— o ser é afirmativo, o nada é negativo;
— a unidade é perfeição, a divisão é dissolução;
— a verdade é adequação, o erro é deformação;
— o bem é plenitude, o mal é falta.

E é por isso que o mal, o erro e o nada não têm existência própria:
são
limites do ser, sombreamentos da luz ontológica,
como a sombra depende da luz que a produz e do corpo que a intercepta.

Portanto, o mal e o erro só existem enquanto o ser é imperfeito, e o nada, enquanto o ser é finito.
E, se o ser primeiro é perfeito e infinito, nele não há lugar para o mal, o erro ou a divisão.

E assim se compreende que todos os contrários dos transcendentais são derivados, dependentes e parasitas da positividade do ser.
O mal não se sustenta por si, mas pela deformação do bem;
o falso não subsiste, mas pela corrupção da verdade;
o nada não é, senão por relação ao ser.

E por isso, em Deus — que é o ser absoluto, a unidade suprema, a verdade pura e o bem infinito —, nenhum desses contrários tem lugar.
Mas nas criaturas, compostas e limitadas, há possibilidade de divisão, de erro e de mal, porque nelas o ser é participado, e toda participação é suscetível de defeito.

Logo, o estudo das oposições transcendentais revela a ordem da perfeição e da corrupção no universo:
— o ser é o princípio de tudo;
— o nada, o termo da dissolução;
— o bem, o fim da criação;
— o mal, a sua deformação.

E é por isso que o universo, embora contenha males, permanece bom no todo, porque o bem é mais essencial e mais difusivo que o mal.
O bem comunica o ser; o mal o corrompe; o nada o nega.
Mas o ser e o bem são eternos, e o mal e o nada, passageiros.

E basta, por ora, sobre a oposição dos transcendentais ao nada e ao mal.

[1.29 — DE ORDINE TRANSCENDENTALIUM INTER SE]

(Da ordem dos transcendentais entre si)

Depois de mostrada a oposição dos transcendentais a seus contrários, é necessário agora determinar a ordem entre eles, pois embora todos se convertam quanto à extensão, diferem quanto à razão e à prioridade.

Digo, portanto, que entre os transcendentais — ens, unum, verum e bonum — há uma ordem de natureza e de perfeição:
— o ens é o primeiro, como fundamento;
— o unum é o segundo, como consistência;
— o verum é o terceiro, como manifestação;
— o bonum é o último, como fim.

E essa ordem corresponde às potências da alma:
— o ser, ao intelecto em sua apreensão do real;
— o uno, à razão que distingue e ordena;
— o verdadeiro, ao entendimento que julga;
— o bem, à vontade que ama.

Logo, o ens é o princípio de todos, porque nada pode ser uno, verdadeiro ou bom se não é.
O ser é o fundamento da unidade, da verdade e da bondade.
Pois dizer “é bom” ou “é verdadeiro” ou “é uno” pressupõe que algo “é”.

E por isso o ens tem prioridade de natureza e de concepção.

Em seguida vem o unum, porque tudo o que é, enquanto é, é indiviso em si e distinto dos outros.
A unidade é o primeiro atributo do ser, o selo de sua consistência.
Sem unidade, o ser se dissolveria; e, portanto, a unidade é a primeira perfeição do ser.

Depois vem o verum, porque o que é uno e consistente torna-se inteligível; e a inteligibilidade é o fundamento da verdade.
Pois o verdadeiro é o ser enquanto
correspondente ao intelecto.
E o intelecto conhece o ser porque o ser é uno e ordenado.

Por fim vem o bonum, que é o ser enquanto ordenado ao fim e desejável.
Pois o bem é o termo da perfeição, a meta de todo movimento e de toda operação.

Logo, a ordem dos transcendentais é esta:

Ens est fundamentum; Unum est integritas; Verum est lumen; Bonum est terminus.
(O ser é fundamento; o uno é integridade; o verdadeiro é luz; o bem é fim.)

E por essa ordem se compreende também a estrutura da realidade:
— todo ente é, porque participa do ser;
— é uno, porque possui forma e limite;
— é verdadeiro, porque pode ser conhecido;
— é bom, porque tende à perfeição e à difusão de si.

Assim, o ens é principium essendi, o unum é principium permanendi, o verum é principium cognoscendi, e o bonum é principium appetendi.

E, portanto, os transcendentais não são termos isolados, mas graus sucessivos de manifestação do mesmo ser:
o ser, primeiro, é;
em seguida, é uno;
por ser uno, é cognoscível;
por ser cognoscível, é amável.

Dessa maneira, o itinerário do ser repete-se na alma racional:
a mente percebe o ser, reconhece a unidade, contempla a verdade e deseja o bem.

E essa progressão reflete a própria ordem do universo, em que tudo procede do ser primeiro e retorna a ele como bem supremo.

Por isso, os filósofos disseram que o ser é causa material dos transcendentais,
a unidade é
causa formal,
a verdade é
causa exemplar,
e o bem é
causa final.

Pois o ser é a matéria comum de tudo o que é;
a unidade é a forma que o determina;
a verdade é o modelo que o orienta;
e o bem é o fim que o atrai.

Assim, o círculo se fecha:
o ser gera a unidade;
a unidade torna o ser inteligível;
a inteligibilidade o converte em verdade;
e a verdade o move à bondade.

E, desse modo, o universo é compreendido como ordem do ser em direção ao bem,
em que toda coisa tende a sua perfeição pela luz da verdade e pela consistência da unidade.

E é por isso que se diz que:

Bonum est diffusivum sui,
(O bem é difusivo de si),
porque o bem, como fim último do ser, é princípio de toda comunicação e de toda criação.

Portanto, a hierarquia dos transcendentais é a imagem da ordem do real:
o ser é o ato primeiro;
a unidade, sua coesão;
a verdade, sua luz;
o bem, sua consumação.

E, em Deus, todos esses transcendentais são idênticos:
nele, ser, unidade, verdade e bondade são uma só e mesma perfeição infinita.
Nas criaturas, porém, distinguem-se segundo diversos modos de participação.

Logo, toda multiplicidade deriva de uma unidade primeira,
toda inteligibilidade procede da verdade primeira,
e todo amor do bem primeiro.

E por isso, o retorno de todas as coisas a Deus se faz segundo essa mesma ordem:
pelo ser, são;
pela unidade, subsistem;
pela verdade, se conhecem;
pelo bem, se unem novamente à sua origem.

E basta, por ora, sobre a ordem dos transcendentais entre si.

[1.30 — DE ORDINE PRAEDICAMENTORUM AD TRANSCENDENTIA]

(Da ordem dos predicamentos em relação aos transcendentais)

Depois de estabelecida a ordem entre os transcendentais, convém agora mostrar como os predicamentos se relacionam com eles, pois toda a lógica e a metafísica dependem dessa relação.

Digo, portanto, que os transcendentaisens, unum, verum, bonum — são anteriores aos predicamentos tanto quanto à natureza quanto ao conhecimento,
porque os transcendentais exprimem o ser
sem limitação,
ao passo que os predicamentos exprimem o ser
sob modos determinados.

Pois o ens se diz de tudo, mas os predicamentos se dizem apenas de certas ordens do ser.
Assim, o ens é
universalíssimo, os predicamentos, particulares.

Logo, os transcendentais são comuns a todas as categorias, e não se contêm em nenhuma.
O ser é dito de substância e de acidente, de ato e de potência, de causa e de efeito, de Deus e das criaturas;
mas cada predicamento é dito apenas de uma classe de entes.

E, portanto, o ens é comum por analogia, enquanto os predicamentos são diversos por gênero.
O ens é o todo do qual os predicamentos são partes segundo modos de significação.

Assim, o ser enquanto substância é “ser em si”;
o ser enquanto acidente é “ser em outro”.
E dessa distinção nasce a divisão dos dez predicamentos, conforme o modo de dependência ou independência do ser.

Por isso Aristóteles, ao ordenar as categorias, começa pela substância e termina pela paixão, mostrando que o ser se distribui segundo uma escala de perfeição:
— o mais perfeito é o que é em si;
— o menos perfeito, o que é em outro.

Logo, os predicamentos são diferenças do ser segundo o modo de existir,
e os
transcendentais, unidades do ser segundo o modo de significar.

Os transcendentais são comuns e indiferenciados,
os predicamentos,
distintos e determinados.
Os primeiros são
modos lógicos do ser;
os segundos,
modos ontológicos da existência finita.

E é por isso que os transcendentais não se opõem entre si, mas se convertem;
enquanto os predicamentos se excluem mutuamente, pois nenhuma coisa é simultaneamente substância e quantidade segundo o mesmo aspecto.

Portanto, entre transcendentais e predicamentos há relação de fundamento e determinação:
— os transcendentais fundamentam a inteligibilidade do ser;
— os predicamentos determinam seus modos finitos de manifestação.

Assim, o ens é comum a todos os predicamentos, mas se especifica diversamente em cada um:
— como substantia, o ser subsiste;
— como quantitas, o ser se mede;
— como qualitas, o ser se determina;
— como relatio, o ser se ordena;
— como locus, o ser se situa;
— como tempus, o ser se move;
— como situs, o ser se dispõe;
— como habitus, o ser se reveste;
— como actio, o ser age;
— como passio, o ser padece.

E todos esses modos são verdadeiros modos de ser, mas derivados e subordinados ao ser enquanto tal.

Assim, o ens transcendens é indivisum in se, et divisum in praedicamenta secundum modum entitatis — indiviso em si mesmo, mas dividido nos predicamentos conforme o modo do ente.

Logo, pode-se dizer que:

Praedicamenta sunt modi entis; transcendentalia, rationes entis.
(Os predicamentos são modos do ser; os transcendentais, razões do ser.)

E é justamente essa distinção que permite à metafísica e à lógica cooperarem:
— a lógica considera o ser quanto ao modo de significar;
— a metafísica, quanto ao modo de existir;
— e ambas se fundam no mesmo princípio transcendental do ens.

Por conseguinte, a ordem entre eles é esta:

1.      Os transcendentais, como razões universais do ser;

2.      Os predicamentos, como modos específicos de ser;

3.      As espécies e os indivíduos, como realizações concretas dos predicamentos.

E por essa tripla gradação — transcendental, categorial e individual — o intelecto apreende o todo do real.

Assim, tudo o que é participa do ens commune;
tudo o que se distingue pertence a algum predicamento;
e tudo o que existe singularmente se encontra na extremidade dessa hierarquia, como termo da manifestação do ser.

E é por isso que o Filósofo conclui, no livro das Categorias, que “a substância é o primeiro ente e o fundamento de todos os outros predicamentos”,
porque nela o ser é mais pleno e independente, e todos os demais só são enquanto nela se apoiam.

Portanto, os predicamentos derivam do ser, mas não o exaurem;
e o ser, por sua universalidade, transcende a toda divisão categorial.

Logo, o ens transcendens é o horizonte último do pensamento,
e os predicamentos, os caminhos pelos quais o intelecto o percorre e o exprime.

E basta, por ora, sobre a ordem dos predicamentos em relação aos transcendentais.

[1.31 — DE ORDINE LOGICAE AD METAPHYSICAM]

(Da ordem da Lógica em relação à Metafísica)

Depois de mostrar a ordem dos predicamentos em relação aos transcendentais, resta agora esclarecer de que modo a Lógica se ordena à Metafísica, pois entre ambas há conexão necessária, e o erro em uma repercute na outra.

Digo, portanto, que a Lógica e a Metafísica se distinguem quanto ao objeto formal, mas concordam quanto ao objeto material.
Pois ambas tratam do ente, mas
a Lógica o considera enquanto significável e cognoscível,
enquanto a Metafísica o considera enquanto real e existente.

Logo, o mesmo ente é objeto de ambas, mas sob aspectos diversos:
— a Lógica, enquanto signo e razão;
— a Metafísica, enquanto natureza e substância.

E é por isso que a Lógica é dita instrumentum scientiarum, porque ordena o intelecto a conceber e a julgar corretamente o que as demais ciências investigam realmente.

A Lógica, portanto, é prévia quanto ao exercício, mas posterior quanto à dignidade:
precede todas as ciências no modo de aprender,
mas segue todas no modo de ser.

Pois ninguém pode filosofar sem antes saber raciocinar,
assim como ninguém pode construir sem antes conhecer as proporções da arte.

Logo, a Lógica é via, e a Metafísica é término;
a primeira forma o instrumento do intelecto; a segunda lhe dá o objeto supremo.

E é por isso que Aristóteles, no Organon, ensinou primeiro a Lógica antes de tratar da natureza e do ser,
porque o intelecto deve ser purificado e ordenado antes de subir às coisas mais altas.

A Lógica, portanto, é speculum intellectus, o espelho pelo qual a mente se conhece a si mesma;
a Metafísica é
speculum entis, o espelho pelo qual a mente conhece o ser.

Na Lógica, o intelecto reflete o modo de seu operar;
na Metafísica, reflete o fundamento de tudo o que opera.

Por conseguinte, a Lógica tem como fim a verdade do discurso,
e a Metafísica,
a verdade das coisas.

A primeira busca a retidão da significação;
a segunda, a conformidade do ser à razão eterna.

Mas ambas se unem na contemplação da Verdade primeira,
pois todo juízo correto tende, ainda que de longe, à mesma luz que ilumina a essência das coisas.

E, portanto, deve-se dizer que a Lógica é à Metafísica o que a forma é à matéria:
a primeira dá o modo, a segunda dá o conteúdo;
a primeira ordena o pensar, a segunda consuma o conhecer.

A Lógica prepara o caminho pela análise e pela distinção;
a Metafísica o cumpre pela síntese e pela unificação.

E é por isso que o Filósofo chama a Lógica de scientia rationalis,
e a Metafísica de
scientia divina,
porque a primeira se ocupa do movimento do intelecto,
e a segunda, da ordem eterna do ser.

Assim, a Lógica serve à Metafísica como serva à rainha,
pois dispõe o entendimento para o exercício da sabedoria,
purifica-o das confusões do discurso e o conduz à contemplação do princípio.

Pois quem raciocina bem, ainda não conhece o ser;
mas quem não raciocina bem, jamais o conhecerá.

Logo, a Lógica é necessária como prelúdio da metafísica,
mas deve saber o seu limite, para não transformar a estrutura do pensar em substituto do próprio ser.

E é precisamente aqui que muitos filósofos erraram:
uns, tomando o raciocínio como medida do real;
outros, tomando o real como mera projeção do raciocínio.

O primeiro erro é o racionalismo; o segundo, o empirismo bruto.
Ambos esquecem que a Lógica é formal e relativa,
e que só na Metafísica o intelecto alcança o que é por si mesmo.

Por isso, deve-se guardar a justa proporção:
a Lógica governa o ato de pensar;
a Metafísica governa o objeto pensado.
E quando ambas se unem, nasce a ciência plena.

E é por essa união que o homem se torna verdadeiramente sábio:
quando seu pensamento é ordenado pela Lógica
e iluminado pela Metafísica.

Logo, pode-se dizer que:

Logica est ordo rationis; Metaphysica est ordo entis.
(A Lógica é a ordem da razão; a Metafísica, a ordem do ser.)

E essa dupla ordem é o reflexo, na mente humana, da harmonia do cosmos:
pois o mundo é racional porque foi criado pelo Verbo,
e o intelecto é metafísico porque foi feito à sua imagem.

E basta, por ora, sobre a ordem da Lógica em relação à Metafísica.

TABULA CAPITULORUM SUMMAE LOGICAE

PARS I — DE TERMINIS

1.01. De definitione termini et eius divisione in generali
1.02. De divisione termini et quod diversimode potest accipi hoc nomen 'terminus' in speciali
1.03. De divisione termini incomplexi
1.04. De divisione terminorum in categorematicos et syncategorematicos
1.05. De divisione nominis per concretum et abstractum
1.06. Quod nomen concretum et abstractum aliquando idem significant
1.07. Utrum huiusmodi nomina concreta et abstracta sint synonyma
1.08. De nominibus abstractis quae aequivalenter aliqua syncategoremata coincludunt
1.09. De nominibus concretis et abstractis quorum abstracta non supponunt nisi pro multis
1.10. De divisione nominum in mere absoluta et connotativa
1.11. De divisione nominum significantium ad placitum: prima et secunda impositio
1.12. Quid est intentio prima et quid secunda, et quomodo distinguuntur
1.13. De nominum et terminorum aequivocatione et univocatione
1.14. De universali et singulari
1.15. Quod universale non est aliqua res extra animam
1.16. De opinione circa esse universalis: contra Scotum
1.17. De solutione dubiorum contra praedicta
1.18. De quinque universalibus et eorum sufficientia
1.19. De individuo quod continetur sub quolibet universali
1.20. De genere
1.21. De specie
1.22. De comparatione generis et speciei
1.23. De differentia
1.24. De proprio
1.25. De accidente
1.26. De definitione et eius modis
1.27. De hoc nomine “descriptio”
1.28. De definitione descriptiva
1.29. De istis terminis “definitum” et “descriptum”
1.30. De isto termino “subiectum”
1.31. De isto termino “praedicatum”
1.32.
De fine totius Logicae

[1.32 — DE FINE TOTIUS LOGICAE]

(Do fim último de toda a Lógica)

Depois de considerar o lugar da Lógica entre as ciências e sua relação com a Metafísica, resta agora determinar o fim de toda a Lógica, isto é, a razão por que foi instituída e qual perfeição comunica à mente humana.

Digo, portanto, que o fim da Lógica é duplo: imediato e último.

O fim imediato é a ordenação da razão;
o fim último é
a consecução da verdade, mediante a qual a alma participa da luz divina.

Com efeito, a Lógica foi instituída para que o intelecto humano — instável por natureza e sujeito a erro — seja conduzido, por meio de regras certas e universais, ao conhecimento verdadeiro das coisas.

Pois, assim como a gramática ordena a voz e a retórica ordena o discurso,
assim a Lógica ordena o pensamento.
E como a voz é instrumento da razão e o discurso é imagem do pensamento,
assim também a Lógica é a
forma da intelecção.

Por isso Aristóteles a chamou “via da verdade”, e Averróis, “instrumento do discernimento entre o verdadeiro e o falso”.
Pois nada há na mente humana que não dependa, em alguma medida, de seu modo de pensar;
e o pensar reto é impossível sem a arte lógica.

Assim, a Lógica purifica o intelecto das trevas da confusão,
modera o ímpeto da imaginação,
restringe o juízo precipitado,
e o eleva, por ordem e distinção, à contemplação do verdadeiro.

Por essa razão, pode-se dizer que a Lógica é a ascese da razão,
assim como a moral é a ascese da vontade.
A primeira corrige o erro;
a segunda, o vício.
E ambas se ordenam ao mesmo fim: o bem e a verdade.

O homem, enquanto racional, participa da luz do Verbo, que é a Verdade eterna.
Logo, o exercício da Lógica é uma
participação racional na sabedoria divina,
pois é pela correção do discurso que a mente humana se torna imagem do Verbo criador.

Com efeito, todas as coisas foram feitas por meio da Palavra;
e, portanto, quando o homem raciocina ordenadamente, ele
imita, em proporção humana, o modo divino de conhecer — simples, verdadeiro e necessário.

Assim, o fim último da Lógica é restaurar no homem a forma do intelecto ordenado,
que nele se obscureceu pela dispersão dos sentidos e pela desordem das paixões.

A Lógica reconduz a alma à unidade interior,
fazendo-a retornar da multiplicidade das opiniões à simplicidade da verdade.

Pois toda confusão nasce da ignorância do princípio e da precipitação do juízo;
e a Lógica, como arte do discernimento, ensina a cada termo seu lugar,
a cada proposição sua forma,
a cada inferência sua medida.

Por isso, os antigos diziam que a Lógica é a medicina da mente:
cura os raciocínios enfermos, ordena os movimentos da razão e fortalece a inteligência para suportar a luz das ciências superiores.

E porque nada se pode conhecer sem uma forma do conhecer,
a Lógica é o fundamento formal de toda ciência.
Sem ela, o entendimento é como o olho enfermo diante do sol;
com ela, torna-se espelho da verdade.

Assim, o fim da Lógica é duplo:
prático, porque dirige o discurso e evita o erro;
contemplativo, porque conduz o intelecto à visão ordenada da verdade.

No primeiro aspecto, é instrumento;
no segundo, é participação da sabedoria.

E, portanto, embora seja serva das ciências inferiores, é também mãe da ciência verdadeira,
porque ensina o modo de buscar e o modo de afirmar — modus inveniendi et modus iudicandi.

E é por isso que quem domina a Lógica não apenas raciocina corretamente,
mas
vive segundo a razão, pois a ordem do pensar se reflete na ordem do agir.

Assim, a Lógica é o primeiro passo da sabedoria e o último da ignorância.
Ela abre a via do entendimento e fecha o caminho da confusão.

E aquele que a cultiva, mesmo sem alcançar todas as ciências,
participa da luz que nelas resplandece,
porque sua mente se tornou proporcional à verdade.

Logo, o fim da Lógica é a retidão do intelecto e a conformidade da razão com o ser.
E, nesse sentido, o lógico perfeito é aquele cuja mente, purificada pela distinção e pela ordem, reflete o universo como um espelho sem turvação.

Por isso, como escreve Boécio:

“Logica est ars bene disserendi, et per eam mens humana Deum imitatur.”
(A Lógica é a arte de bem raciocinar, e por ela a mente humana imita a Deus.)

E é por isso que a Summa Logicae, embora trate de palavras e conceitos,
tem como fim a sabedoria, não o mero discurso.

Pois a sabedoria não consiste em falar bem,
mas em
pensar conforme o ser;
e o ser, por sua vez, é o reflexo da Verdade eterna.

Assim se conclui que a Lógica é o caminho da alma em direção ao Logos,
e seu fim não é outro senão o retorno da razão à sua fonte —
àquela Luz que ilumina todo homem que vem a este mundo.

E basta, por ora, sobre o fim último de toda a Lógica.

[1.33 — DE ISTO TERMINO “SIGNIFICARE”]

(Sobre o termo “significar”)

O termo “significar” é tomado de muitos modos entre os lógicos.

De um modo, diz-se que um signo significa alguma coisa quando supõe ou está disposto por natureza a supor por ela;
isto é, de tal maneira que, de um pronome que a demonstre, o nome se predique por meio do verbo est.

Assim, “branco” (album) significa Sócrates; pois é verdadeira a proposição: “este é branco”, apontando para Sócrates.
Do mesmo modo, “racional” significa “homem”; pois é verdadeira: “este é racional”, demonstrando o homem.
E o mesmo vale para muitos outros nomes concretos.

De outro modo, “significar” é tomado quando o signo, em alguma proposição de tempo passado, futuro ou presente, ou em qualquer proposição verdadeira de modo, pode supor por aquilo que pode ser.
Assim, “branco” não significa apenas o que agora é branco, mas também o que
pode ser branco.
Pois, na proposição “o branco pode correr”, tomando o sujeito por aquilo que pode ser, o termo “branco” supõe pelas coisas que podem ser brancas.

Tomando “significar” no primeiro modo, e o significatum que lhe corresponde, a simples mudança da coisa frequentemente faz com que a voz ou o conceito cesse de significar o que antes significava — isto é, algo deixa de ser significado que antes o era.
Tomando “significar” no segundo modo, a simples mudança das coisas exteriores
não faz com que a voz ou o conceito perca seu significado.

De outro modo, “significar” se toma quando algo é dito ser significado por aquilo de que a voz foi imposta, ou pelo que se entende no conceito ou na voz principal.
Assim, dizemos que “branco” significa
brancura, porque “brancura” significa a brancura,
embora o signo “branco” não suponha por essa brancura.
Do mesmo modo, “racional”, enquanto diferença, significa
alma intelectiva.

De outro modo ainda, “significar” se toma no sentido mais amplo, quando qualquer signo —
que é naturalmente parte de uma proposição, ou apto a ser proposição ou oração — importa algo, seja principal ou secundariamente,
em sentido direto ou oblíquo, afirmativa ou negativamente.

Assim, “cego” significa “visão”, mas negativamente;
“imaterial” significa “matéria”, mas também negativamente;
“nada” ou “não-algo” significa algo, porém
por negação.
Deste modo de significar fala Anselmo em De casu diaboli.

Portanto, significar, em algum desses modos, compete a todo universal.
Pois, segundo Damasceno em sua Lógica, cap. 48,

Universale est quod multa significat, ut “homo”, “animal”.
(O universal é aquilo que significa muitos, como “homem”, “animal”.)

Com efeito, todo universal ou significa muitos no primeiro modo, ou no segundo;
porque todo universal é predicado de muitos — quer em proposição de presente, passado ou futuro, ou modal.

Daí se vê o erro daqueles que dizem que a voz “homem” não significa todos os homens.
Pois, como este universal “homem”, segundo o Doutor supracitado, significa muitos,
e não significa coisas que não sejam homens,
é necessário que
signifique muitos homens.
E isso deve ser concedido, pois nada é significado por “homem” senão o homem —
e não mais um homem do que outro.

[1.34 — DE ISTO TERMINO “DIVIDI”]

(Sobre o termo “dividir”)

“Dividir” (dividere) é tomado, entre os lógicos, de vários modos.

Primeiro, dividir significa distinguir ou separar, não no sentido físico da divisão da matéria, mas no sentido intelectual, pelo qual a mente separa em pensamento aquilo que na realidade é uno segundo o ser.
Assim, dividimos o gênero em espécies, a espécie em indivíduos, a definição em partes essenciais, o todo em suas partes integrais.

A divisão, portanto, é um ato do intelecto, pelo qual se conhecem as diferenças e se mantém a ordem das coisas segundo a razão.

Diz-se, portanto, que o gênero se divide em suas espécies, quando se distribuem as formas sob um conceito comum,
como “animal” em “racional” e “irracional”,
“substância” em “corpórea” e “incorpórea”,
“quantidade” em “contínua” e “discreta”.

Do mesmo modo, diz-se que a espécie se divide em seus indivíduos,
como “homem” em “Sócrates”, “Platão”, “Aristóteles”.

De outro modo, “dividir” se toma quando a definição se distingue por suas partes essenciais,
como quando dizemos que “homem” se divide em “animal” e “racional”,
isto é, em gênero e diferença.

De outro modo ainda, “dividir” é tomado quando uma proposição ou enunciado é analisado segundo suas partes,
como quando o lógico divide a proposição em sujeito, cópula e predicado,
ou quando divide um silogismo em suas premissas e conclusão.

Dessa forma, a divisão pertence a toda a ordem lógica,
pois a Lógica é a ciência da distinção e da ordenação.

Logo, dividir é um ato próprio do intelecto discursivo,
pelo qual se conhecem as partes sem destruir o todo,
e se ordenam os conceitos segundo a sua extensão e compreensão.

Com efeito, toda ciência começa pela definição e se aperfeiçoa pela divisão,
porque a definição mostra o que a coisa é,
e a divisão mostra
como ela se ordena no universo do ser.

Por isso, Aristóteles, no De Partibus Animalium, ensina que “dividir é conhecer”,
pois o conhecimento não se dá sem distinção das causas e das formas.

Assim, na ordem lógica, há quatro principais modos de divisão:

1.      Divisão do gênero em espécies, como “corpo” em “animado” e “inanimado”.

2.      Divisão da espécie em indivíduos, como “homem” em “Pedro” e “João”.

3.      Divisão do todo em partes, como “linha” em “ponto”, “superfície”, “comprimento”.

4.      Divisão do conceito em notas, como “substância” em “sujeito”, “essência”, “ato de ser”.

Cada uma dessas divisões é legítima quando se faz segundo razão suficiente e sem confusão dos níveis de abstração.

Deve-se, contudo, evitar duas falhas:
— a
divisão redundante, quando uma parte repete outra em sentido diverso;
— e a
divisão deficiente, quando se omite algo que pertence à totalidade.

Logo, dividir corretamente é distinguir todas as partes do todo, sem exclusão e sem sobreposição,
o que se chama “divisão perfeita” (divisio perfecta).

Por isso, Boécio, comentando Porfírio, diz que:

“Divisio est discernere in quo plurima conveniunt et in quo differunt.”
(Dividir é discernir no que muitos convêm e no que diferem.)

E é justamente esse ato de discernimento que permite à lógica cumprir sua função:
evitar o erro da confusão e conduzir o intelecto à visão distinta das naturezas.

Assim, toda divisão verdadeira conserva a unidade do gênero,
ilustra a diferença das espécies
e manifesta a beleza da ordem que há no ser.

E basta, por ora, sobre o termo “dividir”.

[1.35 — DE ISTO TERMINO “TOTUM”]

(Sobre o termo “todo”)

O termo “todo” (totum) é tomado de muitos modos, conforme a diversidade dos modos de composição e de unidade.

Primeiro, “todo” se diz do que é composto de partes integrais,
como “casa”, “corpo”, “exército”, “animal”.
Esse todo se chama
integral, porque as partes, estando reunidas, constituem uma única substância ou realidade.
Assim, as pedras e a madeira formam a casa;
os membros, o corpo;
os soldados, o exército.

De outro modo, “todo” se diz do que é composto de partes potenciais,
isto é, de partes não simultâneas, mas sucessivas na operação ou na potência.
Assim, a alma racional é dita “toda” quanto às suas potências: intelectiva, apetitiva e vegetativa;
o tempo é dito “todo” segundo seus instantes;
o movimento, segundo suas etapas.
E esse todo se chama
potencial, porque as partes não coexistem, mas se ordenam uma à outra em ato e potência.

De outro modo, “todo” se diz do que é composto de partes universais e particulares,
como o gênero e suas espécies,
a espécie e seus indivíduos.
E esse todo se chama
universal, porque se estende a muitos pela mesma razão formal.
Assim, “homem” é todo que contém “Pedro”, “João”, “Paulo”;
“animal” é todo que contém “homem” e “cavalo”.

De outro modo ainda, “todo” se diz do que é composto de matéria e forma,
como o composto substancial, o qual, pela conjunção desses dois princípios,
possui unidade real e essência própria.
Esse todo se chama
substancial, porque é uno por natureza e não apenas por ordem.

De outro modo, “todo” se diz do que é composto de ato e potência,
ou de causa e efeito,
ou de essência e existência,
e esse todo se chama
metafísico, porque a unidade não é de partes reais, mas de princípios que se implicam mutuamente.

Logo, pode-se distinguir quatro principais modos de totalidade:

1.      Totum integrale — o todo das partes materiais.

2.      Totum universale — o todo das espécies e indivíduos.

3.      Totum essentiale — o todo da matéria e da forma.

4.      Totum potentiale — o todo das potências ou operações.

Essas distinções se encontram já em Boécio e nos Comentários de Porfírio,
e são retomadas por Tomás de Aquino, In Metaphysicorum, livro V.

Digo, portanto, que em todos esses modos o termo “todo” é relativo às partes;
pois nada se chama “todo” senão em relação ao que dele participa ou nele está contido.

Por isso, todo e parte são correlativos:
o todo não se entende sem a parte,
nem a parte sem o todo.

Mas essa correlação é diversa conforme o modo de totalidade.
No todo integral, a parte é
quantitativa;
no todo universal, é
formal;
no todo essencial, é
constitutiva;
no todo potencial, é
virtual.

Assim, a mão é parte quantitativa do homem;
o homem é parte formal do gênero “animal”;
a matéria é parte constitutiva da substância;
a potência intelectiva é parte virtual da alma.

Logo, cada todo contém suas partes segundo um modo de unidade próprio:
— o todo integral, pela
contiguidade das partes;
— o universal, pela
comunidade de natureza;
— o essencial, pela
composição substancial;
— o potencial, pela
ordem de operação.

E por isso, deve-se evitar confundir esses modos de totalidade,
pois grande parte dos erros filosóficos nasce da confusão entre o todo universal e o todo integral,
ou entre o todo essencial e o todo potencial.

Com efeito, o universal não é composto de suas partes como a casa é de pedras,
nem o gênero de suas espécies como o corpo de seus membros.
Pois o universal é
uno por razão, não por número.
E suas partes não estão nele realmente, mas
virtualmente e formalmente.

Daí se segue que o todo universal não é coisa distinta de seus singulares,
mas é
intenção da mente, significando-os sob uma mesma razão comum.

Assim, o “homem em geral” não é outra coisa além de “Pedro” e “João”, enquanto concebidos sob um conceito único.

Por conseguinte, o termo “todo”, aplicado às realidades inteligíveis, não implica composição real,
mas apenas
ordenação de conceitos segundo o intelecto.

E é por isso que, segundo Aristóteles,

“Intellectus est qui totum facit.”
(É o intelecto que faz o todo.)

Pois o intelecto, ao reunir as partes no conceito, constitui a totalidade como objeto da razão.

Logo, o “todo” é princípio de unidade no múltiplo,
assim como a “parte” é princípio de distinção no uno.

E quem entende bem o todo entende também a ordem das partes,
porque conhecer é reunir o disperso sob um princípio.

E basta, por ora, sobre o termo “todo”.

[1.36 — DE ISTO TERMINO “OPPOSITA”]

(Sobre o termo “opostos”)

Depois do que foi dito, é necessário tratar dos opostos.

E deve-se saber que este nome “opostos” (opposita) significa tanto as coisas que existem fora da alma quanto aquelas que estão na alma e também os signos das coisas.

Mas todas as coisas exteriores à alma, que não são signos, se são opostas, não se opõem senão contrariamente;
ou, segundo uma opinião, algumas se opõem
relativamente.

Isso é manifesto:
todas as coisas que são opostas ou são
absolutas,
e então não pode haver entre elas oposição senão
contrária, como se vê por indução;
ou são
relativas,
e então não podem ser opostas senão
contrariamente ou relativamente;
ou uma é
absoluta e a outra relativa,
e nesse caso não se opõem.

Portanto, quando certas coisas se ordenam de modo tal que podem suceder-se no mesmo sujeito,
mas
não podem estar simultaneamente nele,
se forem
formas absolutas, são contrárias.

Todavia — como se dirá mais adiante —, na contrariedade há graus.

Mas se falamos da oposição que se dá entre os signos das coisas,
tais como
conceitos, vozes e escritos,
então este nome “opostos” se predica, segundo os
peripatéticos, tanto de complexos quanto de incomplexos.

Nos incomplexos, há oposição entre termos ou conceitos tomados isoladamente,
como “branco” e “negro”, “justo” e “injusto”.
Nos complexos, há oposição entre proposições inteiras,
como “o homem é justo” e “o homem não é justo”.

Assim, a oposição lógica imita a oposição real,
mas segundo o modo de significação:
pois as vozes e conceitos não se excluem na realidade,
mas apenas
no modo de predicação.

E deve-se notar que há quatro principais espécies de oposição:

1.      Contraditória, quando uma afirma e a outra nega, sem meio entre ambas,
como “homem é” e “homem não é”.

2.      Contrária, quando ambas afirmam, mas de modo oposto,
como “branco” e “negro”.

3.      Privativa, quando uma implica perfeição e a outra, privação dessa mesma perfeição,
como “visão” e “cegueira”.

4.      Relativa, quando uma se diz em relação à outra,
como “senhor” e “servo”, “pai” e “filho”.

Dessas, a primeira é a mais perfeita,
porque a contradição
exclui totalmente a coexistência no mesmo sujeito e tempo.
A contrariedade, porém, admite
graus e intermediários,
como entre o branco e o negro, o moreno ou o pardo.

A privação pressupõe uma potência e, portanto, só se aplica a sujeitos capazes da forma que lhes falta.
E a relação supõe
mutualidade de referência, não oposição real,
mas ordem correlativa de significação.

Logo, todas as oposições se reduzem a esses quatro modos,
e são fundamentos da distinção e da multiplicidade nas coisas e nos conceitos.

E é por isso que o Filósofo, no Metaphysicorum, diz:

“Ex oppositis fit omnis generatio et corruptio.”
(De opostos provém toda geração e corrupção.)

Pois onde não há oposição, não há movimento nem distinção.

Assim, na lógica, a oposição serve à razão para discernir o verdadeiro do falso,
e na metafísica, para distinguir os contrários e compreender a ordem do ser.

E basta, por ora, sobre o termo “opostos”.

[1.37 — DE ISTO TERMINO “PASSIO”]

(Sobre o termo “paixão”)

Resta agora tratar de um vocábulo que os lógicos, ao dissertarem sobre a demonstração, frequentemente utilizam — a saber, do termo “paixão” (passio).

E deve-se saber que, embora o termo “paixão” possa ser tomado de muitos modos — como já expus no comentário sobre os Predicamentos —, contudo, segundo o uso do lógico, a paixão não é alguma coisa fora da alma, que exista realmente naquilo de que se diz paixão, mas é um predicável mental, ou verbal, ou escrito, predicável per se segundo o segundo modo de algo de que é dito ser paixão.

Todavia, falando propriamente e estritamente, a paixão não é senão tal predicável mental, e não vocal nem escrito;
mas secundariamente e de modo
impróprio, a voz ou a escrita podem ser chamadas “paixão”, assim como dizemos que, nesta proposição proferida — “todo homem é risível” —, uma paixão é predicada de seu sujeito.

Deve-se também saber que toda paixão supõe pelo mesmo por que o sujeito supõe, embora signifique algo diverso, de algum modo: quer em sentido direto ou oblíquo, quer afirmativamente ou negativamente.
Por isso, algumas paixões são chamadas
positivas e outras negativas.

Disso se pode entender como “um” (unum) é paixão do ente,
e que se distingue realmente daquele ente de que é paixão — isto é, do ente comum —,
e, no entanto,
significa o mesmo que o ente,
embora de modo diverso, como aparece pela definição que exprime o quid nominis (significado nominal).

Donde se segue que, em geral, é verdadeiro dizer que o sujeito e sua paixão não são realmente idênticos,
embora suponham pelo mesmo,
e ainda que a
predicação de um pelo outro seja necessária.

E basta, por ora, sobre o termo “paixão”.

[1.38 — DE ISTO TERMINO “ENS”]

(Sobre o termo “ente”)

Tendo falado sobre certos termos de segunda intenção e de segunda imposição, é preciso agora tratar dos termos de primeira intenção,
isto é, daqueles que designam as coisas mesmas — entre os quais estão os
predicamentos.

Antes, porém, é conveniente falar de alguns termos comuns a todos os entes, sejam eles coisas que não são signos, sejam signos
tais como ens (“ente”) e unum (“um”).

Acerca do “ente” é preciso saber, antes de tudo, que este nome “ente” se toma de dois modos.

De um modo, toma-se conforme lhe corresponde um conceito comum a todas as coisas,
que é predicável de todas
em quid, isto é, segundo a essência,
do mesmo modo que todo transcendente pode ser predicado in quid.

De outro modo, este nome “ente” pode ser tomado conforme o uso do lógico,
quando significa
qualquer termo que possa ser sujeito ou predicado em uma proposição verdadeira.
Pois tudo o que pode entrar em composição verdadeira com o verbo “é”, pode chamar-se “ente”.

Assim, “homem é animal” — tanto “homem” quanto “animal” são entes neste sentido lógico,
porque ambos podem ser verdadeiramente predicados ou supostos.

Contudo, quanto à realidade (res extra animam), “ente” se diz daquilo que existe por si,
ou seja, daquilo que tem ser atual, seja
substância ou acidente.

Com efeito, nenhuma coisa existe que não seja ou substância ou acidente;
e tanto a substância quanto o acidente são
entes por si.

Logo, distingue-se entre ente por si e ente por acidente:
— o
ente por si é o que subsiste segundo sua própria natureza, como a substância e o acidente em si mesmo considerado;
— o
ente por acidente é o que resulta de uma composição extrínseca, como quando dizemos “o músico é branco”.

Ora, algo pode ser predicado de outro per se ou per accidens.
“Per se”, quando há entre o sujeito e o predicado conexão necessária e essencial,
como “homem é animal”, “triângulo tem três ângulos”.
“Per accidens”, quando a conexão é apenas de fato, não essencial,
como “homem é branco”, “pedra é quente”.

Divide-se também o “ente” em ente em potência e ente em ato.
Não se deve, porém, entender que algo que não está na realidade, mas pode estar,
seja verdadeiramente ente no mesmo sentido que aquilo que já está em ato.
Aristóteles, ao dividir “ente” em potência e ato (Metaphysica V), quis dizer apenas que
o nome “ente” se predica de algo em dois modos:
— mediante o verbo “é”, em proposições de
inerência real, como “Sócrates é ente”, “brancura é ente”;
— ou em proposições
de possibilidade, como “O Anticristo pode ser ente”, ou “O Anticristo é ente em potência”.

Por isso, ele ensina que “ente” se diz em potência e em ato como se diz “sabente” e “descansante”:
nada é “sabente” ou “descansante” senão o que atual e realmente o é.

Assim, o termo “ente” exprime uma noção comum, transcendente e análoga,
aplicável a tudo o que é, mas
não unívoca,
pois se diz de modos diversos segundo as categorias.

E por isso, segundo a ordem do ser,
o “ente” é o mais universal de todos os conceitos —
aquilo de que nada é mais comum,
e, portanto, não é gênero,
porque não se diz de muitos segundo uma diferença específica,
mas
segundo uma proporção de analogia.

Logo, o “ente” é aquilo que abrange toda a realidade,
e cuja compreensão se confunde com a própria inteligibilidade:
pois tudo o que é inteligido, é, enquanto é.

Por conseguinte, “ente” é dito em primeiro lugar daquilo que é na realidade (extra animam),
em segundo lugar
daquilo que é na alma (in anima),
isto é, o conceito;
e em terceiro lugar
dos signos, que representam o que é.

Assim, há três ordens de “ente”:

1.      O ente real, que subsiste nas coisas.

2.      O ente conceitual, que existe no intelecto.

3.      O ente de razão, que resulta da operação mental (como universal, gênero, espécie).

E entre eles há analogia e dependência:
o ente de razão depende do ente concebido,
e este do ente real.

Logo, o nome “ente”, enquanto termo lógico,
é
predicável de tudo que pode entrar em proposição verdadeira;
mas enquanto nome ontológico,
é
princípio de toda realidade e de toda inteligibilidade.

E basta, por ora, sobre o termo “ente”.

[1.39 — DE ISTO TERMINO “UNUM”]

(Sobre o termo “um”)

Depois do termo “ente”, deve-se falar de “um”, porque “um” segue o “ente” como a sua primeira paixão.

Deve-se saber que este nome “um” (unum) se toma de dois modos:
— de um modo,
proprie et stricte, conforme o uso dos metafísicos;
— de outro,
secundum intentionem logicam, isto é, enquanto termo e predicado no discurso da razão.

Tomado no primeiro modo, “um” significa aquilo cuja natureza é indivisa em si mesma;
isto é, o que não está dividido nem em ato, nem em potência, segundo aquilo que pertence à sua essência.

Assim, diz-se que a substância é uma, porque é indivisível quanto ao ser;
a
espécie, porque é indivisível quanto à forma;
a
definição, porque é indivisível quanto à significação.

Logo, o “um” não adiciona ao “ente” uma realidade distinta,
mas apenas
nega a divisão e indica uma ordem de indivisão no ser.

Por isso, diz Tomás, In Metaphysicorum, I, lect. 9:

“Unum addit supra ens negationem divisionis.”
(O “um” acrescenta sobre o “ente” a negação da divisão.)

Pois o que é ente é necessariamente uno,
e o que é uno é necessariamente ente;
mas o conceito de “um” é mais restrito,
porque implica unidade e exclusão da multiplicidade.

Tomado no segundo modo, isto é, logicamente,
“um” se predica
de qualquer termo que denote algo não dividido em si mesmo,
seja
realmente, seja conceitualmente.
Assim, “homem” é um termo uno, porque significa uma única natureza;
“animal racional” é uno, porque forma um único conceito;
“homem branco” é uno por composição de dois conceitos.

Contudo, a unidade lógica é de outro gênero que a unidade real.
A unidade lógica depende do modo de significar —
pois um termo pode ser uno por convenção,
ainda que denote uma multidão de coisas,
como o universal “homem”, que é um quanto ao conceito,
mas múltiplo quanto àquilo que representa.

Logo, o “um” se divide, conforme os filósofos, em três principais modos:

1.      Unum numero, o um numérico — o absolutamente indiviso, como este homem singular.

2.      Unum specie, o um específico — o mesmo segundo a forma, como todos os homens.

3.      Unum genere, o um genérico — o mesmo segundo a razão comum, como todos os animais.

E, acima desses, há ainda o unum analogiae,
que é o “um” transcendente, o qual se predica de todas as coisas segundo proporção ao ser.

Assim, Deus é uno simpliciter;
as criaturas são unas secundum participationem.
E toda unidade criada participa do ser uno, que é Deus mesmo.

Mas, segundo o uso lógico, dizemos que “um” é tudo aquilo que pode ser sujeito ou predicado sem divisão formal,
de modo que “homem” é uno quanto ao termo,
ainda que multiplique sua suposição em muitos indivíduos.

Logo, o termo “um” é conversível com o “ente”,
mas difere quanto ao modo de significar:
o “ente” afirma positivamente o ser;
o “um” nega a divisão no ser.

E, por isso, Aristóteles no livro X da Metafísica ensina que

“Ens et unum convertuntur secundum subiectum, sed differunt ratione.”
(O ente e o um se convertem quanto ao sujeito, mas diferem pela razão.)

Assim, o “um” exprime a simplicidade do ser,
e é a medida de toda multiplicidade,
porque tudo o que é múltiplo é uno em algo,
e a multiplicidade só é concebível pela unidade.

Logo, o “um” é princípio de inteligibilidade,
pois nada se conhece se não for conhecido como um.

Por conseguinte, o nome “um”, enquanto termo lógico,
é
predicável de tudo o que não é dividido em si mesmo,
e enquanto nome ontológico,
exprime a
perfeição da unidade real.

E assim se diz que Deus é uno,
não por oposição à pluralidade numérica,
mas por absoluta simplicidade,
porque n’Ele não há composição nem distinção de partes,
mas unidade puríssima de essência.

E basta, por ora, sobre o termo “um”.

[1.40 — DE ISTO TERMINO “PRAEDICATUM”]

(Sobre o termo “predicado”)

Depois de tratar do termo “um”, é oportuno falar de “predicado”,
porque toda a doutrina lógica se ordena ao
ato da predicação,
pelo qual o intelecto une ou separa conceitos, constituindo a proposição.

Deve-se saber, portanto, que este nome “predicado” (praedicatum)
é tomado de muitos modos, conforme a diversidade dos modos de falar e entender.

De um modo, “predicado” se diz daquilo que é afirmado ou negado de outro,
como quando dizemos “animal” é predicado de “homem”,
ou “homem” é predicado de “Sócrates”.
Nesse sentido, “predicado” é tudo o que pode ser atribuído ou removido de um sujeito em uma proposição verdadeira.

De outro modo, “predicado” se diz daquilo que é predicável,
isto é,
do termo que pode ocupar o lugar de predicado,
ainda que de fato não o ocupe em uma proposição particular.
Assim, o nome “branco” é predicável de “homem”,
mesmo que não seja agora predicado dele.

Por isso, os lógicos distinguem entre predicado atual e predicado potencial:
— o predicado atual é aquele que efetivamente se diz do sujeito em uma proposição;
— o predicado potencial é aquele que pode ser dito dele segundo a natureza ou a convenção.

De outro modo ainda, “predicado” se toma pelo conceito mental que corresponde à voz ou ao termo escrito;
e assim, propriamente, “predicado” não é a palavra, mas
o conceito da mente,
porque a predicação é, antes de tudo, um
ato do intelecto,
e só secundariamente uma expressão verbal.

Logo, há três ordens de predicados:

1.      Predicatum reale, o predicado das coisas, quando uma natureza se atribui realmente a outra.

2.      Predicatum mentale, o predicado dos conceitos, quando o intelecto une uma noção a outra.

3.      Predicatum vocale, o predicado das vozes ou palavras, quando a linguagem exterioriza o juízo interior.

E todas essas ordens se correspondem,
porque a voz representa o conceito, e o conceito representa a coisa.

Deve-se também saber que o termo “predicado” não é sinônimo de “acidente”,
como alguns afirmaram,
pois se diz “predicado” tanto
de substâncias quanto de acidentes,
enquanto o termo exprime algo que pode ser afirmado de outro.

Assim, “homem” é predicado de “Sócrates”, e “branco” também é predicado de “Sócrates”;
mas o primeiro é predicado essencial, o segundo, acidental.

Logo, divide-se o predicado em essencial e acidental:
— o
essencial é o que convém ao sujeito por sua natureza, como “animal” de “homem”;
— o
acidental é o que convém por circunstância, como “branco” de “homem”.

O essencial é dito per se,
o acidental,
per accidens.

E toda proposição verdadeira se ordena a um desses dois modos de predicação:
pois ou exprime uma
essência, ou exprime uma condição.

Por conseguinte, “predicar” é um ato de atribuição formal,
não um vínculo ontológico entre coisas,
mas uma
operação da mente pela qual se reconhece que um conceito convém ou não convém a outro.

Por isso, Aristóteles chama o predicado de forma do juízo,
porque é por ele que o intelecto confere unidade à proposição.

Diz-se também que todo predicado significa algo comum a muitos;
e assim, em sentido estrito,
nenhum singular é predicado,
porque o singular é “isto”, e o predicado é “algo que pode ser dito de muitos”.

Logo, o nome “predicado” pertence às intensões segundas,
pois significa o modo como um conceito pode ser afirmado de outro,
e não a coisa que ele representa.

E assim, na ordem lógica, o predicado é o termo segundo,
isto é, aquele que se afirma do primeiro (o sujeito),
e por cuja junção a proposição se torna perfeita.

Por isso, como dizem os antigos,

“Praedicatum est quod de subiecto vere affirmatur vel negatur.”
(Predicado é aquilo que do sujeito se afirma ou se nega verdadeiramente.)

Logo, a predicação é o vínculo da verdade,
e o “predicado” é a sua forma principal.

E basta, por ora, sobre o termo “predicado”.

[1.41 — DE NUMERO PRAEDICAMENTORUM]

(Sobre o número dos predicamentos)

Depois do que foi dito sobre o termo “predicado”, é preciso agora considerar o número e a ordem dos predicamentos,
porque neles se contém toda a variedade dos modos de significar o ente.

E deve-se saber que, conforme Aristóteles ensina no livro das Categorias,
dez gêneros supremos sob os quais se reduzem todos os entes:
substância, quantidade, qualidade, relação, ação, paixão, quando, onde, posição e hábito.

Desses, o primeiro — substância — é o fundamento de todos os outros,
porque os demais só existem
nele ou por ele.
E todos os predicamentos acidentais dependem, por natureza, do predicamento da substância,
sem o qual nada poderia ser dito existir.

Mas deve-se advertir que, segundo Ockham, esses dez não são diferentes realidades,
mas
diversos modos de conceber e significar o ente.
Pois a multiplicidade dos predicamentos não está nas coisas,
mas
na razão que as considera.

Assim, “substância”, “quantidade”, “qualidade”, e os demais,
não são dez gêneros de ser existentes fora da alma,
mas dez
intenções lógicas pelas quais a mente classifica os entes conforme sua relação com a significação e com o sujeito.

Por isso, alguns filósofos antigos quiseram reduzir o número dos predicamentos,
outros, aumentá-lo;
mas a verdade é que
o número dez é o mais conveniente,
porque abrange
todas as ordens possíveis de atribuição.

Com efeito, tudo o que é, ou é em si mesmo, ou em outro.
O que é em si, pertence à
substância;
o que é em outro, pertence a algum dos nove gêneros acidentais.

E entre esses nove há distinção de acordo com os modos de dependência:
— uns dependem do sujeito quanto à
quantidade, como o tamanho ou a extensão;
— outros quanto à
qualidade, como a cor, a figura ou a virtude;
— outros quanto à
relação, como pai e filho;
— outros quanto à
ação e à paixão, que implicam movimento e alteração;
— outros quanto às
circunstâncias, como tempo (“quando”), lugar (“onde”), posição e hábito.

Logo, não há mais do que dez modos principais de predicar,
porque todo o discurso sobre o ente se ordena a essas dez maneiras de significar.

E se alguém quiser acrescentar outro predicamento,
ou ele será
reduzido a um desses dez,
ou não significará
nenhum modo próprio de ser,
mas apenas uma
relação de razão (relatio rationis).

Assim, a opinião peripatética de que há dez predicamentos permanece verdadeira,
não quanto ao número de coisas existentes,
mas quanto à
exatidão da análise lógica.

Pois, como diz Boécio no comentário às Categorias,

“Non sunt decem genera rerum, sed decem genera praedicationis.”
(Não são dez gêneros de coisas, mas dez gêneros de predicação.)

Portanto, deve-se entender que os predicamentos não são substâncias universais,
nem
formas eternas,
mas
instrumentos do intelecto,
pelos quais este ordena os entes segundo os modos em que podem ser concebidos.

Assim, toda coisa existente — seja corpo, alma, qualidade, ato, ou relação —
pode ser significada sob algum dos dez predicamentos,
mas não há nada fora da mente que corresponda a cada um deles como gênero real.

Logo, o número dos predicamentos não é determinado pela natureza das coisas,
mas
pela conveniência da razão que as divide e ordena.

E por isso, Ockham conclui que a doutrina das categorias pertence à lógica e não à metafísica,
porque ela não investiga o ser em si mesmo,
mas o
modo pelo qual o ser é concebido e expresso.

Assim, as dez categorias são o mapa lógico do universo do discurso,
não o inventário ontológico do real.

E basta, por ora, sobre o número dos predicamentos.

[1.42 — DE PRAEDICAMENTO SUBSTANTIAE]

(Sobre o predicamento da substância)

Após ter sido dito o que é necessário de modo geral sobre os predicamentos — embora muito ainda pudesse ser tratado —, convém agora falar de cada um em particular, e primeiro, da substância.

A respeito dela, deve-se considerar primeiro que o nome “substância” é tomado de muitos modos.

De um modo, “substância” se diz de qualquer coisa distinta das demais,
como frequentemente se encontra nos autores: “substância da brancura”, “substância da cor”, e o mesmo de outros semelhantes.

De outro modo, “substância” se diz mais estritamente, de toda coisa que não é acidente realmente inerente a outra.
E assim, “substância” se diz
da matéria, da forma e do composto de ambas.

De outro modo ainda, “substância” se diz no sentido mais estrito,
daquilo que
nem é acidente inerente a outro,
nem
parte essencial de outro,
ainda que possa compor-se com algum acidente.
E neste sentido, “substância” é colocada como
o gênero generalíssimo.

Segundo Aristóteles, ela se divide em substâncias primeiras e segundas.
Mas não se deve entender que esta divisão corresponda a
algum comum realmente predicável de seus divididos,
ou de pronomes que os designem.
Pois, demonstrando qualquer substância segunda, é falsa a proposição “esta é substância”;
e verdadeira a proposição “nenhuma segunda substância é substância”.

Isso fica manifesto pelo que foi provado antes,
a saber, que
nenhum universal é substância,
e toda segunda substância é um
universal,
uma vez que, segundo Aristóteles, é gênero ou espécie.
Logo,
nenhuma segunda substância é substância.

Por conseguinte, a divisão feita por Aristóteles não é divisão de uma coisa que se predica realmente de outras,
mas
divisão de nomes (divisio in nomina):
uns são
nomes próprios, outros nomes comuns.
Os nomes próprios são chamados
substâncias primeiras,
e os nomes comuns,
substâncias segundas.

Por isso, quando Aristóteles diz nas Categorias que

“Toda substância parece significar um isto”,
e que das substâncias primeiras “é indubitável e verdadeiro que significam um isto”,
deve-se entender que ele chama “substância primeira”
a voz ou nome que significa a substância particular existente fora da alma.
Pois a substância particular em si
não significa um isto, mas é significada.

E, pela mesma razão — e com mais força ainda —,
as
substâncias segundas devem ser chamadas os próprios nomes comuns das substâncias,
e não coisas fora da alma.

Assim também entendeu Boécio em vários lugares sobre as Categorias,
dizendo que Aristóteles, nesse livro, trata
das vozes (de vocibus),
e, portanto, chama substâncias primeiras e segundas
essas mesmas vozes.

Do mesmo modo, Damasceno coloca as vozes sob o predicamento da substância.
Não é, portanto, contrário aos antigos afirmar que Aristóteles chama substâncias segundas
os
nomes comuns das substâncias.

Por fim, quando o Filósofo diz que “a espécie é mais substância do que o gênero”,
isso não deve entender-se
segundo a força literal do discurso,
pois a proposição “a espécie é mais substância que o gênero” é falsa quanto à expressão,
mas verdadeira quanto à
intenção que Aristóteles teve —
isto é, que
melhor se responde à questão “o que é?” de uma substância demonstrada pela espécie
do que pela noção do gênero.

Logo, deve-se concluir brevemente que tal divisão de Aristóteles é apenas uma distinção entre nomes,
uns próprios (substâncias primeiras), outros comuns (substâncias segundas).

E basta, por ora, sobre o predicamento da substância.

[1.43 — DE PROPRIETATIBUS SUBSTANTIAE]

(Sobre as propriedades da substância)

Tendo sido visto o que se põe na linha predicamental da substância,
é preciso agora considerar
algumas de suas propriedades.

Aristóteles, nas Categorias, atribui uma propriedade comum a toda substância,
tanto à primeira quanto à segunda:
que
a substância não está em um sujeito (substantia non est in subiecto).

Se isso se entende da substância existente fora da alma, é manifesto,
pois nenhuma tal substância está em um sujeito —
nem o homem em outro, nem o cavalo em outro, nem a pedra em outro.

Mas se se entende das substâncias primeiras e segundas
enquanto são
nomes das substâncias existentes fora da alma,
então esta proposição “a substância não está em um sujeito”
deve ser entendida assim:

de nenhum nome de substância, próprio ou comum, tomado significativamente,
se predica “estar em sujeito”;
ao contrário, “estar em sujeito” é removido de todo nome assim tomado.

E, portanto, são verdadeiras todas as seguintes proposições:
“o homem não está em um sujeito”,
“o animal não está em um sujeito”,
“Sócrates não está em um sujeito”, e assim por diante.

Contudo, se esses termos supusessem por si mesmos e não por seus significados,
poder-se-ia dizer que estão em sujeitos,
assim como se diz verdadeiramente que são
partes das proposições,
e, por conseguinte, ou são
conceitos da mente,
ou
vozes, ou escritos.

Contra isso, porém, parece estar Aristóteles,
pois ele concede que as
segundas substâncias se dizem “de um sujeito”,
e nega que estejam “em um sujeito”;
mas, se se tomarem as segundas substâncias de modo uniforme,
não lhes compete mais um do que outro —
pois o mesmo nome, enquanto universal,
pode ser dito “de um sujeito” e, ainda assim,
não estar “em um sujeito”.

Logo, deve entender-se que “estar em sujeito”
diz respeito àquilo que depende do sujeito
como inerente a ele,
enquanto “dizer-se de sujeito”
diz respeito àquilo que pode ser predicado dele
universalmente.

Assim, a substância primeira não se diz “de sujeito” nem “em sujeito”,
pois não é universal, nem inerente;
a
substância segunda se diz “de sujeito”, mas não “em sujeito”;
e o
acidente está “em sujeito”, mas não se diz “de sujeito”.

Dessa forma, cada tipo de termo conserva a sua propriedade lógica.

E, como diz Aristóteles,

“Substantia est quod nec de subiecto dicitur nec in subiecto est.”
(Substância é aquilo que nem se diz de um sujeito, nem está em um sujeito.)

Daí decorre a segunda propriedade da substância:
que ela é
sujeito primeiro de todas as outras categorias,
porque tudo o que é quantidade, qualidade, relação ou qualquer outro acidente,
ou é
em alguma substância, ou se diz de alguma substância.

Portanto, todas as coisas dependem da substância como fundamento,
mas a substância
não depende de nenhuma quanto ao seu ser.

Além disso, Aristóteles atribui outra propriedade:
que
somente a substância pode receber contrários,
permanecendo a mesma enquanto os contrários alternam.
Assim, um homem é agora branco e depois negro,
agora sábio e depois ignorante;
mas o sujeito, enquanto substância, permanece o mesmo.

Com isso se mostra que a substância é princípio de permanência,
enquanto os acidentes são
modos variáveis de ser.

Contudo, deve-se entender tudo isso segundo o modo de significar:
pois, se falamos das substâncias enquanto
nomes,
então é falso dizer que “o nome homem permanece o mesmo”
quando o homem se torna branco ou negro;
mas se falamos das
coisas significadas,
então é verdadeiro, pois a mesma coisa subsiste sob acidentes diversos.

Assim, a propriedade da substância é, por natureza,
a subsistência por si,
não dependendo de outro como sujeito.

E, por conseguinte, se diz que toda substância é ente por si,
e tudo o mais é ente
por acidente.

E basta, por ora, sobre as propriedades da substância.

[1.44 — DE PRAEDICAMENTO QUANTITATIS]

(Sobre o predicamento da quantidade)

Segue-se agora tratar do predicamento da quantidade.

E antes de tudo deve-se saber que este nome comum “quantidade” é uma intenção da alma,
sob a qual estão contidos muitos conceitos ordenados segundo superior e inferior.

E porque comumente se afirma, entre os modernos, que toda quantidade é uma coisa realmente distinta e totalmente separada da substância e da qualidade —
de modo que a
quantidade contínua é tida como um acidente intermediário entre a substância e a qualidade,
que está
subjetivamente na substância e é sujeito das qualidades;
e de modo semelhante se diz que a
quantidade discreta é uma coisa realmente distinta das substâncias,
e o mesmo se afirma acerca do
lugar e do tempo
por isso, essa opinião deve ser examinada com cuidado.

Primeiramente, quero mostrar que essa opinião é contrária à mente de Aristóteles.
Pois, segundo o Filósofo,
nada existe fora da substância,
senão enquanto depende dela, ou como disposição, ou como determinação de seu ser.
Mas, se a quantidade fosse uma coisa distinta e intermediária,
então a substância estaria em um acidente,
o que é absurdo e contrário à razão.

Com efeito, as dimensões — comprimento, largura e profundidade —
não são coisas distintas do corpo,
mas
modos do corpo mesmo,
pelos quais se diz extenso e mensurável.
Assim, se o corpo perde a figura ou a grandeza,
não perde algo realmente distinto de si,
mas muda quanto ao modo pelo qual é apreendido e mensurado.

Logo, é falso dizer que a quantidade é uma realidade intermediária entre substância e qualidade.
Ela é, antes,
modo de consideração,
pelo qual o intelecto apreende a substância segundo o aspecto da mensurabilidade e da divisibilidade.

Por isso, quando se diz que a quantidade é accidens inhaerens,
isso deve entender-se
secundum modum significandi,
não
secundum rem.
Pois a quantidade não é coisa fora da alma,
mas
razão do intelecto,
pela qual se ordenam os entes segundo maior e menor, igual e desigual.

Assim, “quantidade” compreende dois principais modos:
— a
quantidade contínua, como o corpo e o tempo;
— e a
quantidade discreta, como o número.

Mas ambos esses modos são apenas intenções de razão,
fundadas sobre a diversidade real das partes nas coisas extensas ou contáveis.

Dessa maneira, o corpo é chamado “contínuo”
porque suas partes tocam umas às outras segundo posição;
e o número é chamado “discreto”
porque suas partes não se tocam, mas são ordenadas por sucessão.

Logo, o nome “quantidade” não significa uma essência,
mas
uma ordem — isto é, o modo segundo o qual algo pode ser mensurado.


A primeira propriedade da quantidade é não ter contrário.
Pois embora a qualidade existente subjetivamente na quantidade tenha contrários —
como o branco e o negro, o quente e o frio —,
a própria quantidade
não tem contrário,
como se demonstra por indução.

A segunda propriedade é que a quantidade não admite mais e menos,
porque uma quantidade não é mais quantidade que outra.
Pode ser maior em extensão, mas não em ser quantidade.

A terceira propriedade é que, segundo a quantidade,
diz-se algo
igual ou desigual;
de modo que a quantidade,
por si e em primeiro lugar,
é igual ou desigual;
e
secundariamente e por acidente,
a substância que sustenta a quantidade e a qualidade nela existente
são ditas iguais ou desiguais.

E sobre a quantidade, basta o que foi dito.

[1.45 — DE OBIECTIONIBUS CONTRA PRAEDICTAM OPINIONEM]

(Das objeções contra a opinião precedente)

Contra o que foi dito — a saber, que a quantidade não é uma coisa realmente distinta da substância —,
costumam ser feitas
diversas objeções,
pelas quais muitos quiseram provar que a quantidade é um acidente
realmente diferente do sujeito substancial.

A primeira objeção é esta:

se a quantidade não fosse algo distinto da substância,
a substância não poderia ser
divisível em partes contínuas,
porque a divisibilidade não parece pertencer à substância,
mas à quantidade, que mede e distingue suas partes.

A esta objeção respondo:
a divisibilidade não requer uma coisa realmente distinta da substância,
mas apenas que a substância
tenha partes diversas segundo a posição.
Ora, nada impede que uma mesma realidade, enquanto possui partes ordenadas,
seja dita “divisível” e “quantificada” pela razão,
sem que exista entre ambas outra natureza intermediária.

Logo, o nome “quantidade” significa a ordem das partes entre si,
não algo que subsista fora delas.

A segunda objeção é esta:

se não houvesse quantidade realmente distinta,
então os acidentes como a figura e a cor
não teriam sujeito no qual ineressem,
pois o sujeito imediato das qualidades é a quantidade, e não a substância.

Respondo:
essa distinção é
modo de falar, não de ser.
Pois, embora as qualidades dependam da extensão corporal,
essa extensão não é outra coisa senão o próprio corpo segundo certa disposição.
Logo, é verdadeiro dizer que as qualidades
estão na substância,
não porque há nelas um meio real chamado “quantidade”,
mas porque
a substância mesma, enquanto extensa,
sustenta as qualidades.

A terceira objeção é esta:

o corpo não poderia crescer ou diminuir sem que aumentasse ou diminuísse algo realmente distinto,
e, portanto, deve haver uma quantidade real que se amplia ou se contrai.

Respondo:
a mudança de tamanho se dá
por adição ou subtração de partes substanciais,
não pela variação de um acidente.
Pois, se a quantidade fosse coisa real, ela deveria aumentar em si mesma,
e isso seria
contradição,
já que toda coisa, enquanto cresce, muda de partes e não permanece a mesma.

Logo, é a substância que cresce e diminui segundo número e disposição de partes,
e o nome “quantidade” apenas designa
a razão dessa mutação,
não uma entidade intermediária.

A quarta objeção é esta:

se a quantidade não fosse coisa real,
não haveria
lugar próprio nem tempo mensurável,
pois ambos dependem da quantidade corporal e sucessiva.

Respondo:
nem o lugar nem o tempo exigem uma realidade distinta,
mas apenas
ordem e relação entre as substâncias e seus movimentos.
O lugar é a
posição relativa de um corpo a outro,
e o tempo, a
ordem de sucessão das mutações.
Logo, ambos se fundam na substância e em seu ato,
não numa natureza quantitativa separada.

A quinta objeção é esta:

sem quantidade, não haveria igualdade e desigualdade entre os corpos,
o que é absurdo.

Respondo:
igualdade e desigualdade não requerem um ser real chamado “quantidade”,
mas apenas a
comparação de medidas,
feita pela razão,
de partes que existem realmente nas substâncias.
Assim, duas tábuas são ditas iguais,
não porque possuam um mesmo acidente chamado “quantidade”,
mas porque a razão encontra nelas proporção semelhante de partes.

Logo, todas as objeções dos que multiplicam entes desnecessariamente
nascem da confusão entre
o modo de significar e o modo de ser.
Pois o intelecto, ao considerar os corpos quanto à mensura e proporção,
forma o conceito de quantidade,
que é um
ente de razão, não uma realidade fora da alma.

E, portanto, é falso dizer que a quantidade é coisa distinta da substância;
pois é apenas um
modo de compreensão,
fundado sobre a realidade das partes substanciais.

E basta, por ora, sobre as objeções contra a opinião precedente.

[1.46 — DE ILLIS QUAE PONUNTUR IN GENERE QUANTITATIS]

(Das coisas que são colocadas no gênero da quantidade)

Depois de mostrar que a quantidade não é coisa realmente distinta da substância,
resta tratar
daquelas coisas que, segundo Aristóteles e seus comentadores,
costumam ser colocadas sob este gênero.

Diz-se, portanto, que no gênero da quantidade se encontram:
a
grandeza (magnitudo), o número (numerus),
o
tempo, o lugar, e outras coisas semelhantes.

Mas é preciso distinguir entre o modo de falar e o modo de ser,
porque o mesmo termo pode significar, ora uma coisa real, ora uma intenção da mente.

Primeiro, quanto à grandeza (magnitudo),
costuma-se dizer que ela é uma
quantidade contínua,
composta de partes que têm contato e posição.
E, assim, diz-se que o corpo é “grande” ou “pequeno”,
segundo o número e a extensão de suas partes.

Contudo, deve-se entender que a grandeza não é coisa diversa da substância extensa;
pois o corpo não tem em si algo chamado “grandeza”,
senão o próprio ser das partes em certa disposição.
Logo, “grandeza” é
modo de significar, não uma entidade acrescida.

Do mesmo modo, quanto ao número (numerus),
deve-se saber que não é algo fora da alma,
mas uma
intenção de razão resultante da comparação de coisas múltiplas.
Pois, se houvesse apenas uma pedra, não haveria “um” ou “dois” como realidades,
mas apenas a substância da pedra.
O “um” e o “dois” são, portanto,
modos de entender e de designar pluralidade.

Assim, “número” é propriamente quantidade discreta,
porque as partes que nele se consideram
não se tocam,
mas se ordenam por distinção, como o intelecto ordena um e outro.

Quanto ao tempo, Aristóteles o define como

“numerus motus secundum prius et posterius”,
isto é, número do movimento segundo o antes e o depois.

Mas, conforme a doutrina aqui sustentada,
o tempo não é uma coisa existente fora das substâncias e dos movimentos,
mas uma
relação mental fundada sobre a sucessão dos atos.
Pois não há tempo sem movimento,
nem movimento sem substância que se mova.

Logo, o tempo pertence ao gênero da quantidade por modo de consideração,
não por essência.

O mesmo se deve dizer do lugar (locus):
não é uma realidade distinta,
mas a
ordem e situação de um corpo em relação a outro.
Pois, se todos os corpos cessassem de existir,
também o lugar cessaria,
não restando senão o vazio da imaginação.

Logo, o lugar é uma razão relacional,
e não um sujeito real.

Com efeito, todas as coisas que se colocam no gênero da quantidade
ou são
substâncias extensas, como os corpos,
ou são
relações e modos concebidos pela mente.
Nada, portanto, há sob este gênero que seja
coisa real e distinta da substância.

Dessa forma, tanto a grandeza quanto o número, o tempo e o lugar,
são apenas
diversos modos pelos quais o intelecto apreende e ordena os entes,
considerando ora a continuidade, ora a sucessão, ora a posição.

Logo, é erro pensar que o gênero da quantidade contenha coisas subsistentes;
ele contém apenas
formas de significar e intenções de razão.

E, por isso, quem multiplica naturezas intermediárias
entre a substância e as qualidades incorre em
superfluidade ontológica,
contrária à economia da filosofia.

Assim, a quantidade é um nome da mente,
não uma essência do mundo.

E basta, por ora, sobre as coisas colocadas no gênero da quantidade.

[1.47 — DE PROPRIETATIBUS QUANTITATIS]

(Sobre as propriedades da quantidade)

Depois de ter sido tratado o que se coloca no gênero da quantidade,
resta falar de suas
propriedades,
pelas quais este gênero se distingue dos demais.

E deve-se saber, antes de tudo,
que tais propriedades
não são realidades acrescentadas às coisas,
mas
modos de significar considerados pela razão,
fundados sobre a disposição natural das partes nas substâncias corporais.

Assim, a primeira e principal propriedade da quantidade é a divisibilidade.
Diz-se que o que é quantidade é
divisível em partes,
porque o intelecto pode distinguir nelas o anterior e o posterior,
o maior e o menor, o todo e a parte.
Mas essa divisão
não se faz realmente fora da alma,
senão enquanto o corpo possui partes distintas segundo posição.
Logo, a divisibilidade pertence à quantidade
por razão,
não
por essência.

A segunda propriedade é que a quantidade não tem contrário,
pois o contrário requer diversidade formal ou de perfeição,
e na quantidade não há perfeição formal,
mas apenas diferença de
mais e menos segundo extensão.
Por isso, a quantidade, enquanto tal,
não é contrária nem desigual em si mesma.
Diz-se, no entanto, que duas quantidades são
iguais ou desiguais,
mas tal comparação não supõe oposição real,
apenas
relação de proporção percebida pelo intelecto.

A terceira propriedade é que a quantidade não admite mais e menos,
como a qualidade.
Pois o calor pode ser mais ou menos intenso,
mas a linha não é mais ou menos linha.
Ela pode ser maior ou menor em extensão,
mas não mais “quantidade” em razão formal.
Assim, “ser quantidade” se diz
unívoca e igualmente de todas as quantidades.

A quarta propriedade é que, segundo a quantidade,
se diz algo
igual ou desigual.
Pois é pela quantidade que se mede o igual e o desigual,
o longo e o curto, o grande e o pequeno.
E, por isso, a quantidade é chamada
mensura do corpo e modelo da proporção,
porque nela se funda a noção de igualdade.

A quinta propriedade é que a quantidade é fundamento da posição e da figura,
pois nenhuma figura existe sem extensão,
nem há posição sem partes ordenadas.
Assim, o corpo é dito estar “aqui” ou “ali”
segundo a disposição de suas partes no espaço,
o que é efeito da quantidade considerada
como ordem.

Por conseguinte, a quantidade é o modo pelo qual a substância corporal é mensurada,
e todas as suas propriedades se reduzem a esse aspecto mensurativo.
Ela é o
princípio da comparabilidade,
pelo qual as coisas são ditas maiores, menores, iguais ou proporcionais.

Mas, conforme foi dito antes,
essas propriedades não provêm de um ente separado,
nem de uma essência intermediária,
mas do próprio corpo enquanto dotado de partes distintas.

Assim, a quantidade não é um acidente real,
mas
uma razão do intelecto,
pela qual compreendemos e exprimimos as diferenças de extensão, número e medida.

Logo, quando se diz que “a quantidade é divisível”,
ou que “a quantidade é fundamento da figura”,
não se deve entender que haja uma coisa chamada “quantidade” que possua essas notas,
mas apenas que o corpo,
enquanto mensurável,
é considerado pela razão segundo esses aspectos.

Portanto, o gênero da quantidade se distingue dos outros,
não por essência, mas
por modo de inteligir.
E, como todas as propriedades mencionadas se reduzem à noção de medida,
pode-se dizer que a quantidade é
mensurabilidade do ente corporal
segundo a razão.

E basta, por ora, sobre as propriedades da quantidade.

[1.48 — QUALITER RESPONDENDUM EST SUSTINENDO QUANTITATEM ESSE REM ABSOLUTAM]

(Como se deve responder sustentando que a quantidade é uma coisa absoluta)

Resta agora responder àqueles que sustentam que a quantidade é uma coisa absoluta,
realmente distinta da substância e das outras categorias.

Esses afirmam que, como a quantidade tem modo próprio de predicação,
e é
sujeito das qualidades,
deve, por conseguinte, ser
realmente diversa da substância em que se encontra.
Mas isso não se segue, como será mostrado.

Digo, portanto, que todas as razões pelas quais se pretende provar que a quantidade é coisa absoluta
ou se fundam em
falácia de linguagem,
ou em
confusão de modos de significar.

Primeira razão dos realistas:

o corpo é composto de substância e de quantidade,
porque a substância, sendo indivisível em si mesma,
não pode ser extensa nem ocupar lugar,
e, portanto, precisa de uma quantidade real que lhe dê extensão.

Respondo:
essa argumentação supõe falsamente que a substância é indivisível.
Pois a substância corpórea é
por natureza composta de partes,
e é precisamente por isso que é corpo.
Não necessita, portanto, de outro ente que a torne extensa;
a sua extensão é
o modo pelo qual ela é corpo.
Logo, a quantidade não é coisa distinta,
mas apenas
razão do corpo enquanto extenso.

Segunda razão:

a quantidade é necessária para que o corpo possa receber contrários simultaneamente,
como o branco e o negro em partes diferentes.

Respondo:
isso é falso.
Pois basta que o corpo tenha
partes diversas segundo posição;
então, em uma parte pode haver calor e, em outra, frio,
sem que seja preciso supor uma natureza intermediária chamada quantidade.
A distinção de partes
suficiente para os contrários é substancial, não acidental.

Terceira razão:

se não houvesse quantidade como coisa real,
não se poderia explicar o “aqui” e o “ali”,
nem o “maior” e o “menor”,
nem o “antes” e o “depois” do movimento.

Respondo:
todos esses modos são
relações de razão,
fundadas na diversidade e ordem das substâncias.
Pois, mesmo que nada existisse além dos corpos e seus movimentos,
a razão poderia ainda conceber “aqui” e “ali”, “antes” e “depois”,
como relações intelectuais,
não como realidades subsistentes.

Quarta razão:

na Eucaristia, depois da consagração, permanece a quantidade sem a substância;
logo, a quantidade é coisa absoluta.

Respondo:
essa conclusão não é filosófica, mas teológica.
E, segundo a fé, deve-se admitir que
a quantidade das espécies consagradas permanece sem a substância.
Mas isso não prova que, em outros casos,
a quantidade seja coisa distinta da substância,
senão apenas que,
por milagre divino,
Deus pode conservar os acidentes sem o sujeito.
Tal exceção confirma, e não destrói, a regra natural.

Quinta razão:

toda categoria é coisa distinta,
e a quantidade é uma das categorias;
logo, é coisa distinta.

Respondo:
isso é sofisma de
equivocação.
Pois as categorias não são gêneros reais,
mas
gêneros lógicos.
São divisões
do modo de significar o ser,
não divisões do próprio ser.
Logo, não se segue que a quantidade, sendo gênero lógico,
corresponda a uma realidade absoluta.

Sexta razão:

a quantidade é sujeito das qualidades;
logo, é coisa distinta da substância,
porque um acidente não pode ser sujeito de outro acidente.

Respondo:
aqui também há falácia.
Pois dizer que a quantidade é “sujeito das qualidades”
é apenas modo de expressão,
porque as qualidades dependem da substância
enquanto extensa.
A quantidade é, portanto,
a substância mesma sob certo aspecto,
e não uma coisa em que outra inere.

Logo, todas as razões que sustentam a quantidade como coisa absoluta
se desfazem quando se distingue o
modo de significar do modo de existir.
O primeiro é do intelecto;
o segundo, das coisas.

Portanto, concluo:
a quantidade
não é coisa absoluta,
mas
modo de conceber a substância corporal sob razão de mensura e de proporção.
E quem distingue nela um ente real distinto da substância
multiplica seres sem necessidade e sem fundamento.

Assim, a economia da razão e a simplicidade da natureza
impõem que se afirme:
a quantidade
non est res, sed ratio rei corporae
não é coisa, mas razão do corpo.

E basta, por ora, sobre a resposta à opinião que sustenta a quantidade como coisa absoluta.

[1.49 — DE PRAEDICAMENTO “AD ALIQUID”]

(Sobre o predicamento da relação)

Depois da substância e da quantidade,
segue-se o
terceiro gênero, que é o da relação (ad aliquid).

E deve-se saber, antes de tudo,
que a relação é tomada
de muitos modos:
às vezes significa
a coisa mesma que está ordenada a outra,
outras vezes significa apenas
a ordem ou respeito de uma coisa a outra.

Conforme o primeiro modo, diz-se que “Pedro é semelhante a Paulo”;
a relação aqui parece consistir em uma
semelhança real.
Conforme o segundo modo, diz-se que “Pedro se refere a Paulo”,
e esta relação não designa algo realmente distinto,
mas apenas o
modo de considerar um em relação ao outro.

Logo, é necessário distinguir entre:
— a
relação real (relatio realis), que se funda em uma propriedade ou qualidade da coisa;
— e a
relação de razão (relatio rationis), que existe apenas no intelecto comparante.

Mas, segundo Ockham, todas as relações que os filósofos supõem como realidades intermediárias
são, na verdade,
relações de razão,
porque não há nelas ser distinto do fundamento sobre o qual repousam.

Com efeito, quando dizemos que algo é “semelhante”, “maior”, “pai” ou “filho”,
não afirmamos a existência de uma nova coisa,
mas apenas exprimimos
comparação.
Assim, a paternidade e a filiação
não são dois acidentes realmente distintos de suas substâncias,
mas
dois modos de referir o mesmo fato segundo perspectivas diversas.

Pois, se houvesse uma coisa chamada “relação”,
deveria ter
ser próprio e sujeito próprio,
e então seria substância ou acidente.
Mas, não sendo nem uma nem outra,
não é coisa, mas
razão.

Digo, portanto, que “relação” (ad aliquid) não designa uma natureza distinta,
mas
significação respectiva,
pela qual um termo é concebido
em comparação com outro.
Essa significação se funda em algo real —
como igualdade de quantidade, semelhança de qualidade, ou dependência causal —,
mas a relação enquanto tal
não acrescenta novo ente,
pois é apenas a
consideração da mente sobre essa ordem.

Por isso, Aristóteles diz, no livro das Categorias,
que “toda relação se diz segundo o outro” (secundum aliud),
isto é, que não tem existência própria,
mas se entende apenas
por respeito a algo distinto.

Assim, o pai e o filho são duas substâncias realmente diversas,
mas a “paternidade” e a “filiação”
não são duas coisas além delas,
senão
dois modos de conceber a dependência natural de geração.

Logo, a relação não é ente novo,
mas
intelectus respectivus
um entendimento que compara dois termos.

Por isso, como observa Boécio em seu comentário às Categorias,

“Relatio est ordo ad alterum intellectu comprehensus.”
(Relação é a ordem para outro, apreendida pelo intelecto.)

E deve-se advertir que, quando se fala em relação real,
não se entende uma coisa nova,
mas apenas um
fundamento real sobre o qual a relação de razão se apoia.
Assim, a semelhança entre dois brancos se funda em suas cores,
a igualdade entre dois comprimentos se funda em suas dimensões,
mas a relação de igualdade
não é algo distinto das grandezas iguais.

Logo, a relação real não é mais que o mesmo fundamento considerado segundo outro aspecto.

E por isso, quem multiplica seres relacionais
introduz uma desnecessária duplicação de essências,
pois cada relação está
inteiramente contida na realidade do termo de que se diz.

Consequentemente, concluo que o predicamento da relação
é o
predicamento mais lógico de todos,
porque expressa não uma natureza distinta,
mas
o ato mesmo do intelecto que compara.

E, portanto, a relação é ente de razão fundado no ente real,
e o nome “relação” é
voz de segunda intenção,
não de primeira.

E basta, por ora, sobre o predicamento “ad aliquid”.

[1.50 — QUOD RELATIO NON SIT ALIA RES A RE ABSOLUTA]

(Que a relação não é coisa distinta da realidade absoluta)

Digo, portanto, que a relação (relatio) não é coisa distinta da realidade absoluta (res absoluta),
nem coisa que acrescente novo ser àquilo em que se funda.

E isso é evidente por muitas razões.

Primeiramente, porque nada é numericamente múltiplo sem uma diferença real.
Ora, se a relação fosse coisa distinta,
em uma mesma substância haveria duas realidades —
uma absoluta, outra relativa.
Logo, a relação multiplicaria o ser sem necessidade,
o que repugna à simplicidade da natureza e à economia da razão.

Além disso, tudo o que existe ou é absoluto,
isto é, subsistente por si,
ou é
relativo, isto é, dependente de outro.
Mas, se o relativo não tem ser próprio,
deve ser idêntico, quanto à realidade,
àquilo sobre o qual se funda.

Por exemplo:
a semelhança de dois brancos não é coisa além das suas brancuras;
a igualdade de duas linhas não é coisa além das linhas mesmas;
a paternidade e a filiação não são coisas além do pai e do filho.
Logo, a relação não é um novo ente,
mas o mesmo fundamento considerado
sub ratione respectus
segundo o aspecto da ordenação a outro.

Daí se segue que a relação não é realmente distinta do seu fundamento,
mas
formalmente distinta pela razão.

Pois aquilo que é o mesmo segundo o ser,
pode ser concebido de diversos modos,
sem que por isso se introduza multiplicidade real.
Assim, o mesmo homem pode ser concebido como pai, como mestre, como cidadão;
e contudo é o mesmo homem em substância.

Logo, a distinção das relações é secundum intellectum, não secundum rem.

E se alguém disser que as relações são coisas reais,
como a paternidade em Deus ou a igualdade entre criaturas,
respondo que,
em Deus, a relação é realmente a essência mesma;
e,
nas criaturas, a relação é o mesmo fundamento
a qualidade, quantidade ou ação — considerada sob outra razão.

Pois o fundamento da relação é suficiente para explicar tudo o que se segue dela.
Assim, se há semelhança entre dois brancos,
isso se dá porque ambos têm igual cor;
não é necessário supor uma terceira coisa chamada “semelhança”.

De modo semelhante, se há igualdade entre duas medidas,
essa igualdade consiste apenas em que
nenhuma delas excede a outra;
o que não exige novo ser,
mas apenas um
modo negativo de comparação.

Logo, toda relação é ente de razão,
fundada sobre algo absoluto,
e que não tem existência fora do intelecto que compara.

E por isso, o nome “relação” não significa uma essência real,
mas
uma ordem concebida pela mente entre duas coisas.

Por conseguinte, é falso dizer que “relação” e “fundamento” são dois entes;
eles são
um só na realidade,
e diversos apenas
na razão que os concebe.

Assim, a relação é ao ente o que o espelho é à imagem:
reflete a dependência e a correspondência entre as coisas,
mas nada acrescenta ao ser das coisas refletidas.

E se Aristóteles, nos Predicamentos, coloca a relação como um gênero distinto,
isso não deve entender-se segundo o ser,
mas
segundo o modo de significar
pois os gêneros predicamentalmente distintos
não implicam realidades diversas,
mas
diversas intenções do intelecto sobre o mesmo ser.

Logo, concluo que nenhuma relação é coisa distinta da realidade absoluta,
mas é o mesmo fundamento absoluto considerado sob o aspecto da referência (secundum respectum).

Por isso, como dizem os Doutores:

“Relatio non addit rem, sed rationem.”
(A relação não acrescenta uma coisa, mas uma razão.)

E basta, por ora, sobre o ponto de que a relação não é coisa distinta da realidade absoluta.

[1.51 — DE OBIECTIONIBUS CONTRA PRAEDICTA]

(Das objeções contra o que foi dito anteriormente)

Contra o que foi dito — a saber, que a relação não é coisa distinta da realidade absoluta —,
costumam ser feitas várias objeções,
pelas quais muitos quiseram provar que a relação é um ente real e separado.

A primeira objeção é esta:

Se a relação não fosse coisa distinta,
não haveria
reciprocidade entre os relativos,
pois o mesmo ente não pode ser ao mesmo tempo causa e efeito,
pai e filho, igual e igual.

Respondo:
a reciprocidade pertence
ao modo de conceber,
não ao modo de existir.
Pois o intelecto, ao comparar dois entes,
pode conceber o mesmo fundamento sob razão diversa.
Assim, o mesmo ato de geração,
considerado de um lado, é
paternidade,
e, do outro,
filiação;
mas é o mesmo fato,
e a distinção é apenas de razão, não de ser.

Logo, a reciprocidade dos relativos
não prova distinção real,
mas apenas diversidade
de ordem conceitual.

A segunda objeção é esta:

toda relação pode começar e cessar sem que o sujeito mude;
logo, deve ser coisa distinta dele.
Pois, se Pedro, que antes não era semelhante a Paulo, torna-se semelhante,
e nada mudou em Pedro,
então surgiu um novo ser — a relação.

Respondo:
essa mudança é apenas
secundum quid, não simpliciter.
Pois não há aí geração de nova coisa,
mas apenas nova
comparação mental.
Pedro permanece o mesmo;
mudou apenas Paulo,
e, em razão dessa mudança,
o intelecto agora compara ambos sob outro aspecto.
Logo, a relação nasce
ex novo ordine rationis,
não por geração real.

A terceira objeção é esta:

a relação tem predicação própria e diversa das outras categorias;
logo, deve ter ser próprio.

Respondo:
a diversidade de predicação
procede do
modo de significar, não do modo de existir.
Assim como um mesmo ente pode ser dito substância, sujeito, ou essência,
sem ser três coisas,
assim também algo pode ser dito “relativo”
sem por isso ser outra realidade.
A distinção das categorias é
lógica, não ontológica.

A quarta objeção é esta:

a relação admite contrários —
como paternidade e filiação —,
e, portanto, deve ser coisa real,
pois o que é puramente de razão não tem contrários.

Respondo:
os contrários aqui são apenas
nomes relativos fundados no mesmo fato.
Pois o mesmo ato de geração é concebido,
de um lado, como proveniência,
de outro, como origem.
Logo, a oposição de termos é
verbal,
não real;
é distinção de significação,
não de ser.

A quinta objeção é esta:

na Trindade divina, as relações são realmente distintas;
logo, também nas criaturas devem sê-lo.

Respondo:
nas criaturas, a distinção das relações é
de razão,
nas realidades divinas, é
de relação subsistente
não por diferença de essência,
mas por modo inefável da processão eterna.
Logo, o exemplo divino
não transfere distinção real às criaturas,
assim como a eternidade divina não torna eterno o ente criado.

A sexta objeção é esta:

se a relação não fosse coisa distinta,
não haveria ciência do relativo,
pois nada há de conhecer além da substância e do acidente.

Respondo:
a ciência do relativo é ciência
do modo de significar,
não de nova realidade.
O intelecto apreende o mesmo ente absoluto
sob diferentes razões,
e essa diversidade de razões é o objeto da lógica,
não da metafísica.

Logo, todas as objeções reduzem-se
a uma confusão entre o que é
no ser
e o que é
na significação.
Pois o ser não se multiplica
pelo fato de ser concebido sob diversas razões,
nem o intelecto cria novos entes ao compará-los.

Por isso, a relação não acrescenta ser,
mas apenas
modo de conceber o ser.
Ela nasce quando o intelecto compara dois absolutos,
e perece quando cessa a comparação.

E assim, quem diz que há uma coisa real chamada “relação”
multiplica entes por erro do entendimento,
tomando o ato mental por realidade extramental.

Logo, concluo que todas as objeções
contra a doutrina precedente
caem por distinção entre res e ratio.

E basta, por ora, sobre as objeções contra o precedente.

[1.52 — DE HIS QUAE PONUNTUR IN GENERE RELATIONIS]

(Das coisas que são colocadas no gênero da relação)

Depois de termos mostrado que a relação não é coisa distinta da realidade absoluta,
convém agora tratar daquelas coisas que, segundo os filósofos,
costumam ser colocadas no
gênero da relação.

E deve-se saber que Aristóteles, no livro das Categorias,
coloca sob este gênero exemplos como
igual e desigual, semelhante e dessemelhante,
maior e menor, o mesmo e o diverso, contrário, causa e efeito,
pai e filho, e outros semelhantes.

Mas, como já foi dito, esses nomes não significam uma natureza real nova,
mas apenas
ordem ou comparação entre coisas absolutas.

Primeiramente, o termo igual (aequale)
significa duas grandezas que não excedem uma à outra.
Ora, essa igualdade não é coisa fora das grandezas mesmas,
mas um
modo de considerá-las conjuntamente.
Assim, se duas linhas são iguais,
não existe entre elas uma terceira coisa chamada “igualdade”;
há apenas o fato de que
nenhuma excede a outra.
Logo, “igual” é nome de razão, não de essência.

Do mesmo modo, semelhante (simile)
se diz de coisas que têm uma mesma qualidade.
Mas a “semelhança” não é coisa além das qualidades semelhantes,
pois, se cada uma delas permanecesse sozinha,
a “semelhança” deixaria de existir.
Logo, não é ente real,
mas relação de razão fundada na igualdade das qualidades.

De igual modo, maior e menor
não significam naturezas diversas,
mas apenas diferença de quantidade.
Pois o que é “maior” não possui um ser distinto,
senão que
tem mais partes ou maior extensão.
Logo, a grandeza absoluta é o fundamento,
e a relação de “maioridade” é
concebida pela mente.

O mesmo se diga de idem e diversum,
isto é, “o mesmo” e “o diverso”.
Pois “o mesmo” não é outra coisa além da identidade da substância,
e “diverso” significa apenas
negação da identidade.
Logo, ambas são
intenções de razão.

Quanto ao contrário (contrarium),
diz-se das qualidades que não podem existir juntas no mesmo sujeito,
como quente e frio, branco e negro.
Mas a “contrariedade” não é coisa distinta das qualidades contrárias,
porque, se uma delas perece, a contrariedade também perece.
Logo, é modo de comparação,
não realidade subsistente.

Do mesmo modo, quanto à causa e ao efeito,
não há neles duas realidades além das próprias coisas absolutas,
mas apenas uma
ordem de dependência percebida pelo intelecto.
Pois o mesmo movimento que parte do agente e termina no paciente
é concebido como “causa” de um lado e “efeito” do outro.
Assim, a relação causal é o mesmo fato,
não um terceiro ente entre os dois.

Quanto a pai e filho,
é manifesto que essas relações se fundam no mesmo ato de geração.
Pois, se se remove o ato,
nem pai nem filho permanecem.
Logo, a paternidade e a filiação não são coisas reais,
mas
razões diversas consideradas sobre um mesmo fundamento.

E assim de todos os outros nomes relativos:
“maior”, “menor”, “igual”, “semelhante”, “contrário”, “mesmo”, “outro”,
“causa”, “efeito”, “pai”, “filho” —
todos são
vozes de segunda intenção,
isto é, signos do modo pelo qual o intelecto compara os entes absolutos.

Por isso, quando se diz que tais coisas “pertencem ao gênero da relação”,
deve-se entender
segundo o modo de significar, não segundo o ser.
Pois o ser real permanece uno e simples;
a multiplicidade das relações é
obra da mente,
que multiplica intenções para ordenar o discurso.

Logo, todas as coisas colocadas no gênero da relação
são
entes de razão fundados sobre entes absolutos,
e a relação, como gênero, é
inteiramente lógica.

E basta, por ora, sobre as coisas que são colocadas no gênero da relação.

[1.53 — DE PROPRIETATIBUS RELATIVORUM]

(Sobre as propriedades dos relativos)

Depois de termos mostrado o que é a relação e o que se coloca em seu gênero,
convém agora tratar das
propriedades dos relativos,
pelas quais eles se distinguem das outras categorias.

Deve-se saber, portanto, que essas propriedades não provêm de uma natureza real,
mas do
modo pelo qual o intelecto compara um ente com outro.
E, assim, todas as propriedades dos relativos são
fundadas na razão,
ainda que tenham fundamento real na ordem das coisas.

A primeira propriedade dos relativos é a reciprocidade (reciprocatio).
Diz-se que todo relativo implica outro relativo correlato:
onde há pai, há filho;
onde há mestre, há discípulo;
onde há igual, há igual.
Mas essa reciprocidade
não é real,
porque não nasce de dois entes novos,
e sim do mesmo fundamento considerado sob razão diversa.
Pois o mesmo ato de ensino é chamado “magistério” do ponto de vista do mestre,
e “disciplina” do ponto de vista do discípulo.
Logo, a reciprocidade é
simetria de significação,
não duplicação de seres.

A segunda propriedade é a conversão (conversio).
Os relativos se convertem — isto é, são permutáveis no discurso —,
de modo que, se A é pai de B, então B é filho de A.
Mas essa conversão é
lógica, não ontológica.
Ela decorre da estrutura da proposição e da ordem da linguagem,
não de um movimento real nas coisas.
Logo, a conversão é
necessidade de enunciação,
não de existência.

A terceira propriedade é a ordem (ordo).
Pois todo relativo implica certa prioridade e posterioridade,
como causa e efeito, senhor e servo, superior e inferior.
Mas tal ordem
não implica hierarquia real,
senão distinção conceitual.
A mesma realidade pode ser dita “superior” ou “inferior”
segundo a relação em que é concebida.
Assim, o anjo é superior ao homem e inferior a Deus,
mas a superioridade e a inferioridade
não são coisas distintas nem no anjo, nem no homem, nem em Deus;
são apenas
razões comparativas fundadas na diversidade de perfeição.

A quarta propriedade é a simultaneidade (simul esse).
Os relativos são simultâneos por natureza,
porque nenhum pode ser sem o outro.
Assim, não há paternidade sem filiação,
nem semelhança sem semelhantes,
nem igualdade sem iguais.
Mas essa simultaneidade é
de razão,
não de geração.
Pois, embora o intelecto os conceba juntos,
eles não se produzem realmente ao mesmo tempo;
são apenas duas expressões do mesmo fundamento.

A quinta propriedade é a mutabilidade (mutatio).
As relações mudam quando muda o termo correlato,
ainda que o sujeito permaneça o mesmo.
Mas essa mudança
não é real,
porque não há geração de nova coisa,
mas apenas mudança
de comparação.
Assim, se Pedro se torna semelhante a Paulo,
não se introduz em Pedro nova realidade,
mas apenas nova ordem mental entre ambos.

Logo, todas as propriedades dos relativos
se reduzem a modos de significação,
fundados sobre realidades absolutas,
mas não acrescentando a elas novo ser.

Por isso, a categoria da relação é inteiramente lógica,
e seus predicamentos são
vozes de segunda intenção,
pelas quais o intelecto representa a ordem e a dependência entre os entes.

E quem, ignorando essa distinção,
toma tais propriedades por sinais de novas substâncias,
multiplica os entes por erro da imaginação.

Assim, concluo que:

“Proprietates relativorum sunt modi loquendi, non modi essendi.”
(As propriedades dos relativos são modos de falar, não modos de ser.)

E basta, por ora, sobre as propriedades dos relativos.

[1.54 — DE RELATIVIS SECUNDUM CONTRARIAM OPINIONEM]

(Dos relativos segundo a opinião contrária)

Há, entretanto, muitos que sustentam o contrário do que foi dito,
afirmando que as
relações são realidades distintas das coisas absolutas,
e que, portanto, constituem um gênero de ente verdadeiramente separado.

Segundo essa opinião, a relação é um acidente próprio,
nem substância, nem qualidade, nem quantidade,
mas um ser intermediário que depende de dois sujeitos correlatos.
Assim, dizem que a semelhança entre dois brancos é uma terceira coisa,
distinta das duas brancuras;
e que a paternidade é um acidente realmente distinto do pai,
como a filiação o é do filho.

E acrescentam que tal distinção é necessária
porque as relações têm
reciprocidade, mutabilidade e oposição,
coisas que não podem existir, dizem eles,
sem real diferença entre os correlatos.

Mas essa opinião é falsa e confusa,
porque não distingue o que é
segundo o ser
daquilo que é
segundo a razão.

Pois toda relação, como já se mostrou,
se funda em alguma coisa absoluta,
e nada acrescenta a ela, senão
razão de ordem.
Se houvesse, porém, uma terceira coisa entre dois correlatos,
teríamos de admitir
infinitas relações,
já que cada relação engendraria outras relações consigo mesma e com seus fundamentos,
o que levaria a regressão infinita e destruição da unidade do ser.

Além disso, se a relação fosse coisa realmente distinta,
então deveria ter
sujeito próprio e ser próprio,
o que é impossível,
pois toda relação está em outro,
e nada que esteja essencialmente em outro pode subsistir por si.

Logo, a relação não é um ente novo,
mas o mesmo fundamento absoluto
considerado sob o aspecto da referência (secundum rationem respectus).

Os defensores da opinião contrária dizem ainda:

se a relação não for coisa real,
então não haverá diferença entre o que é semelhante e o que é dissemelhante,
entre o pai e o filho, entre o senhor e o servo.

Mas isso é erro manifesto.
Pois tais diferenças
não residem em novas essências,
mas no próprio modo de apreensão.
A diversidade entre “pai” e “filho” consiste apenas
na ordem natural de geração e proveniência;
a diversidade entre “semelhante” e “dessemelhante”
consiste apenas na comparação de qualidades.
Nenhuma delas requer nova realidade,
mas apenas novos
modos de significar.

E se alguém disser que a relação é coisa real,
porque Deus conserva na Eucaristia as espécies relacionais sem a substância,
respondo, como antes,
que isso é milagre e exceção, não regra da natureza.
Pois Deus pode conservar o acidente sem o sujeito,
mas isso não prova que o acidente tenha ser por si.

Portanto, a opinião contrária é falsa,
porque destrói a simplicidade das coisas
e introduz multiplicação de entes sem necessidade.
Ela toma o que é do intelecto como se fosse do mundo,
e o que é de razão como se fosse de essência.

Logo, concluo:

“Relativum non est res, sed ratio.”
(O relativo não é coisa, mas razão.)

E, portanto, todas as relações,
quanto ao ser, são idênticas aos seus fundamentos;
quanto à concepção, diferem segundo o aspecto do entendimento.

E basta, por ora, sobre os relativos segundo a opinião contrária.

[1.55 — DE PRAEDICAMENTO QUALITATIS]

(Sobre o predicamento da qualidade)

Segue-se agora o quarto gênero supremo, a qualidade,
sobre o qual muitos se equivocaram,
imaginando ser uma realidade distinta da substância,
como se a brancura, o calor ou a ciência fossem coisas diversas do sujeito em que estão.

Mas, segundo a verdade e o modo de significar,
a
qualidade não é coisa distinta,
mas o mesmo sujeito
considerado sob certa disposição.

E deve-se saber que este nome “qualidade”
é voz de segunda intenção,
pela qual o intelecto designa
o modo de ser ou de se dispor de algo.
Assim, quando dizemos que o corpo é “branco” ou “quente”,
não afirmamos que nele haja uma coisa chamada “brancura” ou “calor”,
mas apenas que ele é
tal segundo o modo de aparecer e agir.

Logo, a qualidade não acrescenta ser,
mas exprime
ordem do sujeito consigo mesmo.
E isso é evidente pelo fato de que, se a substância perece,
todas as suas qualidades perecem,
não como coisas distintas que deixam de existir,
mas como aspectos que cessam porque o sujeito cessa.

Deve-se também considerar que Aristóteles, no livro das Categorias,
dividiu a qualidade em quatro espécies:
habitus et dispositio, potentia et impotentia naturalis,
passio et passibile qualitas, e figura et forma exterior.
Mas essa divisão é segundo o
modo de significar,
não segundo realidades distintas.

A primeira espécie, habitus et dispositio,
designa a ordenação estável ou passageira do sujeito,
como a ciência, a virtude, ou o calor momentâneo.
Ora, tais nomes não significam coisas distintas do sujeito,
mas o mesmo sujeito
enquanto ordenado de certo modo.
Assim, a sabedoria não é coisa fora da alma,
mas a própria alma
enquanto entende bem.

A segunda espécie, potentia et impotentia naturalis,
significa a capacidade ou incapacidade de operar.
Mas essa potência não é um ente novo,
e sim o mesmo ser que pode agir.
Logo, a potência não é coisa distinta da essência,
mas razão do agente enquanto apto.

A terceira espécie, passio et qualitas passibilis,
designa a disposição pela qual algo se altera,
como ser quente, frio, úmido, seco.
Mas isso não é coisa distinta da matéria corporal,
senão o mesmo corpo
enquanto sujeito de mudança.
Assim, o calor é modo do corpo enquanto em ato de aquecer,
não natureza autônoma.

A quarta espécie, figura et forma exterior,
designa a configuração ou aparência do corpo.
Mas a figura, como o círculo ou o quadrado,
não é algo sobreposto à substância,
mas a disposição de suas partes no espaço.
Logo, a figura é
modo de disposição, não substância acidental.

De tudo isso se segue que a qualidade, em qualquer de suas espécies,
não é coisa subsistente,
mas
modo pelo qual o intelecto apreende o ente absoluto.

Por isso, quando dizemos que algo é branco, justo ou sábio,
não afirmamos a presença de novos entes,
mas descrevemos o mesmo ser sob diferentes aspectos.
Assim, o mesmo homem é dito “sábio” por sua ciência,
“virtuoso” por sua vontade,
“justo” por seu ato,
e “homem” por sua substância.
Mas em todos esses predicados não há multiplicação de realidades,
somente
diversidade de concepção.

Logo, a qualidade, enquanto gênero,
é o
modo de ser ou de se ordenar de uma coisa,
e, enquanto tal, é
ente de razão fundado sobre o ente real.

E quem sustenta que as qualidades são entes distintos,
introduz na natureza
multidão desnecessária,
confundindo o que é de significação com o que é de substância.

Portanto, deve-se dizer:

“Qualitas non est res, sed modus significandi rem.”
(A qualidade não é coisa, mas modo de significar a coisa.)

E basta, por ora, sobre o predicamento da qualidade.

[1.56 — DE PRAEDICAMENTO QUALITATIS SECUNDUM ALIAM OPINIONEM]

(Sobre o predicamento da qualidade segundo outra opinião)

Alguns afirmam, contra o que foi dito,
que a
qualidade é uma coisa real,
distinta tanto da substância quanto das outras categorias.

Dizem que, assim como a substância é aquilo que existe por si,
a qualidade é aquilo que existe
em outro,
não apenas como modo de conceber,
mas como
forma verdadeira e positiva.

Por isso, sustentam que, assim como o corpo é substância,
a
brancura é uma forma que realmente está no corpo branco;
que a
sabedoria é uma forma real na alma sábia;
e que o
calor é uma forma distinta no fogo.
E acrescentam que, sem tais formas,
não seria possível explicar as diferenças de perfeição,
as alterações naturais e a multiplicidade das ciências.

Mas essa opinião é falsa e confusa,
porque toma o que é
modo de significar
como se fosse
modo de existir.

Pois, se a qualidade fosse uma coisa distinta da substância,
então, quando um corpo se tornasse branco,
nele haveria geração de nova realidade —
o que repugna à experiência.
De fato, quando a parede se torna branca,
nada nela nasce além da nova disposição de suas partes superficiais,
e essa disposição é suficiente para a aparência de brancura.
Logo, o que muda é o modo do corpo,
não a adição de um novo ente.

Além disso, se a qualidade fosse coisa real,
então cada alteração introduziria uma substância nova,
pois, ao cessar o calor, pereceria também uma forma,
e o corpo deveria permanecer como sujeito vazio,
o que é absurdo.
Ora, ninguém experimenta que o corpo se esvazie de forma ao esfriar-se;
apenas muda o modo pelo qual é sentido.

Também se segue, dessa doutrina,
que em um mesmo sujeito haveria
muitas substâncias,
pois, se a qualidade tem ser próprio,
é substância em si, e não mero acidente.
Mas isso contradiz o princípio de que uma coisa
não pode ser e não ser substância ao mesmo tempo.

Portanto, todas as distinções de qualidades
devem ser entendidas
segundo o intelecto,
não segundo a natureza.
A substância é una e simples,
mas pode ser concebida sob muitos modos:
como quente ou fria, dura ou mole, branca ou negra, sábia ou ignorante.
Essas expressões não introduzem novos entes,
mas descrevem o mesmo ser em sua ordenação e operação.

Além disso, a experiência mostra que as qualidades dependem inteiramente do sujeito,
e não têm atividade separada.
Pois o branco não atua como branco,
mas como corpo que reflete luz;
o quente não atua como calor distinto,
mas como corpo que queima;
e o sábio não entende por uma forma chamada “sabedoria”,
mas pelo próprio ato da alma racional.

Logo, a qualidade é o modo do sujeito em operação,
não forma inserida nele.
Ela é razão de diferença,
não coisa real.

A opinião contrária também se contradiz na teologia.
Pois, se as qualidades fossem coisas distintas,
em Deus haveria infinitas realidades,
uma para cada perfeição,
e a unidade divina seria destruída.
Mas Deus é simples,
e todas as suas perfeições são idênticas à sua essência.
Assim, o modelo divino confirma que
as perfeições não são formas distintas,
mas razões de um mesmo ser.

Logo, como o mundo criado é imagem de Deus,
também nele as qualidades não são coisas,
mas razões conceituais que descrevem o mesmo ser sob diferentes modos.

Portanto, deve-se rejeitar a opinião contrária,
e afirmar que as qualidades são
vozes da mente,
não entidades reais.

Assim, concluo:

“Qualitas non est forma realis, sed ratio concepta de dispositione subiecti.”
(A qualidade não é forma real, mas razão concebida da disposição do sujeito.)

E basta, por ora, sobre o predicamento da qualidade segundo outra opinião.

[1.57 — DE PRAEDICAMENTO ACTIONIS]

(Sobre o predicamento da ação)

Depois da qualidade, segue o predicamento da ação,
que é aquilo pelo qual uma coisa é dita
agir sobre outra.

Mas deve-se saber, antes de tudo,
que a
ação não é coisa distinta do agente,
nem um acidente novo que se acrescente à substância,
mas o mesmo ser considerado
segundo o exercício da potência.

Com efeito, quando se diz que o fogo aquece,
não se entende que exista nele uma coisa chamada “aquecimento”,
além de seu próprio ser ardente.
A ação é, pois,
a substância em operação,
não outra realidade superposta.

Logo, o nome “ação” é voz de segunda intenção,
pela qual o intelecto designa o modo segundo o qual
o agente se ordena ao efeito.
Ela não acrescenta ser,
mas descreve o mesmo sujeito em movimento de causalidade.

Por isso, quando dizemos que o fogo aquece,
ou que o homem fala,
ou que o sol ilumina,
não afirmamos que haja uma coisa intermediária entre o agente e o efeito,
mas apenas que o agente,
enquanto causa,
está produzindo algo fora de si.

Assim, a ação não é uma essência,
mas
razão de procedência,
fundada sobre o ser ativo da substância.

E isso é claro, porque toda ação cessa
quando o sujeito deixa de operar,
sem que reste nela algo subsistente.
Ora, se a ação fosse coisa real,
deveria permanecer enquanto o sujeito subsistisse,
o que é manifestamente falso.

Além disso, a ação não tem sujeito distinto,
pois não está “em outro”, como os acidentes,
mas é o mesmo ser considerado sob aspecto transitivo.
E, por isso, Aristóteles diz que
agir é ser em ato (agere est esse in actu),
o que mostra que o ato e o ser não se distinguem realmente,
mas formalmente, segundo a razão.

Logo, quando se fala em “ação” e “paixão”,
não se introduz novo ser,
mas apenas
ordem de dependência entre agente e paciente.

Assim, a ação, enquanto gênero,
não significa natureza distinta,
mas modo segundo o qual uma substância é
causa de outra.

E, portanto, deve-se dizer que a ação é o mesmo que o ser do agente,
não um acidente realmente distinto.
Ela nasce no mesmo instante em que o agente age,
e perece quando o agente deixa de agir.

E se alguém disser que, quando Deus cria, há uma ação distinta da essência divina,
respondo que isso é falso,
pois em Deus o agir é o ser — Deus est suum agere.
Logo, também nas criaturas, por analogia inferior,
a ação não é outra coisa além do sujeito enquanto em ato.

Por isso, a ação é chamada predicamento lógico,
não ontológico:
exprime o modo de considerar o ser enquanto produtor,
não um ser novo.

E quem toma a ação como coisa separada
divide o ente sem necessidade,
fazendo do movimento uma substância,
e do verbo um nome.

Portanto, deve-se dizer:

“Actio non est accidens reale, sed modus significandi agens in effectu.”
(A ação não é acidente real, mas modo de significar o agente em relação ao efeito.)

E basta, por ora, sobre o predicamento da ação.

[1.58 — DE PRAEDICAMENTO PASSIONIS]

(Sobre o predicamento da paixão)

Depois do predicamento da ação,
segue-se o da
paixão,
que, segundo Aristóteles,
é o correlato natural da ação,
pois todo agir supõe algo que padece.

Deve-se saber, portanto,
que, assim como a ação não é coisa distinta do agente,
também a
paixão não é coisa distinta do paciente.
Pois, quando se diz que a cera é amolecida pelo fogo,
não se introduz nela uma nova realidade chamada “amolecimento”,
mas apenas uma nova disposição de suas partes.

Logo, a paixão é o mesmo ser do sujeito
enquanto se ordena a receber influência de outro.
Não é coisa nova,
mas
modo de dependência,
fundado sobre a causalidade do agente.

Por isso, quando se diz que o corpo é aquecido,
ou que o ferro é dilatado,
ou que a alma é instruída,
não se deve entender que haja neles uma coisa intermediária entre o que age e o que recebe,
mas apenas uma nova ordenação,
pela qual a substância é considerada como receptiva.

Assim, a paixão não acrescenta ser,
mas
expressa a mutação,
isto é, o passar de um modo de disposição a outro.

E isso é evidente,
porque toda paixão cessa com a cessação da ação,
sem que reste nela algo subsistente.
Ora, o que nasce e perece apenas por mudança de ordem
não é coisa, mas razão.

Além disso, a paixão não é uma realidade que passe do agente ao paciente,
pois o que passa é apenas o efeito,
isto é, a nova disposição do sujeito.
Logo, a paixão não é movimento físico,
mas
termo do movimento,
considerado segundo o modo de recepção.

E, por isso, Aristóteles diz que “o movimento é ato do paciente enquanto paciente”,
isto é, ato do mesmo ser em sua relação com o agente.
Daí se segue que a ação e a paixão
são o mesmo movimento considerado sob razão diversa:
do ponto de vista do princípio, chama-se ação;
do ponto de vista do término, chama-se paixão.

Portanto, não há duas coisas,
mas uma só operação sob duplo aspecto.

Logo, a paixão é ente de razão,
fundado sobre o ser real do sujeito enquanto passível de alteração.
Ela exprime não o que o sujeito é em si,
mas o modo como é afetado por outro.

E quem sustenta que a paixão é acidente real
introduz multiplicação de entes desnecessária,
porque o paciente não precisa de nova realidade para ser afetado,
mas apenas de nova disposição.

Assim, concluo que:

“Passio non est res distincta a patiente, sed idem secundum rem et diversum secundum rationem.”
(A paixão não é coisa distinta do paciente, mas o mesmo segundo a realidade e diverso segundo a razão.)

E basta, por ora, sobre o predicamento da paixão.

[1.59 — DE PRAEDICAMENTO “QUANDO”]

(Sobre o predicamento do tempo)

Depois da paixão, segue o predicamento “quando”,
pelo qual se designa o tempo em que algo é ou acontece.

E deve-se saber que este nome “quando”
não significa uma coisa real existente fora da mente,
mas apenas
ordem ou medida das mudanças e dos atos.
Pois o tempo, como disse Aristóteles,
é numerus motus secundum prius et posterius,
isto é, o número do movimento segundo o antes e o depois.

Mas o número, como já se mostrou,
não é coisa fora da alma,
senão intenção da razão.
Logo, também o tempo, enquanto tal,
não é realidade distinta,
mas
modo pelo qual o intelecto mensura as sucessões.

Assim, quando dizemos que algo foi, é ou será,
não falamos de três realidades diferentes,
mas de uma mesma coisa considerada sob três ordens de apreensão:
como já possuída, como presente, ou como ainda por vir.

E disso se segue que o “tempo”
não corre sobre as coisas como um rio invisível,
mas nasce do ato pelo qual o intelecto
compara as mutações.
Pois, se o movimento cessasse,
e nada mudasse,
também cessaria o tempo,
não porque algo tivesse sido destruído,
mas porque o fundamento da comparação teria desaparecido.

Logo, o tempo não é substância, nem acidente real,
mas
razão da sucessão percebida.
Ele é ente de razão fundado sobre o movimento.

Por isso, quando se diz que o tempo é longo ou breve,
não se entende que exista uma extensão real no tempo,
mas apenas que há
mais ou menos sucessão de atos.
E quando se diz que um mesmo evento “durou muito”,
significa apenas que, segundo a comparação mental,
houve muitos instantes ou mudanças contadas sob uma mesma ordem.

Assim, o “quando” é predicamento lógico,
não físico:
designa a disposição do ente em relação ao fluxo dos atos,
não uma entidade que o envolve.

E deve-se advertir que a palavra “quando”
não se diz somente do tempo em sentido estrito,
mas também das
circunstâncias que acompanham o ser,
como “quando nasceu”, “quando morreu”, “quando agiu”,
todas as quais indicam
referência temporal,
não realidade nova.

Logo, o predicamento “quando”
exprime a
mensura do existir sucessivo,
não o existir em si.
Ele é o modo segundo o qual o intelecto
determina a ordem e a duração dos entes em ato.

Por isso, o tempo é dito “número do movimento”,
não porque haja nele um número real,
mas porque é o próprio intelecto que
numera o antes e o depois.

Logo, o tempo, enquanto tempo,
não tem ser fora da mente,
mas é
entidade de razão dependente do movimento real.

Assim, deve-se dizer:

“Tempus non est res, sed ratio numerandi mutationes.”
(O tempo não é coisa, mas razão de numerar as mudanças.)

E basta, por ora, sobre o predicamento “quando”.

[1.60 — DE PRAEDICAMENTO “UBI”]

(Sobre o predicamento do lugar)

Depois do tempo, segue o predicamento “ubi”,
pelo qual se designa
o lugar em que algo está.

E deve-se saber, antes de tudo,
que o nome “lugar” (locus)
é tomado de muitos modos.
Às vezes significa
a coisa corpórea circundante,
como quando se diz que o corpo da água é o lugar do peixe;
outras vezes significa
a posição ou ordem das partes do mundo,
como quando se diz que a lua está acima da terra.

Mas, em nenhum desses modos,
o lugar é coisa distinta dos corpos mesmos,
pois, se os corpos fossem destruídos,
o lugar também deixaria de existir.
Logo, o lugar não tem ser próprio,
mas depende inteiramente das substâncias corpóreas.

Portanto, o “onde” (ubi)
não é realidade física,
mas
razão de disposição das coisas corpóreas entre si,
segundo proximidade, distância e posição.

Por isso, quando se diz que algo “está aqui” ou “ali”,
não se afirma a existência de uma nova entidade chamada “aqui” ou “ali”,
mas apenas se indica
a relação do corpo com outros corpos.
Assim, “estar em Roma” ou “estar em Jerusalém”
não significa habitar em duas realidades,
mas ser o mesmo sujeito ordenado de modo diferente no espaço comum.

Logo, o lugar não é recipiente,
nem continente real das substâncias,
mas o mesmo mundo considerado
quanto à ordem posicional.
E, por isso, Aristóteles, embora chame o lugar de “limite do corpo continente”,
não quis dizer com isso que o lugar fosse uma natureza separada,
mas apenas que ele é
razão do contato e da posição.

Do mesmo modo, quando se diz que o corpo foi movido de um lugar a outro,
não se deve entender que passou de uma coisa a outra,
mas que mudou a
ordem de vizinhança e distância.
Logo, o movimento local não é passagem por entes distintos,
mas transposição relativa entre partes do mundo.

E se alguém disser que, mesmo sem corpos, o espaço permaneceria,
respondo que tal espaço seria
mera imaginação,
não ente real.
Pois, suprimidos todos os corpos,
nada restaria a que o nome “aqui” ou “ali” pudesse referir-se;
e o intelecto, carente de fundamento,
formaria apenas figura mental, não realidade física.

Assim, o “onde” (ubi)
é predicamento
puramente lógico,
como o “quando”.
Ambos exprimem ordens de relação —
o um segundo a
posição, o outro segundo a sucessão.

Logo, o lugar, enquanto lugar,
não é coisa, mas razão:
razão da coexistência e da posição dos entes corpóreos.
E, portanto, o espaço não é realidade que envolve o mundo,
mas
modo da mente de apreender as distâncias.

Por isso, deve-se dizer:

“Locus non est res extra corpora, sed ordo corporum secundum situm.”
(O lugar não é coisa fora dos corpos, mas ordem dos corpos segundo a posição.)

E basta, por ora, sobre o predicamento “ubi”.

[1.61 — DE PRAEDICAMENTO POSITIONIS]

(Sobre o predicamento da posição)

Depois do lugar, segue o predicamento da posição,
pelo qual se diz que algo está
posto ou disposto de certa maneira.

E deve-se saber que este nome “posição”
(positio) significa
ordem ou situação das partes de um corpo,
segundo certo modo de colocação e figura.
Assim, quando dizemos que alguém está sentado, deitado ou em pé,
não afirmamos nele uma nova natureza,
mas apenas descrevemos
a disposição atual de suas partes.

Logo, a posição não é coisa,
mas
modo de disposição do sujeito corporal.

E isso é evidente,
porque uma mesma substância, permanecendo a mesma,
pode mudar infinitas vezes de posição —
ora estar de pé, ora reclinada, ora curvada —
sem que, por isso, se introduza nova realidade.
O que varia é apenas a relação espacial entre suas partes.

Por conseguinte, a posição não é acidente real,
mas
modo lógico de significar a ordem corporal.
Ela exprime não o que o corpo é,
mas o modo como suas partes estão ordenadas.

E, por isso, Aristóteles, no livro das Categorias,
coloca sob este gênero exemplos como “deitado”, “sentado”, “armado”, “postado”,
todos os quais não introduzem coisa nova,
mas apenas descrevem
a configuração transitória das partes corporais.

Além disso, se a posição fosse coisa real,
teria de existir em algum sujeito.
Mas o sujeito da posição é o próprio corpo,
e não há nele lugar para uma forma adicional chamada “posição”,
pois o corpo já é extenso e composto de partes ordenadas.
Logo, a posição é redundante enquanto realidade,
e necessária apenas como
razão de linguagem.

Do mesmo modo, não há uma “posição” comum a todos os corpos,
como se fosse uma essência universal da ordenação.
Cada corpo tem sua própria disposição de partes,
e o intelecto, ao considerar essas disposições em comum,
forma o conceito geral de posição,
que é
intenção de segunda ordem,
isto é, ato da mente, não coisa no mundo.

Assim, a posição não é substância, nem acidente,
mas
ordem concebida pelo intelecto,
fundada na realidade das partes corpóreas.

E, portanto, quando se diz que alguém “está deitado”,
ou que um exército “está em formação”,
ou que um corpo “está inclinado”,
em todos esses casos, a “posição”
é apenas a razão pela qual as partes estão dispostas
segundo certo ângulo ou distância.

Logo, deve-se dizer:

“Positio non est res, sed modus considerandi ordinem partium in corpore.”
(A posição não é coisa, mas modo de considerar a ordem das partes no corpo.)

E basta, por ora, sobre o predicamento da posição.

[1.62 — DE PRAEDICAMENTO HABITUS]

(Sobre o predicamento do hábito)

Depois da posição, segue o predicamento do hábito,
pelo qual se diz que alguém
tem ou está revestido de algo.

E deve-se saber que este nome “hábito” (habitus)
se toma de dois modos:
— um
físico e exterior,
— outro
moral e interior.

Segundo o primeiro modo,
significa uma disposição ou revestimento corporal,
como quando se diz que alguém está
armado, vestido ou calçado.
Mas, nesse sentido, o hábito não é coisa distinta do corpo e dos objetos possuídos,
pois, se o corpo ou a roupa perecem,
o hábito desaparece com eles.
Logo, não é forma nem acidente,
mas
razão de relação e posse.

Segundo o segundo modo,
“hábito” significa uma disposição estável da alma,
como ciência, virtude ou vício.
Mas, mesmo nesse sentido,
não é coisa realmente distinta da potência racional,
pois a virtude e a ciência não são formas novas,
mas o mesmo poder da alma
ordenado e exercitado de certo modo.

Logo, tanto no uso exterior quanto no interior,
o hábito é
razão de disposição,
não ente separado.

E deve-se entender que o verbo “ter” (habere),
de onde vem “hábito”,
não designa substância,
mas
relação entre sujeito e possuído.
Assim, dizer “o homem tem roupa”
não significa que haja entre ele e a roupa uma coisa chamada “ter”,
mas apenas que há
ordem de domínio ou posse.
Do mesmo modo, dizer “a alma tem ciência”
não significa que uma forma intermediária exista entre o intelecto e o conhecido,
mas que o intelecto se encontra
habituado ao ato de conhecer.

Portanto, o hábito, em qualquer de seus modos,
é
ente de razão fundado sobre a ordem entre dois absolutos —
o sujeito e o objeto possuído ou exercido.
Ele não acrescenta ser,
mas apenas indica
estado de disposição.

E isso é evidente,
porque o hábito pode ser adquirido ou perdido
sem que o sujeito ganhe ou perca nova substância,
mas apenas mude de ordenação.
O homem vestido e o homem nu são o mesmo homem;
a alma sábia e a alma ignorante são a mesma alma,
diferindo apenas quanto ao modo de exercício de suas potências.

Logo, o hábito é predicamento lógico, não físico;
designa a
relação de posse e disposição,
não uma essência que existe em si.

E, portanto, deve-se dizer:

“Habitus non est res, sed ratio habendi aliquid.”
(O hábito não é coisa, mas razão de ter algo.)

E basta, por ora, sobre o predicamento do hábito.

[1.63 — DE SUPPOSITIONE TERMINORUM ET EIUS SPECIEBUS]

(Sobre o uso dos termos nas proposições e suas espécies)

Depois de termos tratado dos termos em si mesmos,
convém agora falar de sua
suposição (suppositio),
isto é, do modo como os termos
representam e se aplicam às coisas dentro das proposições.

E deve-se saber que o nome “suposição” não é tomado aqui no sentido vulgar,
mas
no sentido lógico,
isto é, como o ato pelo qual um termo ocupa o lugar de uma coisa no discurso.
Assim, em toda proposição significativa,
cada termo tem sua
suposição própria,
pela qual ele “supõe” — ou representa — uma ou mais coisas.

Logo, “suposição” é o uso de um termo por um intelecto que fala (usus termini in propositione per intellectum loquentem),
pelo qual o termo é posto no lugar daquilo que significa.

E deve-se distinguir cuidadosamente entre o significar e o supor:
pois “significar” é próprio do termo
enquanto voz ou conceito,
mas “supor” é próprio do termo
enquanto usado na proposição.
Assim, o termo “homem”
significa a natureza humana,
mas, em uma proposição como “o homem corre”,
ele
supõe por algum indivíduo — por exemplo, Sócrates ou Pedro.

Por isso, a suposição é sempre ato secundário em relação à significação,
pois pressupõe que o termo já tenha significado algo,
e, em seguida, é usado para representar aquilo de que se fala.

Logo, a suposição é o modo lógico da referência de um termo dentro da oração,
não uma propriedade da coisa,
mas
relação do discurso ao ente.

E, conforme a diversidade desse uso,
há diversas
espécies de suposição,
a saber:

1.      Suppositio personalis — pessoal,
quando o termo supõe pelas coisas que caem sob o seu significado,
como em “O homem é animal”,
onde “homem” supõe por todos os homens singulares.

2.      Suppositio simplex — simples,
quando o termo não supõe por indivíduos,
mas pela
forma ou natureza comum que designa,
como em “O homem é espécie”,
onde “homem” não representa Pedro nem João,
mas a natureza humana enquanto universal.

3.      Suppositio materialis — material,
quando o termo não é tomado por seu significado,
mas
por si mesmo como palavra,
como em “Homem é nome de duas sílabas”.
Aqui o termo não representa coisa alguma,
mas o próprio som ou vocábulo.

Além dessas, há suposições confusas, distributivas e restritas,
que se determinam segundo o modo de quantificação da proposição.

E, por isso, toda suposição pertence à ordem do discurso,
não à ordem das coisas,
pois muda conforme o contexto e a intenção do falante.

Assim, o mesmo termo pode ter suposição diversa
em proposições diferentes:
— em “O homem é animal”, supõe pessoalmente;
— em “O homem é espécie”, supõe simplesmente;
— em “Homem é nome”, supõe materialmente.

Logo, a suposição é o princípio da flexibilidade semântica da linguagem,
e a chave do raciocínio lógico.

E, portanto, deve-se dizer:

“Suppositio est usus termini in propositione pro eo quod significat vel pro ipso termino.”
(Suposição é o uso de um termo na proposição em lugar do que ele significa ou do próprio termo.)

E basta, por ora, sobre a definição geral da suposição.

[1.64 — DE SUPPOSITIONE PERSONALIS ET EIUS DIFFERENTIIS]

(Sobre a suposição pessoal e suas diferenças)

A suposição pessoal é aquela
pela qual o termo supõe
pelas próprias coisas que caem sob o que ele significa.
Assim, em “O homem é animal”,
o termo “homem” não representa o universal “humanidade”,
mas os indivíduos singulares — Pedro, João e outros semelhantes.

E deve-se saber que essa é a suposição mais própria e natural,
porque as proposições da linguagem comum
quase sempre se formam desse modo.
Quando o intelecto fala,
ele não se refere a naturezas abstratas,
mas aos entes concretos que percebe ou imagina.

Logo, a suposição pessoal é o uso do termo em lugar dos singulares.

E, conforme a diversidade de modo e de quantificação,
a suposição pessoal pode ser de três espécies principais:


I. Suppositio personalis determinata

Quando o termo supõe por algum ou por certos indivíduos,
como em “Algum homem corre”.
Aqui, o termo “homem” é tomado por um indivíduo determinado,
ainda que não se diga qual.
Esta suposição é
determinada,
porque o intelecto refere-se a um ou mais sujeitos possíveis,
mas não a todos.


II. Suppositio personalis confusa

Quando o termo pode ser tomado por qualquer dos indivíduos,
sem que o intelecto determine qual deles,
como em “Todo homem é animal”.
Nesse caso, o termo “homem” pode supor por cada indivíduo,
mas a verdade da proposição não exige que o predicado se verifique de todos ao mesmo tempo,
e sim que se verifique de qualquer,
conforme a distribuição universal.
Por isso, é chamada
confusa,
porque o termo representa múltiplos indivíduos sob um só aspecto.


III. Suppositio personalis distributiva

Quando o termo é tomado por todos e de cada um simultaneamente,
como em “Todo homem é mortal”.
Aqui, a universalidade é real e distributiva:
o predicado aplica-se a todos os indivíduos sem exceção.
Essa é a forma de suposição mais rigorosa,
pois o termo “homem” não apenas pode,
mas deve ser entendido de todos e de cada singular.


E deve-se advertir que,
embora essas distinções pareçam sutis,
delas depende toda a
teoria da quantificação lógica,
pois a diferença entre proposições universais, particulares e singulares
reside justamente na espécie de suposição do termo sujeito.

Assim, na proposição:
— “Todo homem é animal”,
a suposição é
confusa-distributiva,
porque o termo “homem” pode representar a todos,
mas a verificação se dá por cada um.
— “Algum homem é sábio”,
a suposição é
determinada,
pois não se refere a todos.
— “Sócrates é homem”,
a suposição é
singular,
pois o termo refere-se a um único indivíduo.


Logo, a suposição pessoal é o fundamento do discurso realista sobre os singulares,
enquanto as outras espécies de suposição (simples e material)
servem apenas para raciocínios sobre nomes e conceitos.

E, portanto, deve-se dizer:

“Suppositio personalis est usus termini pro rebus singularibus quae cadunt sub eius significatione.”
(A suposição pessoal é o uso do termo em lugar das coisas singulares que caem sob seu significado.)

E basta, por ora, sobre a suposição pessoal e suas diferenças.

[1.65 — DE SUPPOSITIONE SIMPLICI]

(Sobre a suposição simples)

A suposição simples é aquela
pela qual o termo supõe
pela natureza comum ou espécie que ele significa,
e não pelos indivíduos singulares,
nem pelo vocábulo em si.

Assim, quando se diz:
“Homem é espécie”,
o termo “homem” não representa Pedro ou João,
nem o som da palavra,
mas a natureza ou quididade de homem,
enquanto considerada pelo intelecto.

Logo, a suposição simples está entre a pessoal e a material,
pois participa de ambas em algum aspecto:
do termo pessoal, porque ainda se refere ao significado;
do material, porque já não supõe por coisas externas,
mas por
intenção mental.

E deve-se entender que essa natureza comum
não existe fora da alma,
como coisa separada ou forma subsistente,
mas apenas como
intenção do intelecto,
fundada na semelhança dos singulares.
Pois, como dito acima,
“universal” não é realidade exterior,
mas
modo de conceber múltiplos como um só.

Logo, quando o termo “homem” supõe simplesmente,
ele não se refere a indivíduos,
mas à natureza considerada
enquanto universal.

E isso é necessário para o discurso científico,
pois toda definição, divisão ou demonstração
trata das naturezas, não dos singulares.
Dizemos: “O homem é animal racional”,
“Todo triângulo tem três ângulos”,
onde o sujeito não é Pedro nem este triângulo,
mas a
espécie “homem”, “triângulo”, enquanto concebida pela mente.

Assim, a suposição simples é própria da linguagem científica e doutrinal,
enquanto a suposição pessoal é própria da
linguagem factual e empírica.

E deve-se advertir que,
embora a suposição simples se refira a uma natureza universal,
isso não implica que essa natureza tenha existência real.
Pois o intelecto, ao formar o conceito comum,
não cria um novo ente,
mas
abstrai dos singulares aquilo que neles é comum.
Essa abstração é ato do pensamento,
não geração de substância.

Logo, a suposição simples é o uso do termo para designar o universal concebido,
não o universal como coisa.
E, portanto,
os universais subsistem apenas
in intellectu,
não
extra animam.

E assim se distingue das outras suposições:
— na
pessoal, o termo refere-se a indivíduos existentes;
— na
simples, a natureza comum;
— na
material, o próprio nome ou som.

Logo, deve-se dizer:

“Suppositio simplex est usus termini pro natura communi concepta ab intellectu.”
(Suposição simples é o uso do termo em lugar da natureza comum concebida pelo intelecto.)

E basta, por ora, sobre a suposição simples.

[1.66 — DE SUPPOSITIONE MATERIALI]

(Sobre a suposição material)

Depois da suposição simples,
resta tratar da
suposição material,
pela qual o termo é tomado
não por aquilo que significa,
mas
por si mesmo enquanto som, voz ou escrita.

Assim, quando se diz:
“‘Homem’ é nome de duas sílabas”,
ou “‘Animal’ é termo comum”,
a palavra “homem” ou “animal” não é usada para representar coisa alguma,
mas
a si própria como sinal.

Logo, o termo, nessa suposição,
não tem função representativa,
mas
metalinguística
fala-se da palavra enquanto palavra.

E deve-se notar que essa espécie de suposição
é necessária para o discurso lógico e gramatical,
pois, sem ela, não seria possível distinguir
entre o uso e a menção de um termo.
Quando dizemos “Homem é animal”,
usamos o termo;
mas quando dizemos “‘Homem’ é nome”,
mencionamos o termo.
A diferença é de suposição,
não de som.

Logo, a suposição material é o modo pelo qual a linguagem reflete sobre si mesma,
sem sair da ordem dos signos.

E isso é manifesto,
porque o termo tomado materialmente
não se predica de nada fora da mente,
mas apenas de si mesmo.
Assim, “‘Homem’ é substantivo”
não é proposição sobre uma natureza,
mas sobre um vocábulo.

E deve-se advertir que,
embora o termo materialmente tomado
possa ser escrito ou pronunciado,
ele é sempre
objeto de segunda intenção,
isto é, coisa de discurso, não de natureza.

Logo, essa suposição pertence ao domínio da metalinguagem,
e distingue o raciocínio lógico do físico.

E, portanto,
assim como a suposição pessoal versa sobre entes singulares,
e a simples sobre naturezas universais,
a material versa sobre
signos linguísticos.

E convém observar que,
quando um termo é colocado entre aspas,
ou destacado pela escrita,
ele é claramente tomado materialmente;
mas, quando aparece sem distinção,
costuma supor pessoal ou simplesmente,
segundo o contexto.

Logo, deve-se dizer:

“Suppositio materialis est usus termini pro ipso signo vocis vel scripturae.”
(Suposição material é o uso do termo em lugar do próprio sinal vocal ou escrito.)

E basta, por ora, sobre a suposição material.

[1.67 — DE SUPPOSITIONE CONFUSA ET DISTRIBUTIVA]

(Sobre a suposição confusa e distributiva)

Depois das suposições pessoal, simples e material,
resta tratar das
espécies derivadas,
que se chamam
confusa e distributiva,
porque nelas o termo é tomado
por muitos ao mesmo tempo
ou
por todos de modo universal.

E deve-se saber que toda suposição confusa ou distributiva
é espécie da
suposição pessoal,
pois, em ambas, o termo supõe por coisas singulares,
ainda que de modo diverso.

Logo, quando o termo supõe confusamente,
ele representa uma pluralidade de indivíduos,
mas sem determinar nem todos nem um só.
Quando supõe distributivamente,
representa cada um dos indivíduos de modo universal.


I. Suppositio confusa

A suposição é confusa
quando o termo pode ser tomado por muitos,
sem que o intelecto determine qual,
como em “Todo homem é animal”.

Pois, embora o termo “homem” possa referir-se a cada indivíduo,
a proposição é verdadeira se o predicado se verificar de qualquer,
sem exigir a verificação simultânea de todos.

Logo, é confusa porque o termo representa muitos sob unidade de consideração,
sem distinção explícita de cada singular.
E tal confusão não é defeito,
mas modo natural do discurso universal,
pelo qual o intelecto considera uma pluralidade como um conjunto.


II. Suppositio confusa distributiva

A suposição é chamada confusa distributiva
quando o termo é tomado
por todos e de cada um,
ainda que sob a mesma forma de expressão.
Por exemplo, em “Todo homem é mortal”,
o termo “homem” supõe por todos os indivíduos humanos,
de modo que a proposição só é verdadeira
se o predicado se verificar de cada um em particular.

Assim, a confusão é aqui apenas de modo de conceber,
não de extensão,
porque o intelecto considera o universal como um todo,
mas entende que se distribui a todos os casos possíveis.


III. Suppositio confusa determinata

Há ainda uma suposição confusa determinada,
quando o termo é tomado por muitos,
mas a verdade da proposição não requer
que o predicado se aplique a todos,
bastando que se aplique a algum.
Por exemplo, em “Algum homem é sábio”,
o termo “homem” é tomado confusamente por muitos,
mas a verificação se cumpre se o predicado for verdadeiro de um só.

Logo, a diferença entre a confusa distributiva e a confusa determinada
consiste no
modo da quantificação:
na primeira, a quantificação é universal;
na segunda, é particular.


E deve-se advertir que essas distinções,
embora pareçam meramente verbais,
são fundamentais para o
método demonstrativo e para a lógica dos silogismos,
pois delas depende a conversão das proposições
e o valor de suas inferências.

Assim, quando se diz:
“Todo homem é animal, logo algum animal é homem”,
a validade da inferência depende de o termo “homem”
ter suposição confusa distributiva na premissa,
e “animal” suposição confusa determinata na conclusão.

Logo, a teoria da suposição confusa e distributiva
é o fundamento da
lógica dos universais e da quantificação.

E, portanto, deve-se dizer:

“Suppositio confusa est usus termini pro pluribus indeterminatis; suppositio distributiva est usus eiusdem termini pro omnibus et singulis.”
(Suposição confusa é o uso do termo por muitos indeterminados; suposição distributiva é o uso do mesmo termo por todos e por cada um.)

E basta, por ora, sobre a suposição confusa e distributiva.

1.68 — DE SUPPOSITIONE CONFUSA ET MATERIALI]

(Sobre a suposição confusa e material)

Depois da suposição confusa e distributiva,
deve-se falar da
suposição confusa e material,
que é uma espécie intermediária entre a suposição
material e a pessoal,
na qual o termo é tomado
parcialmente por si mesmo e parcialmente por aquilo que significa.

E deve-se saber que tal suposição ocorre
quando, na mesma proposição,
a palavra é considerada
enquanto voz e enquanto significante,
sem que o intelecto distinga expressamente um desses aspectos.

Por exemplo, em proposições como:

“‘Homem’ é nome de homem”;
ou
“‘Branco’ é nome de algo branco”;

a palavra “homem” é tomada materialmente,
enquanto é som e sinal,
e
pessoalmente, enquanto significa os homens.
Logo, sua suposição é
confusa e material,
porque o intelecto, em um mesmo ato,
refere-se tanto ao termo quanto ao que ele representa.

Assim, há aqui uma dupla referência:
uma
metalinguística, dirigida ao nome;
outra
ontológica, dirigida à coisa.
Por isso, o termo se comporta de modo ambíguo,
participando de duas ordens de discurso ao mesmo tempo.

E deve-se advertir que essa confusão é inevitável
em certas formas de raciocínio,
sobretudo nos que tratam de nomes e predicações.
Por exemplo:

“‘Homem’ significa homem”,
ou
“‘Animal’ predica-se de homem”.
Em ambos os casos, o intelecto fala
sobre o nome,
mas também
sobre o que ele significa.
Logo, há uma mescla de níveis —
o nome enquanto nome, e o nome enquanto signo do real.

Essa duplicidade é fonte de sofismas e ilusões na linguagem filosófica,
pois o raciocínio pode deslizar do plano dos
signos ao plano das coisas
sem advertir a mudança.
E é por isso que o lógico deve distinguir com precisão
quando um termo é tomado
materialiter,
quando
formaliter,
e quando
confuse materialiter.

Pois, quando dizemos:

“‘Homem’ é nome de homem”,
a palavra é tomada confusamente;
mas quando dizemos:
“‘Homem’ é nome de duas sílabas”,
é tomada
puramente materialiter;
e quando dizemos:
“O homem é animal”,
é tomada
pessoaliter.

Logo, a suposição confusa e material
é a mais perigosa para o raciocínio,
porque mistura
as duas ordens do discurso
a das palavras e a das coisas —
sem distingui-las claramente.

Por isso, Ockham insiste que o intelecto lógico
deve sempre examinar se, em uma proposição,
fala de re (da coisa) ou de voce (da palavra),
pois, se não o fizer,
incorrerá em falsos silogismos e contradições aparentes.

Assim, conclui-se que:

“Suppositio confusa et materialis est usus termini simul pro voce et pro re significata.”
(Suposição confusa e material é o uso do termo ao mesmo tempo pela voz e pela coisa significada.)

E basta, por ora, sobre a suposição confusa e material.

1.69 — DE SUPPOSITIONE RESTRICTA ET AMPLIATA]

(Sobre a suposição restrita e ampliada)

Depois da suposição confusa e material,
convém tratar da
suposição restrita e ampliada,
porque muitos erros de interpretação nas proposições
nascem da ignorância desses modos.

Deve-se saber que a suposição de um termo
é dita
restringida quando o alcance do termo
é limitado a um número menor de coisas
do que o seu significado comum comportaria;
e
ampliada quando o termo é tomado
por mais coisas do que ordinariamente incluiria.


I. Suppositio restricta

A suposição é restrita
quando a extensão do termo é diminuída
por alguma palavra, tempo ou contexto.

Assim, em “O homem que corre é animal”,
o termo “homem” é tomado restritivamente,
porque não supõe por todos os homens,
mas apenas por aqueles que correm.
Do mesmo modo, em “Só o homem é racional”,
o termo “homem” é restrito àqueles que possuem razão,
e a partícula “só” exclui todos os demais.

A restrição pode proceder:
por partícula exclusiva, como “só”, “somente”;
por adjetivo ou oração relativa,
como “homem justo”, “homem que ensina”;
— ou
por contexto verbal,
quando o verbo ou o tempo indicam limitação,
como “era” ou “foi”, que restringem a suposição ao passado.

Logo, a suposição restrita é o encolhimento lógico do termo,
pelo qual ele se refere a menos do que seu significado natural.


II. Suppositio ampliata

A suposição é ampliada
quando o termo é tomado
por mais
do que presentemente existe sob sua significação.

Isso ocorre, por exemplo,
quando o verbo está no
futuro ou no modo potencial,
como em “Algum homem será branco”,
ou “Algum homem pode ser Papa”.
Aqui, o termo “homem” não supõe apenas pelos homens existentes,
mas também pelos que poderão existir.

Também é ampliada por partículas modais,
como “pode”, “deve”, “necessariamente”,
que estendem a suposição do termo
aos casos possíveis ou necessários,
não apenas aos atuais.

Logo, a suposição ampliada
é o
alargamento intencional da referência do termo,
pelo qual o intelecto abrange
não só os entes existentes,
mas também os possíveis e os futuros.


E deve-se advertir que essas modificações
não mudam o significado do termo em si,
mas apenas
o modo de sua aplicação.
Pois o termo “homem” sempre significa natureza racional mortal;
mas, segundo o contexto,
pode supor por todos, por alguns,
pelos existentes, pelos possíveis, ou pelos futuros.

Assim, a suposição é ampliada pelo modo
e restringida pela
determinação.
Esses dois movimentos — ampliação e restrição —
são como as duas respirações da linguagem:
a primeira estende o pensamento ao possível;
a segunda o reconduz ao atual.

Logo, deve-se dizer:

“Suppositio restringitur per determinationem vel exclusivam; ampliatur per modum potentialem vel temporalem.”
(A suposição é restringida por determinação ou exclusão; é ampliada por modo potencial ou temporal.)

E basta, por ora, sobre a suposição restrita e ampliada.

[1.70 — DE AMPLIATIONE TERMINORUM PER VERBA MODALIA ET TEMPORALIA]

(Sobre a ampliação dos termos pelos verbos modais e temporais)

Depois de tratar da ampliação e restrição em geral,
convém agora mostrar
como e por que
os verbos
modais e temporais
produzem ampliação da suposição nos termos que lhes estão sujeitos.

E deve-se saber que a ampliação de um termo
ocorre sempre que ele é tomado
por
mais do que presentemente existe sob sua significação.
Essa ampliação nasce do
modo de predicação
ou do
tempo que o verbo introduz na proposição.


I. Ampliatio per verba modalia

(Ampliação pelos verbos modais)

Os verbos modais — como “pode”, “deve”, “necessariamente”, “é possível”, “é contingente” —
ampliam a suposição do termo sujeito,
porque o fazem significar
não apenas o que é,
mas também o que
pode ser ou deve ser.

Assim, em “Algum homem pode ser Papa”,
o termo “homem” é tomado
por todos os homens possíveis,
não só pelos existentes.
O mesmo ocorre em “Todo homem pode ser animal político”,
onde o verbo “pode” estende a suposição do termo
aos casos futuros ou possíveis.

Da mesma forma, em “Todo homem deve morrer”,
o termo “homem” é ampliado
não porque todos já morreram,
mas porque todos estão
necessariamente ordenados à morte.

Logo, o modo verbal modal
introduz uma dimensão
de potencialidade ou necessidade,
que amplia o campo de referência do termo.
E essa ampliação é puramente lógica,
não ontológica:
o termo não passa a significar novas coisas,
mas é
aplicado a mais casos concebíveis.


II. Ampliatio per verba temporalia

(Ampliação pelos verbos temporais)

Os tempos verbais — especialmente o futuro e o pretérito
também ampliam a suposição,
porque o termo sujeito é tomado
por aquilo que existiu ou existirá.

Assim, em “Algum homem será justo”,
o termo “homem” é tomado por homens futuros;
em “Algum homem foi sábio”,
por homens passados.
Logo, o tempo verbal amplia o termo
a entes
fora do presente.

E, por isso, a suposição temporal
é ampliação
segundo o tempo,
assim como a modal é ampliação
segundo a potência ou necessidade.

Mas há diferença entre ambas:
— a ampliação temporal supõe
mutação real no ser das coisas;
— a ampliação modal supõe apenas
diferença de modo de concepção.
Pois o passado e o futuro existiram ou existirão realmente,
enquanto o possível pode nunca existir,
ainda que seja concebível.

Logo, as duas ampliações têm fundamento diverso:
uma na
realidade do tempo,
outra na
ordem da potência.


E deve-se advertir que essas ampliações
se transmitem do verbo ao sujeito e ao predicado,
porque a oração é unidade de sentido,
e o modo verbal altera o campo de suposição de todos os termos nela contidos.
Assim, em “Todo homem pode ser branco”,
tanto “homem” quanto “branco”
são tomados amplamente,
o primeiro por homens possíveis,
o segundo por brancuras possíveis.

Logo, a ampliação é propriedade sintática do discurso,
não atributo do termo isolado.


Por conseguinte, deve-se dizer:

“Ampliatio fit per modum verbi modalis vel temporalis, quo terminus sumitur pro rebus quae fuerunt, sunt, erunt, vel esse possunt.”
(A ampliação ocorre pelo modo do verbo modal ou temporal, pelo qual o termo é tomado por coisas que foram, são, serão ou podem ser.)

E basta, por ora, sobre a ampliação dos termos pelos verbos modais e temporais.

1.72 — DE SUPPOSITIONE CONFUSA EX ADDITIONE SYNCAREGOREMATUM]

(Sobre a suposição confusa gerada pela adição de sincategoremas)

Depois de falar da restrição dos termos pelos sincategoremas,
é necessário tratar da
confusão que às vezes nasce dessa adição,
quando, por efeito de certas partículas,
um mesmo termo é tomado
de modo ambíguo
ora por muitos, ora por nenhum,
ou por todos sob razão contraditória.

E deve-se saber que esta confusão não é defeito da língua,
mas
propriedade natural da significação
quando o intelecto não distingue corretamente
a extensão e a intenção do termo.

Assim, em proposições como:

“Todo homem não é justo”,
ou
“Nenhum homem é injusto”,

o termo “homem” parece ora supor por todos,
ora
por nenhum.
Na primeira, a partícula non nega a predicação universal,
mas o termo “todo” mantém a suposição distributiva;
na segunda, a partícula nullus afirma a negação universal,
de modo que o mesmo termo adquire valor
duplamente confuso.

Logo, surge uma suppositio confusa ex additione,
porque o intelecto não pode determinar de imediato
se o termo é tomado universalmente ou particulariter.


I. De confusione ex particulis negativis

A confusão nasce, sobretudo,
quando a partícula non é colocada
entre o quantificador e o predicado,
como em “Todo homem não é branco”.
Aqui, a quantificação universal de “homem”
e a negação do verbo entram em conflito lógico:
a proposição pode significar
ou que “nenhum homem é branco”,
ou que “nem todo homem é branco”.
A ambiguidade vem da posição do non,
e a suposição do termo torna-se confusa.

Logo, o intelecto deve distinguir
entre a
negação total (negatio totius orationis)
e a
negação parcial (negatio partis).
No primeiro caso, a proposição é universal negativa;
no segundo, é particular negativa.
A distinção é de suposição, não de som.


II. De confusione ex particulis universalibus

Também as partículas omnis, nullus, quilibet
geram confusão quando associadas a negação ou exceção.
Por exemplo:

“Todo homem, exceto Pedro, é mortal”,
ou
“Nenhum homem, a não ser Deus, é justo.”

Aqui, o termo “homem” é tomado universalmente,
mas a exceção ou a negação parcial
remove uma parte de sua extensão.
Logo, o termo permanece confuso,
porque o intelecto não pode aplicá-lo
nem a todos, nem a nenhum,
sem restrição.


III. De natura huius confusionis

Essa suposição confusa por adição
nasce sempre que a
quantidade e a qualidade da proposição
se contradizem parcialmente.
Ela é, portanto, uma
duplicidade de razão,
pela qual o mesmo termo é tomado simultaneamente
sob aspectos opostos:
como universal, segundo a partícula;
e como restrito, segundo o sentido da negação ou exceção.

Logo, essa confusão pertence à ordem do discurso,
não das coisas.
As coisas não se contradizem;
é o intelecto que, pela forma da oração,
as toma sob razão incompatível.


IV. De via resolutionis

A resolução de tais ambiguidades
consiste em distinguir entre o
alcance do quantificador
e o
alcance da negação.
Pois se a negação abrange toda a oração,
a suposição do termo é universal negativa;
mas se a negação recai apenas sobre o predicado,
a suposição é confusa particular.

Assim, “Todo homem não é branco”
pode ser lida de duas maneiras:
Universaliter negativa: “Nenhum homem é branco”;
Particulariter negativa: “Nem todo homem é branco”.

A confusão desaparece
quando o lógico determina qual desses sentidos é pretendido.


Portanto, deve-se dizer:

“Suppositio confusa ex additione fit quando per syncategorema terminus sumitur sub duplici ratione, universali et particulari, nec intellectus distinguit.”
(A suposição confusa por adição ocorre quando, por meio de um sincategorema, o termo é tomado sob dupla razão — universal e particular — e o intelecto não distingue entre ambas.)

E basta, por ora, sobre a suposição confusa gerada pela adição de sincategoremas.

[1.73 — DE DISTRIBUTIONE TERMINORUM ET DE SIGNIFICATIONE SYNCAREGOREMATUM UNIVERSALIUM]

(Sobre a distribuição dos termos e o significado dos sincategoremas universais)

Depois de tratar da confusão causada por certas partículas,
convém agora explicar como os
sincategoremas universais
produzem a
distribuição dos termos,
isto é, o modo pelo qual um termo é tomado
por todos e cada um
dos indivíduos contidos sob sua significação.

E deve-se saber que as palavras omnis (todo), universus (universal), quilibet (qualquer), nullus (nenhum) e outras semelhantes
não são termos categoremáticos,
porque não significam coisa alguma por si mesmas,
mas apenas
distribuem ou limitam a extensão de outro termo.
Por isso são chamadas
sincategoremas,
isto é, partículas que, unidas a um nome,
mudam seu modo de suposição.


I. De natura distributionis

Distribuição é o ato lógico pelo qual o intelecto
toma o termo sob a razão de
totalidade,
abrangendo todos os seus significados particulares.
Assim, em “Todo homem é animal”,
o termo “homem” é distribuído,
porque o predicado “animal” se aplica a todos e a cada um.

Mas, em “Algum homem é branco”,
o termo “homem” não é distribuído,
pois o predicado se aplica apenas a parte da extensão.

Logo, distribuição e particularização
são contrárias quanto ao efeito lógico:
a primeira estende a predicação a todos;
a segunda, restringe-a a alguns.


II. De significatione syncategorematum universalium

As partículas universais significam totalidade de aplicação,
não totalidade de número.
Pois quando se diz “Todo homem é animal”,
não se entende que haja uma multidão contada,
mas que o predicado convém à
espécie inteira de homem.

Assim, o sincategorema omnis
não acrescenta nova realidade,
mas determina o termo sujeito
segundo o modo de sua aplicação.
Ele faz com que o intelecto
tome a natureza comum “homem”
de maneira
distributiva e não confusa.

Por isso, omnis e nullus
são partículas de quantificação total,
a primeira afirmativa,
a segunda negativa.

E quilibet, quisque, universus
possuem força semelhante,
embora com diferenças de uso:
quilibet refere-se a qualquer indivíduo tomado isoladamente;
quisque indica distribuição pessoal e concreta;
universus enfatiza a totalidade como conjunto.


III. De effectu distributionis in propositionibus

O efeito da distribuição é modificar o valor lógico da proposição.
Quando o termo sujeito é distribuído,
a verdade do enunciado requer
que o predicado convenha a todos os indivíduos.
Assim, “Todo homem é animal” é verdadeira
porque cada homem é animal.
Mas “Algum homem é animal”
seria verdadeira mesmo que apenas um o fosse.

Logo, a universalidade é condição de necessidade lógica:
sem distribuição, não há universal demonstrável,
mas apenas proposição contingente.


IV. De relatione ad negationem

Deve-se advertir que, em proposições negativas,
a distribuição pode ocorrer no sujeito, no predicado, ou em ambos.
Assim, em “Nenhum homem é pedra”,
tanto o sujeito quanto o predicado são distribuídos,
porque a negação recai universalmente sobre ambos.

Logo, as proposições universais negativas
são as mais amplas quanto à extensão,
embora afirmem exclusão total.


V. De regula universalis distributionis

Em suma, a regra é esta:

“Quodlibet syncategorema universale distribuit terminum sibi subiectum, nisi detur causa contraria.”
(Todo sincategorema universal distribui o termo a que se junta, salvo motivo em contrário.)

E, portanto,
a distribuição pertence ao
modo lógico de aplicar o predicado ao sujeito,
não à essência das coisas.
O universal lógico nasce da
operação do intelecto,
não da natureza.

Logo, deve-se dizer:

“Omnis est nota distributionis, significans applicationem praedicati ad omnia subiecta sub communi natura comprehensa.”
(A partícula “todo” é nota de distribuição, significando a aplicação do predicado a todos os sujeitos compreendidos sob a natureza comum.)

E basta, por ora, sobre a distribuição dos termos e o significado dos sincategoremas universais.

[1.74 — DE DISTRIBUTIONE TERMINORUM PER SYNCAREGOREMA “NULLUS” ET PER PARTICULAS EXCEPTIVAS]

(Sobre a distribuição dos termos pela partícula “nenhum” e pelas partículas exceptivas)

Depois de tratar da distribuição universal por meio de omnis e seus correlatos,
convém agora falar do sincategorema
“nullus”,
que é o correlativo negativo de “todo”,
e das partículas que produzem
exceção dentro das proposições universais.

E deve-se saber que o sincategorema nullus
é universal em extensão e negativo em qualidade;
ele
distribui totalmente o termo a que se une,
mas exclui a predicação de todo o conjunto.


I. De significatione syncategorematum negativorum

A palavra nullus significa, pela composição de non e ullus,
“nenhum ser” — isto é,
nega a aplicação do predicado a todos os indivíduos compreendidos no sujeito.
Assim, em “Nenhum homem é pedra”,
o termo “homem” é
distribuído por força da negação universal,
e o predicado “pedra” é igualmente distribuído,
porque a exclusão se estende a ambos.

Logo, o efeito do nullus é duplamente distributivo:
nega toda relação entre qualquer homem e qualquer pedra.
Diferente é a proposição “Nem todo homem é branco”,
onde a partícula non apenas restringe parcialmente o alcance do predicado;
aqui não há nullus, mas non omnis,
e o sujeito conserva suposição
parcial, não total.


II. De distributione per “nemo” et “nihil”

As partículas nemo e nihil
possuem a mesma força lógica que nullus,
diferindo apenas quanto à matéria do sujeito:
nemo se aplica a pessoas racionais,
nihil a coisas inanimadas.
Ambas distribuem totalmente o termo,
negando qualquer verificação do predicado.

Assim, “Ninguém é onipotente exceto Deus”
significa o mesmo que “Nenhum homem é onipotente, salvo Deus”.
A partícula nisi introduz a exceção,
sem destruir a universalidade negativa.


III. De particulis exceptivis

As partículas praeter, excepto, nisi
não são puramente negativas,
mas
limitativas.
Elas mantêm a distribuição do sujeito,
mas
removem um ou mais casos particulares.

Assim, em “Todo homem, exceto Pedro, é mortal”,
a proposição conserva força universal
quanto a todos os homens que não são Pedro.
Logo, o sincategorema exceptivo
atua como
restrição dentro da universalidade,
não como negação absoluta.

E se alguém disser:
“Todo homem, exceto Pedro, é racional”,
isso não significa que Pedro não seja racional,
mas apenas que ele é excluído da consideração presente.

Portanto, a partícula exceptiva modifica o campo da distribuição,
não o valor de verdade da proposição em si.


IV. De comparatione inter “nullus” et particulas exceptivas

A diferença essencial é esta:
— o nullus destrói toda relação entre sujeito e predicado;
— o praeter conserva a relação, mas a limita.

Assim, nullus é negação universal,
praeter é
exclusão particular.
O primeiro anula o vínculo lógico;
o segundo, o circunscreve.

Logo, o nullus pertence à categoria da contradição;
o praeter pertence à
categoria da limitação.
Ambos, porém, produzem
efeitos de distribuição,
porque o intelecto, em ambos os casos,
considera o conjunto dos sujeitos,
ainda que de modo diverso —
o nullus excluindo todos; o praeter excetuando alguns.


E, portanto, deve-se dizer:

“Nullus distribuit universaliter subiectum negando omnem applicationem praedicati; particulae exceptivae restringunt distributionem, non tollunt.”
(A partícula “nenhum” distribui universalmente o sujeito, negando toda aplicação do predicado; as partículas exceptivas restringem a distribuição, mas não a suprimem.)

E basta, por ora, sobre a distribuição dos termos por “nullus” e pelas partículas exceptivas.

[1.75 — DE DISTRIBUTIONE TERMINORUM IN PROPOSITIONIBUS EXCLUSIVIS ET EXCEPTIVIS]

(Sobre a distribuição dos termos nas proposições exclusivas e exceptivas)

Depois de tratar do sincategorema nullus e das partículas de exceção,
convém agora examinar como a distribuição dos termos
se comporta nas proposições exclusivas e exceptivas,
pois ambas parecem semelhantes na forma,
mas diferem no alcance lógico e no modo de restrição.


I. De propositionibus exclusivis

Proposição exclusiva é aquela
em que, por meio de partículas como solum, tantum, modo,
afirma-se que uma propriedade convém a um sujeito,
e nega-se que convém a qualquer outro.

Assim, quando se diz:

“Só o homem é racional”,
significa-se duas proposições:

  1. “O homem é racional”;
  2. “Nenhum outro além do homem é racional.”

Logo, a partícula solum não altera o predicado,
mas introduz uma negação implícita
de todos os outros possíveis sujeitos.

E deve-se advertir que o sujeito na proposição exclusiva
é restrito (não distribuído),
pois o predicado se afirma apenas dele,
e a negação recai sobre todos os demais.
Assim, “homem” em “só o homem é racional”
não é tomado por todos os homens,
mas pela espécie humana enquanto tal.

O predicado “racional”, porém,
é distribuído por força da exclusão,
porque é negado de tudo que não é homem.

Logo, a exclusividade nega universalmente o predicado
em relação a outros sujeitos,
mas afirma particularmente em relação ao sujeito principal.


II. De propositionibus exceptivis

A proposição exceptiva, ao contrário,
mantém a universalidade,
mas retira um caso da totalidade.

Assim, quando se diz:

“Todo homem, exceto Pedro, é mortal”,
a universalidade continua válida
para todos os homens, salvo o excetuado.
Aqui, o termo “homem” permanece distribuído,
e o predicado “mortal” é aplicado a todos os incluídos,
exceto àquele retirado por praeter Petrum.

Logo, na proposição exceptiva,
a restrição é interna ao sujeito,
não externa como na exclusiva.
A exceção não introduz negação universal,
mas subtração de um elemento da coleção total.


III. De differentiis formalibus

Portanto, a diferença formal é esta:
— a proposição exclusiva contém implicitamente duas proposições,
uma afirmativa e outra negativa;
— a exceptiva contém apenas uma,
com modificação do termo sujeito.

Na exclusiva, a partícula (solum, tantum)
restringe o predicado universalmente;
na exceptiva, a partícula (praeter, nisi)
restringe o sujeito parcialmente.

Logo, ambas afetam a distribuição,
mas em sentidos opostos.

E isso é de grande importância,
porque muitas falácias nas disputas escolares
nascem de confundir proposições exclusivas com exceptivas,
tomando o solum como se fosse praeter,
ou o praeter como se fosse solum.


IV. De regulis ad cognoscendam distributionem

A regra geral é esta:

“In exclusivis distributio cadit super praedicatum; in exceptivis super subiectum.”
(Nas proposições exclusivas, a distribuição recai sobre o predicado; nas exceptivas, sobre o sujeito.)

E, portanto,
quem diz “Somente Deus é eterno”
fala de modo exclusivo,
e o predicado “eterno” é distribuído a todos os possíveis sujeitos,
enquanto “Deus” é tomado restritivamente.

Mas quem diz “Todos os anjos, exceto Lúcifer, obedecem”,
fala de modo exceptivo,
e o sujeito “anjo” é distribuído universalmente,
excetuando-se apenas um caso.


Logo, deve-se concluir:

“Exclusiva dividit praedicatum universaliter; exceptiva dividit subiectum particulariter.”
(A proposição exclusiva divide o predicado universalmente; a exceptiva divide o sujeito particulariter.)

E basta, por ora, sobre a distribuição dos termos nas proposições exclusivas e exceptivas.

[1.76 — DE SIGNIFICATIONE SYNCAREGOREMATUM PARTICULARIUM ET DE DISTRIBUTIONE PER “ALIQUIS”, “QUIDAM” ET SIMILIA]

(Sobre o significado dos sincategoremas particulares e a distribuição por “algum”, “certo” e semelhantes)

Depois de ter sido dito
como os sincategoremas universais e negativos
produzem a distribuição total dos termos,
é preciso agora mostrar o efeito contrário,
isto é, o modo como os sincategoremas
particulares
limitam a suposição a
parte indeterminada dos indivíduos
compreendidos sob o termo comum.


I. De natura particularitatis

A partícula aliquis não significa um número determinado,
nem um indivíduo específico,
mas apenas
um certo algum,
isto é, um indivíduo
não universalmente tomado,
do qual a proposição é verdadeira.

Assim, em “Algum homem é justo”,
não se entende um homem em particular,
mas qualquer um no qual o predicado se verifique.
Logo, a particularidade consiste em afirmar
a
existência possível ou real de pelo menos um caso,
sem afirmar que o mesmo valha para todos.

E por isso o aliquis tem força afirmativa e indeterminada.
Ele é afirmativo porque estabelece a verificação de algo;
é indeterminado porque não designa qual.


II. De differentia inter “aliquis” et “quidam”

Deve-se advertir que quidam difere levemente de aliquis:
ambos exprimem particularidade,
mas quidam implica
alguma determinação mental,
isto é, o falante supõe ter em mente certo indivíduo,
ainda que não o nomeie.
aliquis exprime
pura indeterminação
significa apenas que há um caso,
sem nenhuma referência mental ou designativa.

Assim, “Algum homem é letrado” (aliquis homo doctus est)
é verdadeira mesmo que não se saiba quem o é;
mas “Certo homem é letrado” (quidam homo doctus est)
sugere que o falante tem em vista uma pessoa específica.

Logo, aliquis indica existência lógica,
quidam sugere
referência psicológica.


III. De formula particulari “nonnullus”

O sincategorema nonnullus significa literalmente “não nenhum”,
isto é, negação da negação universal.
Ele não introduz novo tipo de quantificação,
mas reforça o sentido afirmativo do particular.
Assim, “Algum homem é sábio”
e “Não nenhum homem é sábio”
têm o mesmo valor lógico.
Por isso, o nonnullus é dito
particular afirmativo por dupla negação.


IV. De distributione terminorum in particularibus

Em todas as proposições particulares,
o termo sujeito
não é distribuído,
porque a predicação não se aplica a todos,
mas a parte indeterminada do conjunto.

Assim, em “Algum homem é mortal”,
“homem” é tomado
particulariter,
e o predicado “mortal”
não é distribuído,
pois não se nega sua conveniência a outros.

Logo, nas proposições particulares afirmativas,
nenhum termo é distribuído.

Mas nas particulares negativas,
como “Algum homem não é justo”,
o predicado é distribuído,
porque a negação se aplica universalmente a ele,
ainda que o sujeito permaneça particular.

E esta é a razão pela qual
as proposições particulares negativas
são
parcialmente distributivas,
enquanto as afirmativas são
indistributivas.


V. De regula generalis

A regra é, portanto, esta:

“Syncategorema particulare ponit veritatem in aliquo subiecto determinato, non determinando quod.”
(O sincategorema particular estabelece a verdade em algum sujeito determinado, sem determinar qual.)

E de modo mais amplo:

“Aliquis et quidam ponunt existentiam, non universalitatem; unde non faciunt distributionem, sed limitationem.”
(As partículas “algum” e “certo” afirmam existência, não universalidade; por isso, não produzem distribuição, mas limitação.)


E basta, por ora, sobre a significação dos sincategoremas particulares e a distribuição por “aliquis”, “quidam” e semelhantes.

[1.77 — DE REGULIS SUPPOSITIONIS ET DE LIMITATIONE TERMINORUM IN PROPOSITIONIBUS MIXTIS]

(Sobre as regras da suposição e a limitação dos termos nas proposições mistas)

Depois de ter sido dito de que modo os termos se ampliam, se restringem e se distribuem,
resta agora estabelecer
regras gerais,
pelas quais se reconheça, em qualquer proposição,
a natureza e o alcance de cada termo.


I. De regula prima — de universalibus

Quando o termo sujeito é precedido de partícula universal —
como omnis, nullus, quilibet, universus
ele é tomado
distributivamente.
E se a proposição é afirmativa,
o predicado
não é distribuído;
mas se é negativa,
ambos os termos o são.

Exemplo:
“Todo homem é animal” — o sujeito é distribuído, o predicado não.
“Nenhum homem é pedra” — sujeito e predicado são ambos distribuídos.

Esta é a regra primeira,
pela qual se distingue a verdade universal afirmativa da negativa.


II. De regula secunda — de particularibus

Quando o sujeito é precedido de aliquis, quidam, nonnullus,
ele não é distribuído,
porque a proposição vale apenas para parte indeterminada do conjunto.

E se for afirmativa,
nenhum termo se distribui;
se for negativa,
o predicado se distribui, não o sujeito.

Exemplo:
“Algum homem é sábio” — nenhum termo distribuído.
“Algum homem não é sábio” — o predicado distribuído, o sujeito não.


III. De regula tertia — de exclusivis et exceptivis

Nas proposições exclusivas — como “Só o homem é racional” —,
a partícula solum restringe o sujeito
e distribui o predicado.
Nas exceptivas — “Todo homem, exceto Pedro, é mortal” —,
a partícula praeter restringe o sujeito
e conserva o predicado comum aos demais.

Logo, nas exclusivas, a negação é externa e recai sobre o predicado;
nas exceptivas, é interna e recai sobre o sujeito.


IV. De regula quarta — de modalibus

Quando o verbo é modal — potest, debet, necesse est, contingit —,
o termo sujeito é
ampliado para todos os possíveis;
mas o predicado mantém sua extensão natural.
E se o verbo for temporal — fuit, erit —,
a ampliação ocorre segundo o tempo,
não segundo a potência.

Assim, “Algum homem pode ser Papa” amplia o sujeito;
“Algum homem foi Papa” amplia o termo ao passado.


V. De regula quinta — de mixtis compositionibus

Nas proposições mistas,
onde há ao mesmo tempo partículas universais, negativas e modais,
deve-se considerar
a ordem e o alcance de cada elemento.
A quantificação antecede a negação,
a negação modifica o verbo,
e o modo (modal ou temporal)
determina a extensão final dos termos.

Assim, em “Todo homem pode não ser sábio”:
— o omnis distribui o sujeito;
— o potest amplia a suposição;
— o non restringe o predicado;
e o todo significa que nenhum homem é de tal modo sábio
que não possa, de algum modo, deixar de o ser.

Logo, nas proposições mistas,
a verdade depende do
alcance relativo das partículas,
não apenas do sentido das palavras.


VI. De regula sexta — de ordine intellectus

E finalmente deve-se saber
que todas as suposições e distribuições pertencem à
ordem do intelecto,
não à das coisas.
As partículas e modos verbais
não mudam o ser dos entes,
mas apenas
o modo de concebê-los e de enunciá-los.

Por isso, as regras de suposição
são regras do pensamento,
e não da natureza.
A lógica é arte de
ordenar signos segundo a verdade,
não ciência das coisas mesmas.


Logo, deve-se concluir:

“Regulae suppositionis sunt regulae intellectus ordinantis signa, non rerum mutantis essentiam.”
(As regras da suposição são regras do intelecto que ordena os signos, e não de quem muda a essência das coisas.)

E com isso se encerra a primeira parte da Summa LogicaeDe Terminibus,
na qual Ockham demonstrou que toda a verdade do discurso
depende da retidão com que o intelecto distribui, restringe e supõe os termos.


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