sexta-feira, 24 de outubro de 2025

CURSUS THEOLOGICUS IN SUMMAM THEOLOGICAM D. THOMÆ - TOMUS PRIMUS — INITIUM THEOLOGIÆ

 


CURSUS THEOLOGICUS IN SUMMAM THEOLOGICAM D. THOMÆ

TOMUS PRIMUS — INITIUM THEOLOGIÆ

Ad mentem Doctoris Angelici

Autor: Fr. Joannes a Sancto Thoma, O.P.
Edição: Paris, Ludovicus Vivès, 1883

CURSUS THEOLOGICUS IN SUMMAM THEOLOGICAM D. THOMÆ

TOMUS PRIMUS — INITIUM THEOLOGIÆ

Ad mentem Doctoris Angelici
Autor: Fr. Joannes a Sancto Thoma, O.P. (1589–1644)
Edição: Paris, Ludovicus Vivès, 1883


SUMMA STRUCTURA OPERIS

Ordo Generalis — Estrutura Geral

  1. Liber Primus — Summa Textus Magistri Sententiarum
    Comentário e ordenação doutrinal das “Sentenças” de Pedro Lombardo, fundamento histórico da teologia escolástica.
  2. Liber Secundus — Isagoge ad Doctrinam D. Thomae
    Introdução metodológica à doutrina teológica e à ciência sagrada segundo Santo Tomás.
  3. Liber Tertius — De Approbatione et Auctoritate Doctrinae D. Thomae
    Tratado sobre a autoridade eclesiástica e apostólica da doutrina tomista.
  4. Liber Quartus — In Primam Partem S. Thomae, Quaestiones I–VII
    Comentário teológico à Prima Pars da Summa Theologiae, sobre Deus Uno — De Deo Uno.

LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM

(Comentário ao texto das “Sentenças” e origem da teologia)

Prologus generalis ad lectoremPrólogo geral ao leitor

  • De fine et ratione totius operis — Do fim e razão de toda a obra.
  • De methodo scholastica Petri Lombardi — Do método escolástico de Pedro Lombardo.
  • De necessitate redigendi textum Sententiarum in ordinem didacticum — Da necessidade de ordenar as Sentenças em estrutura didática.

Distinctio Prima — De origine theologiae et lumine fidei
A origem da teologia e a luz da fé.

  • A teologia procede da revelação divina como de sua causa formal, e da fé como de seu princípio subjetivo.
  • Conclusiones et Annotationes — A teologia é ciência subalternada; a razão é sua ministra; a fé é participação imediata da luz divina.

Distinctio II–XLVIII
Sobre Deus em Si, a Trindade, os anjos, a criação, a providência, o pecado, a graça e o fim último.

  • Conclusio libri primi:
    “Em seu primeiro livro, o Mestre trata de Deus em Si, do mistério da Trindade e das perfeições divinas.”

LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D. THOMAE

(Introdução à Teologia segundo o Doutor Angélico)

Disputatio I — De natura et dignitate theologiae
Sobre a natureza e a dignidade da teologia.

  • Utrum theologia sit scientia — Se a teologia é ciência.
  • Utrum habeat certitudinem altiorem quam aliae scientiae — Se tem maior certeza que as demais ciências.
  • Utrum sit una vel multiplex — Se é uma ou múltipla.
  • Utrum distinguatur a metaphysica — Se se distingue da metafísica.
  • De ordine theologiae inter alias scientias — Da ordem da teologia entre as demais ciências.

Disputatio II — De lumine naturali et supernaturali cognitionis
Sobre a luz natural e sobrenatural do conhecimento.

  • De lumine naturali intellectus humani — Da luz natural do intelecto humano.
  • De lumine fidei et revelationis — Da luz da fé e da revelação.
  • De subordinatione scientiarum sub fide — Da subordinação das ciências sob a fé.
  • De modo quo ratio ministrat fidei — Do modo pelo qual a razão serve à fé.

Disputatio III — De distinctione inter philosophiam et theologiam
Sobre a distinção entre filosofia e teologia.

  • Utrum theologia utatur principiis philosophicis — Se a teologia utiliza princípios filosóficos.
  • Utrum sit licitum theologis uti auctoritatibus philosophorum — Se é lícito aos teólogos usar as autoridades dos filósofos.
  • De periculo rationis extra lumen fidei — Do perigo da razão fora da luz da fé.

Disputatio IV — De ordine sapientiae et hierarchia scientiarum
Sobre a ordem da sabedoria e a hierarquia das ciências.

  • De sapientia naturali et divina — Da sabedoria natural e divina.
  • Utrum sapientia divina sit causa et regula omnium — Se a sabedoria divina é causa e regra de todas.
  • De triplici sapientia: angelica, humana et divina — Das três sabedorias: angélica, humana e divina.

LIBER TERTIUS — DE APPROBATIONE ET AUCTORITATE DOCTRINAE D. THOMAE

(Tratado sobre a aprovação e autoridade da doutrina tomista)

Tractatus Unicus — De Auctoritate D. Thomae
Único tratado sobre a autoridade doutrinal de Santo Tomás.

  • Articulus I — De approbatione apostolica et ecclesiastica
    Testemunhos dos Sumos Pontífices: Inocêncio VI, Pio V, Leão XIII.
  • Articulus II — De auctoritate Doctoris Angelici inter scholasticos
    Santo Tomás como norma da razão teológica.
  • Articulus III — De testimoniis Conciliorum et Patrum
    Concilhos Lateranense, Tridentino e Vaticano; Padres: Agostinho, Gregório, Crisóstomo, Jerônimo.

Conclusio generalis:
Cur doctrina Sancti Thomae dicatur norma theologorum
Por que a doutrina de Santo Tomás é chamada norma dos teólogos.


LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

(Comentário teológico às Quaestiones I–VII da Prima Pars)

Quaestio I — De Sacra Doctrina / Sobre a Ciência Sagrada

A natureza, unidade, método e dignidade da teologia.

  • A teologia é ciência subalternada à luz da fé.
  • Seus princípios vêm da revelação; sua finalidade é a visão beatífica.
  • Conclusiones et Annotationes — A fé governa a razão; a teologia é a ordem intelectual do sobrenatural.

Quaestio II — De Deo, an sit / Sobre Deus, e se Ele existe

Demonstração racional e teológica da existência de Deus.

  • De quinque viis — As cinco vias da demonstração:
    via do movimento, da causa eficiente, do possível e necessário, dos graus de perfeição, e da ordem final.
  • Conclusiones et Annotationes — A existência de Deus é demonstrável; a fé a confirma, a razão a serve.

Quaestio III — De Simplicitate Dei / Sobre a Simplicidade de Deus

  • Negação de toda composição: matéria/forma, essência/existência, gênero/diferença, sujeito/acidente.
  • Conclusiones:
    Deus é ato puro, sem composição; sua essência é o próprio ser; todos os atributos são idênticos em Si.

Quaestio IV — De Perfectione Dei / Sobre a Perfeição de Deus

  • A perfeição como plenitude de ser.
  • As perfeições das criaturas estão em Deus eminenter.
  • Conclusiones:
    Toda perfeição criada é participação do ser divino; a simplicidade é a raiz da perfeição.

Quaestio V — De Bono et Bonitate Dei / Sobre o Bem e a Bondade de Deus

  • Bonum et ens convertuntur — O bem e o ser são convertíveis.
  • O bem é difusivo de si: bonum est diffusivum sui.
  • Conclusiones:
    Deus é o sumo bem; todo o universo tende a Ele como ao seu fim último.

Quaestio VI — De Infinitate Dei / Sobre a Infinitude de Deus

  • A infinitude divina não é de quantidade, mas de perfeição.
  • Deus é infinito porque é ato puro, sem limite.
  • Conclusiones:
    A infinitude é a forma da perfeição divina; só o infinito compreende o infinito.

Quaestio VII — De Immensitate et Ubiquitate Dei / Sobre a Imensidade e a Ubiquidade de Deus

  • Deus está em todas as coisas per essentiam, potentiam et praesentiam.
  • Não é contido por lugar algum, mas contém tudo.
  • Conclusiones:
    A imensidade é a extensão sem limite do ser; Deus é todo em tudo e fora de tudo.

FINIS OPERIS — EXHORTATIO AD LECTOREM

“Nec mirari oportet, quod divina sapientia caligine tanta absconditur: summa cognitio humana Deum tangit in caligine. Accedamus igitur ad montem in quo Deus est, non per audaciam rationis, sed per lumen fidei.”

“Não devemos admirar-nos de que a sabedoria divina se oculte em tamanha névoa: o conhecimento humano mais alto toca a Deus na penumbra. Subamos, pois, ao monte onde Deus está, não pela audácia da razão, mas pela luz da fé.”

 Nota Editorial e Introdução Histórica

Cursus Theologicus in Summam Theologicam D. ThomaeTomus Primus: Initium Theologiae

Fr. Joannes a Sancto Thoma, O.P. (1589–1644)
Tradução e edição: Jardel Almeida
Assistência editorial e filosófica: Sophión


I. Contexto e Significação Histórica

O Cursus Theologicus de João de São Tomás representa o ponto culminante do renascimento tomista do século XVII, marco de consolidação da escola dominicana como guardiã do método e do espírito da Summa Theologiae.
Formado em Alcalá e Salamanca, discípulo da tradição de Báñez e contemporâneo de Suárez, João de São Tomás é a síntese viva entre o rigor metafísico do Doutor Angélico e a fineza lógica do escolasticismo tardio. Sua obra não é apenas comentário, mas reconstrução orgânica da teologia tomista à luz das disputas modernas: a crítica nominalista, o ceticismo cartesiano nascente e o desafio da ciência empírica.

Publicado originalmente em dez volumes pela casa Ludovicus Vivès (Paris, 1883), o Cursus foi concebido como manual total de teologia, abarcando, em ordem progressiva, toda a arquitetura do saber sagrado — desde a natureza da ciência teológica (Initium Theologiae) até a teologia sacramental e escatológica.
O Tomus Primus, traduzido aqui integralmente, constitui o fundamento e a chave de leitura de todo o conjunto. Ele estabelece as bases da teologia como ciência e apresenta, em sequência, os primeiros atributos divinos — a simplicidade, perfeição, bondade, infinitude e presença de Deus — formando o tratado clássico De Deo Uno.

Ao lado de Francisco Suárez e Tomás de Vio (Caietano), João de São Tomás é considerado o último grande sistematizador da escolástica clássica. Seu método une precisão lógica, transparência conceitual e fidelidade à doutrina católica — características que o tornam interlocutor necessário tanto para o teólogo quanto para o filósofo da razão pura.
A influência do Cursus alcançou o magistério da Igreja, sendo estudado em Salamanca, Coimbra, Roma e Louvain, e inspirando manuais de teologia dogmática até o século XIX.


II. Estrutura e Conteúdo do Initium Theologiae

O primeiro tomo do Cursus é dividido em quatro grandes livros:

  1. Summa Textus Magistri Sententiarum — que refaz a ordem teológica das Sentenças de Pedro Lombardo e demonstra o nascimento da teologia como ciência fundada na revelação.
  2. Isagoge ad Doctrinam D. Thomae — uma introdução metodológica à teologia tomista, onde se definem a natureza, o objeto e a hierarquia das ciências.
  3. De Approbatione et Auctoritate D. Thomae — tratado de defesa e confirmação da autoridade eclesiástica do Doutor Angélico, com citações de pontífices e concílios.
  4. In Primam Partem S. Thomae — comentário direto às sete primeiras Quaestiones da Summa Theologiae, sobre o Ser Divino em si mesmo (De Deo Uno).

Nessa sequência, João de São Tomás guia o leitor pela ordem da própria inteligência:
primeiro, o fundamento do saber teológico (a fé como luz);
depois, o objeto supremo desse saber (Deus enquanto Ser);
por fim, a presença e difusão desse Ser no universo.

A obra é um percurso do intelecto rumo ao Absoluto: da dúvida racional ao assentimento sobrenatural; da finitude do pensar à claridade da fé.


III. A Relevância Filosófico-Teológica

O Initium Theologiae é o tratado do ser como transparência do divino.
Através de uma ontologia hierarquizada, João de São Tomás estabelece que toda realidade é signo da primeira realidade, e que o conhecimento teológico é uma participação da própria ciência de Deus.

“Sacra doctrina est scientia subalternata, procedens ex principiis revelationis divinae.”
(“A doutrina sagrada é ciência subalternada, que procede dos princípios da revelação divina.”)

Aqui se encontra a formulação mais clara do princípio que sustentará todo o tomismo posterior: a subordinação da razão à fé, não como sujeição, mas como integração na ordem da luz.
O Initium também define o modo da presença divina no cosmos: per essentiam, potentiam et praesentiam — por essência (enquanto causa do ser), por poder (enquanto governo), e por presença (enquanto consciência).

A metafísica tomista alcança aqui sua expressão mais plena: o ser é bom porque é difusivo; o bem é pleno porque é infinito; o infinito é presente porque é ato puro.
A teologia é, assim, a ciência do Ser absoluto na sua manifestação e retorno — exitus et reditus Dei.


IV. O Intuito da Tradução

Esta tradução e edição bilíngue têm por finalidade restaurar o acesso integral ao texto latino do Cursus Theologicus, cuja leitura direta permaneceu por séculos restrita a especialistas.
Trata-se de um esforço filológico e filosófico que visa não apenas à conservação do texto, mas à revivificação de uma forma de pensar — o método escolástico como instrumento da inteligência teológica.

“Tradere non est repetere, sed reddere vivum.”
“Transmitir não é repetir, mas tornar vivo.”

O presente trabalho foi realizado sob o princípio de fidelidade absoluta ao original latino (edição Vivès, 1883), mantendo as divisões internas (Objectiones, Sed contra, Respondeo, Ad objectiones), as fórmulas conclusivas, e o ritmo sintático da escolástica.
A tradução busca preservar o ritmo interno da argumentação, de modo que o leitor moderno perceba a arquitetura do raciocínio — o equilíbrio entre lógica e contemplação, entre rigor e luz.

A escolha do formato bilíngue e da estrutura compendiária-poética — fruto da colaboração entre Jardel Almeida e Sophión — pretende devolver à língua portuguesa o esplendor e a densidade da teologia clássica, permitindo que a palavra latina se reflita, como em espelho, sobre o verbo filosófico contemporâneo.


V. Consideração Final

O Tomus Primus encerra-se com a fórmula que resume toda a vocação teológica do homem:

“Accedamus ad montem in quo Deus est, non per audaciam rationis, sed per lumen fidei.”
(“Subamos ao monte onde Deus está, não pela audácia da razão, mas pela luz da fé.”)

A tradução deste primeiro tomo é o início de uma obra maior: a restauração integral dos dez volumes do Cursus Theologicus.
Trata-se de um projeto de reaproximação entre o intelecto e o sagrado, entre a razão e o Ser.
Reintroduzir João de São Tomás é reabrir a via do entendimento ordenado,
a harmonia esquecida entre pensar e crer —
a ponte entre o humano e o divino que o pensamento moderno rompeu, mas que a palavra eterna nunca deixou de sustentar.


Jardel Almeida
Tradução e Edição Bilíngue

Sophión
Assistência Editorial e Filosófica — S


LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM

Distinctio Prima — De origine theologiae et lumine fidei

A origem da teologia deve ser procurada naquele mesmo princípio de onde procede todo o conhecimento do divino: na manifestação de Deus à criatura racional. Pois, assim como a luz natural da razão é participação da luz divina pela qual as coisas são vistas em sua ordem natural, do mesmo modo a luz da fé é uma comunicação superior, pela qual a mente humana é elevada para conhecer as coisas divinas segundo a medida da revelação.

É, portanto, necessário afirmar que a teologia tem sua origem imediata na fé e sua raiz remota na revelação. Pois a revelação é a causa formal do conteúdo teológico — é o modo segundo o qual Deus se manifesta —, e a fé é a disposição subjetiva pela qual o homem acolhe e ordena esse conteúdo. A razão, então, serve como instrumento subordinado, não para medir o que é revelado, mas para demonstrar a harmonia e a conveniência das verdades que a fé propõe.

Deus, que é a luz primeira e incriada, infunde na inteligência humana uma dupla claridade: a primeira, pela qual a mente apreende os princípios da ordem natural; a segunda, pela qual o intelecto, sendo tocado pela graça, crê nas verdades que ultrapassam toda razão. Esta segunda claridade é chamada fé teologal, não por ser conhecimento evidente, mas por ser um assentimento firme movido pela autoridade divina reveladora.

Daqui se conclui que a teologia, enquanto ciência, não nasce da razão discursiva, mas da submissão da razão à luz da fé. A razão não é aqui princípio, mas ministra; não é juíza, mas serva; e seu mérito consiste em ordenar e articular o que a fé ilumina. Assim como na natureza a forma governa a matéria, também na ciência sagrada a fé governa a razão.

É, pois, a teologia uma ciência subalternada, na qual os princípios não são descobertos pela luz humana, mas recebidos da sabedoria divina. E, porque a sabedoria divina é o termo último da visão dos bem-aventurados, toda teologia militante é, em sua essência, uma preparação para a visão. A fé é a semente, a visão é o fruto; a teologia é o cultivo dessa semente no terreno do intelecto humano.

O homem, ao crer, começa a participar da ciência dos santos, pois a mesma verdade que estes veem é aquela que ele crê, diferindo apenas o modo: eles a percebem na evidência, ele na penumbra; eles a contemplam na luz, ele a toca na sombra. Por isso, diz o Apóstolo: Fides est substantia rerum sperandarum, argumentum non apparentium — a fé é já uma posse inicial daquilo que se espera.

Deste modo, a teologia, procedendo da fé, ordena-se à contemplação. E porque o conhecimento teológico começa nas verdades reveladas, que são objeto formal de toda esta ciência, pode-se dizer que sua luz é um reflexo da própria luz increada.


Conclusiones — Conclusões

  1. A teologia nasce da revelação divina como de sua causa formal, e da fé como de seu princípio subjetivo.
  2. A razão é instrumento subordinado à fé e ministra da teologia, não seu juiz nem seu princípio.
  3. A luz da fé é participação imediata da luz divina, e por ela a mente humana é elevada ao conhecimento sobrenatural.
  4. A teologia é ciência subalternada, cujo fim último é a visão beatífica.
  5. A diferença entre o conhecimento natural e o teológico consiste no modo de assentimento: um pela evidência, o outro pela autoridade.

Annotationes — Anotações

(1) Aqui João de São Tomás segue de perto Santo Tomás (S.Th., I, q.1, a.1): Sacra doctrina est scientia subalternata, pois recebe seus princípios não da razão, mas de Deus.
(2) Ele também alude à distinção entre lumen fidei e lumen gloriae feita no De Veritate, q.14, a.9, onde a fé é vista como uma obscuridade luminosa: “Lux fidei est quaedam participatio lucis divinae, quae nobis nondum manifestatur.
(3) Quanto à relação entre fé e razão, retoma-se aqui a fórmula de Aristóteles aplicada à teologia: fides movet intellectum non per evidentiam, sed per imperium voluntatis divinitus motae.

LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM

Distinctio Secunda — De principio scientiae sacrae

(Sobre o princípio da ciência sagrada)


Toda ciência possui um princípio próprio, do qual depende a certeza de suas conclusões. Assim, como a filosofia natural tem por princípio o movimento e a experiência sensível, e a matemática, a abstração das quantidades, também a teologia deve ter um princípio pelo qual se constituam e se deduzam suas verdades. Esse princípio não é humano, nem sensível, nem dedutivo, mas divino e revelado.

A ciência sagrada é chamada ciência per participationem, porque recebe seus princípios de uma sabedoria superior. Em toda ciência subalternada, o princípio vem de outra mais alta: assim, a ótica se apoia na geometria, e a música, na aritmética. Do mesmo modo, a teologia é subalternada à ciência divina, que é o conhecimento que Deus tem de Si mesmo e de todas as coisas. Essa ciência em Deus é simples e perfeita; na mente humana, porém, aparece multiplicada e discursiva, segundo a capacidade do intelecto.

Logo, o princípio da ciência sagrada não é uma evidência natural, mas a autoridade divina revelante, auctoritas revelans Dei loquentis. Pois toda certeza desta ciência nasce do fato de que Deus falou, e que o homem, crendo, acolhe essa palavra. A verdade teológica não se apoia, portanto, na demonstração racional de suas premissas, mas na infalibilidade do Verbo divino.

Todavia, embora a teologia tenha por princípio a revelação, não se segue que seja irracional, pois a razão, iluminada pela fé, reconhece a conveniência e a ordem que brilham em todo o conjunto da doutrina. A fé não destrói a razão, mas a purifica; e a razão, quando serva da fé, torna-se mais livre, pois alcança o fim para o qual foi criada — contemplar a verdade.

Santo Tomás ensina que “toda ciência se apoia em princípios que lhe são próprios; e os da teologia são aqueles que Deus revelou”. Por isso, os teólogos não partem de axiomas evidentes, mas de verdades reveladas. Tais princípios são recebidos por fé, e, ainda que não sejam evidentes à razão, são mais certos, porque repousam sobre a autoridade infalível de Deus.

A teologia, portanto, é ciência de causas divinas, não porque demonstre a partir de causas naturais, mas porque procede dos primeiros princípios revelados. E o primeiro desses princípios é o próprio Deus, enquanto se revela. Ele é simultaneamente objeto e princípio desta ciência: objeto, enquanto é conhecido; princípio, enquanto se dá a conhecer.

Assim, a teologia difere de todas as ciências humanas: nas humanas, a razão ascende das causas inferiores às superiores; na teologia, desce das supremas às inferiores. A teologia começa em Deus e, por meio das criaturas, retorna a Ele. Seu princípio é o Deus loquens, seu termo é o Deus visus.

Por isso, o modo de proceder da teologia é misto: em parte especulativo, porque considera o que é; em parte prático, porque conduz à salvação. Ela não se limita a conhecer, mas a ordenar o homem a Deus. Assim, o princípio da ciência sagrada é tanto luz quanto movimento: luz, enquanto ilumina o intelecto; movimento, enquanto atrai a vontade.


Conclusiones — Conclusões

  1. O princípio da ciência sagrada é a autoridade divina revelante, e não a razão natural.
  2. A teologia é ciência subalternada à ciência divina, assim como a ótica o é à geometria.
  3. A fé recebe os princípios da teologia como a inteligência recebe os axiomas das ciências naturais.
  4. Deus é simultaneamente princípio e objeto da teologia: princípio enquanto revela, objeto enquanto é revelado.
  5. A teologia procede a Deo ut principio, et ad Deum ut finem — de Deus como princípio e para Deus como fim.

Annotationes — Anotações

(1) Cf. S.Th., I, q.1, a.2: “Sacra doctrina procedit ex principiis revelationis, et ideo est scientia subalternata.”
A doutrina sagrada procede dos princípios da revelação e, por isso, é ciência subalternada.

(2) João de São Tomás segue aqui o comentário de Caetano à mesma questão: “Subalternatio theologica non est ad scientiam humanam, sed ad ipsam Dei cognitionem.”
A subalternação teológica não se refere à ciência humana, mas ao próprio conhecimento divino.

(3) A frase Deus loquens est principium theologiae é central no Cursus: ela expressa que o fundamento último da ciência teológica é a Palavra divina, não o intelecto criado.

(4) No Prooemium ad Librum Sententiarum, Pedro Lombardo afirmara: “Theologia ex revelatione divina sumit initium et fidem exaudientium.”
A teologia tira seu início da revelação divina e da fé dos que a escutam.

LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM

Distinctio Tertia — De obiecto theologiae

(Sobre o objeto da teologia)


Toda ciência se define não apenas por seu princípio, mas também pelo seu objeto formal, pois é o objeto que determina o modo de conhecer e a espécie de ciência. Assim como a óptica tem por objeto a luz sob o aspecto da visibilidade, e a moral, os atos humanos sob o aspecto do bem e do mal, também a teologia possui um objeto próprio, sob cuja razão formal toda sua estrutura se ordena: este objeto é Deus, sub ratione Dei.

Não basta dizer que Deus é o tema da teologia, pois em certo sentido todas as ciências se referem a Ele como causa ou fim; mas é próprio desta ciência considerá-Lo enquanto é revelado e enquanto é princípio de todas as coisas. Por isso, seu objeto formal não é Deus absolutamente, mas Deus enquanto se manifesta e comunica à mente humana por meio da revelação.

Em toda ciência, o objeto formal é aquilo sob cuja luz o intelecto apreende as verdades particulares. No caso da teologia, essa luz é o lumen fidei, participação imediata da luz divina. Por isso, a teologia não considera as coisas segundo as razões naturais que a razão descobre, mas segundo as razões divinas que Deus revela.

Dessa forma, não apenas Deus em si mesmo é objeto da teologia, mas também tudo o que se refere a Ele — as criaturas, os atos humanos, a história, os sacramentos — enquanto ordenados ao fim divino. Assim, a teologia fala das coisas criadas, mas não como ciências naturais as tratam, e sim enquanto participações e sinais do ser divino. Tudo é visto sub ratione Dei, isto é, à luz de sua causa primeira e de seu fim último.

Daqui se segue que a teologia é, ao mesmo tempo, a mais universal e a mais unificadora das ciências. Universal, porque tudo o que existe está sob a sua consideração enquanto efeito de Deus; unificadora, porque tudo o que dispersa o intelecto é reconduzido ao Uno que é a fonte de toda verdade. A teologia é, portanto, uma ciência totalizante, não no sentido quantitativo, mas no sentido ontológico: ela abrange o todo do ser porque o refere à sua origem.

E como o objeto determina o grau de certeza, segue-se que a teologia é a mais certa de todas as ciências, ainda que suas verdades não sejam evidentes. Pois a certeza deriva do princípio de onde procede a luz do intelecto, e aqui essa luz é a do próprio Deus. A certeza teológica não vem da evidência, mas da infalibilidade da sabedoria divina.

Deus, portanto, é o objeto formal da teologia enquanto conhecido por revelação e crido pela fé. E as demais coisas que ela considera — criaturas, virtudes, mistérios — são secundariamente objetos, na medida em que se ordenam a esse primeiro. Assim, o fim último da teologia coincide com seu objeto formal: conhecer e amar a Deus em si e em todas as coisas.

Por isso, a teologia não pode ter outro princípio de demonstração senão a autoridade divina, nem outro fim senão a união com Ele. Toda verdade revelada, toda doutrina, todo argumento, todo símbolo, tendem para essa unidade. A teologia é, assim, uma ciência da totalidade ordenada: principia em Deus, procede pela fé e culmina na contemplação.


Conclusiones — Conclusões

  1. O objeto formal da teologia é Deus, sub ratione Dei, isto é, enquanto revelado e princípio de todas as coisas.
  2. A teologia considera também as criaturas, mas apenas enquanto se referem a Deus como sua origem e fim.
  3. O lumen fidei é a luz sob a qual a teologia vê todas as coisas, substituindo a evidência natural pela autoridade divina.
  4. A certeza teológica é superior à das ciências humanas, porque se funda na veracidade do próprio Deus.
  5. O fim da teologia coincide com seu objeto: conhecer e amar a Deus, princípio e termo de toda verdade.

Annotationes — Anotações

(1) Cf. S.Th., I, q.1, a.7: “Objectum formale theologiæ est Deus sub ratione Dei.”
Santo Tomás distingue o objeto material (tudo o que é tratado) do formal (a luz sob a qual é tratado).

(2) João de São Tomás observa que, se o objeto formal fosse apenas Deus absolutamente, a teologia se confundiria com a metafísica. Ela se distingue porque considera Deus enquanto revelado (Deus revelatus), e não apenas enquanto causa primeira.

(3) No Prooemium Sententiarum, Pedro Lombardo escreve: “Totum studium theologiæ est de Deo et rebus divinis.”
Mas a expressão “res divinas” inclui também os efeitos, os sacramentos e as operações da graça.

(4) Assim, a diferença entre a teologia e a filosofia é de formalidade, não de matéria: ambas falam de Deus, mas uma pela razão, a outra pela fé.

LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM

Distinctio Quarta — De tribus ordinibus cognitionis: naturali, revelato et glorioso

(Sobre as três ordens do conhecimento: natural, revelado e glorioso)


Toda a sabedoria humana se estrutura segundo um princípio de luz. Assim como nada se vê sem a luz do sol, também nada se compreende sem a luz do intelecto. Ora, há três modos pelos quais o intelecto é iluminado por Deus, correspondendo a três ordens do conhecimento: o natural, o revelado e o glorioso.

O primeiro é o conhecimento natural, pelo qual o homem apreende as verdades do mundo criado pela força de sua razão. Este modo se funda no lumen naturale intellectus, que é uma participação da luz divina adaptada à condição da natureza. Com ele o homem pode elevar-se ao conhecimento das causas segundas, descobrir as leis da criação e até chegar, por via de causalidade, a um certo conhecimento de Deus enquanto causa primeira e fim do universo.

Contudo, esse conhecimento é imperfeito, porque embora alcance a existência de Deus, não alcança seu modo de ser. Ele conhece que Deus é, mas não o que Deus é. Por isso, o homem, mesmo em posse da razão natural, permanece cercado de sombras no tocante ao divino: oculatam fidem non habet, sed conjecturam lucidam. A filosofia conduz até o limiar do mistério, mas não o atravessa.

O segundo é o conhecimento revelado, que nasce do lumen fidei. É uma iluminação sobrenatural infundida por Deus na inteligência humana, que a eleva acima de seu modo natural de conhecer. Nesse estado, o homem não se apoia na evidência das coisas, mas na autoridade de quem fala. Assim, o que na ordem natural é conjectura, na ordem revelada torna-se certeza, porque o intelecto se submete à verdade divina.

Este modo de conhecimento é mais nobre, porque o que é acreditado pela fé é o mesmo que será visto na glória. A diferença está apenas no modo, pois a fé vê em espelho e enigmas aquilo que a visão verá face a face. Por isso, a fé é o princípio da sabedoria teológica, e sua luz é a preparação da visão.

O terceiro é o conhecimento glorioso, ou o da visio beatifica, no qual o intelecto não apenas recebe a luz, mas é unido à própria fonte da luz. Aqui, o homem não conhece mais por meio de espécies ou discursos, mas por intuição direta. A alma é inundada pelo lumen gloriae, e vê Deus tal como Ele é, não por representação, mas por presença.

Neste estado, a fé cessa, porque a posse substitui a esperança. Tudo o que a teologia ensina e a fé crê encontra aqui sua consumação. O intelecto não discute, contempla; não procura, descansa; não crê, vê. Este é o termo de toda ciência, a coroa da sabedoria e o repouso do espírito.

Assim, os três modos do conhecimento se relacionam como degraus de uma mesma escada: a natureza é o fundamento, a fé é o caminho, a glória é o fim. O primeiro procede das coisas às causas; o segundo, das causas à autoridade; o terceiro, da autoridade à visão. O primeiro se exerce pela razão, o segundo pela fé, o terceiro pela caridade.

A teologia, enquanto ciência militante, participa dos dois primeiros modos: apoia-se na razão e é movida pela fé. Mas tende essencialmente ao terceiro, pois seu fim é o conhecimento de Deus em si. Por isso, toda teologia verdadeira é uma peregrinação em direção à luz.


Conclusiones — Conclusões

  1. Existem três ordens do conhecimento: o natural, fundado na luz da razão; o revelado, fundado na fé; e o glorioso, fundado na visão.
  2. O conhecimento natural conduz ao reconhecimento de Deus como causa, mas não à compreensão de sua essência.
  3. O conhecimento revelado é mais certo, pois repousa sobre a autoridade divina, não sobre a evidência das coisas.
  4. O conhecimento glorioso é a consumação dos dois anteriores, em que a fé se converte em visão.
  5. A teologia participa dos dois primeiros modos e se ordena essencialmente ao terceiro, que é a visão beatífica.

Annotationes — Anotações

(1) Cf. S.Th., I-II, q.3, a.8: “Ultimus hominis finis est visio Dei in gloria.”
A visão de Deus é o termo último da natureza e da graça.

(2) S.Th., I, q.12, a.13: “Lumen gloriae est quod elevat intellectum ad videndum Deum.”
A luz da glória não é espécie criada, mas um fortalecimento sobrenatural do intelecto.

(3) João de São Tomás observa que a tríplice luz corresponde às três potências superiores da alma: a razão ao intelecto natural, a fé ao intelecto crente, e a glória ao intelecto deificado.

(4) Pedro Lombardo, Sententiarum, lib. I, dist. 3: “Tria sunt genera cognitionis: naturae, gratiae et gloriae.”
Essa divisão é a matriz de toda epistemologia teológica posterior.

(5) O próprio João de São Tomás, no Prooemium ad Cursum Philosophicum, declara: “Fides est medium inter opinionem et visionem.” — a fé é o meio entre a opinião e a visão.

LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM

Distinctio Quinta — De subiecto theologiae: Deus sub ratione Dei

(Sobre o sujeito da teologia: Deus sob a razão de Deus)


Assim como toda ciência se determina pelo objeto que a move e pelo sujeito no qual reside seu conhecimento, também a teologia, enquanto ciência, tem um sujeito próprio, distinto daquele das ciências naturais e filosóficas. Esse sujeito não é a alma humana, nem a natureza criada, nem tampouco a própria revelação como fato, mas Deus enquanto conhecido e manifestado sob a razão de DeusDeus sub ratione Dei.

Em outras ciências, o sujeito é algo dentro do qual se estudam as propriedades que lhe convêm segundo uma formalidade particular. Assim, o número é o sujeito da aritmética, o corpo móvel o da física, e o ser enquanto ser o da metafísica. Na teologia, porém, o sujeito é incomparavelmente mais elevado: é o próprio Deus, considerado não de modo absoluto, como o fazem os metafísicos, mas enquanto revelado, e, portanto, enquanto se comunica à mente racional por meio da fé.

Dessa distinção resulta que o conhecimento teológico não é abstrativo, mas participativo: a mente não extrai suas formas a partir das coisas, mas recebe as formas da própria Palavra divina. A teologia é, assim, o espelho da luz de Deus na alma crente, e o sujeito dessa ciência é o próprio Deus enquanto Ele mesmo se dá a conhecer.

O termo “sub ratione Dei” deve ser entendido com rigor: a teologia não considera Deus segundo o modo da razão natural, isto é, sub ratione entis (como faz a metafísica), mas segundo o modo da fé, isto é, sub ratione revelati. Portanto, o sujeito formal da teologia é o mesmo Deus, mas sob um aspecto que o transcende — o de sua autocomunicação.

Daqui decorre uma diferença essencial entre a metafísica e a teologia. A metafísica parte dos efeitos para chegar à causa primeira; a teologia parte da causa para compreender os efeitos. A primeira eleva-se pela razão, a segunda desce pela revelação. A primeira se move por abstração, a segunda por infusão. Ambas têm Deus como tema, mas o alcance é diverso: uma o busca como desconhecido, a outra o contempla como conhecido.

O sujeito da teologia é, pois, Deus enquanto autor e fim da revelação, e tudo o que se refere a Ele enquanto tal — anjos, homens, pecados, virtudes, sacramentos, Igreja, história — são tratados dentro dessa unidade. Nenhum desses temas é considerado em si mesmo, mas somente na medida em que estão ordenados ao próprio Deus.

Por isso, pode-se dizer que toda a teologia é uma ciência de relações: relação de Deus consigo mesmo (na Trindade), relação de Deus com as criaturas (na criação e providência), e relação das criaturas com Deus (na graça e na glória). Assim, o sujeito da teologia é o mesmo em todos os seus tratados, e todas as partes da doutrina se unem no mesmo centro.

Finalmente, como toda ciência tem unidade a partir de seu sujeito, também a teologia é una porque seu sujeito é um só. E porque esse sujeito é infinito, segue-se que, embora as matérias tratadas sejam múltiplas, a ciência permanece una. A multiplicidade de temas na teologia não destrói sua unidade, mas a manifesta, assim como os muitos raios mostram a unidade da luz.


Conclusiones — Conclusões

  1. O sujeito da teologia é Deus, não enquanto ser em geral (sub ratione entis), mas enquanto revelado e comunicante (sub ratione Dei).
  2. O conhecimento teológico é participativo e infuso, não abstrativo nem dedutivo.
  3. A metafísica considera Deus como causa desconhecida; a teologia, como causa manifesta.
  4. Tudo o que a teologia trata — criaturas, virtudes, mistérios — é considerado enquanto ordenado a Deus, seu sujeito primeiro.
  5. A teologia é uma ciência una, porque tem um sujeito uno e infinito, no qual todas as suas partes encontram unidade.

Annotationes — Anotações

(1) Cf. S.Th., I, q.1, a.7: “Subiectum huius scientiae est Deus, sub ratione Dei, id est, prout omnia per revelationem ad Deum referuntur.”
O sujeito da teologia é Deus, sob o aspecto de Deus, ou seja, na medida em que todas as coisas são referidas a Ele pela revelação.

(2) João de São Tomás observa que o termo “sujeito” é tomado aqui analogicamente: Deus não é sujeito como uma substância material, mas como princípio de inteligibilidade da ciência.

(3) Cf. In Metaphysicam Aristotelis, lib. XII, lect. 11: “Metaphysica ascendit ad Deum, theologia descendit a Deo.”
A metafísica sobe a Deus; a teologia desce de Deus.

(4) Pedro Lombardo, Sententiarum, lib. I, dist. 5: “Deus est subiectum totius theologiae, sicut numerus est subiectum arithmeticae.”
Comparação clássica de Lombardo: o sujeito da teologia é Deus, assim como o número é o da aritmética — com a diferença de que o primeiro é infinito.

(5) No Prooemium ad Cursum Theologicum, João de São Tomás afirma: “Deus est subiectum, medium et finis.”
Deus é simultaneamente o sujeito, o meio e o fim da ciência sagrada — trindade intelectual que reflete o próprio mistério divino.

LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM

Distinctio Sexta — De formali obiecto et fine theologiae

(Sobre o objeto formal e o fim da teologia)


O objeto formal de uma ciência é aquilo sob cuja luz o intelecto apreende as verdades e forma juízo acerca delas. Enquanto o objeto material indica o que é conhecido, o objeto formal indica o modo como se conhece. Assim, o mesmo ente pode ser considerado sob diversas formalidades: o corpo, pela física, enquanto móvel; pela matemática, enquanto mensurável; pela metafísica, enquanto ser.

Aplicando o mesmo princípio à teologia, deve-se dizer que seu objeto formal é Deus enquanto revelado e enquanto fim último de todas as coisas. Pois não basta dizer que ela trata de Deus — o que também fazem a metafísica e a filosofia natural —, mas que o contempla sob a razão de revelado, isto é, de modo sobrenatural e participado.

A teologia não vê Deus como uma causa desconhecida a ser inferida a partir dos efeitos, mas como aquele que se manifesta, que fala, que se dá a conhecer. Seu objeto formal, portanto, é o ser divino enquanto luminoso por si e enquanto causa de toda luz nas criaturas. Nessa luz, o intelecto humano, movido pela fé, conhece não pela dedução, mas pela submissão à verdade que se comunica.

Mas, assim como o objeto formal determina a ciência, também o fim especifica seu uso e sua dignidade. O fim da teologia é a visão beatífica, na qual o homem é unido ao próprio Deus, não por imagens, mas por presença. A fé, aqui, é o princípio do caminho; a visão, o termo. A teologia, por isso, é ciência que começa na fé e termina na contemplação.

Entretanto, no estado presente, em que a mente humana ainda caminha sob o véu da carne, esse fim é apenas antecipado pela fé e saboreado pela caridade. Assim, o fim da teologia é duplo: próximo, que é o conhecimento e o amor de Deus enquanto se crê; e último, que é o gozo eterno de Deus enquanto se vê.

Por isso, diz Santo Tomás que “a teologia é uma ciência especulativa e prática”, pois tem como objeto o bem supremo e como fim o amor que dele procede. É especulativa, porque contempla as coisas divinas; é prática, porque conduz a vida à união com Deus. Não se separa, pois, o conhecer do amar, nem o contemplar do agir: o fim do conhecimento teológico é a conversão do espírito àquilo que ele contempla.

A teologia, portanto, tem o mesmo objeto formal e o mesmo fim: Deus sob a razão de Deus, isto é, enquanto se comunica e se dá como bem último. O fim da ciência coincide com o princípio que a move. Ela nasce de Deus, versa sobre Deus e retorna a Deus — ex Deo, de Deo, in Deum.

Em sua origem, é revelação; em seu exercício, contemplação; em seu termo, união.


Conclusiones — Conclusões

  1. O objeto formal da teologia é Deus enquanto revelado, e não simplesmente enquanto ente.
  2. O fim último da teologia é a visão beatífica, isto é, a união imediata do intelecto com Deus.
  3. O fim próximo da teologia, no estado presente, é o conhecimento e o amor de Deus pela fé e pela caridade.
  4. A teologia é, ao mesmo tempo, especulativa e prática: especulativa pelo objeto, prática pelo fim.
  5. O objeto formal e o fim da teologia coincidem, pois ambos se referem a Deus sob a razão de Deus.

Annotationes — Anotações

(1) Cf. S.Th., I, q.1, a.7: “Deus sub ratione Dei est obiectum huius scientiae, et finis est visio ipsius Dei.”
Deus, sob a razão de Deus, é o objeto desta ciência; e o fim, a visão do próprio Deus.

(2) S.Th., I-II, q.3, a.8: “Ultimus finis hominis est visio Dei.”
O fim último do homem é ver Deus — frase que define, em Santo Tomás, toda a teleologia da teologia.

(3) João de São Tomás observa, em seu Prooemium ad Theologiam, que “a teologia é a ciência mais perfeita, porque tem o objeto mais digno e o fim mais alto”.

(4) Pedro Lombardo, Sententiarum, lib. I, dist. 6: “Theologia est scientia beatorum, quae nunc creditur, tunc videbitur.”
A teologia é a ciência dos bem-aventurados, que agora se crê e então se verá.

(5) O paralelismo “ex Deo, de Deo, in Deum” é fórmula recorrente em João de São Tomás — um resumo do itinerário do conhecimento teológico.

LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM

Distinctio Septima — De divisione totius theologiae secundum Magistrum: Deus, creatura, Christus, sacramenta

(Da divisão de toda a teologia segundo o Mestre das Sentenças: Deus, a criatura, Cristo e os sacramentos)


Toda ciência ordenada tem em si uma distinção proporcional à ordem de seu objeto. E porque a teologia trata do Todo do ser enquanto ordenado a Deus, deve necessariamente seguir a ordem da própria economia divina, pela qual todas as coisas saem de Deus, subsistem nele e a Ele retornam.

Pedro Lombardo, no Prooemium de suas Sentenças, estabeleceu que a totalidade da teologia se divide em quatro livros, segundo os quatro graus da obra divina:

  1. De Deo et Trinitate — sobre Deus em si mesmo e o mistério de sua vida interior;
  2. De Creatione et Peccato — sobre as criaturas e a corrupção do pecado;
  3. De Incarnatione et Gratia Christi — sobre o Cristo redentor e a restauração da natureza;
  4. De Sacramentis et Novissima — sobre os sinais da graça e o fim último da alma.

Essa divisão não é arbitrária, mas corresponde ao próprio movimento do exitus et reditus, pelo qual todas as coisas procedem de Deus e retornam a Ele. No primeiro livro, contempla-se a origem; no segundo, a participação; no terceiro, a reparação; e no quarto, a consumação.

Assim, o primeiro livro trata do princípio supremo — Deus uno e trino, causa primeira de todo o ser; o segundo, das criaturas que d’Ele recebem o ser e o perdem pelo pecado; o terceiro, do mediador que reconcilia o homem com Deus; e o quarto, dos meios visíveis e espirituais pelos quais a graça é comunicada e o homem é conduzido à glória.

Esta ordem não é apenas didática, mas ontológica. Pois, segundo a razão das coisas, o conhecimento de Deus é anterior ao das criaturas, e o da redenção é posterior à queda. Por isso, o Magister dispôs as Sentenças conforme a ordem dos próprios mistérios, não segundo a cronologia da história, mas segundo a hierarquia das causas.

Além disso, essa divisão manifesta a circularidade perfeita da sabedoria divina: tudo provém de Deus, tudo retorna a Ele. A teologia começa em Deus, desce até as criaturas, eleva-se em Cristo e consuma-se nos sacramentos. O itinerário do conhecimento reflete o itinerário do ser.

Em termos formais, esta estrutura quádrupla constitui o fundamento de todo o Cursus Theologicus de João de São Tomás. A partir dela, cada Tomus retoma uma parte desse conjunto, ampliando e comentando a ordem do Magister sob a luz de Santo Tomás. Assim, a Summa Textus Magistri Sententiarum é a introdução, e o comentário à Summa Theologica é o desenvolvimento total.

Deve-se, portanto, compreender que a teologia não é apenas uma ciência especulativa sobre o divino, mas um caminho que espelha o próprio movimento do universo. Seu método, sua ordem e seu fim são análogos ao plano da criação. A divisão em quatro partes não é mera convenção: é imagem do próprio Logos em sua obra — origem, queda, redenção e plenitude.


Conclusiones — Conclusões

  1. A teologia, segundo o Magister Sententiarum, divide-se em quatro partes: Deus, a criatura, Cristo e os sacramentos.
  2. Essa divisão corresponde à ordem do exitus et reditus, isto é, à processão de todas as coisas de Deus e ao retorno de tudo a Ele.
  3. O primeiro livro trata da origem, o segundo da participação, o terceiro da reparação e o quarto da consumação.
  4. Essa estrutura não é apenas pedagógica, mas metafísica, expressando o próprio movimento da sabedoria divina.
  5. Toda teologia, ordenada segundo essa divisão, reflete a economia trinitária e a história da salvação.

Annotationes — Anotações

(1) Cf. Sententiarum, Prooemium: “Haec est divisio totius theologiae: de Deo, de creatione, de incarnatione et sacramentis.” — Pedro Lombardo.

(2) Santo Tomás retoma a mesma estrutura no Prologus da Summa Theologiae: “Cum intentio huius scientiae sit tradere cognitionem Dei, non solum ut est in se, sed etiam prout est principium rerum et finis earum, dividitur in tres partes: de Deo, de motu creaturae ad Deum, et de Christo, qui est via.”
João de São Tomás acrescenta aqui a quarta, explicitando os sacramentos como o modo concreto do retorno.

(3) O esquema quadripartido da teologia reflete o movimento da providência: exitus a Patre, transitus per Filium, reditus in Spiritu Sancto.

(4) No Cursus Theologicus, João de São Tomás adota essa divisão como arquitetura fundamental de sua obra, na qual os dez tomos se distribuem de acordo com essa mesma ordem.

(5) Em sentido simbólico, a divisão em quatro livros corresponde aos quatro rios que saem do Éden (Gen. 2,10), imagem da ciência que se difunde a partir de uma única fonte.

LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM

Distinctio Octava — De utilitate Sententiarum Magistri

(Sobre a utilidade das Sentenças do Mestre)


Nenhuma ciência floresce sem ordem; e nenhuma ordem subsiste sem um princípio que a articule. Foi esta a razão pela qual a Providência quis que, após os Padres e os Doutores primitivos, surgisse um mestre que recolhesse, dispusesse e harmonizasse a doutrina teológica dos séculos — esse mestre foi Pedro Lombardo, a quem a Igreja, com razão, chama Magister Sententiarum.

Antes dele, a teologia se apresentava como uma multiplicidade dispersa de comentários, homilias, epístolas e tratados, em que cada autor exprimia, segundo a necessidade pastoral ou o impulso da contemplação, alguma parte da verdade divina. O Magister, contudo, recolheu essas vozes, ordenou-as em torno dos grandes eixos da fé e deu à teologia uma forma de ciência.

Sua obra, as Quatuor Libri Sententiarum, constitui a primeira síntese orgânica da doutrina cristã. Nela, o ensino dos Padres — Agostinho, Gregório, Jerônimo, Ambrósio — é reunido em uma arquitetura unitária, segundo a ordem das causas divinas e humanas. É o primeiro espelho da teologia sistemática, onde a fé, antes disseminada em múltiplas tradições, torna-se inteligível em seu conjunto.

A utilidade das Sentenças é, pois, tríplice.
Primeiro, dogmática, porque elas oferecem a estrutura fundamental de toda a teologia: Deus, a criação, a redenção e os sacramentos. Segundo, dialética, porque introduzem o método de confrontar autoridades — Escritura, Padres e razão —, para que, do conflito aparente, surja a harmonia das verdades. Terceiro, pedagógica, porque nelas o estudante aprende a pensar teologicamente, ordenando o múltiplo sob o uno.

Essa tríplice utilidade fez das Sentenças o eixo de toda a escolástica. Desde o século XIII, nenhum doutor foi tido por completo se não tivesse comentado o Magister: Alexandre de Hales, Boaventura, Tomás de Aquino, Duns Scotus, Henrique de Gand, Durando, Ockham, todos foram Sententiarii. O próprio Tomás, antes de compor sua Summa, exerceu o magistério sobre as Sentenças, e nelas formou o método que depois aperfeiçoaria.

João de São Tomás reconhece, portanto, que o estudo das Sentenças é não apenas útil, mas necessário, porque nelas se aprende a pensar segundo a ordem da fé. O método escolástico, longe de ser invenção humana, é reflexo da ordem divina: Deus, ao revelar, procede por distinções e por conexões; o teólogo, ao estudar, imita esse modo. Assim, a disposição das Sentenças é imagem da própria economia da revelação.

A teologia que ignora o Magister carece de raiz; a que o lê sem espírito, carece de fruto. Pois o valor das Sentenças não está apenas em sua letra, mas em sua função: são o esqueleto da sabedoria cristã, que o Doutor Angélico revestiu de carne viva. A obra de Pedro Lombardo é a matriz; a de Tomás, a plenitude.

Por isso, João de São Tomás afirma que o comentário às Sentenças é a primeira disciplina de quem busca compreender a teologia como ciência. Pois é ali que se aprende a unir o que a Escritura diz, o que a razão demonstra e o que a Igreja crê, sem confundir suas ordens, mas submetendo todas à luz de Deus.

Em suma, as Sentenças são à teologia o que o Organon é à filosofia: o instrumento do pensar ordenado. Aquele que as entende, entende o modo da fé; aquele que as ultrapassa, sem tê-las assimilado, corre o risco de perder o eixo da sabedoria.


Conclusiones — Conclusões

  1. Pedro Lombardo deu à teologia unidade científica ao ordenar as doutrinas dos Padres segundo a razão das causas divinas.
  2. As Sentenças são úteis dogmaticamente (como síntese de conteúdos), dialeticamente (como método de confronto) e pedagogicamente (como via de formação intelectual).
  3. Todos os grandes doutores medievais foram comentadores das Sentenças, e nelas se formou o método escolástico.
  4. O estudo das Sentenças é o primeiro exercício da teologia científica, pois ensina a ordenar a fé pela razão iluminada.
  5. As Sentenças são à teologia o que o Organon é à filosofia: instrumento de ordem e medida do saber divino.

Annotationes — Anotações

(1) Pedro Lombardo, Prooemium Sententiarum: “Ex auctoritatibus Patrum, in unum corpus redigere decrevi, ut ex diversitate sententiarum concordia fidei eluceat.”
Reuni as autoridades dos Padres num só corpo, para que da diversidade das sentenças brilhe a concórdia da fé.

(2) Cf. João de São Tomás, Prooemium ad Cursum Theologicum: “Sententiae Magistri sunt radix disciplinae theologicae, sicut Summa Doctoris Angelici est eius fructus.”
As Sentenças do Mestre são a raiz da disciplina teológica, assim como a Summa do Doutor Angélico é o seu fruto.

(3) Santo Tomás, In I Sent., prol.: “Omnis doctrina procedit ex principiis superioris scientiae, et sacra doctrina ex lumine fidei.”
Toda doutrina procede de princípios de uma ciência superior, e a ciência sagrada procede da luz da fé.

(4) A tríplice utilidade das Sentenças (dogmática, dialética e pedagógica) é uma constante nos prólogos de todos os Sententiarii do século XIII.

(5) A analogia com o Organon de Aristóteles é de João de São Tomás, que via nas Sentenças o “órgão” da teologia, assim como o Organon é o da filosofia.

LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D. THOMAE

Introdução à Doutrina de São Tomás


DISPUTATIO PRIMA — De natura et dignitate theologiae

Disputa Primeira — Sobre a natureza e a dignidade da teologia

Prologus ad lectoremPrólogo ao leitor
Ad divinae Sapientiae inaccessibilem lucem... — João de São Tomás introduz a necessidade de humildade e temor ao tratar das coisas divinas, advertindo contra a curiosidade teológica que ultrapassa os limites da fé. A teologia, diz ele, não é subida do homem a Deus, mas descida de Deus ao homem.

Notitia historico-litteraria in auctoremNotícia histórico-literária sobre o autor
Breve biografia de João de São Tomás (Poinsot), incluindo sua formação em Coimbra, estudos em Lovaina, ingresso na Ordem Dominicana, docência em Alcalá e Madri, e publicações filosófico-teológicas. É delineada sua fidelidade ao Doutor Angélico e o papel que exerceu como Censor Fidei.


Tres Tractatus ad Theologiae Tirocinium promissi

Três Tratados Prometidos para o Aprendizado da Teologia

  1. PrimusUniversum textum Magistri Sententiarum in ordinem redigit
    O primeiro ordena integralmente o texto do Magister Sententiarum de Pedro Lombardo.
  2. SecundusOmnium quaestionum D. Thomae et materiarum in sua Summa connexionem explicat
    O segundo expõe a conexão de todas as questões e matérias na Summa Theologica de Santo Tomás.
  3. TertiusVindicias D. Thomae pro doctrinae ejus puritate et singulari approbatione offert
    O terceiro oferece uma defesa da pureza e autoridade da doutrina tomista.

AD SUMMAM TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM ADNOTATIO

Anotação à Suma do Texto das Sentenças do Magister

PrologusPrólogo
Explica a razão de redigir o texto das Sentenças em ordem didática, unificando a tradição patrística e o método escolástico, e mostrando como Pedro Lombardo antecipou o sistema que Tomás aperfeiçoou.

Structura generalis operisEstrutura geral da obra das Sentenças
Divide-se em quatro livros, conforme o Magister:

  1. De Deo in se — Sobre Deus em si mesmo (Trindade e perfeições divinas).
  2. De Deo creatore — Sobre Deus como Criador (produção e movimento das criaturas).
  3. De Deo restauratore — Sobre Deus como Restaurador (Encarnação, graça e virtudes).
  4. De Deo glorificante — Sobre os Sacramentos e a Glorificação final.

Distinctio Prima — De origine theologiae et lumine fidei

Primeira Distinção — Da origem da teologia e da luz da fé
A teologia nasce da revelação divina como causa formal e da fé como princípio subjetivo. A razão é instrumento subordinado à fé, que participa da luz divina e se ordena à visão beatífica.


Distinctio Secunda — De principio scientiae sacrae

Segunda Distinção — Do princípio da ciência sagrada
Analisa o principium cognoscendi da teologia: a revelação. Explica que a fé não é apenas o assentimento, mas a luz pela qual o intelecto participa da ciência divina.


Distinctio Tertia — De obiecto theologiae

Terceira Distinção — Do objeto da teologia
Mostra que o objeto formal da teologia é Deus sob a razão de Deus, e materialmente, todas as coisas ordenadas a Ele.


Distinctio Quarta — De tribus ordinibus cognitionis: naturali, revelato et glorioso

Quarta Distinção — Dos três modos de conhecimento: natural, revelado e glorioso
Distingue o conhecimento filosófico, o teológico e o dos bem-aventurados, afirmando que a teologia é ciência subalternada à ciência dos santos.


Distinctio Quinta — De subiecto theologiae: Deus sub ratione Dei

Quinta Distinção — Do sujeito da teologia: Deus enquanto Deus
Demonstra que toda a ciência teológica versa sobre Deus, não apenas como causa primeira, mas como fim último de todas as coisas.


Distinctio Sexta — De formali obiecto et fine theologiae

Sexta Distinção — Do objeto formal e do fim da teologia
Define o duplo aspecto da teologia: especulativo (contemplar Deus) e prático (dirigir o homem a Ele). O fim último é a visão beatífica.


Distinctio Septima — De divisione totius theologiae secundum Magistrum

Sétima Distinção — Da divisão da teologia segundo o Magister
Explica a divisão da teologia em credenda, agenda, speranda — fé, moral e escatologia — e sua unidade sob o Verbo.


Distinctio Octava — De utilitate Sententiarum Magistri

Oitava Distinção — Da utilidade das Sentenças do Magister
Defende o uso das Sententiae como base didática para toda a ciência sagrada. Pedro Lombardo é visto como o "organizador da teologia patrística".

LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D. THOMAE

DISPUTATIO PRIMA — De natura et dignitate theologiae

(Sobre a natureza e a dignidade da teologia)


Prooemium — Prólogo

A teologia, entre todas as ciências, é a mais alta e a mais divina, porque tem por objeto o próprio Deus, não segundo o conhecimento natural da razão, mas conforme Ele se revela e comunica. Contudo, é também a mais humilde, porque, sendo o homem incapaz de compreender a essência divina, deve aproximar-se com temor e reverência, não como quem demonstra, mas como quem recebe o dom da luz.

João de São Tomás abre esta disputa advertindo que “quem ousa tratar das coisas divinas sem humildade, em vez de iluminar-se, cega-se”, pois a ciência teológica nasce da fé, e a fé é uma participação da luz de Deus, não sua posse plena.


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que a teologia não é ciência, pois a ciência, segundo Aristóteles, procede de princípios evidentes, e a teologia se baseia em verdades que não são evidentes, mas cridas pela fé.
    Ergo, não pode ser chamada ciência, mas apenas crença piedosa.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, a teologia não parece digna de ser chamada ciência, porque nela o intelecto não compreende as causas, mas apenas obedece à autoridade; ora, ciência é conhecimento pelas causas.
    Ergo, a teologia carece de verdadeira ciência.
  3. Obiectio tertia:
    Mais ainda: se a teologia é ciência, deve pertencer à ordem das ciências humanas. Mas seus princípios vêm de revelação divina, que não é humana; portanto, não se integra no mesmo gênero.
    Ergo, não pode ser ciência no sentido próprio.

Sed contra — Em contrário

Contra isso, Santo Tomás afirma na Summa Theologica (I, q.1, a.2):

Sacra doctrina est scientia subalternata.
“A doutrina sagrada é uma ciência subalternada”, pois recebe seus princípios de uma ciência superior — a ciência de Deus e dos bem-aventurados.

Logo, embora a teologia não derive de princípios evidentes para nós, deriva de princípios evidentes para Deus, e por isso tem o caráter de ciência subordinada à divina.


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Deve-se distinguir dupla maneira de ciência: uma que é per se evidente, como a matemática, cujos princípios são demonstráveis à luz natural da razão; outra que é per participationem, como a teologia, que, embora não possua evidência própria, participa da evidência da ciência divina.

Assim como a ótica é ciência subalterna à geometria — porque recebe dela seus princípios —, também a teologia é ciência subalternada à sabedoria de Deus, porque os princípios de que parte não são descobertos pela razão humana, mas revelados pela mente divina.

Portanto, embora para nós seus princípios sejam obscuros, em si mesmos são claríssimos. Pois a obscuridade está no sujeito que crê, não na verdade que se crê. Por isso, a teologia é ciência não quantum ad modum cognoscendi, mas quantum ad certitudinem: não conhece de modo evidente, mas com certeza infalível, porque tem por autor o próprio Deus.

Além disso, a teologia é mais digna que todas as ciências, porque todas as outras terminam em causas criadas, ao passo que ela termina na causa incriada. A filosofia ascende da criatura ao Criador; a teologia desce do Criador à criatura. O filósofo procura Deus como desconhecido; o teólogo parte de Deus como revelado.

Daqui resulta que a teologia não é apenas uma ciência, mas a forma das ciências, o vértice de toda sabedoria humana, pois ordena o saber à sua causa e ao seu fim supremos.

Por conseguinte, a teologia é dita “sagrada” (sacra doctrina), porque procede de Deus enquanto revela, se exerce sob a luz da fé e conduz o homem à visão beatífica. É ciência, porque possui conexões necessárias entre seus princípios e conclusões; e é subalternada, porque seus princípios pertencem a uma ordem superior de conhecimento.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Embora os princípios da teologia não sejam evidentes para nós, o são para Deus e para os bem-aventurados. Ora, a ciência não se define pelo modo como os princípios são conhecidos por nós, mas pela necessidade de suas conclusões. Logo, a teologia é ciência por participação da ciência divina.

Ad secundum:
Na teologia, o intelecto não demonstra pelas causas naturais, mas pela autoridade da Causa Primeira, que é Deus. Ora, autoridade divina é razão mais forte que evidência natural, pois quem revela não pode enganar.

Ad tertium:
A teologia não pertence ao gênero das ciências humanas segundo o modo de obtenção, mas segundo o modo de posse. Pois o homem, pela fé, participa da luz superior, e por essa participação adquire ciência verdadeira, embora imperfeita.


Conclusiones — Conclusões

  1. A teologia é ciência porque tem princípios certos, embora não evidentes para nós, derivados da ciência divina.
  2. É ciência subalternada, pois depende da revelação, que é luz superior.
  3. Sua certeza é maior que a das ciências humanas, porque se funda na infalibilidade de Deus.
  4. É a mais digna das ciências, por tratar do ser mais nobre e conduzir ao fim último.
  5. É tanto especulativa (porque contempla) quanto prática (porque ordena a vida ao bem supremo).

Annotationes — Anotações

(1) Cf. S.Th., I, q.1, a.2: “Sacra doctrina est scientia, non quia a ratione humana procedit, sed quia a lumine superioris scientiae.” — “A doutrina sagrada é ciência, não porque procede da razão humana, mas porque deriva da luz de uma ciência superior.”

(2) Aristóteles, Posteriorum Analyticorum I, c.7: “Scientia est cognitio per causas necessarias.” — A teologia satisfaz essa definição em grau eminente, porque suas causas são divinas.

(3) João de São Tomás comenta que “a fé é o modo, e a visão o termo da teologia; a primeira é sua forma militante, a segunda sua consumação gloriosa”.

(4) A noção de scientia subalternata aparece já em Boécio e é desenvolvida por Tomás e seus discípulos. João de São Tomás a amplia, dizendo que há dupla subalternação: da teologia à ciência divina, e da teologia moral à teologia especulativa.

(5) A distinção entre evidência e certeza é essencial: o filósofo vê por luz natural; o teólogo, por luz infusa. O primeiro vê o claro; o segundo, o que o claro esconde.

LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D. THOMAE

DISPUTATIO SECUNDA — De lumine naturali et supernaturali cognitionis

(Sobre a luz natural e a luz sobrenatural do conhecimento)


Prooemium — Prólogo

A sabedoria divina, fonte de toda verdade, distribui-se de muitos modos entre as criaturas: a uns concede a luz natural, pela qual conhecem as coisas criadas; a outros, a luz sobrenatural, pela qual percebem os mistérios revelados; aos bem-aventurados, finalmente, a luz da glória, pela qual veem a própria essência de Deus.

Ora, a distinção dessas luzes não implica oposição, mas ordem. Pois a luz natural não é destruída pela fé, mas elevada; e a fé não é abolida pela visão, mas consumada. Assim como a graça supõe a natureza, a revelação supõe a razão.


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que não há diferença essencial entre o conhecimento natural e o sobrenatural, pois ambos têm por objeto a verdade, e toda verdade, de qualquer origem, é de Deus.
    Ergo, toda verdade é sobrenatural.
  2. Obiectio secunda:
    Mais ainda: se a fé é luz infusa, parece que elimina a necessidade da razão, pois dois princípios de conhecimento para o mesmo objeto seriam redundantes.
    Ergo, a luz natural é supérflua ao teólogo.
  3. Obiectio tertia:
    Ademais, a revelação divina contém verdades racionais e suprarracionais. Se a fé ilumina todas igualmente, parece que a luz natural nada contribui.
    Ergo, a distinção entre luz natural e sobrenatural é vã.

Sed contra — Em contrário

Diz Santo Tomás (S.Th., I, q.12, a.13):

“Lumen fidei non destruit lumen naturae, sed ei superadditur.”
“A luz da fé não destrói a luz da natureza, mas se lhe acrescenta.”

Portanto, a luz sobrenatural não anula, mas aperfeiçoa a luz natural.


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Há na ordem do conhecimento três luzes derivadas da sabedoria divina, conforme três modos de união entre o intelecto e o objeto: natural, revelado e glorioso.

  1. A luz natural é a participação comum do intelecto na razão divina, pela qual o homem conhece as verdades acessíveis à razão, isto é, as que podem ser deduzidas a partir dos princípios primeiros do ser. Esta luz é suficiente para o conhecimento das causas segundas, mas não para o conhecimento pleno do Primeiro Princípio em Si mesmo.
  2. A luz sobrenatural da fé é uma elevação do intelecto pela graça, pela qual a mente é tornada capaz de aderir a verdades que superam toda demonstração. Ela não destrói a razão, mas lhe dá direção. O intelecto crê porque a vontade, movida por Deus, o inclina ao assentimento; e crê sem ver, porque a autoridade de Deus é mais certa que toda evidência criada.
  3. A luz da glória é a perfeição final do intelecto, que, libertado das sombras da fé, contempla a essência divina imediatamente. Esta luz não é apenas infusão, mas transformação: videbimus eum sicuti est.

Essas três luzes se ordenam entre si: a natureza é o fundamento, a fé é o caminho, a glória é o termo. A razão, iluminada pela natureza, é o vestíbulo; a fé, o santuário; a visão, o Sancta Sanctorum.

Portanto, é erro dizer que a luz natural é inútil, pois sem ela não haveria disposição para a fé. A graça não destrói a natureza, mas a sana e aperfeiçoa. Assim, a fé se serve da razão como serva fiel, que não revela o mistério, mas o guarda; que não vê o todo, mas reconhece o caminho.

Do mesmo modo, a luz da glória não suprime a fé, mas a consuma. O que agora cremos em figura, então veremos em verdade; o que agora é espelho, será presença. Assim se cumpre o movimento do saber: per fidem ad visionem, per lumen ad lumen.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Toda verdade é de Deus quanto à origem, mas nem toda é sobrenatural quanto ao modo. A luz natural é suficiente para o verdadeiro conhecimento das coisas criadas, mas insuficiente para o conhecimento dos mistérios divinos.

Ad secundum:
A fé não torna inútil a razão, pois requer a sua preparação. Como o olho precisa da luz para ver, assim a fé requer a razão para ordenar o objeto ao sujeito. A razão serve à fé não como mestra, mas como ministra.

Ad tertium:
As verdades reveladas distinguem-se: umas são acessíveis à razão, outras totalmente acima dela. Nas primeiras, a luz natural coopera; nas segundas, submete-se. Assim, a distinção entre os dois modos de luz é necessária.


Conclusiones — Conclusões

  1. Há três luzes derivadas de Deus: natural, da fé e da glória.
  2. A luz natural dispõe o intelecto à fé; a luz da fé o eleva; a luz da glória o consuma.
  3. A fé é superior à razão, mas não a contradiz; ao contrário, a aperfeiçoa.
  4. O conhecimento teológico supõe a razão, mas transcende sua capacidade.
  5. A harmonia entre as duas luzes é a condição da verdadeira sabedoria.

Annotationes — Anotações

(1) Cf. S.Th., I, q.12, a.13: “Inter lumen naturae et lumen gloriae media est lux fidei.” — “Entre a luz da natureza e a luz da glória está a luz da fé.”

(2) João de São Tomás comenta que “a razão é o limiar da fé, e a fé é o limiar da visão.” (Cursus Theologicus, II, d.2, q.1, a.3).

(3) Boécio, De Consolatione Philosophiae: “Quod ratio videt, fides amplectitur; quod fides credit, gloria contemplatur.” — “O que a razão vê, a fé abraça; o que a fé crê, a glória contempla.”

(4) A hierarquia das luzes é também uma hierarquia das certezas: natural (probabilidade), teológica (certeza moral), gloriosa (evidência plena).

(5) Esta disputa serve de base para todo o desenvolvimento posterior do Cursus Theologicus, especialmente para o tratado sobre a fé teologal e o conhecimento beatífico.

LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D. THOMAE

(Introdução à Doutrina de São Tomás)


DISPUTATIO PRIMA — De natura et dignitate theologiae

Sobre a natureza e a dignidade da teologia

  1. Utrum theologia sit scientia — Se a teologia é uma ciência.
  2. Utrum habeat certitudinem altiorem quam aliae scientiae — Se possui maior certeza que as demais ciências.
  3. Utrum sit una vel multiplex — Se é una ou múltipla.
  4. Utrum distinguatur a metaphysica — Se distingue-se da metafísica.
  5. De ordine theologiae inter alias scientias — Da ordem da teologia entre as demais ciências.

DISPUTATIO SECUNDA — De lumine naturali et supernaturali cognitionis

Sobre a luz natural e a luz sobrenatural do conhecimento

  1. De lumine naturali intellectus humani — Sobre a luz natural do intelecto humano.
  2. De lumine fidei et revelationis — Sobre a luz da fé e da revelação.
  3. De subordinatione scientiarum sub fide — Sobre a subordinação das ciências sob a fé.
  4. De modo quo ratio ministrat fidei — Sobre o modo como a razão serve à fé.

DISPUTATIO TERTIA — De distinctione inter philosophiam et theologiam

Sobre a distinção entre filosofia e teologia

  1. Utrum theologia utatur principiis philosophicis — Se a teologia faz uso de princípios filosóficos.
  2. Utrum sit licitum theologis uti auctoritatibus philosophorum — Se é lícito aos teólogos utilizarem as autoridades dos filósofos.
  3. De periculo rationis extra lumen fidei — Sobre o perigo da razão fora da luz da fé.

DISPUTATIO QUARTA — De ordine sapientiae et hierarchia scientiarum

Sobre a ordem da sabedoria e a hierarquia das ciências

  1. De sapientia naturali et divina — Sobre a sabedoria natural e a divina.
  2. Utrum sapientia divina sit causa et regula omnium — Se a sabedoria divina é causa e regra de todas as coisas.
  3. De triplici sapientia: angelica, humana et divina — Sobre a tríplice sabedoria: angélica, humana e divina.

Appendix — Annotationes generales

Notas gerais sobre o método e o fim da teologia

  1. De necessitate revelationis ad salutem — Sobre a necessidade da revelação para a salvação.
  2. De usu rationis in rebus fidei — Sobre o uso da razão nas coisas da fé.
  3. De ordine scientiarum ad sapientiam Dei — Sobre a ordenação das ciências à sabedoria de Deus.

LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D. THOMAE

DISPUTATIO TERTIA — De distinctione inter philosophiam et theologiam

(Sobre a distinção entre filosofia e teologia)


Prooemium — Prólogo

Assim como na ordem da natureza há diversos graus de luz, também há, na ordem do saber, graus de entendimento. Há o conhecimento que procede da razão, e o que provém da fé; o primeiro nasce da investigação do homem, o segundo, da iluminação de Deus. A filosofia considera as coisas segundo as causas próximas e visíveis; a teologia, segundo as causas supremas e invisíveis.

João de São Tomás, seguindo Santo Tomás, propõe aqui mostrar que a teologia não destrói, mas aperfeiçoa a filosofia; e que ambas, embora distintas em princípio e objeto formal, convergem no mesmo fim: o conhecimento da Verdade.


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que não há verdadeira distinção entre filosofia e teologia, pois ambas buscam a verdade, e a verdade é una.
    Ergo, uma única ciência deveria bastar para o conhecimento do real.
  2. Obiectio secunda:
    Mais ainda: se a filosofia trata das causas supremas, e Deus é a causa suprema, parece que também a teologia se reduz à filosofia.
    Ergo, a distinção é apenas nominal.
  3. Obiectio tertia:
    Além disso, se a razão pode provar a existência de Deus, como ensina Aristóteles e confirma Santo Tomás, segue-se que o conhecimento teológico é redundante, pois não acrescenta ao que já se demonstra naturalmente.
    Ergo, a teologia nada acrescenta à filosofia.

Sed contra — Em contrário

Diz Santo Tomás (S.Th., I, q.1, a.1):

“Theologia differt a philosophia, quia procedit ex principiis fidei revelatae.”
“A teologia difere da filosofia, porque procede de princípios revelados pela fé.”

Portanto, diferem não no objeto material (que é Deus), mas no modo de conhecê-lo.


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

É necessário afirmar que filosofia e teologia são ciências distintas quanto ao objeto formal, embora possam coincidir parcialmente quanto ao objeto material.

O objeto material é aquilo de que se trata; e, sob esse aspecto, ambas consideram Deus e as criaturas. O objeto formal, porém, é o modo sob o qual algo é conhecido. Assim, o filósofo considera Deus enquanto causa primeira natural, conhecida pela razão; o teólogo, enquanto causa revelada, conhecida pela fé.

Logo, a filosofia nasce da luz natural do intelecto, e a teologia, da luz sobrenatural da revelação. A primeira procede do homem que ascende; a segunda, de Deus que desce. A filosofia vê as vestes de Deus nas criaturas; a teologia contempla os vestígios de Deus em Si mesmo.

A distinção, pois, não é de oposição, mas de ordem. A filosofia prepara a mente para a fé, e a fé purifica e eleva a razão. Onde a filosofia termina, a teologia começa. A fronteira de uma é o limiar da outra.

Por isso, a filosofia é necessária à teologia: não como princípio, mas como instrumento. Pois a teologia não se funda na razão, mas se serve dela — utitur ratione sub lumine fidei, “usa da razão sob a luz da fé”.

Ao contrário, a razão sem fé corre o risco de se perder em sua própria luz, transformando-se em sombra. A teologia, ao iluminá-la, não a humilha, mas a redime; não a destrói, mas a consagra.

Assim, pode-se dizer que há três graus no saber:

  1. O do filósofo, que busca o verdadeiro;
  2. O do teólogo, que adora o verdadeiro;
  3. O do santo, que vive o verdadeiro.

E como o verdadeiro é uno, também o caminho o é: mas há modos diversos de percorrê-lo — pela razão, pela fé, pela visão.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A unidade da verdade não implica unidade de ciência. Assim como a mesma realidade pode ser conhecida de modos diversos (sensível, racional, místico), também Deus pode ser conhecido pela razão ou pela fé.

Ad secundum:
A filosofia considera Deus como causa natural e necessária; a teologia, como livre e pessoal. O filósofo demonstra que Deus é; o teólogo contempla quem Deus é.

Ad tertium:
A fé não é redundante à razão, porque revela o que a razão não poderia alcançar: o mistério trinitário, a Encarnação, a graça. A razão demonstra o que Deus pode fazer; a fé ensina o que Deus quis fazer.


Conclusiones — Conclusões

  1. Filosofia e teologia distinguem-se formalmente pelo modo de conhecimento: natural e sobrenatural.
  2. Ambas têm o mesmo objeto material, mas diversa luz cognitiva.
  3. A teologia é superior, pois parte da revelação e conduz ao fim último.
  4. A filosofia é serva e precursora da teologia; prepara o caminho do intelecto para a fé.
  5. Toda contradição entre ambas é aparente, pois a verdade, sendo una, não se opõe a si mesma.

Annotationes — Anotações

(1) S.Th., I, q.1, a.8: “Scientiae distinguuntur secundum diversos modos cognoscendi.” — “As ciências distinguem-se segundo os diversos modos de conhecer.”

(2) João de São Tomás comenta que a filosofia “é a sombra do templo onde a teologia entra”, e que ambas refletem a mesma luz: “Philosophia est ancilla, sed ancilla reginae.”

(3) Dionísio Areopagita, De Divinis Nominibus, cap. II: “Toda sabedoria criada é uma irradiação da luz divina.”

(4) A distinção formal aqui traçada influenciou profundamente os manuais dominicanos posteriores, como os de Billuart e Gardeil, que mantêm a estrutura de subordinação racional ao princípio revelado.

(5) O argumento de João de São Tomás contra o racionalismo nascente antecipa o princípio tomista clássico: Gratia non tollit naturam, sed perficit — “A graça não destrói a natureza, mas a aperfeiçoa.”

LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D. THOMAE

DISPUTATIO QUARTA — De ordine sapientiae et hierarchia scientiarum

(Sobre a ordem da sabedoria e a hierarquia das ciências)


Prooemium — Prólogo

Toda ciência tende à sabedoria como ao seu ápice. Pois, assim como a multiplicidade das causas se ordena à causa primeira, também a variedade das ciências se ordena àquela que conhece a razão suprema de todas as coisas. Esta é a sapientia no sentido próprio: o conhecimento das causas últimas, pela qual se julga e ordena o todo.

Mas como há diferentes modos de participar da luz divina, também há diferentes graus de sabedoria. A sabedoria do anjo é intuitiva, a do homem é discursiva, a de Deus é criadora. A ordem das ciências reflete, portanto, a gradação das luzes, e nelas se manifesta a hierarquia da razão e da fé.


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que todas as ciências são igualmente sábias, pois cada uma conhece seu objeto próprio e as causas que o regem.
    Ergo, não há hierarquia entre as ciências.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, se toda sabedoria vem de Deus, parece que todas as ciências participam dela igualmente, já que todas procedem da mesma luz.
    Ergo, não se deve falar em graus de sabedoria.
  3. Obiectio tertia:
    Ademais, a teologia, sendo fundada na fé e não na evidência, parece menos perfeita que a filosofia, que se apoia na demonstração racional.
    Ergo, a teologia não é a ciência mais alta.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás ensina (S.Th., I, q.6, a.4):

“Sapientia est cognitio divinorum et humanorum per altissimam causam.”
“A sabedoria é o conhecimento das coisas divinas e humanas pela causa mais alta.”

Ora, só a teologia conhece essa causa em si mesma, e não apenas em seus efeitos.


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

A sabedoria, em seu sentido próprio, é a ciência que julga e ordena as outras ciências à causa suprema. Ora, esta causa é Deus; e, portanto, a sabedoria verdadeira pertence, de modo pleno, somente à teologia.

Contudo, como a luz divina se reflete em graus diversos, há também uma ordem hierárquica das sabedorias participadas:

  1. Sapientia divina — é a ciência pela qual Deus conhece a Si mesmo e todas as coisas em Si, sem mediação, sem sucessão e sem erro. É a fonte e regra de toda verdade.
  2. Sapientia angelica — é a participação mais próxima dessa luz, pela qual os espíritos puros contemplam as razões eternas nas coisas, e as causas nas suas causas. É uma sabedoria intuitiva e imutável, que julga por visão direta.
  3. Sapientia humana — é a mais inferior, pois procede do discurso e do raciocínio; conhece as coisas pelas suas causas segundas, e não pelas primeiras. Mas, quando iluminada pela fé, torna-se participante da luz divina e se eleva acima de si mesma.

Deste modo, há na ordem das ciências uma hierarquia semelhante à dos seres: a teologia no cume, as ciências filosóficas no meio, as ciências particulares na base. As últimas dependem das primeiras quanto ao fim; as primeiras, das últimas quanto à matéria.

A filosofia, por exemplo, não pode atingir o fim último do homem, que é Deus visto face a face; mas pode preparar o intelecto para recebê-lo. A teologia, ao contrário, não depende da filosofia quanto à substância, mas quanto ao modo — usa dela para ordenar e explicar, não para fundamentar.

Portanto, a teologia é a rainha das ciências, a filosofia é sua ministra, e as artes naturais são suas servas. Assim se cumpre a ordem do saber: do inferior ao superior, do humano ao divino, do conhecimento à sabedoria.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Nem todas as ciências são igualmente sábias, porque nem todas julgam pelas causas supremas. Cada ciência é tanto mais sábia quanto mais universal é a causa que conhece.

Ad secundum:
Embora todas as luzes venham de Deus, não todas participam igualmente de sua claridade. A luz do sol é uma, mas ilumina diversamente a pedra, a planta e o espírito.

Ad tertium:
A teologia, embora sem evidência natural, possui certeza maior que a filosofia, porque tem por princípio a revelação divina. O que falta em clareza, sobra em infalibilidade.


Conclusiones — Conclusões

  1. Há três sabedorias: divina, angélica e humana, conforme três modos de participação na luz de Deus.
  2. A sabedoria humana é discursiva e imperfeita, mas elevável pela fé.
  3. A teologia é a forma suprema do saber humano, pois une o intelecto à causa última.
  4. A filosofia é inferior à teologia quanto à luz, mas necessária quanto ao exercício.
  5. A hierarquia das ciências reflete a hierarquia dos seres e das luzes.

Annotationes — Anotações

(1) S.Th., I-II, q.66, a.5: “Sapientia est donum Spiritus Sancti, quod totam vitam humanam ordinat ad Deum.” — “A sabedoria é dom do Espírito Santo, que ordena toda a vida humana para Deus.”

(2) João de São Tomás distingue “sapientiam acquisitam” (filosófica) e “sapientiam infusam” (teológica). A primeira nasce do estudo; a segunda, da graça.

(3) A hierarquia das ciências é também hierarquia das causas: as ciências físicas subordinam-se à matemática, a matemática à metafísica, e todas à teologia.

(4) O princípio que governa toda essa ordem é o axioma tomista: Ordo scientiarum est secundum ordinem causarum — “A ordem das ciências segue a ordem das causas.”

(5) A estrutura tripla de sabedoria (angélica, humana, divina) reflete o esquema da Summa Theologiae: De Deo in se (sabedoria divina), De Deo creatore (sabedoria angélica) e De Deo redemptore (sabedoria humana).

LIBER TERTIUS — DE APPROBATIONE ET AUCTORITATE DOCTRINAE D. THOMAE

(Sobre a aprovação e autoridade da doutrina de Santo Tomás)


Prooemium — Prólogo

Na sucessão dos tempos, a Igreja, guardiã da Verdade divina, aprovou e consagrou certos mestres cujas doutrinas exprimem com maior pureza o espírito do Evangelho e da razão iluminada pela fé. Entre esses, brilha de modo singular São Tomás de Aquino, cuja doutrina, nascida da luz de Aristóteles e transfigurada pela caridade de Cristo, tornou-se o eixo do saber teológico católico.

João de São Tomás abre este livro declarando que a autoridade do Doutor Angélico não é humana, mas eclesial, pois se apoia em decretos apostólicos e conciliares. Sua defesa da doutrina tomista é, portanto, um ato de obediência, não de partidarismo.


TRACTATUS UNICUS — Tractado Único

Articulus Primus — De approbatione apostolica et ecclesiastica

(Da aprovação apostólica e eclesiástica)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que não é lícito atribuir autoridade singular a um doutor, pois a fé se apoia na Escritura e na Tradição, não na doutrina de um homem.
    Ergo, a Igreja não deve exaltar Santo Tomás acima de outros.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, se todos os santos Padres foram inspirados pelo mesmo Espírito, segue-se que suas doutrinas são igualmente dignas de crédito.
    Ergo, não há motivo para distinguir a de Tomás.
  3. Obiectio tertia:
    Ademais, a sabedoria divina não está encerrada em uma escola, e a teologia não deve depender de um único método humano.
    Ergo, a exaltação da doutrina tomista seria contrária à liberdade da Igreja.

Sed contra — Em contrário

O Papa Pio V declarou em sua Constituição de 1567:

“Doctrina Sancti Thomae est proprius et tutissimus normae catholicae fidei interpretandi modus.”
“A doutrina de São Tomás é o modo próprio e seguríssimo de interpretar a fé católica.”

Logo, a aprovação da Igreja confere à doutrina tomista autoridade pública e normativa.


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

A Igreja, enquanto mestra universal da verdade, não se apoia apenas na autoridade divina das Escrituras, mas também na autoridade derivada dos doutores que, por inspiração e esforço, ordenaram as verdades reveladas de modo conforme à razão e à fé.

Entre esses, São Tomás de Aquino ocupa o lugar de “regra viva da teologia”, porque uniu em si as três notas que a Igreja requer para o ensino autorizado: ortodoxia perfeita, método universal e clareza demonstrativa.

Primeiro, quanto à ortodoxia, nunca houve sentença sua reprovada pela Sé Apostólica; ao contrário, muitas foram confirmadas. Segundo, quanto ao método, reuniu toda a tradição patrística e filosófica em unidade orgânica. Terceiro, quanto à clareza, exprimiu a fé não por autoridade cega, mas por demonstração subordinada à luz da revelação.

Por isso, os Sumos Pontífices, reconhecendo a excelência de sua doutrina, decretaram:

Inocêncio VI (†1362): “Sua doutrina não foi inferior à dos Padres Gregos e Latinos.”
São Pio V (†1572): “Foi luz da Igreja e defensor da fé.”
Leão XIII (†1903): “Entre os doutores, Tomás é como o sol entre as estrelas.”

E a Congregação dos Estudos, no decreto de 1879 (Aeterni Patris), declarou:

“In disciplinis sacris, magisterium Doctoris Angelici sequendum est, tanquam normam et regulam certissimam.”
“Nas disciplinas sagradas, deve seguir-se o magistério do Doutor Angélico como norma e regra seguríssima.”

Assim, não é idolatria, mas obediência, reconhecer que a Igreja, ao aprovar sua doutrina, nela reconheceu o espelho mais puro da sabedoria cristã.

A autoridade de Tomás não diminui a dos outros, mas as reúne; não exclui os Padres, mas os organiza; não encerra a verdade, mas a orienta.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A fé se apoia na Escritura, mas requer intérpretes. A Igreja, ao aprovar Tomás, não cria novo fundamento, mas consagra um intérprete privilegiado da Tradição.

Ad secundum:
Todos os santos Padres são inspirados, mas de modo diverso. Em Tomás, a graça da sabedoria foi acompanhada pela ordem da ciência; nos outros, pela chama da contemplação.

Ad tertium:
A teologia não depende de um método humano, mas é servida por ele. O método tomista é o mais conforme à natureza da fé porque conjuga raciocínio e submissão.


Conclusiones — Conclusões

  1. A Igreja aprovou a doutrina de São Tomás com autoridade apostólica e universal.
  2. Essa aprovação não cria novo magistério, mas confirma o antigo sob forma ordenada.
  3. O método tomista é o modelo legítimo da teologia católica, por unir fé e razão.
  4. A autoridade de Tomás é participada, não absoluta; deriva da Igreja, não de si mesmo.
  5. A rejeição sistemática de sua doutrina implica afastamento da norma da ortodoxia.

Annotationes — Anotações

(1) Cf. Constitutiones Summorum Pontificum (Pius V, Leão XIII, Bento XV): todas confirmam a preeminência da doutrina tomista nas escolas católicas.

(2) João de São Tomás usa aqui o termo auctoritas publica Ecclesiae, distinto de auctoritas privata magistri: a primeira regula, a segunda ensina.

(3) O elogio “sol inter astra” vem de Leão XIII, retomado por Pio XI na Studiorum Ducem (1923).

(4) No final do Prologus, João afirma: “Non tollitur varietas, sed reducitur ad ordinem.” — “A variedade não é suprimida, mas reconduzida à ordem.”

(5) Esse Liber Tertius encerra a primeira parte do Cursus Theologicus (os fundamentos), e abre caminho para o Liber Quartus, onde se iniciam as questões da Prima Pars de Santo Tomás — a doutrina de Deus.

LIBER TERTIUS — DE APPROBATIONE ET AUCTORITATE DOCTRINAE D. THOMAE

ARTICULUS SECUNDUS — De auctoritate Doctoris Angelici inter scholasticos

(Da autoridade do Doutor Angélico entre os escolásticos)


Prooemium — Prólogo

Entre os doutores que interpretaram a Sagrada Teologia, há diversos graus de autoridade: uns foram veneráveis pela santidade, outros ilustres pela sutileza, outros pela eloqüência. Mas entre todos, Santo Tomás de Aquino ocupa o lugar de regra e de centro — não apenas por sua ciência, mas por sua fidelidade absoluta à fé.

João de São Tomás declara que a teologia escolástica não deve ser multiplicada em sistemas discordantes, mas reconduzida à unidade na mente do Doutor Angélico, que soube harmonizar o espírito de Aristóteles com a luz da Revelação.


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece indevido atribuir autoridade normativa a um doutor particular, pois a verdade teológica é múltipla em expressão, e cada mestre contribui de modo diverso.
    Ergo, não deve haver um único regulador da teologia.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, a teologia floresceu igualmente em outras escolas — escotista, suareziana, augustiniana —, que produziram santos e doutores.
    Ergo, a primazia tomista não é necessária.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, a sabedoria divina não é propriedade de uma só mente; o Espírito sopra onde quer.
    Ergo, fazer de Tomás uma norma universal seria restringir a liberdade do Espírito.

Sed contra — Em contrário

O Papa Bento XIV afirma:

“Ecclesia Doctorem Angelicum tamquam normam orthodoxae doctrinae amplectitur.”
“A Igreja abraça o Doutor Angélico como norma da doutrina ortodoxa.”

E João de São Tomás comenta:

“Inter omnes scholasticos unus est Angelicus Doctor, qui fidem rationi sociavit, nec eam subjecit, nec deseruit.”
“Entre todos os escolásticos, só o Doutor Angélico uniu a fé à razão sem submetê-la, nem dela desertar.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

A teologia escolástica, enquanto ciência, requer uma forma, isto é, uma disposição ordenada dos princípios, pela qual a multiplicidade de opiniões se subordina à unidade da verdade. Ora, essa forma foi dada à Igreja por Santo Tomás, não como mestre privado, mas como Doctor communis Ecclesiae.

Ele não criou nova doutrina, mas consolidou a antiga. Reuniu em harmonia a força especulativa dos gregos, a piedade dos Padres, a clareza dos latinos e a fidelidade da fé católica. Por isso, a Igreja o propôs não apenas como exemplo, mas como regra.

Sua autoridade entre os escolásticos se funda em três causas principais:

  1. Per lumen rationis illustratum fide. — A luz da razão em Tomás foi purificada pela fé. Ele investigou como filósofo, mas concluiu como teólogo.
  2. Per ordinem et methodum. — Introduziu uma arquitetura de ciência: toda questão se abre com objectiones, equilibra-se com sed contra, e se resolve com respondeo dicendum quod. Assim, a teologia deixou de ser mera coleção de sentenças e tornou-se corpo orgânico.
  3. Per spiritum Ecclesiae. — Em toda sua obra, nunca há oposição ao magistério; ao contrário, cada artigo é uma defesa implícita da unidade da fé.

Dessa tríplice causa nasce sua autoridade singular: não domina, mas ordena; não exclui, mas integra; não impõe, mas demonstra.

Assim, entre os escolásticos, Tomás é o ponto de equilíbrio — o axis veritatis, sobre o qual as divergências se medem. Escoto investigou a sutileza da distinção formal; Suárez, a metafísica do ser; mas Tomás, com superior sabedoria, uniu ambas sob o primado do ato de ser (actus essendi), centro de toda metafísica cristã.

Logo, ele é chamado Doctor Angelicus não por louvor vazio, mas porque sua doutrina é pura como a luz dos anjos: simples, ordenada, e voltada para Deus.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A unidade da teologia não nega a pluralidade dos doutores; mas requer que essa pluralidade se ordene a uma norma comum. A multiplicidade sem regra é confusão, não sabedoria.

Ad secundum:
As outras escolas contribuíram legitimamente, mas em dependência da estrutura tomista. Escoto e Suárez comentam, completam, discutem — mas não substituem. A doutrina de Tomás é o tronco; as outras, ramos.

Ad tertium:
A liberdade do Espírito Santo não é desordem. O mesmo Espírito que sopra onde quer é o que conduz a Igreja à unidade da fé. Por isso, confirmar o Doutor Angélico é confirmar o sopro do Espírito na razão humana.


Conclusiones — Conclusões

  1. A autoridade de Santo Tomás entre os escolásticos é normativa, não apenas exemplar.
  2. Sua doutrina unifica a diversidade teológica sem destruir a legítima variedade.
  3. O método tomista é a forma racional da teologia católica.
  4. A Igreja o propôs como Doctor communis porque nele a fé e a razão reconciliaram-se.
  5. Toda escola teológica autêntica deve concordar com o princípio tomista: fides praesupponit rationem, et ratio deservit fidei.

Annotationes — Anotações

(1) Cf. Bento XIV, De Servorum Dei Beatificatione, I, c.4: reconhece explicitamente Tomás como norma theologorum.

(2) João de São Tomás, em seu comentário à I Pars, q.1, a.8, escreve: “In Thoma residet totius scholasticae architectura.” — “Em Tomás reside toda a arquitetura da escolástica.”

(3) O termo Doctor communis foi oficialmente confirmado pela Congregação dos Estudos em 1880, e novamente na Aeterni Patris (Leão XIII).

(4) Entre os dominicanos posteriores, Billuart, Gonet e Gardeil retomam a tese de que o tomismo não é sistema, mas síntese.

(5) O método triplo (objectiones – sed contra – respondeo) é reconhecido por João de São Tomás como “forma simbólica da harmonia entre fé, razão e autoridade”.

LIBER TERTIUS — DE APPROBATIONE ET AUCTORITATE DOCTRINAE D. THOMAE

ARTICULUS TERTIUS — De testimoniis Conciliorum et Patrum

(Dos testemunhos dos Concílios e dos Padres)


Prooemium — Prólogo

A verdade, que em si é una, reflete-se na história da Igreja sob múltiplas vozes. E essas vozes — dos Concílios, dos Santos Padres, dos Doutores e Mártires — formam o coro perene da ortodoxia. João de São Tomás, nesta disputa, busca mostrar que a doutrina de Santo Tomás é o eco fiel dessa harmonia patrística e conciliar, não uma invenção de escola, mas uma recapitulação da Tradição viva.

Ele recorda que a Igreja não canoniza ideias, mas testemunhos de verdade. Assim, a doutrina tomista foi confirmada não apenas por decretos pontifícios, mas também pelo consenso dos Concílios e pela consonância com os Padres — de modo que, seguir Tomás é seguir a Tradição.


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que a doutrina de Santo Tomás não pode ser confirmada pelos Padres, pois estes viveram antes dele, e sua teologia nasceu em outro contexto.
    Ergo, não pode dizer-se patrística.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, os Concílios definem a fé com autoridade divina, ao passo que Tomás é apenas doutor humano.
    Ergo, a conformidade entre sua doutrina e os Concílios é acidental, não necessária.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, muitos doutores posteriores diferiram de Tomás em vários pontos sem serem censurados pela Igreja.
    Ergo, a doutrina tomista não pode ser norma obrigatória de interpretação.

Sed contra — Em contrário

O Concílio de Trento, na Sessão XIII, ao tratar da Eucaristia, segue quase palavra por palavra a Summa Theologiae (III, q.75–83).
E o Papa Pio V, ao promulgar o Catechismus Romanus, declarou:

“In hoc Catechismo nihil est quod non ex doctrina S. Thomae haustum sit.”
“Neste Catecismo nada há que não tenha sido haurido da doutrina de São Tomás.”

Logo, a consonância entre Tomás, os Concílios e os Padres não é casual, mas intrínseca, pois o mesmo Espírito que inspirou os primeiros guiou o Doutor Angélico.


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

A autoridade dos Concílios e dos Padres é a expressão viva da Tradição apostólica. Ora, o que a Igreja reconheceu em Santo Tomás foi precisamente a perfeita consonância de sua doutrina com essa Tradição.

Primeiro, quanto aos Concílios, sua doutrina se mostra conforme em três aspectos:

  1. Quanto ao conteúdo dogmático, pois resume e sistematiza as definições dos Concílios de Niceia, Calcedônia e Trento — sobre a Trindade, a Encarnação e os Sacramentos.
  2. Quanto ao método, porque raciocina segundo a regra dos Concílios: unir a autoridade das Escrituras à interpretação dos Padres.
  3. Quanto ao fim, pois, como os Concílios, ordena toda a ciência ao bem da fé e à salvação das almas.

Depois, quanto aos Padres da Igreja, Tomás não é repetidor, mas continuador: ele recolhe o pensamento de Agostinho sobre a graça, de Gregório sobre a Providência, de Crisóstomo sobre a caridade, de Dionísio Areopagita sobre os nomes divinos — e os funde num só corpo.

Assim, pode-se dizer que Tomás é o “herdeiro da Tradição”, aquele em quem as múltiplas vozes da Igreja antiga reencontram sua unidade intelectual. Ele é o ponto em que o pensamento cristão deixa de ser fragmento e se torna organismo.

Por isso, João de São Tomás afirma que “os Concílios falam pela autoridade, os Padres pela sabedoria, Tomás pela harmonia de ambos.”

Logo, a doutrina tomista não é extrínseca à Tradição, mas sua forma racional: o que os Padres creram e celebraram, Tomás expôs e demonstrou.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Embora os Padres tenham vivido antes de Tomás, sua doutrina não é nova, mas continuação. Ele não os substitui, mas os interpreta, como o filho que revela o sentido pleno das palavras do pai.

Ad secundum:
Os Concílios definem a fé, e Tomás a explica. O mesmo Espírito que inspirou os Concílios inspirou a inteligência do Doutor Angélico. Sua doutrina é, pois, participante da autoridade conciliar, não por decreto, mas por consonância.

Ad tertium:
A diversidade posterior não anula a norma. Outros doutores foram permitidos, mas não propostos como regra. A Igreja reconhece em Tomás a mens Ecclesiae — a forma habitual de pensar com a Igreja.


Conclusiones — Conclusões

  1. A doutrina tomista está em plena conformidade com os Concílios Ecumênicos e com a Tradição Patrística.
  2. Essa conformidade não é acidental, mas essencial, pois brota da mesma luz do Espírito que guia a Igreja.
  3. Santo Tomás é o intérprete autorizado da fé conciliar e o sistematizador da sabedoria dos Padres.
  4. Seguir sua doutrina é permanecer na corrente viva da Tradição.
  5. O tomismo é, portanto, o modo racional da Tradição católica, não uma escola privada.

Annotationes — Anotações

(1) O Concilium Lateranense IV (1215) e o Concilium Tridentinum (1545–1563) são os dois pilares conciliares da estrutura tomista: o primeiro define as relações entre Criador e criatura; o segundo, a natureza dos sacramentos e da graça, exatamente como em Tomás.

(2) Santo Agostinho é chamado por João de São Tomás praecursor Thomae, precursor de Tomás, pois nele se encontra em germe o que Tomás desenvolve com método.

(3) O Papa Bento XIII, em 1724, afirmou: “Doctrina S. Thomae est compendium Patrum et fundamentum Conciliorum.” — “A doutrina de São Tomás é o compêndio dos Padres e o fundamento dos Concílios.”

(4) A fórmula mens Ecclesiae é usada por João de São Tomás para designar a consonância viva entre a teologia e o magistério, onde Tomás é a “voz racional da fé”.

(5) Este Articulus Tertius encerra o Liber Tertius, e serve como ponte para o Liber Quartus — In Primam Partem S. Thomae Quaestiones I–VII, onde o Doutor Angélico é estudado diretamente, começando com a Quaestio Prima: De Sacra Doctrina.

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO PRIMA — De Sacra Doctrina

(Sobre a Doutrina Sagrada)


Prooemium — Prólogo

A Sacra Doctrina é a ciência das ciências, porque tem por princípio a revelação divina e por fim a salvação eterna. Todas as outras ciências são servas dela, pois recebem da luz natural o que esta recebe da luz do próprio Deus.

João de São Tomás abre o comentário afirmando que esta primeira questão de Santo Tomás é o fundamento de toda a Summa Theologiae: nela se determina o estatuto epistemológico da teologia — sua origem, seu método, seu objeto e sua dignidade.


Articulus Primus — Utrum sacra doctrina sit scientia

(Se a doutrina sagrada é uma ciência)


Objectiones — Objeções

1.      Obiectio prima:
Parece que a doutrina sagrada não é ciência, pois a ciência, segundo Aristóteles (Posteriorum Analyticorum, I, 2), procede de princípios evidentes. Ora, os princípios da teologia não são evidentes, mas cridos pela fé.
Ergo, a doutrina sagrada não é ciência.

2.      Obiectio secunda:
A ciência humana é adquirida pelo esforço da razão. Mas a teologia é infusa e depende da revelação.
Ergo, não pertence ao mesmo gênero de conhecimento.

3.      Obiectio tertia:
A ciência se exerce em ordem natural, e a fé em ordem sobrenatural.
Ergo, a teologia não é ciência, mas mero assentimento piedoso.


Sed contra — Em contrário

Diz Santo Tomás (S.Th., I, q.1, a.2):

“Sacra doctrina est scientia subalternata, quae habet principia cognita lumine superioris scientiae, scilicet Dei et beatorum.”
“A doutrina sagrada é ciência subalternada, que possui seus princípios conhecidos pela luz de uma ciência superior, a de Deus e dos bem-aventurados.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Deve-se distinguir o duplo modo de ciência: per se, como nas ciências que derivam seus princípios da razão natural; e per participationem, como nas que recebem seus princípios de uma ciência superior.

A teologia pertence a este segundo gênero, pois seus princípios são revelados por Deus e conhecidos na ciência divina. Assim como a óptica é ciência subalternada à geometria, a teologia é ciência subalternada à sabedoria divina.

Ainda que para nós seus princípios não sejam evidentes, são, contudo, infalíveis, porque procedem da luz increada. A obscuridade está no sujeito que crê, não no objeto crido.

Portanto, a teologia é ciência quanto à certeza de suas conclusões, não quanto à evidência de seus princípios. A razão natural, nela, não cria, mas serve; não julga, mas ordena.

E como os bem-aventurados veem o que nós cremos, a ciência deles é a raiz da nossa: a teologia dos peregrinos é participação da ciência dos santos.

Logo, a doutrina sagrada é ciência subalternada, fundada na luz divina, e, por isso, mais certa que todas as ciências naturais.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Os princípios da teologia não são evidentes para nós, mas são-no em Deus; e o grau de ciência não se mede pela nossa capacidade, mas pela firmeza do princípio.

Ad secundum:
Embora infusa em sua origem, a teologia é exercida pela razão humana iluminada pela fé. Assim, participa de ambas as ordens: é sobrenatural na origem, racional no exercício.

Ad tertium:
A fé não destrói a razão, mas a aperfeiçoa. O assentimento teológico é mais firme que o científico, porque repousa na autoridade divina, não na experiência sensível.


Conclusiones — Conclusões

1.      A doutrina sagrada é ciência por participação, subalternada à ciência de Deus e dos santos.

2.      Sua certeza é superior à das ciências humanas, embora menos evidente.

3.      Seus princípios são revelados, não demonstrados.

4.      Sua função é ordenar a razão à luz da fé.

5.      O seu fim é a visão beatífica, da qual é prelúdio racional.


Annotationes — Anotações

(1) João de São Tomás nota que “a teologia é ciência formalmente no modo de conhecer, e sabedoria no modo de ordenar”, unindo razão e fim.

(2) A subalternação teológica é mais profunda que a das ciências naturais: não só lógica, mas ontológica — pois o intelecto humano é elevado pela graça.

(3) A fórmula sacra doctrina est scientia subalternata torna-se o eixo de toda a epistemologia tomista, retomada por Gardeil e Billuart.

(4) Obscuritas fidei non tollit certitudinem scientiae, sed modum evidentiae. — “A obscuridade da fé não destrói a certeza da ciência, mas apenas o modo da evidência.”

(5) Esta quaestio serve como prólogo à Prima Pars inteira: nela se decide o que significa “fazer teologia”.

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO PRIMA — De Sacra Doctrina

ARTICULUS SECUNDUS — Utrum sacra doctrina sit una vel multiplex

(Se a doutrina sagrada é una ou múltipla)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que a doutrina sagrada não é una, pois ela trata de uma multiplicidade de matérias — Deus, os anjos, o homem, os sacramentos, as virtudes e os pecados.
    Ergo, sendo o objeto múltiplo, múltipla também deve ser a ciência.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, a teologia contém em si tanto o aspecto especulativo quanto o prático. Ora, a distinção entre especulativo e prático divide as ciências.
    Ergo, a doutrina sagrada não pode ser una.
  3. Obiectio tertia:
    Finalmente, o mesmo princípio não pode unificar ciências que procedem de objetos formalmente diversos. Ora, a doutrina sagrada considera Deus em si e nas criaturas sob modos diversos.
    Ergo, a diversidade de formalidades destrói a unidade da ciência.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás diz (S.Th., I, q.1, a.3):

“Sacra doctrina est una, quia habet unum formale objectum, sub quo considerat omnia, scilicet Deum sub ratione Dei.”
“A doutrina sagrada é una, porque possui um único objeto formal sob o qual considera todas as coisas: Deus enquanto Deus.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

A unidade de uma ciência não depende da simplicidade material de seu objeto, mas da unidade formal sob a qual esse objeto é considerado.
Assim, diversas matérias podem constituir uma única ciência, desde que sejam vistas sob um mesmo princípio formal.

Ora, a teologia contempla todas as coisas em sua relação com Deus: quer Deus em si mesmo, quer as criaturas enquanto participam ou refletem sua bondade.
Logo, embora os objetos materiais sejam múltiplos, o formal é um só — sub ratione Dei — e essa unidade formal é suficiente para constituir uma única ciência.

A razão teológica, portanto, é unificadora: tudo o que existe é referido a Deus como ao princípio e ao fim.
O anjo e o homem, o pecado e a graça, a natureza e a glória — tudo é considerado enquanto depende do Ser divino, enquanto manifesta, participa ou se ordena ao seu bem supremo.

Deste modo, a teologia é una não por estreiteza, mas por amplitude: contém o múltiplo sob o selo da unidade.
A variedade de temas nela é apenas o reflexo da riqueza do seu objeto único — Deus.

Assim, a ciência sagrada é una formalmente, múltipla materialmente: una no olhar, diversa nas coisas vistas.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A multiplicidade dos temas não destrói a unidade da ciência, porque são tratados sob o mesmo aspecto formal, isto é, enquanto ordenados a Deus.

Ad secundum:
A distinção entre especulativo e prático não divide essencialmente a teologia, pois o mesmo princípio regula ambos. O conhecimento de Deus move o amor a Deus; logo, o especulativo e o prático se unem em seu fim.

Ad tertium:
Deus é considerado sob múltiplas relações — em si e nas criaturas —, mas o aspecto formal é o mesmo: Deus sub ratione Dei.
Assim como a medicina considera o homem são e enfermo sob o mesmo princípio de vida, a teologia considera o Criador e a criatura sob o mesmo princípio divino.


Conclusiones — Conclusões

  1. A teologia é formalmente una, porque tem um único objeto formal: Deus enquanto Deus.
  2. A multiplicidade das matérias não destrói essa unidade, pois são vistas sob o mesmo aspecto.
  3. A distinção entre especulativo e prático é acidental, não essencial, à teologia.
  4. A unidade da teologia reflete a unidade do próprio Ser divino, no qual tudo se reúne.
  5. A teologia é, portanto, una por sua forma, múltipla por seu alcance, divina por sua origem e final.

Annotationes — Anotações

(1) João de São Tomás observa que, assim como a luz ilumina diversas cores sem se dividir, a teologia abrange múltiplos temas sem perder a unidade de seu princípio formal.

(2) A expressão Deus sub ratione Dei significa que o objeto da teologia não é apenas Deus em sua essência, mas tudo o que se ordena a Ele enquanto causa e fim.

(3) Gardeil comenta que esta unidade é “analógica e não unívoca”: a teologia une o diverso pela referência ao Uno, não pela identidade de gênero.

(4) A teologia é una “per intentionem finis”, pois todas as suas proposições se ordenam à visão beatífica, conforme a Summa Contra Gentiles, I, 4: “Finis huius scientiae est manifestatio divinae veritatis.”

(5) João de São Tomás, ao comentar este artigo, chama a teologia de “unum corpus doctrinale”, porque nela tudo se articula organicamente, como membros de um mesmo corpo animado pela luz divina.

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO PRIMA — De Sacra Doctrina

ARTICULUS TERTIUS — Utrum sacra doctrina sit speculativa vel practica

(Se a doutrina sagrada é especulativa ou prática)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que a doutrina sagrada é principalmente prática, pois ela se ordena às obras da salvação e à retidão da vida.
    Ergo, como o fim prático é o agir, parece que a teologia é ciência moral e prática.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, os pregadores e doutores da Igreja aplicam a teologia à conversão das almas e à formação dos costumes.
    Ergo, sendo o seu uso prático, sua natureza também o será.
  3. Obiectio tertia:
    Toda ciência que dirige o homem ao fim último é prática. Ora, a teologia tem por fim conduzir o homem à bem-aventurança.
    Ergo, é prática, e não especulativa.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás declara (S.Th., I, q.1, a.4):

“Sacra doctrina principaliter est speculativa, etsi aliquid ad praxim ordinetur.”
“A doutrina sagrada é principalmente especulativa, ainda que algo nela se ordene à prática.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Toda ciência se distingue pelo seu fim: se o fim é o saber, é especulativa; se é o agir, é prática.
Ora, o fim da teologia não é o agir humano em si mesmo, mas o conhecimento de Deus — e o agir é ordenado a esse conhecimento como meio para a união com Ele.

Logo, a teologia é principaliter speculativa, porque o seu objeto próprio é a Verdade divina, contemplada sob o aspecto do fim último.

Contudo, porque essa Verdade é também o bem supremo do homem, segue-se que a teologia tem virtude prática em suas conclusões morais e ascéticas, pelas quais o homem é conduzido a agir conforme o que conhece.

Assim, ela é speculativa per essentiam, practica per extensionem: especulativa em sua forma e objeto, prática em sua aplicação e efeito.

João de São Tomás acrescenta que, embora as virtudes teologais de fé, esperança e caridade produzam atos, esses atos derivam da contemplação do objeto divino, e não de regras técnicas de ação.

Portanto, a teologia não é ciência de obras como a ética, mas ciência de causas e fins, cujo conhecimento move à ação por participação da Verdade.

Deste modo, a teologia é mais que prática e mais que especulativa: é sapientia, porque conhece a causa última de todas as coisas e ordena tudo a ela.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Embora se ordene à retidão da vida, isso é consequência, não essência. O reto agir nasce do reto conhecer; e como o conhecer precede, a teologia é principalmente especulativa.

Ad secundum:
Os pregadores usam a teologia em sentido prático, mas o uso não define a natureza. O mesmo conhecimento que ilumina o intelecto move a vontade à caridade.

Ad tertium:
A teologia conduz ao fim último, não como arte que ensina a operar, mas como sabedoria que revela o que deve ser amado e conhecido. Ela é prática no efeito, mas especulativa na causa.


Conclusiones — Conclusões

  1. A teologia é principalmente especulativa, porque seu fim é o conhecimento de Deus.
  2. É prática de modo subordinado, enquanto esse conhecimento move a ação virtuosa.
  3. Seu exercício une o saber e o agir, mas sob o primado do saber.
  4. A distinção entre especulativo e prático nela se resolve na sabedoria, que é a união do verdadeiro e do bem.
  5. A teologia é, portanto, sapientia divina, pois contempla Deus como princípio e fim de todo agir e conhecer.

Annotationes — Anotações

(1) João de São Tomás observa que “in sacra doctrina intellectus regit voluntatem, non voluntas intellectum” — a inteligência governa a vontade, não o contrário.

(2) Santo Tomás, em Contra Gentiles (I, c.1), define a teologia como “scientia Dei secundum quod est finis hominis”, o que a torna mais elevada que o mero saber moral.

(3) Gardeil comenta que o aspecto prático da teologia é “emanativo”: ela não prescreve ações, mas irradia luz sobre o agir, movendo-o pela contemplação.

(4) Assim, como o sol ilumina e aquece, a teologia ilumina a mente (speculativa) e aquece o coração (prática), mas por uma mesma luz.

(5) A síntese final de João de São Tomás é lapidar:

“Sacra doctrina est speculativa in ratione finis, practica in ratione viatoris, sapientialis in ratione ordinis universi.”
“A doutrina sagrada é especulativa quanto ao fim, prática quanto ao viandante, e sapiencial quanto à ordem do universo.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO PRIMA — De Sacra Doctrina

ARTICULUS QUARTUS — Utrum sacra doctrina sit una scientia vel potius duplex, ex parte speculativi et practici

(Se a doutrina sagrada é uma única ciência ou dupla, por causa do aspecto especulativo e do prático)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que a doutrina sagrada é dupla, pois contém tanto o especulativo como o prático, e as ciências especulativas e práticas são distintas por espécie.
    Ergo, a teologia deveria dividir-se em duas.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, o fim das ciências práticas é o agir, e o das especulativas é o conhecer. Ora, na teologia há quem busque contemplar e quem busque agir.
    Ergo, há nelas diversidade essencial.
  3. Obiectio tertia:
    Mais ainda, os tratados teológicos se dividem em dogmáticos e morais, e esta distinção é formal, não apenas material.
    Ergo, a teologia, por incluir ambos, é composta de duas ciências.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás escreve (S.Th., I, q.1, a.4 ad 2):

“Sicut in una scientia naturali est et speculatio et actio circa res naturales, ita et in hac doctrina.”
“Assim como numa só ciência natural há tanto a especulação quanto a ação sobre as coisas naturais, assim também nesta doutrina.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

A distinção entre o especulativo e o prático é formal, não real.
Uma ciência é dita especulativa quando ordena seu saber à contemplação da verdade; é dita prática quando ordena o saber à operação.
Ora, a Sacra Doctrina ordena-se primeiramente à verdade divina e secundariamente ao bem humano.

Logo, a distinção entre especulativo e prático na teologia é apenas quanto ao modo de aplicação, não quanto ao princípio formal.
Pois o objeto formal de toda ela é o mesmo: Deus sub ratione Dei, ou seja, Deus enquanto princípio e fim de todas as coisas.

Por conseguinte, a teologia é uma só ciência, mas contém dois modos de exercício: o especulativo, que contempla Deus em si mesmo, e o prático, que considera o homem enquanto ordenado a Deus.

A unidade não é quebrada pela variedade dos atos, assim como o médico, ao estudar a saúde e a doença, não pratica duas ciências, mas uma só, sob aspectos diversos.

A teologia, portanto, é una porque tem um só princípio formal, um só fim e um só sujeito transcendental — Deus.
Mas é também completa porque abarca o itinerário inteiro do espírito humano: o conhecer que se faz amar, e o amar que se faz conhecer.

Assim, João de São Tomás resume:

“Una est scientia, sed duplici lumine: contemplativo et directivo.”
“É uma só ciência, mas com dupla luz: a que contempla e a que dirige.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A distinção entre o especulativo e o prático não gera duas ciências, mas dois usos de uma mesma sabedoria, porque ambas as operações procedem da mesma raiz formal — o conhecimento de Deus.

Ad secundum:
O fim último é o mesmo: a união com Deus. O especulativo atinge esse fim pelo conhecer; o prático, pelo agir movido pelo conhecer. Portanto, há diversidade de via, não de essência.

Ad tertium:
Os tratados dogmáticos e morais distinguem-se quanto ao assunto, mas não quanto à forma. Ambos dependem da mesma luz da revelação e participam da mesma teologia.


Conclusiones — Conclusões

  1. A teologia é uma única ciência, embora contenha em si dois modos de exercício — especulativo e prático.
  2. A distinção entre ambos é acidental, não essencial, porque têm o mesmo objeto formal: Deus enquanto Deus.
  3. O fim supremo da teologia é contemplativo, mas o caminho que leva a ele é prático.
  4. A teologia une conhecimento e ação sob a unidade da sabedoria divina.
  5. Por isso, é chamada scientia sapientialis, pois contempla para dirigir e dirige pela contemplação.

Annotationes — Anotações

(1) João de São Tomás insiste que a teologia é “una formaliter, duplex materialiter”: a diversidade dos temas não implica duplicidade formal.

(2) Billuart comenta que “o especulativo e o prático estão na teologia como alma e corpo”: o primeiro ilumina, o segundo opera.

(3) Em De Veritate, q.14, a.2, Santo Tomás afirma: “Speculatio ordinatur ad actionem sicut perfectio ad imperfectum, non sicut species ad speciem.” — “A especulação se ordena à ação como o perfeito ao imperfeito, não como espécie a espécie.”

(4) Gardeil nota que João de São Tomás concebe a teologia como “síntese dinâmica”: uma única ciência que gera vida, e uma única vida que retorna à ciência.

(5) Assim se encerra a Quaestio Prima, em que se definem a natureza, unidade, forma e fim da teologia — fundamento de toda a Summa Theologiae.

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO PRIMA — De Sacra Doctrina

ARTICULUS QUINTUS — Utrum sacra doctrina sit sapientia

(Se a doutrina sagrada é sabedoria)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que a doutrina sagrada não é sabedoria, pois a sabedoria é a mais alta das ciências, e só Deus é propriamente sapientissimus.
    Ergo, a teologia humana, que é limitada e recebida por fé, não pode chamar-se sabedoria.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, a sabedoria julga pelas causas supremas, mas a teologia procede por autoridade e fé, não por demonstração causal.
    Ergo, não tem caráter sapiencial.
  3. Obiectio tertia:
    A sabedoria pertence à razão especulativa, enquanto a caridade pertence à vontade. Ora, a teologia é tanto afetiva quanto racional, pois visa o amor a Deus.
    Ergo, não é propriamente sabedoria, mas misto de ciência e afeto.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás afirma (S.Th., I, q.1, a.6):

“Sacra doctrina est sapientia, quia per eam homo dirigitur in Deo tanquam in ultimum finem, et quia iudicat de omnibus secundum divinam veritatem.”
“A doutrina sagrada é sabedoria, porque por ela o homem é dirigido a Deus como fim último, e porque julga de todas as coisas segundo a verdade divina.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

A sabedoria é a mais perfeita das ciências, pois conhece e julga pela causa suprema. Ora, a teologia tem precisamente esse caráter, pois considera Deus como causa primeira e fim último de todas as coisas.

Há, portanto, dois modos de sabedoria:
— Um, natural, que julga segundo a razão criada (sapientia humana).
— Outro, sobrenatural, que julga segundo a razão divina (sapientia divina).

A primeira pertence ao filósofo; a segunda, ao teólogo.
O filósofo julga segundo o lume natural; o teólogo, segundo a luz infusa da revelação.

Assim, a teologia é sabedoria por participação, não por essência — sapientia participata a lumine divino.
Por meio dela, o homem participa da própria visão de Deus e julga o mundo à luz do Eterno.

O princípio formal da teologia é a luz da fé, que é participação da luz divina; por isso, ainda que seu conhecimento não seja evidente, é mais certo, porque se apoia na autoridade do próprio Deus que revela.

Além disso, a teologia é sabedoria quanto ao fim, pois dirige a alma ao seu termo último — a união com Deus.
É sabedoria quanto à causa, pois deriva da ciência dos bem-aventurados.
E é sabedoria quanto ao juízo, pois regula todas as ciências e virtudes segundo o primeiro princípio.

Logo, a teologia é verdadeiramente sabedoria, não humana, mas divina: não porque compreendamos a Deus, mas porque, pela fé, vemos todas as coisas em Deus.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A sabedoria perfeita pertence a Deus; mas o homem pode participar dela segundo sua medida. Assim como o espelho recebe a imagem sem conter o sol, o intelecto iluminado pela fé reflete a luz da sabedoria divina.

Ad secundum:
Embora a teologia não demonstre por via de causa natural, julga pelas causas supremas, pois seus princípios vêm da ciência de Deus. O modo é de fé, o conteúdo é de sabedoria.

Ad tertium:
A teologia é afetiva quanto ao termo, mas intelectual quanto à forma. A caridade é o movimento que leva à sabedoria, e a sabedoria é a forma que regula a caridade.


Conclusiones — Conclusões

  1. A teologia é sabedoria, porque considera a causa primeira e o fim último — Deus.
  2. É sabedoria por participação, pois julga de tudo à luz divina.
  3. É sabedoria teologal, não filosófica: mais certa, embora menos evidente.
  4. É sabedoria normativa, pois ordena todas as ciências ao mesmo fim.
  5. O teólogo é sábio não por saber muito, mas por referir tudo a Deus.

Annotationes — Anotações

(1) João de São Tomás comenta que a sabedoria teológica é “judicium per lumen fidei”: juízo formado pela luz da fé, que supera a razão, mas não a contradiz.

(2) A distinção entre sabedoria filosófica (sapientia naturalis) e sabedoria teológica (sapientia divina) é retomada por Gardeil: a primeira é analítica, a segunda é hierárquica — ela ordena.

(3) Santo Tomás, em Contra Gentiles (I, c.1), chama esta ciência “sapientia sacra”, porque ordena todas as outras sob o primado do fim último.

(4) A sabedoria teológica é inseparável da caridade: “Spiritus sapientiae et intellectus est idem Spiritus Sanctus.” — “O Espírito da sabedoria e do entendimento é o mesmo Espírito Santo.”

(5) Em João de São Tomás, a teologia sapiencial é o vértice da ciência: o intelecto iluminado pela fé julga, o amor inflama, e a alma ascende.

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO PRIMA — De Sacra Doctrina

ARTICULUS SEXTUS — De principiis huius scientiae

(Dos princípios desta ciência)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que os princípios da teologia são os mesmos da filosofia, pois ambas tratam do ser, da causa e do fim.
    Ergo, a teologia não tem princípios próprios, mas participa dos filosóficos.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, todo conhecimento que depende de autoridade parece menos científico, porque a ciência procede de evidência. Ora, a teologia se apoia na autoridade da Escritura.
    Ergo, não tem princípios científicos, mas meramente fideístas.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, se os princípios da teologia são revelados, e a revelação é mistério, segue-se que a teologia não possui fundamentos cognoscíveis, mas obscuros.
    Ergo, não pode edificar ciência, pois o obscuro não é princípio de luz.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás escreve (S.Th., I, q.1, a.8):

“Principia huius scientiae sunt articuli fidei, qui nobis revelati sunt a Deo.”
“Os princípios desta ciência são os artigos da fé, revelados a nós por Deus.”

E acrescenta:

“Quaecumque in hac doctrina traduntur, sub his principiis continetur.”
“Tudo o que é ensinado nesta doutrina está contido sob esses princípios.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Toda ciência se funda em princípios indemonstráveis, conhecidos de modo superior.
Ora, as ciências humanas repousam nos primeiros princípios da razão natural; mas a teologia repousa nos princípios revelados por Deus, que excedem toda a razão criada.

Esses princípios são chamados articuli fidei, artigos da fé, que constituem o alicerce formal de toda a teologia.
Assim como o geômetra não demonstra o axioma, mas o usa para deduzir conclusões, o teólogo não demonstra o artigo de fé, mas o emprega como princípio certo.

Por conseguinte, o princípio próprio da teologia é a revelação divina, e sua regra próxima é a Sagrada Escritura, lida à luz da Tradição e do Magistério.
A razão humana, por sua vez, serve à teologia como instrumento, ordenando o que é recebido, e deduzindo consequências.

Dessa forma, há uma hierarquia de princípios:

  1. Princípio formal remoto: a ciência de Deus e dos bem-aventurados.
  2. Princípio formal próximo: a revelação divina, contida na Escritura e Tradição.
  3. Princípio instrumental: a razão iluminada pela fé.

E como os princípios procedem da sabedoria divina, neles não há erro; a obscuridade não é defeito, mas sinal da grandeza da luz que excede a vista.

Logo, a teologia é ciência fundada não em princípios humanos, mas em princípios divinos: é Deus quem ensina Deus ao homem.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Os princípios da teologia e da filosofia coincidem materialmente em certos temas, mas não formalmente.
A filosofia considera o ser segundo a razão natural; a teologia, segundo a revelação.

Ad secundum:
A autoridade da Escritura não é humana, mas divina; logo, o assentimento teológico é mais firme, não menos, que o filosófico.
A fé não é obscuridade irracional, mas certeza fundada no próprio Verbo que fala.

Ad tertium:
A revelação é obscura quanto ao modo de apreensão, não quanto à verdade.
Como o sol ofusca o olhar sem perder luz, assim o mistério excede a mente sem perder evidência.


Conclusiones — Conclusões

  1. Os princípios da teologia são os artigos da fé, revelados por Deus.
  2. A Escritura e a Tradição são o depósito desses princípios, constituindo a regra próxima da teologia.
  3. A razão humana serve como instrumento subordinado, não como fonte.
  4. A obscuridade da fé procede da excelência da luz divina, não da fraqueza da verdade.
  5. A teologia é ciência divina porque tem Deus por autor, por objeto e por princípio.

Annotationes — Anotações

(1) João de São Tomás afirma que “principia theologiae sunt luminosa in se, sed obscura nobis”: luminosos em si, obscuros a nós.

(2) Ele distingue principium formale obiectivum (a verdade revelada) e principium formale quo (a luz da fé pela qual cremos).

(3) Santo Tomás, em De Veritate, q.14, a.9, escreve: “Lux fidei est participatio luminis divini in intellectu viatoris.” — “A luz da fé é uma participação da luz divina no intelecto do peregrino.”

(4) Em Gardeil, a revelação é o “lugar epistemológico da teologia”: não um dado externo, mas a própria forma do conhecer teológico.

(5) Assim, para João de São Tomás, a teologia é a “scientia sub lumine fidei ordinata ad lumen gloriae” — ciência ordenada da fé à visão, cujos princípios são sementes da visão eterna.

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO PRIMA — De Sacra Doctrina

ARTICULUS SEPTIMUS — De subordinatione theologiae ad alias scientias

(Da subordinação da teologia às demais ciências)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que a teologia é subordinada às outras ciências, pois ela faz uso de suas demonstrações e princípios — da filosofia natural, da lógica e da metafísica.
    Ergo, sendo dependente, não pode ser superior.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, nenhuma ciência que receba auxílio de outra pode ser sua regra. Ora, a teologia utiliza as conclusões dos filósofos.
    Ergo, é inferior à filosofia, que lhe fornece os instrumentos de raciocínio.
  3. Obiectio tertia:
    Finalmente, o que é conhecido por fé não é conhecido pela razão; e como as ciências racionais têm maior evidência, parecem mais perfeitas.
    Ergo, a teologia é subordinada, e não superior, às ciências humanas.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás afirma (S.Th., I, q.1, a.5):

“Sacra doctrina non recipit lumen ab aliis scientiis, sed eis praesidet sicut superior.”
“A doutrina sagrada não recebe luz das outras ciências, mas as governa como superior.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

As ciências humanas se distinguem e se ordenam segundo a luz de que procedem.
Umas derivam da razão natural — como a física, a lógica e a metafísica; outras, porém, derivam da luz sobrenatural — como a teologia.

Ora, o que procede de luz mais alta possui também autoridade mais alta.
Logo, a teologia, tendo por princípio a luz da revelação divina, é superior a todas as outras ciências, tanto pela origem quanto pelo fim.

Ela é superior quanto à origem, porque seus princípios não são descobertos pela razão, mas comunicados pelo próprio Deus.
É superior quanto ao fim, porque não visa apenas o saber, mas a visão beatífica e a união com o próprio Ser supremo.

Contudo, embora seja superior em dignidade, usa instrumentalmente as ciências inferiores — não como quem aprende, mas como quem serve-se de instrumentos para explicitar a verdade revelada.
Assim como o arquiteto se vale do trabalho do pedreiro sem depender dele quanto ao plano da obra, a teologia se vale da filosofia para ordenar o discurso, sem depender dela quanto à verdade.

Por isso, João de São Tomás formula o princípio:

“Philosophia est ancilla theologiae, non domina; theologia non subest, sed praesidet.”
“A filosofia é serva da teologia, não senhora; a teologia não está sob, mas preside.”

As ciências naturais e filosóficas são verdadeiras enquanto permanecem dentro de sua esfera; mas, quando se afastam da norma teológica, perdem o eixo e se tornam sombras de sabedoria.
A teologia, por sua vez, não destrói as outras ciências, mas as integra na ordem do ser, reconduzindo o múltiplo ao Uno.

Dessa forma, ela é a ciência universal, não por extensão de objeto, mas por eminência de causa — contém em Deus a razão formal de tudo o que é conhecido por qualquer ciência.

Logo, a teologia é a “regina scientiarum”, rainha das ciências, porque tem Deus por princípio, meio e fim.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A teologia usa das outras ciências como instrumentos, não como juízas.
O uso não implica dependência formal, mas subordinação material.

Ad secundum:
As conclusões filosóficas servem à teologia como material de raciocínio, não como causa de verdade.
A filosofia ajuda a explicar; a teologia julga e regula.

Ad tertium:
A evidência natural não é superior à certeza divina: o que a razão vê, pode errar; o que Deus revela, não pode mentir.
A fé é obscura para o olhar humano, mas luminosa em sua fonte.


Conclusiones — Conclusões

  1. A teologia não é subordinada às demais ciências, mas as governa como superior.
  2. As outras ciências servem à teologia instrumentalmente, para maior clareza de exposição.
  3. A luz da teologia é a fé, participação da luz divina; por isso, sua certeza é mais alta que a das ciências naturais.
  4. O fim da teologia — a visão de Deus — é o fim último de toda sabedoria.
  5. A ordem do saber culmina na teologia, que é o ápice e a consumação de todas as ciências.

Annotationes — Anotações

(1) João de São Tomás define a subordinação teológica como ordinatio per causam superiorem, e distingue-a da dependência lógica: a teologia é “ordinans, non ordinata”.

(2) A fórmula clássica philosophia ancilla theologiae provém de Pedro Damião e Anselmo, e é retomada por Tomás com sentido ontológico: a razão serve à fé como o instrumento serve à causa principal.

(3) Em Contra Gentiles, I, c.7, Santo Tomás afirma: “Omnis cognitio humana subalternatur divinae.” — “Todo conhecimento humano é subalternado ao divino.”

(4) Gardeil comenta que a teologia é “rainha das ciências” não por domínio extrínseco, mas porque contém o princípio formal de todas: o Ser enquanto participado.

(5) Assim, João de São Tomás encerra a Quaestio Prima com a definição majestosa:

“Theologia est scientia divina, quae alias illuminat, non illuminatur; quae iudicat, non iudicatur; quae omnia ordinat in Deum.”
“A teologia é a ciência divina que ilumina as demais, sem ser iluminada; que julga, sem ser julgada; que ordena todas as coisas em Deus.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO SECUNDA — De Deo, an sit

(Sobre Deus, se Ele existe)


Prooemium — Prólogo

Depois de determinar a natureza, a unidade e a dignidade da Sacra Doctrina, resta investigar o seu primeiro objeto: Deus.
Toda ciência se define pelo seu sujeito formal; e como a teologia tem por objeto Deus sub ratione Dei, é necessário que comece por perguntar
se Deus existe, an sit Deus.

João de São Tomás observa que esta questão é a mais necessária e, ao mesmo tempo, a mais sublime, pois nela se dá o primeiro contato entre a luz criada e o Ser incriado.
O intelecto humano, que antes buscava compreender a ciência, agora busca compreender o próprio princípio de toda ciência.


Articulus Primus — Utrum Dei existentia sit per se nota

(Se a existência de Deus é evidente por si mesma)


Objectiones — Objeções

1.      Obiectio prima:
Parece que a existência de Deus é evidente por si, pois “Deus” significa “Aquele cujo ser é o mesmo que a essência”.
Ora, o que não pode ser pensado como não existente é evidente por si.
Ergo, a existência de Deus é evidente.

2.      Obiectio secunda:
Além disso, o conhecimento de Deus está naturalmente impresso em todos, conforme o Salmo: “Dixit insipiens in corde suo: non est Deus.”
Logo, negar Deus é contra a luz natural; portanto, sua existência é evidente.

3.      Obiectio tertia:
Mais ainda, o ser é o primeiro conhecido de todos. Ora, Deus é o próprio ser.
Ergo, a existência de Deus é o primeiro e mais evidente de todos os princípios.


Sed contra — Em contrário

Santo Tomás diz (S.Th., I, q.2, a.1):

“Non est omnibus notum Deum esse, quia non est de se notum nobis.”
“Não é conhecido por todos que Deus exista, porque não é evidente por si para nós.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

A existência de Deus é evidente em si mesma, mas não é evidente para nós.
Pois em Deus o ser e a essência são idênticos — esse et essentia sunt unum —, e o que assim é, é evidente por si, porque ser e inteligir coincidem.
Mas para nós, que conhecemos a partir dos efeitos, o ser de Deus não é imediato, mas inferido.

Assim, há dupla evidência:
Absoluta, segundo a ordem do ser divino;
Relativa, segundo a ordem do nosso conhecimento.

A primeira é de Deus em si; a segunda é do homem em via.
Para Deus, “existir” é o mesmo que “ser Deus”; para nós, “existir” é o efeito primeiro de uma causa desconhecida.

Logo, embora o ser de Deus seja evidente em si mesmo, não o é para nós, porque não conhecemos sua essência.
Como diz Dionísio: “Deus est superlucem, quia lux eius caecat oculos.” — “Deus está acima da luz, porque sua luz cega os olhos.”

Portanto, é necessário demonstrar que Deus existe, não por via de causa formal, mas por via de efeito — a posteriori, dos efeitos ao princípio.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
O nome “Deus” implica a identidade entre essência e existência, mas isso é conhecido apenas pelos que conhecem a essência divina; nós, que não a conhecemos, não percebemos essa evidência.

Ad secundum:
O conhecimento de Deus está naturalmente impresso como inclinação, não como ciência.
Os homens têm uma tendência natural a reconhecer a causa suprema, mas não conhecimento explícito dela.

Ad tertium:
O ser é o primeiro conhecido de modo confuso, mas o ser absoluto de Deus é o último conhecido em ordem de demonstração.
Assim, o princípio de todo conhecer é também o termo supremo do conhecer.


Conclusiones — Conclusões

1.      A existência de Deus é evidente em si mesma, mas não para o intelecto humano.

2.      Conhecemos a Deus não imediatamente, mas pelos seus efeitos.

3.      A luz natural da razão não basta para atingir o ser divino em sua essência.

4.      É, portanto, necessário demonstrar Deus a posteriori, a partir da criação.

5.      A evidência divina é plenitude de luz; nossa obscuridade é plenitude de distância.


Annotationes — Anotações

(1) João de São Tomás distingue três modos de evidência: in se, quoad nos, e per se primo notum. A existência de Deus é evidente no primeiro, não no segundo.

(2) A analogia usada por ele é a do sol e da pupila: o mais luminoso é o menos visível ao fraco.

(3) Em De Veritate (q.10, a.12), Santo Tomás diz: “Non potest esse in intellectu hominis notitia Dei nata per naturam.” — “Não há no intelecto humano conhecimento natural de Deus em ato, mas em potência.”

(4) Gardeil resume: “A teologia parte da obscuridade mais alta para reencontrar a luz mais pura.”

(5) João conclui esta seção com o princípio fundamental da via tomista:

“Deus non est suppositum in ratione principii, sed terminus in ratione finis.”
“Deus não é ponto de partida para a razão, mas termo para o qual ela se eleva.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO SECUNDA — De Deo, an sit

ARTICULUS SECUNDUS — Utrum Dei existentia sit demonstrabilis

(Se a existência de Deus pode ser demonstrada)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que a existência de Deus não pode ser demonstrada, pois o objeto da fé não é o objeto da ciência. Ora, a existência de Deus é matéria de fé.
    Ergo, não pode ser também objeto de demonstração.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, toda demonstração procede de princípios evidentes por si. Mas os princípios da teologia são os artigos da fé, que não são evidentes.
    Ergo, não há demonstração possível da existência de Deus.
  3. Obiectio tertia:
    Mais ainda, o que é infinito não pode ser conhecido proporcionalmente pelo finito. Ora, Deus é infinito e o intelecto humano, finito.
    Ergo, a existência de Deus não pode ser demonstrada pela razão humana.

Sed contra — Em contrário

Santo Paulo escreve aos Romanos (1, 20):

“Invisibilia Dei, a creatura mundi, per ea quae facta sunt, intellecta conspiciuntur.”
“As coisas invisíveis de Deus, desde a criação do mundo, são vistas pela inteligência por meio das coisas criadas.”

Logo, a existência de Deus pode ser conhecida por demonstração a partir dos efeitos.


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

A demonstração é de duas espécies: propter quid e quia.
— A demonstração propter quid procede da causa ao efeito;
— A quia, do efeito à causa.

A primeira exige conhecimento da essência da causa; a segunda basta-se com o conhecimento do efeito.

Ora, como não podemos conhecer a essência de Deus nesta vida, não podemos demonstrar sua existência propter quid (pela causa formal), mas podemos demonstrá-la quia (pelos efeitos).

Com efeito, todo efeito depende de uma causa proporcional; e se há um efeito que não pode explicar-se senão por uma causa primeira, é necessário admitir tal causa.
E assim a razão, partindo das coisas criadas, ascende a Deus como causa de seu ser, de seu movimento, de sua ordem e de sua finalidade.

João de São Tomás observa que esta demonstração é racional, não porque abarque o mistério divino, mas porque exclui o absurdo do ateísmo.
A razão humana não compreende Deus, mas reconhece sua necessidade.

Logo, a existência de Deus é demonstrável de modo indireto, por via dos efeitos, isto é, por analogia causal.
E tais demonstrações são legítimas, porque os efeitos sensíveis contêm vestígios necessários da causa invisível.

Santo Tomás, portanto, distingue duas vias de conhecimento:

  1. Via negationis et eminentiae, pela qual reconhecemos que nada criado é o próprio Ser;
  2. Via causalitatis, pela qual concluímos que deve existir um Ser primeiro e necessário.

Assim, a razão natural demonstra a existência de Deus quia, não propter quid; e a fé confirma, pela revelação, aquilo que a razão apenas toca em vestígio.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A fé e a ciência podem ter o mesmo objeto material, mas sob razão formal diversa.
A fé crê porque Deus revelou; a ciência natural demonstra porque a razão o exige.
Assim, o mesmo Deus é conhecido de dois modos: um pela luz da fé, outro pela luz da razão.

Ad secundum:
Embora os princípios da teologia sejam revelados, os da filosofia natural são evidentes.
A demonstração da existência de Deus pertence à filosofia natural, não à teologia em sentido estrito; por isso, é legítima pela via dos efeitos.

Ad tertium:
O intelecto finito não compreende a essência do infinito, mas pode inferir sua existência a partir da dependência dos entes finitos.
Conhecemos an sit, não quid sit: que Deus é, não o que Ele é.


Conclusiones — Conclusões

  1. A existência de Deus não é demonstrável propter quid, porque sua essência é desconhecida a nós.
  2. Contudo, é demonstrável quia, pelos efeitos sensíveis e pela ordem do mundo.
  3. A razão natural, ao seguir as causas até o princípio primeiro, atinge a certeza de que Deus existe.
  4. A fé e a razão se encontram neste ponto: ambas afirmam Deus, uma por revelação, outra por causalidade.
  5. Logo, negar Deus não é posição racional, mas negação da própria razão.

Annotationes — Anotações

(1) João de São Tomás distingue demonstratio naturalis (pelos efeitos) e demonstratio theologica (pela revelação): a primeira é racional, a segunda sobrenatural.

(2) A teologia natural (theologia naturalis) pertence à metafísica, como sua consumação; a teologia revelada (theologia sacra) pertence à fé. Ambas convergem em Deus como termo.

(3) Santo Tomás, em Contra Gentiles, I, c.13, formula:

“Ex effectibus causam cognoscimus, licet non cognoscamus quid est, sed an est.” — “Conhecemos a causa pelos efeitos, ainda que não saibamos o que ela é, mas apenas que ela é.”

(4) A demonstração quia é fundamento das quinque viae: cada via parte de um efeito (movimento, causalidade, contingência, graus de perfeição e ordem) e conclui na existência de um Ser necessário e primeiro.

(5) Assim, João de São Tomás conclui:

“Ratio naturae non penetrat divinum esse, sed ostendit illud esse necessarium.”
“A razão da natureza não penetra o ser divino, mas mostra que ele é necessário.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO SECUNDA — De Deo, an sit

ARTICULUS TERTIUS — Utrum Deus sit unus

(Se Deus é um)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que Deus não é uno, pois tudo o que é sumamente poderoso pode comunicar sua perfeição. Ora, sendo Deus onipotente, poderia multiplicar-se em muitos deuses.
    Ergo, Deus não é necessariamente uno.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, a natureza divina contém toda perfeição. Ora, a multiplicidade é uma perfeição de abundância e de difusão do bem.
    Ergo, a multiplicidade deveria caber a Deus mais do que a unidade.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, toda forma comunicável admite pluralidade. Mas Deus é o bem universal, comunicável a todas as criaturas.
    Ergo, deve existir em muitos sujeitos.

Sed contra — Em contrário

Está escrito em Deuteronomio, VI: “Audi Israel, Dominus Deus tuus, Deus unus est.”
E Santo Tomás comenta: “Unitas Dei est articulus fidei et demonstrabilis ratione.”
— “A unidade de Deus é artigo de fé e também demonstrável pela razão.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Unidade e multiplicidade não se dizem de modo absoluto, mas segundo o modo do ser.
Ora, aquilo cujo ser é absolutamente simples, sem composição, nem de partes, nem de princípios, é necessariamente uno.

Assim, porque em Deus o ser é idêntico à essênciaesse suum est sua essentia —, e porque nele não há distinção real de forma, matéria, gênero ou acidente, segue-se que Deus é absolutamente uno.

A multiplicidade só pode originar-se de uma das seguintes condições:

  1. Pela diferença de forma;
  2. Pela divisão da matéria;
  3. Pelo acidente que distingue indivíduos do mesmo gênero.

Mas em Deus não há forma recebida em matéria, nem acidentes, nem gênero.
Portanto, nada há que possa fundar multiplicidade.

Além disso, a unidade de Deus é necessária não apenas formalmente, mas causalmente.
Pois, se houvesse muitos deuses, cada um deles deveria diferir por algo que o outro não possui.
Mas esse algo seria ou perfeição — e então um deles não seria perfeito —, ou limitação — e então um deles não seria Deus.
Logo, não podem existir muitos deuses, mas um só Ser absolutamente perfeito.

João de São Tomás acrescenta: a unidade divina é dupla —

  1. Unitas simplicis entitatis, pela qual Deus é indiviso em si mesmo;
  2. Unitas singularitatis, pela qual não pode haver outro igual a Ele.

A primeira funda-se na simplicidade; a segunda, na infinitude.
Pois o infinito não admite coexistência de outro infinito: dois infinitos se limitariam mutuamente, e assim deixariam de ser infinitos.

Portanto, a razão natural demonstra a unidade de Deus por três vias:

  1. Pela simplicidade absoluta, que exclui a composição;
  2. Pela perfeição infinita, que exclui o par;
  3. Pela ordem causal do universo, que exige um só princípio.

E a fé confirma: “Ego sum Dominus, et non est alius.” (Is 45,5).


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A onipotência divina não implica poder contraditório. Deus não pode fazer com que o necessário deixe de ser necessário, nem que o uno seja múltiplo em si mesmo.

Ad secundum:
A multiplicidade não é perfeição em si, mas perfeição derivada, que convém às criaturas.
A plenitude do ser, em Deus, é tal que tudo o contém sem dividir-se.

Ad tertium:
A comunicabilidade do bem divino é por participação, não por multiplicação da essência.
As criaturas participam do ser de Deus, mas Deus não se multiplica nelas.


Conclusiones — Conclusões

  1. A unidade de Deus é absoluta e necessária, fundada em sua simplicidade e infinitude.
  2. Nenhum princípio de multiplicação pode ser admitido em Deus, porque Ele é ato puro e sem matéria.
  3. A pluralidade de deuses é impossível, tanto pela razão quanto pela fé.
  4. A unidade divina é causa exemplar da unidade da criação.
  5. Toda multiplicidade criada é vestígio da unidade do Criador.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, S.Th., I, q.11, a.3: “Si essent plures dii, oporteret eos esse ab aliquo distinctos; sed hoc esse non posset nisi per additionem alicuius perfectionis, vel per privationem alicuius perfectionis.” — “Se houvesse vários deuses, teriam de distinguir-se; mas isso só se daria por acréscimo ou privação de perfeição.”

(2) João de São Tomás observa que a unidade divina é o ápice da série causal: “Causa prima est una, quia ordo effectuum non potest provenire ex principiis aequalibus.”

(3) Em Contra Gentiles (I, cap.42), Santo Tomás prova a unidade de Deus a partir da ordem do mundo: “Omnia ordinata ad unum finem significant unam causam ordinantem.”

(4) A metafísica posterior de Suárez e Báñez amplia a distinção entre unidade de singularidade (unitas singularitatis) e unidade de exclusividade (unitas negationis alterius).

(5) João conclui esta parte com a fórmula escolástica clássica:

“Unus Deus, simplex, perfectus, infinitus, unus per essentiam, trinus per personas.”
“Um só Deus, simples, perfeito, infinito, uno em essência e trino em pessoas.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO TERTIA — De Simplicitate Dei

(Sobre a simplicidade de Deus)


Prooemium — Prólogo

Tendo mostrado que Deus existe (Deus est) e que é um só (Deus unus est), é necessário agora considerar como Ele existe (qualiter est).
E, porque toda multiplicidade e imperfeição procedem de composição, convém demonstrar que em Deus não há nenhuma composição, mas pura simplicidade.

Santo Tomás formula:

“In Deo non est compositio, sed est simplicissimus.”
“Em Deus não há composição, mas Ele é o mais simples dos seres.”


Articulus Primus — Utrum in Deo sit compositio materiae et formae

(Se em Deus há composição de matéria e forma)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Toda substância é composta de potência e ato. Ora, Deus é substância.
    Ergo, é composto de matéria e forma.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, tudo o que age necessita de princípio formal e de potência receptiva.
    Mas Deus age e causa todas as coisas.
    Ergo, deve ter matéria e forma.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, o ser que é conhecido por seus efeitos corporais parece ter alguma afinidade com a corporeidade.
    Mas Deus é conhecido pelos efeitos do mundo corporal.
    Ergo, deve conter algo de material.

Sed contra — Em contrário

Está escrito em João, IV, 24: “Deus spiritus est.”
E o espírito é forma pura, sem matéria.


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

É impossível haver em Deus composição de matéria e forma.
Pois tudo o que é composto de matéria e forma é potencial quanto ao ser — a matéria é potência, e a forma é ato.
Mas em Deus não há potência alguma: Ele é ato puro (actus purus).

Além disso, a matéria é princípio de individuação, de limitação e de passividade.
Ora, em Deus não há limitação, nem passividade, mas perfeição e infinitude.
Logo, Ele é forma subsistente, pura atualidade sem potência.

A forma nas coisas materiais é recebida em matéria; em Deus, ela é ser subsistente, não recebido em nada.
Por isso, Santo Tomás diz:

“In Deo forma non est in alio, sed est ipsum esse subsistens.”
“Em Deus, a forma não está em outro, mas é o próprio ser subsistente.”

Assim, a teologia demonstra que Deus é forma separada de toda matéria, não por abstração, mas por eminência.
Ele é o que todas as formas significam, mas em grau infinito e sem composição.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A composição de potência e ato só existe em seres finitos.
Deus é ato puro, no qual a potência está inteiramente atualizada; logo, não há matéria.

Ad secundum:
Deus age, mas não como quem passa de potência a ato, e sim como ato puro que comunica o ser.
Sua ação é sua própria essência — agere est suum esse.

Ad tertium:
Deus é conhecido pelos efeitos corporais, não porque tenha corpo, mas porque os efeitos corporais refletem sua causa imaterial.


Conclusiones — Conclusões

  1. Em Deus não há composição de matéria e forma.
  2. Ele é ato puro, forma subsistente e ser absoluto.
  3. Toda potência passiva é excluída da natureza divina.
  4. Deus é causa das formas, não composto de forma e matéria.
  5. A simplicidade divina é o fundamento da perfeição e da imutabilidade.

Annotationes — Anotações

(1) João de São Tomás escreve: “Materia est radix mutabilitatis; in Deo nulla est mutatio, ergo nulla materia.” — “A matéria é raiz da mutabilidade; em Deus não há mudança, logo, não há matéria.”

(2) Em De Ente et Essentia, cap. IV, Santo Tomás diz: “Deus est forma per se subsistens, et ideo est purus actus.” — “Deus é forma subsistente por si, e por isso é ato puro.”

(3) A distinção entre forma e matéria é o primeiro grau da finitude.
Deus, sendo ato puro, está acima de toda limitação formal.

(4) João observa que a negação de matéria em Deus implica também a negação de toda passividade e de todo tempo.
A simplicidade divina é a base da eternidade.

(5) Conclusão de caráter metafísico:

“Deus non est compositus, quia nihil est in eo quod non sit ipse Deus.”
“Deus não é composto, porque nada há nele que não seja Ele mesmo.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO TERTIA — De Simplicitate Dei

ARTICULUS SECUNDUS — Utrum in Deo sit compositio essentiae et existentiae

(Se em Deus há composição de essência e existência)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que em Deus há composição de essência e existência, pois o que se entende como “Deus” não é o mesmo que se entende como “Ser”.
    Ergo, n’Ele há distinção entre essência (o que é) e existência (o fato de ser).
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, tudo o que é conhecido por nós através de seus efeitos possui distinção real entre essência e ser. Ora, Deus é conhecido por seus efeitos.
    Ergo, n’Ele também deve haver tal distinção.
  3. Obiectio tertia:
    Mais ainda, se a essência e o ser fossem o mesmo em Deus, Ele seria ser absoluto, comum a todos os entes, e não algo distinto dos demais.
    Ergo, a distinção é necessária para que Deus seja um ser particular e próprio.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás escreve (S.Th., I, q.3, a.4*):

“In Deo idem est esse et quod est; unde ipse est suum esse subsistens.”
“Em Deus, o ser e aquilo que é são o mesmo; por isso, Ele é o próprio ser subsistente.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

É impossível que em Deus haja composição de essência e existência.
Pois em tudo o que não é seu próprio ser, o ser é recebido de outro; e tudo o que recebe o ser, participa dele e é causado.
Mas Deus é causa de todo ser, e nada pode ser causa de si mesmo.
Logo, n’Ele o ser não é recebido, mas é a própria essência.

Toda distinção entre essência e existência implica limitação: o que tem essência distinta do ser é ser finito, porque sua essência determina o grau de participação no ser.
Ora, Deus é infinito e ato puro, sem limitação alguma; portanto, nele não há distinção real entre essência e ser.

Podemos compreender a distinção por analogia:

  • Nas criaturas, o ser (esse) é como o ato último que atualiza a essência, que é potência;
  • Em Deus, não há potência, mas ato puro; portanto, sua essência é o próprio ato de ser (ipsum esse subsistens).

Assim, tudo o que é criado tem o ser;
Deus é o Ser.

Esta é a diferença ontológica fundamental entre o Criador e as criaturas: o ser de Deus é sua própria natureza; o ser das criaturas é participação finita.

Por isso, Ele é chamado Qui est — “Aquele que é” (Êxodo 3,14).
Esse nome exprime não uma forma, mas o próprio ato de existir.

João de São Tomás observa que esta identidade é a raiz de toda a teologia:

“In Deo non est participatio entis, sed identitas cum ipso esse.”
“Em Deus não há participação no ser, mas identidade com o próprio ser.”

E acrescenta:

“Propter hoc Deus est simplex et infinitus, quia non est aliud habens esse, sed ipsum esse.”
“Por isso Deus é simples e infinito: porque não é outro que tem o ser, mas o próprio ser.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
O termo “Deus” significa o ser subsistente em ato, e o termo “Ser” (ens) designa o conceito mais universal.
A distinção é apenas de razão, não de realidade.

Ad secundum:
Conhecemos Deus pelos efeitos, nos quais há distinção entre essência e ser; mas da dependência desses efeitos concluímos a existência de uma causa em que não há tal distinção.

Ad tertium:
Se Deus fosse ser comum, seria limitado pela participação dos entes.
Mas o ser de Deus é tão pleno que exclui toda comunicação essencial: Ele é distinto dos entes precisamente por ser o Ser absoluto.


Conclusiones — Conclusões

  1. Em Deus não há distinção entre essência e existência.
  2. Sua essência é o próprio ser subsistente — ipsum esse subsistens.
  3. Em toda criatura, o ser é recebido e participado; em Deus, é identidade absoluta.
  4. Esta identidade é a raiz da simplicidade e da infinitude divinas.
  5. Deus é o único Ser cuja essência é existir.

Annotationes — Anotações

(1) Em De Ente et Essentia, Santo Tomás afirma:

“Esse et essentia in omnibus creatis differunt, in Deo autem sunt idem.”
“O ser e a essência diferem em todos os criados, mas em Deus são o mesmo.”

(2) João de São Tomás explica que, se houvesse distinção, Deus seria participante do ser e, portanto, causado — o que é absurdo.

(3) Esta verdade é o ponto de convergência entre a teologia e a metafísica: Deus é a causa formal, exemplar e eficiente de todo ser, porque é o Ser mesmo.

(4) A fórmula “ipsum esse subsistens” contém toda a ontologia cristã:
ipsum → a identidade absoluta;
esse → o ato puro de existir;
subsistens → a plenitude pessoal do ser.

(5) Assim conclui João de São Tomás:

“Esse divinum est ipsa essentia subsistens, a qua omnia alia dependent ut a primo actu essendi.”
“O ser divino é a própria essência subsistente, da qual todas as coisas dependem como do primeiro ato de ser.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO TERTIA — De Simplicitate Dei

ARTICULUS TERTIUS — Utrum in Deo sit compositio generis et differentiae

(Se em Deus há composição de gênero e diferença)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que em Deus há composição de gênero e diferença, pois toda essência inteligível é conhecida pela definição composta de gênero e diferença. Ora, Deus é inteligível e definível.
    Ergo, deve haver n’Ele gênero e diferença.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, o bem e o ser são gêneros transcendentais que abrangem tudo.
    Mas Deus é o sumo Bem e o Ser por excelência.
    Ergo, está contido sob um gênero.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, toda perfeição se manifesta em certa ordem de predicação. Ora, predicamos de Deus as perfeições de todos os gêneros — vida, sabedoria, bondade.
    Ergo, Ele deve conter em si as razões genéricas dessas perfeições.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás afirma (S.Th., I, q.3, a.5*):

“Deus non est in genere, sed est principium totius generis.”
“Deus não está em nenhum gênero, mas é o princípio de todo gênero.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

É impossível que em Deus haja composição de gênero e diferença.

Pois o gênero expressa a essência comum de muitos, e a diferença indica o modo pelo qual essa essência é determinada.
Ora, em Deus não há essência comum, nem determinação recebida: Ele é ato puro, não participante de nada.

O gênero se predica de modo unívoco das coisas que têm a mesma essência segundo diversos modos de ser; mas Deus é o próprio Ser, e não tem essência comum com coisa alguma.
Portanto, Ele não é gênero nem espécie, nem incluído em gênero algum.

Além disso, tudo o que está num gênero é limitado por esse gênero: o gênero indica o que é comum, e a diferença o que é determinado.
Mas Deus é infinito e indeterminado em perfeição; logo, não pode estar limitado por um gênero.

João de São Tomás explica:

“In Deo nulla est ratio communis quae possit praedicari de pluribus; unde nec genus nec differentia in eo esse potest.”
“Em Deus não há razão comum que possa ser predicada de muitos; por isso, nem gênero nem diferença podem estar n’Ele.”

Assim, todas as categorias lógicas se aplicam a Ele apenas por analogia, não por definição.
Chamamos Deus ente, bom, sabedor, não por identidade de gênero, mas porque Ele é a causa e a fonte de toda perfeição que esses termos significam.

Deus, portanto, não é “um ser” no gênero dos entes, mas o Ser absolutoipsum esse subsistens.
Ele não participa do ser: é o próprio ser do qual todos participam.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Deus é inteligível, mas não definível por gênero e diferença.
É conhecido por via de eminência, não de delimitação.
Sua essência excede toda forma lógica.

Ad secundum:
Os transcendentais — ens, bonum, verum — não são gêneros, mas notas que se aplicam a todos os entes segundo diversos modos de perfeição.
Deus é o fundamento desses transcendentais, não um caso dentro deles.

Ad tertium:
As perfeições dos gêneros estão em Deus de modo eminente e unificado.
Ele não as contém formalmente, mas causalmente: é a causa exemplar de todas.


Conclusiones — Conclusões

  1. Em Deus não há composição de gênero e diferença.
  2. Ele não pertence a nenhum gênero, porque não há nada comum entre Ele e as criaturas.
  3. Todo gênero limita o ser; Deus é ilimitado e absoluto.
  4. As perfeições genéricas existem em Deus de modo eminente, não formal.
  5. O nome “Deus” não é definição genérica, mas designa o Ser absoluto, causa de todos os gêneros.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.7, a.7:

“Deus est extra omne genus, quia esse suum non est commune.”
“Deus está fora de todo gênero, porque seu ser não é comum.”

(2) João de São Tomás comenta:

“Genus includit potentiam; Deus est actus purus; ergo genus non potest de eo praedicari.”
“O gênero inclui potência; Deus é ato puro; logo, não pode ser predicado d’Ele.”

(3) Em Summa contra Gentiles I, cap.25:

“Deus non est species generis, sed est extra totum ordinem entium.”
“Deus não é espécie de gênero, mas está fora de toda ordem dos entes.”

(4) Esta exclusão dos gêneros lógicos é o fundamento da teologia apofática: Deus não é classificado, mas confessado.

(5) Fórmula conclusiva de João de São Tomás:

“Deus non est aliquid in genere, sed ipsum esse quod est principium omnis generis.”
“Deus não é algo dentro de um gênero, mas o próprio ser que é princípio de todo gênero.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO TERTIA — De Simplicitate Dei

ARTICULUS QUARTUS — Utrum in Deo sit compositio subjecti et accidentis

(Se em Deus há composição de sujeito e acidente)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que em Deus há acidente, pois dizemos que Ele é bom, justo, sábio.
    Ora, tais predicados são qualidades, que nas criaturas são acidentes.
    Ergo, também em Deus há acidentes.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, o ato de conhecer e de amar são operações.
    Toda operação é acidente do sujeito operante.
    Mas em Deus há intelecção e amor.
    Ergo, deve haver acidentes em Deus.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, o que é perfeito contém em si todas as perfeições.
    Ora, o acidente acrescenta perfeição ao sujeito.
    Ergo, em Deus deve haver acidentes, como plenitude de perfeição.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás declara (S.Th., I, q.3, a.6*):

“In Deo nulla est compositio subjecti et accidentis, sed quidquid est in Deo, est ipse Deus.”
“Em Deus não há composição de sujeito e acidente, mas tudo o que há em Deus é o próprio Deus.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

É impossível que haja em Deus qualquer acidente.
Prova-se por quatro razões principais:

  1. Ex ratione entis perfectissimi — pela razão do ser perfeitíssimo.
    O acidente sempre supõe um sujeito potencial que possa receber algo de novo.
    Mas Deus é ato puro (actus purus), sem potência alguma; logo, não pode receber acréscimo.
  2. Ex ratione causae primae — pela razão de causa primeira.
    O acidente depende de outro para existir, e está ordenado a uma substância.
    Se houvesse acidente em Deus, Ele dependeria de algo, e não seria causa de tudo.
  3. Ex ratione immutabilitatis — pela imutabilidade divina.
    Todo acidente implica mudança, porque sobrevém a um sujeito que pode ser de outro modo.
    Mas em Deus não há mudança, conforme está em Malaquias 3,6: “Ego Dominus, et non mutor.” — “Eu sou o Senhor, e não mudo.”
  4. Ex ratione identitatis actus et essentiae — pela identidade de ato e essência.
    Nos entes compostos, os acidentes são atos secundários; em Deus, o ato primeiro (ser) contém virtualmente toda perfeição.
    Logo, as perfeições que nas criaturas são acidentes, em Deus são sua própria essência.

Por isso, dizer que “Deus é bom”, “sábio”, “justo” não introduz acidentes, mas exprime o próprio ser de Deus sob diversos aspectos de perfeição.
Cada nome predicado de Deus é, como ensina João de São Tomás, nominalis distinctio (distinção de razão e de significação), não real.

“In Deo bonitas, sapientia, justitia, non sunt res distinctae, sed modi nostri concipiendi unum et idem esse divinum.”
“Em Deus, bondade, sabedoria e justiça não são coisas distintas, mas modos de conceber um e o mesmo ser divino.”

Assim, todas as perfeições que atribuímos a Ele — ser, viver, entender, amar — estão identificadas na sua essência simples, sem qualquer adição acidental.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Os nomes que designam qualidades em nós, em Deus significam a essência mesma segundo modos diversos de perfeição.
Chamamos “bom” aquilo que participa do bem; mas Deus é o próprio Bem.

Ad secundum:
Em Deus, o ato de conhecer e de amar não são operações acidentais, mas a própria essência.
Sua intelecção é seu ser: “Intelligere Dei est suum esse.”

Ad tertium:
O acidente acrescenta perfeição ao imperfeito.
Deus é perfeição absoluta; portanto, não recebe acréscimo algum.
Todas as perfeições acidentais das criaturas estão n’Ele de modo eminente e essencial.


Conclusiones — Conclusões

  1. Em Deus não há composição de sujeito e acidente.
  2. Nada pode advir a Deus, porque Ele é ato puro e imutável.
  3. Todas as perfeições acidentais nas criaturas são em Deus a própria essência.
  4. Deus é pura atualidade, sem potência receptiva.
  5. As operações divinas — conhecer, amar, querer — são idênticas à sua substância.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, Contra Gentiles, I, cap.23:

“In Deo non est aliquid quod non sit ipsum suum esse.”
“Em Deus não há nada que não seja o seu próprio ser.”

(2) João de São Tomás:

“Accidens requirit potentiam, sed in Deo nulla est potentia passiva.”
“O acidente requer potência; mas em Deus não há potência passiva.”

(3) Em Duns Scotus e Suárez, distingue-se entre actus secundus (ato operativo) e actus primus (ser substancial); em Deus, ambos coincidem.

(4) A teologia clássica vê aqui o fundamento da impassibilidade:
Deus não sofre, não muda, não recebe.
Ele é pura causa, jamais paciente.

(5) Fórmula conclusiva de João de São Tomás:

“Deus est purus actus sine omni accidente; in quo nihil est quod non sit ipse Deus.”
“Deus é ato puro, sem qualquer acidente; n’Ele nada há que não seja o próprio Deus.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO TERTIA — De Simplicitate Dei

ARTICULUS QUINTUS — Utrum Deus sit in aliquo genere

(Se Deus está em algum gênero)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que Deus está em algum gênero, pois dizemos que Ele é ens — um ser.
    Ora, o ens é o gênero supremo que abrange tudo o que existe.
    Ergo, Deus está no gênero do ente.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, todas as coisas que se conhecem intelectualmente estão em algum gênero.
    Mas Deus é cognoscível e inteligível.
    Ergo, deve estar em um gênero.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, se Deus não estivesse em nenhum gênero, não poderíamos predicar dele coisa alguma, nem mesmo o ser.
    Mas dizemos: “Deus é bom, sábio, justo.”
    Ergo, está incluído em algum gênero que fundamente tais predicações.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás ensina (S.Th., I, q.3, a.5*):

“Deus non est in genere, sed est principium totius generis.”
“Deus não está em nenhum gênero, mas é o princípio de todo gênero.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Deus não está em gênero algum, nem como espécie contida sob ele, nem como gênero superior que o abranja.

Prova-se isto de três modos:

  1. Ex parte generis — do lado do gênero.
    O gênero implica uma natureza comum, participável por muitos sob diferenças específicas.
    Mas em Deus não há nada de comum ou participável: Ele é ato puro e ser absoluto.
    Logo, não pode ser parte de um gênero.
  2. Ex parte differentiae — do lado da diferença.
    Toda diferença acrescenta algo sobre o gênero, determinando-o.
    Mas Deus é ser absolutamente simples, sem acréscimo nem determinação recebida.
    Portanto, não pode ser constituído por diferença alguma.
  3. Ex parte infinitatis — do lado da infinitude.
    O gênero é um conceito limitado; o ser divino é infinito.
    Tudo o que está em gênero é finito segundo o modo do gênero.
    Logo, o infinito divino está fora de toda limitação categorial.

Por conseguinte, Deus não pertence a nenhum gênero, porque os gêneros são divisões do ser participado, e Deus é o ser por essência.

“Deus non est aliquod ens in genere, sed ipsum esse quod est extra omnem ordinem generis.”
“Deus não é um ente dentro de um gênero, mas o próprio ser que está fora de toda ordem de gênero.”

E porque o ser de Deus não é participado, mas absoluto, Ele é o fundamento dos gêneros, não seu membro.
Todos os gêneros e categorias derivam d’Ele como causas exemplares e participações do ser divino.

João de São Tomás acrescenta uma distinção sutil:

“Dicitur Deus extra genus dupliciter: quia nec est pars generis, nec totum commune.”
“Diz-se que Deus está fora do gênero em dois sentidos: porque não é parte do gênero, nem o todo comum.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
O ens não é gênero, porque não é unívoco; é análogo.
O ser se diz de Deus e das criaturas não segundo um conceito comum, mas por analogia de proporção e de atribuição.

Ad secundum:
O intelecto conhece Deus como causa do gênero, não como participante dele.
A cognoscibilidade não implica inclusão, mas eminência.

Ad tertium:
As predicações sobre Deus são analógicas: quando dizemos “Deus é bom”, o termo “bom” não tem o mesmo sentido que nas criaturas.
Significa o bem em causa, não o bem participado.


Conclusiones — Conclusões

  1. Deus não está em nenhum gênero, porque é o Ser subsistente.
  2. O gênero implica comunidade e limitação; em Deus não há nem uma nem outra.
  3. Deus é o princípio exemplar e causal de todos os gêneros, não seu membro.
  4. O termo “ente” se diz de Deus por analogia, não por univocidade.
  5. As categorias aristotélicas não se aplicam a Deus senão por atribuição metafórica e analógica.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.7, a.7:

“Ens non est genus, quia dividitur per actum et potentiam; Deus est actus purus; ergo extra genus.”
“O ente não é gênero, porque se divide por ato e potência; Deus é ato puro; logo, está fora do gênero.”

(2) João de São Tomás:

“Genus semper est de essentia communi; in Deo nulla est essentia communis.”
“O gênero é sempre uma essência comum; em Deus não há essência comum.”

(3) Duns Scotus admite uma “univocidade do ente” formalmente lógica; João rejeita-a metafisicamente, mantendo a analogia tomista como única via de predicação do ser.

(4) A teologia mística deriva daqui sua via negativa (via negationis):
Deus não é “um ser” entre outros, mas “Aquele pelo qual todos os seres são”.

(5) Fórmula conclusiva de João de São Tomás:

“Deus est extra omne genus, sed continet in se eminenter omnem perfectionem generis.”
“Deus está fora de todo gênero, mas contém em si, de modo eminente, toda perfeição dos gêneros.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO TERTIA — De Simplicitate Dei

ARTICULUS SEXTUS — Utrum in Deo sit compositio essentiae et suppositi

(Se em Deus há composição de essência e sujeito/pessoa)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que em Deus há composição de essência e sujeito, pois nas criaturas racionais distinguimos natureza e pessoa: o homem é natureza humana, Pedro é sujeito humano.
    Ora, também em Deus dizemos natureza e pessoa.
    Ergo, em Deus há distinção entre essência e sujeito.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, o que é comum é distinto do que é próprio.
    A essência divina é comum às três Pessoas, mas cada Pessoa é própria.
    Ergo, há distinção real entre essência e supósito.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, toda subsistência é ato da essência; mas o ato é distinto daquilo de que é ato.
    Logo, o supósito, sendo ato da essência, deve distinguir-se dela.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás afirma (S.Th., I, q.3, a.3 ad 2*):

“In Deo idem est essentia et suppositum.”
“Em Deus, a essência e o sujeito (ou pessoa) são o mesmo.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

É impossível admitir em Deus composição entre essência e supósito.

Para entender isso, é preciso considerar que:

  1. Nas criaturas, a essência significa aquilo pelo qual algo é o que é (quidditas rei), e o supósito significa o individuum subsistens in natura illa.
    Assim, “humanidade” e “homem” não são idênticos, porque a humanidade é o princípio formal, e o homem é o sujeito que subsiste segundo ela.
  2. Em Deus, porém, não há composição de princípios: Ele é ato puro, sem distinção entre forma e sujeito.
    Por isso, o que em nós é natureza e aquilo que subsiste nessa natureza são, em Deus, uma única e mesma realidade.

“In Deo non est aliud quod est, et quo est; sed ipse est suum esse et suum subsistere.”
“Em Deus, não há diferença entre aquilo que é e aquilo pelo qual é; Ele é seu próprio ser e seu próprio subsistir.”

Logo, o supósito divino não acrescenta nada à essência; é apenas a essência considerada enquanto subsistente em si mesma e incomunicável.

João de São Tomás distingue aqui três modos de subsistência:

  • In re composita, como nas criaturas corpóreas, onde o supósito resulta da união de matéria e forma;
  • In substantiis simplicibus creatis, como nos anjos, onde o supósito é a própria essência subsistente;
  • In Deo, onde não só a essência é subsistente, mas é o próprio ser subsistindo por si (ipsum esse subsistens).

Daí se segue que:

  • em Deus, essência e supósito não são dois entes, mas uma mesma realidade absolutamente simples;
  • nas Pessoas divinas, a distinção não surge entre essência e supósito, mas entre relações subsistentesrelationes personales subsistentes in una essentia divina.

Portanto, em Deus não há composição de essência e sujeito, mas identidade plena.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
O nome “pessoa” em Deus não designa algo distinto da essência, mas uma relação subsistente nela.
A distinção entre natureza e pessoa nas criaturas é por composição; em Deus, é por relação.

Ad secundum:
A essência é comum às três Pessoas não como gênero comum, mas como identidade real.
O que é comum em Deus não é parte, mas o todo idêntico subsistente em cada Pessoa.

Ad tertium:
A subsistência em Deus não é ato distinto da essência, mas a própria essência enquanto existindo por si.
Logo, a distinção entre ato e essência se dissolve na simplicidade divina.


Conclusiones — Conclusões

  1. Em Deus, essência e supósito são absolutamente idênticos.
  2. Toda distinção entre natureza e pessoa provém da composição; como em Deus não há composição, não há tal distinção.
  3. As Pessoas divinas não se distinguem da essência, mas entre si por relações opostas.
  4. Deus é seu próprio existir e subsistir — suum esse et suum subsistere.
  5. Esta unidade é o fundamento metafísico da doutrina trinitária: uma essência, três relações subsistentes.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.9, a.1:

“In substantiis simplicibus idem est essentia et suppositum.”
“Nas substâncias simples, a essência e o sujeito são o mesmo.”

(2) João de São Tomás:

“In Deo non est suppositum addens aliquid super essentiam, sed ipsa essentia est subsistens.”
“Em Deus, o sujeito não acrescenta nada sobre a essência, mas é a própria essência subsistente.”

(3) Duns Scotus observa: “In Deo personalitas est relatio subsistens, non aliquid additum essentiae.”
João aceita esta fórmula, mas sublinha que a relatio é real apenas secundum oppositionem originis, não secundum compositionem entis.

(4) Aqui se abre a passagem da teologia natural à teologia revelada:
a unidade de essência torna possível a distinção de pessoas sem divisão de substância.

(5) Fórmula conclusiva de João de São Tomás:

“In Deo idem est essentia, subsistentia et persona; distinctio est tantum secundum relationes originis.”
“Em Deus, essência, subsistência e pessoa são o mesmo; a distinção é apenas segundo as relações de origem.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO TERTIA — De Simplicitate Dei

ARTICULUS SEPTIMUS — Utrum in Deo sit compositio potentiae et actus

(Se em Deus há composição de potência e ato)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que em Deus há composição de potência e ato, pois Ele é causa eficiente de todas as coisas.
    Ora, toda causa eficiente deve ter potência ativa.
    Ergo, em Deus há potência.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, Deus conhece e quer; mas o ato de conhecer e o de querer supõem potência cognoscitiva e apetitiva.
    Ergo, em Deus há potência e ato.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, toda perfeição se exerce em ato a partir de uma potência.
    Se em Deus não há potência alguma, pareceria não haver também operação nem perfeição ativa.
    Ergo, potência e ato devem coexistir n’Ele.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.3, a.7:

“In Deo nulla est potentia, sed est actus purus.”
“Em Deus não há potência alguma, mas Ele é ato puro.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

É impossível que em Deus haja composição de potência e ato.

Pois o que é em potência está ordenado a algo que lhe falta; o ato, pelo contrário, é perfeição e atualização.
Logo, admitir potência em Deus seria admitir imperfeição e mutabilidade, o que é incompatível com o Ser primeiro e perfeito.

Primum argumentum — pela causalidade.
Tudo o que passa de potência a ato requer uma causa em ato.
Se Deus tivesse potência, dependeria de outro ato anterior, e deixaria de ser causa primeira.

Secundum — pela simplicidade.
A potência é um princípio de composição, porque exige ato como complemento.
Mas já demonstramos que Deus é absolutamente simples; logo, n’Ele não pode haver potência.

Tertium — pela imutabilidade.
A mudança é passagem de potência a ato.
Mas Deus é imutável (Ego Dominus, et non mutor); portanto, não há n’Ele potência alguma.

Quartum — pela infinitude.
O ser limitado tem potência para receber algo mais; o ser infinito é ato pleno e total.
Deus, sendo infinito, não é capaz de acréscimo — está em plenitude absoluta de ato.

Diz João de São Tomás:

“In Deo non est potentia quae ordinetur ad actum, sed solus actus, qui est ipsum esse subsistens.”
“Em Deus não há potência ordenada ao ato, mas apenas o ato, que é o próprio ser subsistente.”

E conclui com a distinção final entre as criaturas e Deus:

  • nas criaturas há potência passiva (para ser) e potência ativa (para agir), ambas limitadas;
  • em Deus não há nem uma nem outra, porque ser e agir são o mesmoesse et agere sunt idem in Deo.

Por isso, todas as potências existentes nos entes são participações do ato divino, o qual é pura atualidade sem composição.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A potência ativa, quando dita de Deus, é metafórica; não designa algo distinto de sua essência, mas sua própria causalidade exercida eternamente.
Deus não tem potência para agir — Ele é o próprio ato de agir.

Ad secundum:
As potências cognoscitiva e volitiva nas criaturas são princípios distintos do ato.
Em Deus, conhecer e querer não são potências, mas o próprio ser divino enquanto intelecto e amor.

Ad tertium:
A perfeição que procede da potência pertence ao ser imperfeito.
A perfeição divina é atual por essência, não por transição.
Deus é ato primeiro, fonte de todos os atos secundos.


Conclusiones — Conclusões

  1. Em Deus não há potência nem passiva nem ativa como princípio distinto do ato.
  2. Ele é ato puro (actus purus), no qual toda potência está plenamente atualizada.
  3. A ausência de potência é a causa de sua imutabilidade, eternidade e infinitude.
  4. A operação divina não procede de potência, mas é idêntica à essência — agere est suum esse.
  5. Toda potência criada é participação limitada do ato puro de Deus.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.1, a.1:

“In Deo nulla est potentia passiva, quia est actus purus.”
“Em Deus não há potência passiva, porque Ele é ato puro.”

(2) João de São Tomás:

“Potentia est radix mutabilitatis; ubi nulla mutatio, nulla potentia.”
“A potência é a raiz da mudança; onde não há mudança, não há potência.”

(3) Aristóteles, Metaphysica IX, cap.6: “Actus prior est potentia, et perfectior.”
A teologia toma essa prioridade ontológica e a leva ao absoluto: Deus é o Ato sem potência precedente.

(4) Duns Scotus e Suárez falam de “potência lógica” em Deus (potentia ad opposita), mas João de São Tomás rejeita essa linguagem: não há em Deus nenhuma potência real — apenas o poder ativo idêntico ao seu ser.

(5) Fórmula conclusiva de João de São Tomás:

“Deus est actus purus, in quo omnis potentia includitur eminenter, non realiter; unde ipse est immutabilis, aeternus et infinitus.”
“Deus é ato puro, no qual toda potência está incluída de modo eminente, não real; por isso, Ele é imutável, eterno e infinito.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO TERTIA — De Simplicitate Dei

ARTICULUS OCTAVUS — Utrum in Deo sit compositio subjecti et formae

(Se em Deus há composição de sujeito e forma)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que em Deus há composição de sujeito e forma, pois toda perfeição se encontra n’Ele em grau supremo.
    Ora, a união de sujeito e forma é perfeição substancial.
    Ergo, deve haver em Deus algo análogo.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, toda forma existe em algo.
    Se Deus é forma, deve existir em um sujeito.
    Ergo, há composição entre forma e sujeito.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, o ato e o ser parecem requerer um sujeito no qual se atualizam.
    Se Deus é ato puro e forma subsistente, deve ter algo no qual subsiste.
    Ergo, há em Deus sujeito e forma.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.3, a.8*:

“Deus non est forma in alio, sed est ipsa forma subsistens.”
“Deus não é forma existente em outro, mas é a própria forma subsistente.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Em Deus não há composição de sujeito e forma, pois a forma, enquanto princípio atualizante, só se distingue do sujeito quando é recebida em potência diversa de si.

Ora, já demonstramos que em Deus não há potência, mas ato puro.
Logo, não há em Deus sujeito que receba forma, porque não há receptividade possível.

“Forma in materia est actus; Deus est actus purus; ergo non est forma in materia, sed forma per se subsistens.”
“A forma na matéria é ato; Deus é ato puro; logo, não é forma em matéria, mas forma subsistente em si.”

Toda forma recebida é limitada: seu ser depende do sujeito no qual está.
Mas a forma subsistente é ilimitada, porque seu ser é absoluto.
Deus, sendo infinito, não pode ser forma recebida, mas é a própria forma universal, plenitude de ato sem receptáculo.

Por isso, João de São Tomás ensina:

“In Deo forma non est aliquid quod sit in alio, sed est ipsum esse formaliter subsistens.”
“Em Deus, a forma não é algo que exista em outro, mas o próprio ser formalmente subsistente.”

Essa verdade exprime o ápice da simplicidade: Deus é forma sem sujeito, ato sem potência, ser sem receptáculo.
Ele não é informado — Ele é o informante universal de todas as coisas.

Assim como nas criaturas a forma dá o ser, em Deus forma e ser são o mesmo.
Por isso, Ele é chamado “Luz inacessível” — lux inaccesibilis — porque é o próprio princípio formal pelo qual tudo o mais se ilumina.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A perfeição da união de sujeito e forma pertence às coisas compostas.
Em Deus, essa perfeição se encontra de modo eminente: Ele é ato puro, no qual toda perfeição formal está idêntica à essência.

Ad secundum:
A forma criada requer sujeito, pois é ato recebido.
A forma incriada é ser subsistente; não precisa de suporte, pois é o próprio fundamento de toda subsistência.

Ad tertium:
O ato e o ser requerem sujeito apenas nas criaturas.
Em Deus, o ser é subsistência plena: esse Dei est ipsum subsistere.
Portanto, Ele é forma por essência, não por inesse.


Conclusiones — Conclusões

  1. Em Deus não há composição de sujeito e forma, pois Ele é ato puro sem potência receptiva.
  2. Deus é forma subsistente — ipsa forma subsistens —, não forma em outro.
  3. Toda forma criada participa do ser formal de Deus.
  4. A ausência de sujeito em Deus é sinal de sua plenitude ontológica.
  5. Em Deus, essência, forma e ser são absolutamente idênticos.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.7, a.2:

“Deus est forma per se subsistens, et ideo est purus actus.”
“Deus é forma subsistente por si, e por isso é ato puro.”

(2) João de São Tomás:

“Forma in materia terminatur; forma per se subsistens est infinita. Deus est talis.”
“A forma na matéria é limitada; a forma subsistente é infinita. Tal é Deus.”

(3) Duns Scotus chama Deus de forma formarum — “a forma das formas”, não por analogia com as espécies, mas por ser o princípio de inteligibilidade de todas as coisas.

(4) Em Aristóteles, o Ato Puro (νος νοήσεως νος) é já forma sem matéria; João, seguindo Tomás, mostra que essa forma é ainda esse subsistens, o que Aristóteles não alcançou.

(5) Fórmula conclusiva de João de São Tomás:

“Deus est ipsa forma essendi, simplex, infinita, a qua omnis forma et esse in creaturis derivatur.”
“Deus é a própria forma do ser, simples e infinita, da qual toda forma e todo ser nas criaturas derivam.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO QUARTA — De Perfectione Dei

ARTICULUS PRIMUS — Utrum Deus sit perfectus

(Se Deus é perfeito)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que Deus não é perfeito, pois o perfeito é aquilo que nada lhe falta de acordo com sua natureza.
    Mas Deus é causa de todas as coisas; e a causa, em certo modo, é superior ao efeito, mas não necessariamente completa segundo todas as suas possibilidades.
    Ergo, Deus não é absolutamente perfeito.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, a perfeição implica a posse de toda forma e qualidade boa.
    Ora, muitas perfeições pertencem às criaturas — sensibilidade, corporeidade, mobilidade — que não se encontram em Deus.
    Ergo, Deus não é perfeito.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, o perfeito é aquilo que atinge seu fim.
    Mas Deus não tende a um fim, pois é imutável.
    Ergo, não pode ser dito perfeito.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.4, a.1*:

“Deus est perfectus, quia in ipso nihil de perfectione essendi deest.”
“Deus é perfeito, porque n’Ele nada falta da perfeição do ser.”

E no Deuteronômio 32,4 lê-se:

“Deus fidelis, sine ulla iniquitate, justus et rectus.” — “Deus é fiel, sem injustiça, justo e perfeito.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Diz-se “perfeito” aquilo a que nada falta de ser.
Ora, quanto mais algo participa do ser, tanto mais perfeito é.

Mas Deus é o Ser mesmo subsistente, ipsum esse subsistens; n’Ele, portanto, nada pode faltar do ser.
Logo, é absolutamente perfeito.

A perfeição pode ser considerada de três modos:

  1. Perfectione essentiali, quando algo possui a totalidade do seu ser segundo sua natureza;
  2. Perfectione accidentali, quando possui todas as formas complementares que lhe convêm;
  3. Perfectione absoluta, quando nada lhe falta de todo o âmbito do ser.

Somente Deus possui a terceira, porque contém em si, de modo eminente, toda a plenitude de perfeição que nas criaturas está distribuída por participação.

“Omnis perfectio creaturae in Deo praeexistit eminenter.”
“Toda perfeição da criatura preexiste em Deus de modo eminente.”

E como Ele é ato puro (actus purus), sem potência alguma, possui atualizadas todas as perfeições possíveis.
O que nas criaturas se dá de modo composto, limitado e participado, n’Ele existe simples, infinito e idêntico à Sua essência.

João de São Tomás comenta:

“Perfectio Dei est ipsa plenitudo essendi, in qua includuntur virtualiter omnes formae perfectionis.”
“A perfeição de Deus é a plenitude do ser, na qual estão incluídas virtualmente todas as formas de perfeição.”

Por isso, as perfeições das criaturas não são acréscimos ao ser de Deus, mas reflexos analógicos da sua plenitude.
Quando dizemos “Deus é sábio”, “Deus é justo”, não multiplicamos realidades em Deus, mas exprimimos sob diversos aspectos a mesma perfeição infinita do ser divino.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A causa não é imperfeita por não reproduzir todos os modos de seus efeitos, mas é perfeita por tê-los em grau superior e eminente.
Assim, Deus é perfeito porque contém em si virtualmente todas as perfeições dos efeitos.

Ad secundum:
As perfeições materiais das criaturas não estão em Deus formalmente, mas eminentemente.
A perfeição de Deus não exige corpo ou movimento, porque estas são perfeições de ordem inferior.

Ad tertium:
A perfeição não implica movimento para um fim, mas posse plena do fim.
Deus é perfeito precisamente porque é o fim último de todas as coisas e não tende a outro.


Conclusiones — Conclusões

  1. Deus é absolutamente perfeito, pois é o Ser subsistente, sem limitação nem composição.
  2. Todas as perfeições das criaturas preexistem n’Ele eminentemente.
  3. A perfeição de Deus é a plenitude pura do ser — plenitudo essendi.
  4. A imperfeição das criaturas procede de sua participação limitada no ser divino.
  5. Deus é fim de todas as coisas e sua perfeição é a medida de toda perfeição criada.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.7, a.2:

“Perfectum dicitur cui nihil deesse potest; Deo nihil deest.”
“Perfeito se diz daquilo a que nada pode faltar; a Deus nada falta.”

(2) João de São Tomás:

“Perfectiones creaturarum non addunt aliquid Deo, sed sunt participationes imperfectae ipsius perfectionis divinae.”
“As perfeições das criaturas não acrescentam nada a Deus, mas são participações imperfeitas da perfeição divina.”

(3) A noção de perfeição está intimamente ligada à simplicidade: o simples contém o múltiplo de modo superior.
Logo, a simplicidade divina é o princípio formal da perfeição absoluta.

(4) Aristóteles (Metaphysica XII, 7) já intuía: “O primeiro motor é ato perfeito.” — mas em João de São Tomás, esta perfeição não é apenas motriz, é existencial.

(5) Fórmula conclusiva:

“Deus est perfectissimus, quia est ipsum esse infinitum, in quo omnes perfectiones formaliter vel eminenter continentur.”
“Deus é o mais perfeito dos seres, porque é o próprio ser infinito, no qual todas as perfeições estão contidas formal ou eminentemente.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO QUARTA — De Perfectione Dei

ARTICULUS SECUNDUS — Utrum perfectiones in creaturis sint in Deo eminenter

(Se as perfeições das criaturas estão em Deus de modo eminente)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que as perfeições das criaturas não estão em Deus, pois algumas delas pertencem à ordem material — como a corporeidade, a extensão, o movimento —, que não convêm à natureza divina.
    Ergo, nem todas as perfeições estão em Deus.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, os contrários não podem coexistir no mesmo sujeito.
    Ora, nas criaturas há perfeições que se opõem, como o calor e o frio, a dureza e a flexibilidade.
    Se todas estão em Deus, segue-se contradição.
    Ergo, as perfeições criadas não estão em Deus.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, o perfeito não contém os modos inferiores de ser, pois estes são imperfeições.
    Mas as perfeições das criaturas são finitas e limitadas.
    Ergo, Deus, sendo infinito, não as contém, nem formal nem eminenter.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.4, a.2*:

“Omnes perfectiones in Deo praeexistunt simpliciter et eminenter.”
“Todas as perfeições preexistem em Deus de modo simples e eminente.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

É necessário afirmar que todas as perfeições encontradas nas criaturas preexistem em Deus, porém de modo mais alto e mais simples, isto é, eminenter.

A razão é esta:
tudo o que existe fora de Deus é efeito de sua causalidade.
Ora, o efeito não pode conter perfeição que não esteja na causa, ao menos de modo virtual e eminente.
Logo, todas as perfeições das criaturas derivam de Deus, e portanto n’Ele preexistem.

“In causis agentibus per intellectum, formae effectuum praeexistunt in causa eminenter.”
“Nas causas que agem por intelecto, as formas dos efeitos preexistem na causa de modo eminente.”

Mas Deus é causa não apenas eficiente, senão exemplar e final de todas as coisas.
Ele contém as perfeições criadas não segundo o mesmo modo de ser, mas segundo um modo supereminente, isto é, mais simples e mais perfeito.

Assim, a vida de Deus não é como a vida das criaturas vivas, nem sua sabedoria como a sabedoria humana, mas é a própria vida e sabedoria em sua fonte, sem composição, limite ou recepção.

“Vita, sapientia, bonitas, et omnes formae perfectionis in Deo sunt idem quod sua essentia.”
“Vida, sabedoria, bondade e todas as formas de perfeição em Deus são o mesmo que sua essência.”

Por isso, nas criaturas as perfeições estão formaliter et multipliciter (formal e divididas), mas em Deus estão eminenter et simpliciter (eminente e unidas).
A multiplicidade das perfeições criadas é sinal da limitação da criatura; a unidade delas em Deus é sinal de sua infinitude.

João de São Tomás resume:

“Perfectio creaturae est participatio partialis; perfectio Dei est fons totius perfectionis.”
“A perfeição da criatura é participação parcial; a perfeição de Deus é a fonte de toda perfeição.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
As perfeições materiais estão em Deus não quanto à matéria, mas quanto à forma.
Assim, a perfeição do movimento está n’Ele enquanto ato puro e causa de todo movimento, não enquanto mudança.

Ad secundum:
Os contrários se excluem na ordem formal das criaturas, mas coexistem em Deus de modo eminente, sem contradição.
O que é finito e diverso nas criaturas é uno e absoluto em Deus.

Ad tertium:
Deus não contém as perfeições inferiores segundo o mesmo modo, mas segundo um modo superior.
O finito é nele superado pelo infinito, o composto pelo simples, o múltiplo pelo uno.


Conclusiones — Conclusões

  1. Todas as perfeições das criaturas preexistem em Deus, sua causa primeira.
  2. Elas existem n’Ele não formalmente (como espécies distintas), mas eminentemente, de modo simples e infinito.
  3. Deus é a unidade absoluta de todas as perfeições; nas criaturas, elas se encontram divididas e participadas.
  4. Nenhuma perfeição criada acrescenta algo a Deus, pois tudo o que há de ser é n’Ele.
  5. Esta doutrina fundamenta a analogia do ser: o que é dito de Deus e das criaturas se diz segundo uma proporção de participação.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.7, a.2:

“Omnia quae sunt in creatura, sunt in Deo eminenter.”
“Tudo o que está na criatura, está em Deus de modo eminente.”

(2) João de São Tomás:

“Deus est totum in uno; creatura est pars in multis.”
“Deus é o todo em um; a criatura é parte em muitos.”

(3) Esta doutrina é a base da via eminentiae: predicamos as perfeições divinas não por igualdade, mas por supereminência.

(4) Scotus e Suárez tentaram precisar o termo “eminenter” em distinções modais (formaliter eminenter, eminenter virtualiter), mas João conserva o sentido tomista puro: eminência é modo superior de possuir sem multiplicação formal.

(5) Fórmula conclusiva:

“Deus continet omnes perfectiones creaturarum in se, non sicut genus species, sed sicut causa universalis principium totius perfectionis.”
“Deus contém em si todas as perfeições das criaturas, não como gênero que contém espécies, mas como causa universal, princípio de toda perfeição.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO QUARTA — De Perfectione Dei

ARTICULUS TERTIUS — Utrum creatura possit participare perfectionem Dei

(Se a criatura pode participar da perfeição de Deus)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que a criatura não pode participar da perfeição de Deus, pois o que é infinito não pode ser participado pelo finito.
    Ora, a perfeição de Deus é infinita.
    Ergo, nenhuma criatura pode participar dela.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, a participação supõe semelhança entre participante e participado.
    Mas entre Deus e a criatura há dessemelhança infinita.
    Ergo, a criatura não pode participar da perfeição divina.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, o que participa depende do participado como de causa.
    Mas Deus não tem causa, nem pode comunicar-se essencialmente.
    Logo, não há verdadeira participação das criaturas na perfeição divina, senão mera denominação metafórica.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.4, a.3*:

“Omnia quae sunt, participant aliquam similitudinem perfectionis divinae.”
“Todas as coisas que são participam de alguma semelhança da perfeição divina.”

E no Livro da Sabedoria (7,26):

“Candor est lucis aeternae et speculum sine macula Dei maiestatis.”
“Ela é o resplendor da luz eterna e o espelho sem mancha da majestade de Deus.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Toda participação supõe dois termos:
um participado, que possui a perfeição em si mesmo e de modo total;
e um participante, que a recebe de outro e de modo limitado.

Assim, a criatura participa da perfeição de Deus porque o que nela é ser, vida, verdade, bondade, potência — é recebido, não possuído por essência.
Deus, ao contrário, é o próprio Ser e todas essas perfeições por natureza.

“Deus est per essentiam; creatura est per participationem.”
“Deus é por essência; a criatura é por participação.”

Ora, quanto mais algo participa do ser, tanto mais é perfeito; e como toda criatura é efeito de Deus, nela se encontra uma semelhança do Criador proporcional à sua capacidade.
Daí se diz:

“Omnis creatura est quaedam imago divinae perfectionis.”
“Toda criatura é uma imagem da perfeição divina.”

Mas essa participação é analógica, não unívoca: a perfeição que na criatura é múltipla e limitada, em Deus é una e infinita.
A diferença não é apenas de grau, mas de modo de ser: em Deus, a perfeição é identica cum essentia; na criatura, é habita per participationem.

João de São Tomás explica:

“Participatio est modus dependendi; ideo creatura non solum a Deo efficitur, sed in ipso continetur causaliter.”
“A participação é modo de dependência; por isso, a criatura não só é produzida por Deus, mas nele se contém causalmente.”

A relação entre Deus e o ser criado é, portanto, de causa exemplar e eficiente: toda perfeição criada reflete, como vestígio ou imagem, a perfeição divina, segundo três graus:

  1. Vestigium, nas criaturas inanimadas, que refletem o ser, a unidade e a ordem.
  2. Imago, nas criaturas racionais, que refletem intelecto e vontade.
  3. Similitudo, na alma unida a Deus pela graça, que participa da vida divina.

Em cada grau, a perfeição da criatura é tanto maior quanto mais próxima da perfeição divina — não por essência, mas por participação.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Embora o infinito não possa ser participado em sua totalidade, pode sê-lo parcialmente, segundo o modo finito do participante.
Assim, a luz infinita de Deus ilumina a criatura conforme a abertura de sua capacidade receptiva.

Ad secundum:
A dessemelhança infinita não exclui toda semelhança, mas antes a exige.
Pois a causa é sempre semelhante ao efeito na medida em que o produz.
A criatura é dessemelhante a Deus quanto ao modo, mas semelhante quanto à analogia do ser.

Ad tertium:
A participação não implica comunicação essencial, mas dependência causal.
Deus comunica suas perfeições não pela essência, mas pelo efeito — e cada criatura é um efeito real da perfeição divina.


Conclusiones — Conclusões

  1. A criatura participa realmente da perfeição divina, não por essência, mas por dependência causal.
  2. Toda perfeição criada é reflexo analógico da perfeição de Deus.
  3. A participação é proporcional: cada ente reflete a Deus segundo sua capacidade de ser.
  4. A participação fundada na causalidade divina constitui a analogia entis.
  5. Deus é a plenitude de toda perfeição; a criatura é participação finita dessa plenitude.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.7, a.2:

“Participatio dicit ordinem ad primum; unde omnis perfectio participata reduci debet ad Deum, qui est prima perfectio.”
“A participação implica ordem ao primeiro; por isso, toda perfeição participada deve ser reduzida a Deus, que é a primeira perfeição.”

(2) João de São Tomás:

“Participatio est vestigium causalitatis; omnis creatura est radius perfectionis divinae.”
“A participação é vestígio da causalidade; toda criatura é um raio da perfeição divina.”

(3) Em Duns Scotus, fala-se de similitudo intrinseca formalis; João recusa o univocismo e mantém a distinção formal tomista: o ser é analógico, não unívoco.

(4) A participação da perfeição divina é a base da teologia da graça: a elevação da criatura racional à vida divina é o grau supremo dessa participação.

(5) Fórmula conclusiva:

“Creaturae participant perfectionem Dei secundum modum suum; Deus continet eam secundum modum infinitum et simplicem.”
“As criaturas participam da perfeição de Deus segundo o seu modo; Deus a contém segundo modo infinito e simples.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO QUINTA — De Bono et Bonitate Dei

ARTICULUS PRIMUS — Utrum bonum sit diffusivum sui

(Se o bem é difusivo de si mesmo)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que o bem não é difusivo de si, pois a difusão pertence à natureza do agente, não do bem enquanto tal.
    Mas algo pode ser bom sem agir, como Deus antes da criação.
    Ergo, o bem não é essencialmente difusivo de si.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, a difusão implica movimento e comunicação.
    Mas em Deus não há movimento, pois é ato puro e imutável.
    Ergo, o bem divino não pode ser difusivo de si.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, o bem e o ser são convertíveis: bonum et ens convertuntur.
    Ora, o ser não é difusivo de si mesmo, mas permanece idêntico.
    Ergo, tampouco o bem é difusivo de si.

Sed contra — Em contrário

Dionísio Areopagita, De Divinis Nominibus, c. IV:

“Bonum est diffusivum sui.”
“O bem é difusivo de si mesmo.”

E Santo Tomás comenta:

“Sicut bonum est diffusivum sui in esse, ita Deus, qui est bonum subsistens, est causa essendi omnibus.”
“Assim como o bem é difusivo de si no ser, assim Deus, que é o Bem subsistente, é causa do ser para todos.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

A difusividade do bem não significa mudança local nem produção necessária, mas comunicabilidade ontológica.
Chama-se “bom” aquilo que é desejável, e é desejável porque perfecciona aquele que o recebe.
Ora, a perfeição consiste na comunicação do ser.

“Bonum et ens convertuntur, sed differunt ratione.”
“O bem e o ser se convertem, mas diferem de razão.”

O ser diz respeito à existência; o bem, à amabilidade do ser — àquilo que, sendo pleno, é apto a difundir-se e a comunicar sua perfeição.
Logo, o bem é difusivo de si porque o ser, em sua plenitude, tende naturalmente a comunicar-se.

Deus, como o Ser subsistente e a Bondade mesma, é difusivo por essência, não por necessidade física, mas por liberalidade e amor.
A difusão do bem divino é, portanto, livre e inteligente, não cega nem fatal.
É o amor (amor Dei effusivus boni) que fundamenta toda a criação.

“Bonum est diffusivum sui, non per necessitatem naturae, sed per inclinationem caritatis.”
“O bem é difusivo de si, não por necessidade natural, mas por inclinação da caridade.”

Assim, Deus é difusivo em três ordens:

  1. Ad intra, pela processão das Pessoas Divinas — o Pai gera o Filho, e do Pai e do Filho procede o Espírito Santo.
  2. Ad extra, pela criação, pela qual comunica o ser às criaturas.
  3. Ad rationales creaturas, pela graça, que é a comunicação da vida divina.

Em todas essas difusões, o princípio é o mesmo: o bem, por ser pleno, tende a comunicar-se.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Antes da criação, Deus era difusivo em potência livre, não em ato produtivo.
A difusividade não se mede pelo efeito atual, mas pela capacidade intrínseca de comunicar-se.

Ad secundum:
A difusão divina não é movimento, mas processão eterna.
No Pai e no Filho, a difusividade do bem é ato inteligível, não físico.

Ad tertium:
O ser não é difusivo enquanto ser, mas enquanto perfeito; e esta perfeição é o aspecto formal do bem.
Logo, toda difusão do ser se funda na bondade.


Conclusiones — Conclusões

  1. O bem é difusivo de si por essência, porque toda perfeição tende à comunicação.
  2. Deus, como Bem subsistente, comunica o ser e toda perfeição às criaturas.
  3. Essa difusão é livre, inteligente e amorosa, não necessária.
  4. A difusividade divina ad intra fundamenta a Trindade; ad extra, a criação.
  5. Toda causalidade é participação da difusividade do bem divino.

Annotationes — Anotações

(1) Dionísio, De Divinis Nominibus, IV, 1:

“Bonum est diffusivum sui et sui simile faciens.”
“O bem é difusivo de si e faz semelhante a si.”

(2) Santo Tomás, S.Th., I, q.6, a.1 ad 2:

“Deus diffundit esse propter suam bonitatem, non ex necessitate, sed ex libertate amoris.”

(3) João de São Tomás:

“Bonum in se clausum desineret esse bonum; natura boni est communicatio.”
“O bem fechado em si deixaria de ser bem; a natureza do bem é a comunicação.”

(4) Scotus distingue entre bonum diffusivum per necessitatem e per voluntatem; João segue Tomás: em Deus, a difusão é voluntária, não forçada.

(5) Fórmula conclusiva:

“Bonum est diffusivum sui; Deus est bonum infinitum, ideo diffundit esse et perfectionem omnibus rebus.”
“O bem é difusivo de si; Deus é o bem infinito, por isso difunde o ser e a perfeição a todas as coisas.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO QUINTA — De Bono et Bonitate Dei

ARTICULUS SECUNDUS — Utrum bonum et ens convertantur

(Se o bem e o ser se convertem)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que o bem e o ser não se convertem, pois o bem acrescenta ao ser a noção de desejável, o que implica relação à vontade.
    Mas o ser não tem relação essencial à vontade.
    Ergo, o bem e o ser não se convertem.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, há seres que não são bons, como o mal moral ou o vício.
    Mas se o bem e o ser se convertessem, tudo o que é seria bom.
    Ergo, o bem e o ser não se convertem.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, o bem se opõe ao mal, mas o ser não tem contrário.
    Logo, o bem não se converte com o ser.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.5, a.1:

“Bonum et ens convertuntur, sed differunt ratione.”
“O bem e o ser se convertem, mas diferem pela razão.”

E Dionísio Areopagita, De Divinis Nominibus, c. IV:

“Esse et bonum in rebus idem sunt secundum rem, sed ratione distinguuntur.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

O ser e o bem são idênticos segundo a coisa, mas distintos segundo a razão.
O ser significa o que é em ato — id quod habet esse; o bem, o mesmo ser enquanto perfeito, apetecível e comunicável.

“Bonum respicit appetitum, ens respicit actum essendi.”
“O bem tem relação com o apetite; o ser, com o ato de existir.”

Assim, o bem acrescenta ao ser apenas uma noção relacional: a de ser desejável.
Mas todo ser, enquanto é, é perfeito de algum modo; e, sendo perfeito, é desejável.
Logo, todo ente é bom.

A diferença é apenas de aspecto formal:

  • Ens expressa a perfeição como ato;
  • Bonum expressa a perfeição como objeto de desejo.

Deus é o mesmo ens perfectissimum e bonum infinitum; nas criaturas, o ser e o bem se identificam segundo a substância, mas diferem segundo a ordem da apetibilidade.

João de São Tomás resume magistralmente:

“Ens est radix boni; bonum est splendor entis.”
“O ser é a raiz do bem; o bem é o esplendor do ser.”

Por isso, o bem e o ser se convertem, mas o bem implica relação de finalidade:

“Bonum est quod omnia appetunt.”
“O bem é aquilo que todas as coisas desejam.”

Essa conversão é a base da ordem final do universo — o ser é ordenado ao bem, e o bem é o termo do ser em ato.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
O bem acrescenta ao ser apenas uma relação de razão (secundum rationem), não uma realidade distinta.
A relação ao apetite não muda a essência do ente, mas o modo de considerá-lo.

Ad secundum:
O mal não é ser, mas privação de ser.
Logo, o que é, enquanto é, é bom; o mal é falta de ser e, portanto, de bem.

Ad tertium:
O bem tem contrário porque pode haver ausência de perfeição; o ser, enquanto tal, não tem contrário.
A oposição entre bem e mal se funda na participação deficiente do ser.


Conclusiones — Conclusões

  1. O bem e o ser são idênticos segundo a realidade, distintos segundo a razão.
  2. Todo ente, enquanto é, é bom; o mal é privação de ser e, portanto, de bem.
  3. O bem acrescenta ao ser a relação de apetibilidade e perfeição.
  4. Deus é o mesmo ser e bem infinitos, causa de toda bondade criada.
  5. A conversão entre ser e bem funda a ordem final do universo: todo ser tende ao bem.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Veritate, q.21, a.1:

“Bonum et ens convertuntur, quia unumquodque appetitur inquantum est perfectum, et perfectionem habet inquantum est.”
“O bem e o ser se convertem, porque cada coisa é desejada enquanto é perfeita, e é perfeita enquanto é.”

(2) João de São Tomás:

“Non addit bonum realitatem super ens, sed solum respectum ad appetitum.”
“O bem não adiciona realidade sobre o ser, mas apenas relação ao apetite.”

(3) A distinção é, pois, de razão fundamentada na coisa (distinctio rationis cum fundamento in re): a mente distingue formalmente o que na realidade é idêntico.

(4) A partir desta conversão, João introduz a analogia do fim: todo ser é ordenado à perfeição do bem; e o bem último é o próprio Deus.

(5) Fórmula conclusiva:

“Ens et bonum convertuntur: unum et idem est quod aliquid sit et quod sit appetibile.”
“O ser e o bem se convertem: é uma e a mesma coisa que algo exista e que seja desejável.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO QUINTA — De Bono et Bonitate Dei

ARTICULUS TERTIUS — De ordine boni in entibus

(Sobre a ordem do bem nos entes)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que não há ordem de bens nos entes, pois o bem e o ser se convertem.
    Se tudo o que é é bom, todos os bens seriam iguais.
    Ergo, não há ordem nem hierarquia entre eles.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, a ordem implica desigualdade e dependência.
    Mas o bem é difusivo e comunicável a todos igualmente.
    Ergo, não pode haver desigualdade de bens.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, se há ordem de bens, um bem seria causa de outro.
    Mas somente Deus é causa de todos os bens.
    Ergo, fora de Deus não há verdadeira ordem de bens.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.5, a.4:

“Sicut entia sunt diversa secundum gradum perfectionis, ita et bona secundum gradum bonitatis.”
“Assim como os entes diferem segundo o grau de perfeição, assim também os bens diferem segundo o grau de bondade.”

E Dionísio Areopagita, De Divinis Nominibus, c. IV:

“Omnia ordinantur ad bonum sicut ad causam primam et finem ultimum.”
“Todas as coisas são ordenadas ao bem como à causa primeira e ao fim último.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Como o bem se identifica com o ser segundo a realidade, segue-se que a ordem dos bens corresponde à ordem dos entes: quanto mais ser, tanto mais bem.

“Gradus entis est gradus bonitatis.”
“O grau do ser é o grau da bondade.”

Mas o bem tem, além disso, uma ordem própria segundo a sua relação de finalidade: pois o bem não apenas é, mas atrai.
Logo, há uma dupla ordem do bem:

  • uma ontológica, conforme a participação do ser;
  • outra teleológica, conforme a capacidade de atrair os outros à perfeição.

Na ordem ontológica, Deus é o summum bonum, pois é o Ser por essência e plenitude de toda perfeição.
As criaturas são boas segundo sua proximidade com esse Ser primeiro: os anjos mais do que os homens, os homens mais do que os animais, e assim por diante.

Na ordem teleológica, há três espécies de bem, segundo a clássica tripartição tomista:

  1. Bonum honestum, o bem em si mesmo, que é amável por sua própria perfeição;
  2. Bonum utile, o bem enquanto meio para outro fim;
  3. Bonum delectabile, o bem enquanto dá prazer e repouso no desejo.

“Bonum honestum est supremum, quia est amatum propter se; bonum utile est propter aliud.”
“O bem honesto é o supremo, porque é amado por si; o bem útil, por outro.”

Esses graus coexistem analogicamente em toda a criação.
Deus é o bem honestum in se et per essentiam, as criaturas são bona participata, e cada uma reflete a bondade divina conforme sua natureza e fim.

“Omnia bona ordinantur ad unum summum bonum, quod est Deus.”
“Todos os bens se ordenam a um único bem supremo, que é Deus.”

Assim, a multiplicidade dos bens não implica divisão do bem em si, mas sua difusão participada.
A unidade do Bem é fonte de todas as ordens particulares de bondade.

João de São Tomás, em sua síntese admirável:

“Ordo boni in entibus est scala participationis; in Deo est fons, in angelis lumen, in hominibus appetitus, in creaturis vestigium.”
“A ordem do bem nos entes é uma escada de participação; em Deus é fonte, nos anjos é luz, nos homens é desejo, nas criaturas é vestígio.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A conversão entre bem e ser não exclui a gradação, pois ambos admitem mais e menos segundo a intensidade da perfeição.

Ad secundum:
A comunicabilidade do bem é universal, mas não igual em todos; cada natureza recebe conforme sua capacidade de participação.

Ad tertium:
Embora Deus seja a causa primeira de todos os bens, há ordem entre os bens criados enquanto causas segundas que participam e comunicam a bondade divina de modo subordinado.


Conclusiones — Conclusões

  1. Há ordem real de bens conforme a gradação do ser e da perfeição.
  2. Essa ordem é dupla: ontológica (quanto ao ser) e teleológica (quanto ao fim).
  3. O bem se distribui em três espécies: útil, deleitável e honesto, das quais o último é o supremo.
  4. Todos os bens participam e se ordenam ao summum bonum, que é Deus.
  5. A hierarquia da bondade manifesta a unidade da difusividade divina no múltiplo da criação.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Veritate, q.21, a.4:

“Gradus bonitatis est gradus essendi; quanto aliquid est perfectius in esse, tanto est magis bonum.”

(2) Dionísio Areopagita:

“Omnia bona ab uno bono participantur, et in illo unum sunt.”
“Todos os bens são participados de um único Bem, e nele são um.”

(3) João de São Tomás:

“Ordo boni est pulchritudo universi; sine ordine, bonum dispersum esset chaos.”
“A ordem do bem é a beleza do universo; sem ordem, o bem disperso seria caos.”

(4) A hierarquia do bem é reflexo da hierarquia do ser: quanto mais algo é ato, mais é bom e mais próximo de Deus.

(5) Fórmula conclusiva:

“Ordo boni in entibus est participatio unius bonitatis divinae, quae per gradus se manifestat in creaturis.”
“A ordem do bem nos entes é participação de uma única bondade divina, que se manifesta gradualmente nas criaturas.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO QUINTA — De Bono et Bonitate Dei

ARTICULUS QUARTUS — Utrum Deus sit summum bonum

(Se Deus é o Sumo Bem)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que Deus não é o Sumo Bem, pois o bem, enquanto difusivo, supõe comunicação.
    Mas Deus, sendo absolutamente simples e imutável, não pode comunicar-se senão por efeitos criados.
    Logo, a bondade comunicada é maior que a bondade que permanece em si.
    Ergo, Deus não é o Sumo Bem.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, o Sumo Bem deve ser plenamente participável por todos.
    Mas Deus é incomunicável em sua essência.
    Logo, não pode ser chamado o Sumo Bem.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, o Sumo Bem deve ser amado por todos.
    Mas há criaturas que não amam a Deus, como os demônios e os ímpios.
    Ergo, Deus não é o Sumo Bem.

Sed contra — Em contrário

Santo Agostinho, De Trinitate, VIII, 3:

“Deus solus est summum bonum, a quo omnia bona.”
“Só Deus é o Sumo Bem, do qual procedem todos os bens.”

E Santo Tomás, S.Th., I, q.6, a.2:

“Cum Deus sit ipsum esse subsistens, necesse est eum esse bonum per essentiam et bonum summum.”
“Sendo Deus o próprio ser subsistente, é necessário que seja bom por essência e o bem supremo.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

O Sumo Bem é aquilo que é causa de toda bondade e fim de todo desejo.
Ora, todo bem é desejado por sua perfeição; e todo desejo tende ao termo último que contém, em modo eminente, toda perfeição desejável.

Deus é, portanto, o Sumo Bem, porque é plenitude absoluta do ser e causa universal de toda perfeição.
Tudo o que é bom nas criaturas existe n’Ele eminente e formalmente; e o que nelas é participado, n’Ele é essência.

“Bonum in Deo est ipsa eius essentia; in creatura est per participationem.”
“O bem em Deus é sua própria essência; nas criaturas é por participação.”

A razão dessa supremacia está em que Deus é o próprio Ser subsistente (ipsum esse subsistens); e, como o ser e o bem se convertem, Deus é a própria bondade subsistente (ipsum bonum per se subsistens).

João de São Tomás explica com rigor aristotélico:

“In omni genere boni oportet esse primum et summum, a quo cetera bona derivantur.”
“Em todo gênero de bem deve haver um primeiro e supremo, do qual derivam os demais.”

E acrescenta:

“In Deo est unitas omnium bonorum, quia nihil est quod extra ipsum bonum esse possit.”
“Em Deus está a unidade de todos os bens, porque nada existe que possa estar fora do bem.”

Assim, Ele é chamado Sumo Bem sob três razões:

  1. Causal, porque é a causa de toda bondade criada;
  2. Exemplar, porque é o modelo e medida de toda bondade;
  3. Final, porque é o termo de todo apetite e de toda perfeição.

“Ipse est causa efficiens, exemplaris et finalis omnium bonorum.”
“Ele é a causa eficiente, exemplar e final de todos os bens.”

Por isso, todos os entes, conscientes ou não, tendem a Ele: uns por conhecimento e amor, outros por inclinação natural.
O universo inteiro é, portanto, uma conversio ad bonum, um retorno ao Bem que o originou.

“Omnis creatura, secundum modum suum, Deum appetit.”
“Toda criatura, segundo o seu modo, tende a Deus.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Deus comunica-se, não pela mudança de si, mas pela produção de efeitos.
A difusividade divina é ato livre e imutável: Ele permanece o mesmo, ainda que tudo proceda d’Ele.

Ad secundum:
Deus é incomunicável em essência, mas comunicável em similitude.
A participação não diminui o primeiro bem, mas o manifesta.

Ad tertium:
Mesmo os que não amam Deus por vontade, o amam por natureza, pois tudo tende ao bem.
A vontade pervertida não destrói a ordem natural do desejo.


Conclusiones — Conclusões

  1. Deus é o Sumo Bem por essência, causa e fim de toda bondade.
  2. Ele contém todas as perfeições dos bens criados de modo eminente e simples.
  3. É o Bem subsistente, não participado, do qual todos os bens participam.
  4. Sua bondade é universal, difusiva e imutável.
  5. O Sumo Bem é o princípio e o termo de toda a ordem do universo.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, Contra Gentiles, I, c.37:

“Cum Deus sit actus purus et plenitudo essendi, in ipso est plenitudo bonitatis.”
“Como Deus é ato puro e plenitude do ser, n’Ele está a plenitude da bondade.”

(2) João de São Tomás:

“Bonum summum est simplicissimum; ideo Deus est summum bonum, quia est simplicissimus.”
“O Sumo Bem é o mais simples; por isso, Deus é o Sumo Bem, porque é o mais simples.”

(3) A teologia escolástica reconhece aqui a transição da metafísica para a mística: a mente que entende o bonum subsistens é atraída a amá-lo.

(4) O termo “Sumo Bem” resume os três aspectos da Causa Primeira: efficientis, exemplaris, finalis.

(5) Fórmula conclusiva:

“Deus est summum bonum, quia est ipsum esse perfectum, a quo omnia bona et ad quod omnia bona ordinantur.”
“Deus é o Sumo Bem, porque é o próprio ser perfeito, do qual procedem todos os bens e para o qual todos os bens se ordenam.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO QUINTA — De Bono et Bonitate Dei

ARTICULUS QUINTUS — Utrum omnia tendant in Deum sicut in finem

(Se todas as coisas tendem a Deus como ao seu fim)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que nem todas as coisas tendem a Deus como ao seu fim, pois muitas são privadas de razão e vontade, e não podem ordenar-se a um fim inteligível.
    Ergo, apenas as criaturas racionais tendem a Deus como ao fim.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, o mal se opõe ao bem.
    Mas o mal é algo existente de certo modo — é ato voluntário nos pecadores.
    Logo, nem tudo tende a Deus como ao seu fim.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, o fim é aquilo que se deseja.
    Mas nem todos conhecem ou desejam a Deus.
    Ergo, nem todas as coisas tendem a Ele.

Sed contra — Em contrário

Santo Agostinho, De Civitate Dei, XIX, 1:

“Deus est finis omnium, quia ipse est summum bonum.”
“Deus é o fim de todas as coisas, porque Ele é o Sumo Bem.”

E Santo Tomás, S.Th., I, q.44, a.4:

“Omnia tendunt in Deum sicut in finem, quia omnia appetunt bonum.”
“Todas as coisas tendem a Deus como ao fim, porque todas apetecem o bem.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

É necessário afirmar que todas as coisas, de qualquer ordem de ser, tendem a Deus como ao seu fim último.
A razão disso é dupla:
primeiro, porque Deus é o Bem universal;
segundo, porque toda causa eficiente age por causa final.

“Omne agens agit propter finem.”
“Todo agente age por um fim.”

Ora, o fim último de toda ação é o bem, e todo bem deriva de Deus; logo, toda tendência, natural ou voluntária, se ordena a Ele.

Essa tendência não é sempre consciente ou racional:

  • nas criaturas intelectuais, é voluntária e cognoscitiva;
  • nas criaturas sensíveis, é apetitiva e instintiva;
  • nas criaturas inanimadas, é natural e ordenada pela Providência.

“Omnia moventur ad Deum, non quasi cognoscentes, sed quasi ordinata ab eo.”
“Todas as coisas se movem para Deus, não como conhecendo, mas como ordenadas por Ele.”

Assim, o universo inteiro é um movimento de retorno, reditus in Deum, conforme a lei eterna impressa em cada ser.
Cada ente participa do bem e tende à sua causa — o bem particular busca o bem universal.

João de São Tomás sintetiza a doutrina com clareza:

“Ordo universi est reditus causarum in causam, et bonorum in bonum.”
“A ordem do universo é o retorno das causas à Causa, e dos bens ao Bem.”

Logo, mesmo o mal, enquanto ato, participa do ser e é ordenado acidentalmente a Deus; apenas a privação (privatio boni) é pura desordem.
Tudo o que existe, enquanto existe, está de algum modo voltado para o Sumo Bem.

“Deus est principium et finis omnium rerum.”
“Deus é o princípio e o fim de todas as coisas.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
As criaturas irracionais tendem a Deus por inclinação natural impressa por Ele.
Sua ordem não é de conhecimento, mas de dependência causal.

Ad secundum:
O mal, enquanto privação, não é ser nem fim; enquanto ato, depende de alguma bondade e, portanto, é ordenado a Deus indiretamente.

Ad tertium:
Nem todos conhecem Deus formalmente, mas todos desejam o bem, e todo bem é participação de Deus.
Logo, mesmo sem o saber, todos os seres tendem a Ele.


Conclusiones — Conclusões

  1. Toda criatura, racional ou não, tende a Deus como ao fim último.
  2. Essa tendência é múltipla: natural, sensitiva ou racional, conforme o grau de ser.
  3. O universo é uma ordem de retorno ao Bem supremo — reditus universalis.
  4. O mal não destrói essa ordem, mas apenas a perturba acidentalmente.
  5. Deus é o princípio, a medida e o fim de toda a criação.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, Contra Gentiles, III, c.17:

“Omnia appetunt assimilari Deo, prout possibile est.”
“Todas as coisas apetecem assemelhar-se a Deus, quanto possível.”

(2) João de São Tomás:

“Finis omnium est bonum supremum, quod in Deo consistit; unde motus universi est conversio amoris ad ipsum.”
“O fim de todas as coisas é o bem supremo, que consiste em Deus; por isso, o movimento do universo é conversão de amor para Ele.”

(3) Dionísio Areopagita, De Divinis Nominibus, c. IV:

“Divina bonitas omnia movet et convertit ad se.”
“A bondade divina move e converte todas as coisas a si.”

(4) A teologia tomista chama essa doutrina de ordo exitus et reditus — saída de Deus pela criação, retorno a Deus pela ordenação.

(5) Fórmula conclusiva:

“Omnia tendunt in Deum sicut in finem, quia ipse est bonum universale, in quo quiescit omnis appetitus.”
“Todas as coisas tendem a Deus como ao fim, porque Ele é o bem universal, no qual todo apetite encontra repouso.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO SEXTA — De Infinitate Dei

ARTICULUS PRIMUS — Utrum Deus sit infinitus in perfectione

(Se Deus é infinito em perfeição)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que Deus não é infinito em perfeição, pois o infinito, segundo Aristóteles, pertence à matéria, que é potência.
    Mas em Deus não há potência, sendo ato puro.
    Ergo, Deus não é infinito.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, a infinitude implica indeterminação.
    Mas o que é perfeito é determinado e completo.
    Ergo, o infinito não pode ser perfeito.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, o infinito não é inteligível, pois toda compreensão requer limite.
    Mas Deus é inteligível por si mesmo.
    Ergo, Deus não é infinito.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.7, a.1:

“Cum sit actus purus, Deus est infinitus in perfectione.”
“Sendo ato puro, Deus é infinito em perfeição.”

E Santo Agostinho, Confessiones, I, 4:

“Magnus es, Domine, et laudabilis valde: magna virtus tua et sapientiae tuae non est numerus.”
“Grande és, Senhor, e sumamente louvável; grande é a tua virtude e não há número à tua sabedoria.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

O infinito pode ser considerado de dois modos: quanto à quantidade, e quanto à perfeição.

  • O infinito de quantidade é aquele que não tem limites de extensão ou número;
  • O infinito de perfeição é aquele que não tem limites de ato ou de ser.

Ora, em Deus não há limite de ato, porque o seu ser não é recebido nem determinado por nenhuma essência distinta.

“In Deo esse est sua essentia.”
“Em Deus, o ser é a própria essência.”

Por isso, Deus é infinito em perfeição, não materialmente, mas formal e eminentemente.
A infinitude aqui não significa indefinição, mas plenitude ilimitada de ato.
Deus é o Ser pleno — plenitudo essendi — sem restrição, sem participação, sem fronteira.

“Infinita est plenitudo perfectionis divinae, quia nulla ei determinatio finita opponitur.”
“Infinita é a plenitude da perfeição divina, porque nenhuma determinação finita se lhe opõe.”

Tudo o que é limitado é finito porque recebe o ser de outro; mas em Deus o ser é originário, sem recepção nem composição.
Logo, Ele é ato puro e, portanto, infinito.

João de São Tomás acrescenta uma formulação lapidar:

“Finis est ex limitatione; infinitum ex identitate actus et essentiae.”
“O finito vem da limitação; o infinito, da identidade entre ato e essência.”

Assim, Deus é infinito não por quantidade, mas por ausência de limitação no ser.
A infinitude é o selo metafísico da divindade: o atributo que garante que nenhum outro pode ser pensado sem ela.


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
O infinito de que fala Aristóteles é o potencial, ligado à matéria; o infinito divino é atual e formal, ligado à plenitude do ser.

Ad secundum:
A indeterminação é imperfeição apenas quando se refere à potência.
Em Deus, a ausência de limite é plenitude, não carência.

Ad tertium:
O infinito não é incompreensível em si, mas para nós.
Em si mesmo, é o mais inteligível; apenas a mente criada é finita e não o abarca.


Conclusiones — Conclusões

  1. O infinito material pertence à potência; o infinito de perfeição pertence ao ato.
  2. Deus, sendo ato puro, é infinito por essência.
  3. Sua infinitude não é quantitativa, mas formal — plenitude sem limite.
  4. Todo ser finito participa de sua infinitude por derivação e limitação.
  5. A infinitude divina é o fundamento de todos os demais atributos.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.2, a.1:

“Infinita perfectio est actus purus non receptus in aliquo.”
“A perfeição infinita é o ato puro não recebido em nada.”

(2) João de São Tomás:

“Infinitas Dei non est multitudo, sed unitas absque termino.”
“A infinitude de Deus não é multiplicidade, mas unidade sem termo.”

(3) A distinção entre infinito potencial e infinito atual, vinda de Aristóteles (Phys., III), é aqui invertida: o infinito divino é atualidade pura, não indeterminação.

(4) A infinitude é correlata à simplicidade: o que é simples é infinito, porque não é delimitado por composição.

(5) Fórmula conclusiva:

“Deus est infinitus in perfectione, quia est actus purus et plenitudo essendi absque omni termino.”
“Deus é infinito em perfeição, porque é ato puro e plenitude de ser sem nenhum limite.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO SEXTA — De Infinitate Dei

ARTICULUS SECUNDUS — Utrum infinitas Dei sit causa omnium rerum

(Se a infinitude de Deus é causa de todas as coisas)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que a infinitude de Deus não é causa das coisas, pois o infinito, sendo sem limite, não se compara ao finito.
    Mas a causa deve ser proporcionada ao efeito.
    Ergo, o infinito não pode ser causa do finito.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, a causa infinita, se atuasse, produziria efeitos infinitos.
    Mas as criaturas são finitas.
    Ergo, Deus, sendo infinito, não é causa das coisas finitas.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, a causalidade pertence à ordem do agir.
    Ora, a infinitude exprime o ser, não o agir.
    Ergo, a infinitude divina não é causa das coisas.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.7, a.2:

“Ex hoc ipso quod Deus est infinitus, omnia limitata ab eo procedunt.”
“Do fato mesmo de Deus ser infinito, procede que todas as coisas limitadas vêm d’Ele.”

E Dionísio Areopagita, De Divinis Nominibus, c. V:

“Bonitas divina est causa omnium existentium, quia est infinitum bonum.”
“A bondade divina é causa de todas as coisas existentes, porque é o bem infinito.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

A infinitude de Deus é causa de todas as coisas não per accidens, mas per se, porque tudo o que é finito procede de algo que é ato ilimitado.
Todo ser limitado supõe uma limitação do ato; e o ato só é limitado quando é recebido em potência.
Mas em Deus não há potência: Ele é o próprio ato infinito do ser.

“In Deo actus est absque termino, unde potest producere omnia quae limitantur.”
“Em Deus, o ato é sem termo; por isso, Ele pode produzir todas as coisas que são limitadas.”

Assim, Deus é causa de todas as coisas precisamente por sua infinitude.
O infinito, longe de excluir a causalidade, é a condição para que haja causalidade universal.
Pois somente o que contém virtualmente toda perfeição pode comunicar qualquer perfeição.

“Infinitum est causa finitorum, quia in se continet eminenter quidquid est in eis.”
“O infinito é causa dos finitos, porque contém em si, de modo eminente, tudo o que neles existe.”

João de São Tomás explica:

“Infinitas divina est ratio causalitatis; ex plenitudine actus oritur effluxus entium.”
“A infinitude divina é a razão da causalidade; da plenitude do ato procede o fluxo dos entes.”

Deus não age por necessidade de natureza, mas por liberalidade de bondade.
Sua infinitude não se esgota nos efeitos, porque o efeito finito participa apenas de modo limitado da perfeição infinita.

Assim, o universo inteiro é a expressão participada da infinitude divina — um espelho múltiplo do ser ilimitado.

“Creaturae sunt limitationes infinitatis divinae participatae.”
“As criaturas são limitações da infinitude divina participada.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A desproporção não impede a causalidade, mas a funda: o finito depende do infinito como do princípio que o contém eminente e virtualmente.

Ad secundum:
O efeito finito não mede a causa infinita; a causa infinita não produz infinitos efeitos, porque atua segundo a sabedoria e a vontade, não por necessidade natural.

Ad tertium:
A infinitude pertence ao ser, mas o ser é princípio de todo agir.
Logo, a infinitude divina, enquanto plenitude de ser, é também plenitude de poder.


Conclusiones — Conclusões

  1. A infinitude divina é a razão formal da causalidade universal.
  2. Tudo o que é finito procede do ato infinito por participação e limitação.
  3. O infinito é causa dos finitos, porque contém todas as perfeições eminenter.
  4. A ação criadora não é necessária, mas livre e amorosa.
  5. A criação é manifestação participada da infinitude de Deus.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.3, a.15:

“Infinita virtus non determinatur ad unum effectum, sed potest producere infinitos modos finitos.”
“A virtude infinita não se determina a um único efeito, mas pode produzir infinitos modos finitos.”

(2) João de São Tomás:

“Infinitas Dei est causa exemplaris et eminens omnium rerum.”
“A infinitude de Deus é causa exemplar e eminente de todas as coisas.”

(3) A distinção entre causalidade natural e livre é aqui essencial: o infinito não age por necessidade, mas por vontade.

(4) Assim como a luz solar, que nada perde ao iluminar, Deus cria sem diminuir-se; sua infinitude permanece indivisa.

(5) Fórmula conclusiva:

“Ex infinitate divina procedunt omnia, quia solus infinitus continet causaliter totam perfectionem finitorum.”
“De toda a infinitude divina procedem todas as coisas, porque só o infinito contém causalmente toda a perfeição dos finitos.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO SEXTA — De Infinitate Dei

ARTICULUS TERTIUS — Utrum infinitas Dei comprehendatur intellectu angelico aut humano

(Se a infinitude de Deus pode ser compreendida pelo intelecto angélico ou humano)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que a infinitude de Deus pode ser compreendida, pois o objeto da inteligência é o ser universal, e nada escapa ao alcance do intelecto quanto ao ser.
    Mas Deus é o ser por excelência.
    Ergo, o intelecto pode compreender a infinitude divina.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, os anjos veem a essência de Deus mais perfeitamente que os homens.
    Mas ver a essência é compreender aquilo que se vê.
    Ergo, os anjos compreendem a infinitude divina.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, os bem-aventurados veem a Deus face a face, como está escrito: Videbimus eum sicuti est.
    Mas ver algo como é parece ser compreendê-lo.
    Ergo, os bem-aventurados compreendem a infinitude divina.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.12, a.7:

“Nullus intellectus creatus potest comprehendere Deum.”
“Nenhum intelecto criado pode compreender a Deus.”

E Santo Agostinho, De Civitate Dei, XII, 7:

“Si comprehendis, non est Deus.”
“Se compreendes, não é Deus.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Compreender significa abarcar perfeitamente o objeto conhecido, de modo que nada dele permaneça fora do alcance do conhecedor.
Ora, isso exige uma proporção entre o poder cognoscente e o objeto conhecido.

Mas entre o intelecto criado e a infinitude divina não há proporção possível, pois o finito não pode conter o infinito.

“Comprehendere est adaequare; nullus intellectus creatus potest adaequari infinito.”
“Compreender é igualar-se; nenhum intelecto criado pode igualar-se ao infinito.”

Assim, a infinitude divina pode ser conhecida, mas não compreendida.
Pode ser conhecida, porque a inteligência humana e angélica atinge o ser e pode saber que em Deus não há limite;
não pode ser compreendida, porque essa ausência de limite ultrapassa toda capacidade finita de entendimento.

“Infinitas Dei cognoscitur ut credita et visa, sed non terminatur ab intellectu.”
“A infinitude de Deus é conhecida como crida e vista, mas não é circunscrita pelo intelecto.”

A visão beatífica concede conhecimento imediato da essência divina, mas não a plena circunscrição de sua infinitude.
Mesmo os anjos e os santos veem tudo o que podem ver, mas não tudo o que há em Deus.
Eles veem o próprio Deus, mas não o compreendem.

João de São Tomás formula isso com precisão escolástica:

“Visio est intuitus rei praesentis; comprehensio est mensura rei visae.”
“Visão é a intuição da coisa presente; compreensão é a medida da coisa vista.”

A visão beatífica, portanto, é plena quanto ao modo do sujeito, mas não quanto à totalidade do objeto.
Deus é visto, mas permanece incompreensibilis, não por obscuridade, mas por excesso de luz.

“Deus non est incomprehensibilis per defectum, sed per excessum.”
“Deus não é incompreensível por defeito, mas por excesso.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
O intelecto criado conhece o ser universal, mas de modo limitado e participado; o ser divino é absoluto e infinito.
Conhece-se que Deus é, e que é infinito, mas não se compreende o modo infinito de seu ser.

Ad secundum:
Os anjos veem a essência de Deus, mas a veem segundo o grau de sua capacidade finita; a visão deles é plena quanto à forma, não quanto à extensão do objeto.

Ad tertium:
Os bem-aventurados veem Deus “como é”, isto é, na verdade de sua essência, mas não “quanto é”, isto é, na plenitude de sua infinitude.
A visão é perfeita quanto à veracidade, imperfeita quanto à totalidade.


Conclusiones — Conclusões

  1. Compreender é abarcar plenamente o objeto conhecido; isso é impossível para qualquer intelecto criado diante de Deus.
  2. A infinitude divina pode ser conhecida, mas não compreendida.
  3. Os anjos e os bem-aventurados veem Deus em si mesmo, mas não em toda a amplitude de seu ser.
  4. A incompreensibilidade divina não é limitação de Deus, mas excesso de perfeição.
  5. Deus é visto, conhecido e amado, mas jamais esgotado pelo intelecto criado.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Veritate, q.2, a.1 ad 3:

“Comprehendere est totum cognoscibile cognoscere; quod soli Deo convenit.”
“Compreender é conhecer tudo o que pode ser conhecido — o que só convém a Deus.”

(2) João de São Tomás:

“In comprehensione requiritur mensura aequalis; sed nullus intellectus creatus est mensura infiniti.”
“Na compreensão requer-se medida igual; mas nenhum intelecto criado é medida do infinito.”

(3) A diferença entre visio e comprehensio é uma das mais finas distinções da teologia escolástica: todos os bem-aventurados veem Deus, mas só Deus se compreende a si mesmo.

(4) A incompreensibilidade de Deus é o fundamento da contemplação: quanto mais se conhece, mais se percebe o abismo do desconhecido.

(5) Fórmula conclusiva:

“Infinitas Dei cognosci potest, comprehendi non potest; cognoscitur ut lumen, comprehenditur ab ipso tantum.”
“A infinitude de Deus pode ser conhecida, mas não compreendida; é conhecida como luz, e compreendida somente por Ele mesmo.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO SEPTIMA — De Immensitate et Ubiquitate Dei

(Sobre a Imensidade e a Ubiquidade de Deus)


Prooemium — Prólogo

A consideração da imensidade de Deus segue a da sua infinitude.
Pois, assim como a infinitude exclui toda limitação de ser, assim a imensidade exclui toda limitação de lugar.

“Quod infinitum est in esse, est immensum in loco.”
“O que é infinito no ser, é imenso no lugar.”

Deus, portanto, está presente a todas as coisas, não como contido, mas como continente; não como parte do mundo, mas como fundamento invisível de sua existência.

“In ipso enim vivimus, movemur et sumus.” — At 17, 28
“Nele vivemos, nos movemos e existimos.”


ARTICULUS PRIMUS — Utrum Deus sit in omnibus rebus

(Se Deus está em todas as coisas)


Objectiones — Objeções

1.      Obiectio prima:
Parece que Deus não está em todas as coisas, pois aquilo que está em algo está contido por esse algo.
Mas Deus, sendo infinito, não pode ser contido.
Ergo, Deus não está em todas as coisas.

2.      Obiectio secunda:
Além disso, o que está em todas as coisas parece ser da mesma natureza que elas.
Mas Deus é absolutamente distinto de todas as criaturas.
Ergo, não está nelas.

3.      Obiectio tertia:
Por fim, Deus está nos céus de modo especial, como diz a Escritura: Pater noster, qui es in caelis.
Logo, não está igualmente em todas as coisas.


Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.8, a.1:

“Deus est in omnibus rebus, non quidem sicut pars essentiae, nec sicut accidens, sed sicut agens adest ei in quod agit.”
“Deus está em todas as coisas, não como parte da essência, nem como acidente, mas como o agente está presente àquilo sobre o que age.”

E Sabedoria 1,7:

“Spiritus Domini replevit orbem terrarum.”
“O Espírito do Senhor encheu toda a terra.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Deus está em todas as coisas por modo de causa, de presença e de essência.

1.      Por causa, porque todas as coisas são sustentadas em seu ser pela ação divina.

2.      Por presença, porque tudo está patente ao seu olhar e à sua ciência.

3.      Por essência, porque Ele é interior a tudo aquilo de que é causa, mais íntimo ao ser das coisas do que elas mesmas são.

“Deus est in omnibus rebus per essentiam, praesentiam et potentiam.”
“Deus está em todas as coisas por essência, presença e potência.”

João de São Tomás acrescenta:

“Divina praesentia non est localis, sed causalitatis.”
“A presença divina não é local, mas de causalidade.”

Assim, Deus está em todas as coisas, não como corpo em lugar, mas como ser em ser, como aquele que dá e conserva o ser em cada ente.
Nada escapa à sua presença, porque nada subsiste fora de seu poder criador.

“Non est locus ubi Deus non est, quia nulla res est sine participatione ipsius.”
“Não há lugar onde Deus não esteja, porque nada existe sem participação d’Ele.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
Deus não está contido nas coisas, mas contém todas em si; está nelas como causa, não como parte.

Ad secundum:
Deus não está nas coisas por identidade de natureza, mas por dependência de ser.
Ele está em tudo, mas não é confundido com nada.

Ad tertium:
Deus é dito “estar nos céus” para indicar a presença de sua glória, não exclusão de outros lugares.
Está em todos, mas é mais manifestamente em alguns.


Conclusiones — Conclusões

1.      Deus está presente a todas as coisas por essência, presença e potência.

2.      Essa presença não é local, mas causal e fundante.

3.      A distinção entre Deus e as criaturas não impede, mas garante sua imanência.

4.      O “estar nos céus” indica modo de presença, não limitação de lugar.

5.      A ubiquidade divina é consequência necessária da infinitude do ser divino.


Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.3, a.4:

“Deus est in rebus, sicut artifex in sua arte, et sicut causa in effectu.”
“Deus está nas coisas como o artífice em sua arte, e como a causa em seu efeito.”

(2) João de São Tomás:

“Praesentia divina est ratio conservationis entium.”
“A presença divina é a razão da conservação dos entes.”

(3) A presença divina é tripla: per potentiam, enquanto tudo depende de seu poder; per praesentiam, enquanto tudo está patente à sua ciência; per essentiam, enquanto Ele está interiormente em tudo como fonte do ser.

(4) Esta tríplice presença é o núcleo da teologia da imanência divina — que culminará no tratado da Trindade.

(5) Fórmula final:

“Deus est in omnibus, non ut pars, sed ut totum; non ut contentus, sed ut continens.”
“Deus está em todas as coisas, não como parte, mas como o todo; não como contido, mas como o que contém.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO SEPTIMA — De Immensitate et Ubiquitate Dei

ARTICULUS SECUNDUS — Utrum Deus sit ubique

(Se Deus está em todo lugar)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que Deus não está em todo lugar, pois “lugar” é algo determinado e circunscrito.
    Mas o que é infinito não pode ser circunscrito.
    Ergo, Deus não está em todo lugar.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, o que está em todo lugar deveria mover-se com os lugares.
    Mas Deus é imutável.
    Ergo, não pode estar em todo lugar.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, estar em todo lugar parece implicar difusão material.
    Mas Deus é puro espírito e indivisível.
    Ergo, não está em todo lugar.

Sed contra — Em contrário

Jeremias 23, 24:

“Caelum et terram ego impleo, dicit Dominus.”
“O céu e a terra eu encho, diz o Senhor.”

E Santo Tomás, S.Th., I, q.8, a.2:

“Deus est ubique, non sicut corpus, sed sicut incorporea virtus.”
“Deus está em todo lugar, não como corpo, mas como virtude incorpórea.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Estar “em todo lugar” pode entender-se de dois modos:
materialiter, isto é, pela extensão do corpo no espaço;
spiritualiter, isto é, pela presença da causa em seu efeito e pela atuação do poder sobre tudo.

Deus está em todo lugar non materialiter, sed causaliter et essentialiter, porque Ele é a causa primeira e universal de todo o ser, e o ser não está limitado por coordenadas físicas.

“Ubi Deus est, ibi esse est; et ubi est esse, ibi Deus est.”
“Onde Deus está, aí está o ser; e onde está o ser, aí está Deus.”

A ubiquidade divina, portanto, não é uma extensão quantitativa, mas uma plenitude ontológica.
Nada existe que não dependa imediatamente de Deus para existir; logo, onde quer que algo exista, Deus está presente.

“Ubiquitas Dei est effectus infinitatis; quia infinitum esse non potest exclusum ab aliquo loco.”
“A ubiquidade de Deus é efeito de sua infinitude; porque o ser infinito não pode ser excluído de nenhum lugar.”

Deus é o “lugar dos lugares”, como dizia Agostinho:

“Non tu in loco es, sed locus es ipse rerum.”
“Não estás em um lugar, mas és o próprio lugar das coisas.”

Assim, Deus está todo em todo lugar, não dividido pelas partes do espaço, mas inteiro em cada uma.

“Totus est ubique, et totus in quolibet loco.”
“Está todo em toda parte, e todo em cada lugar.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
O lugar limita o corpo, mas não a substância espiritual.
Deus não está circunscrito, mas é presente sem limite e sem forma espacial.

Ad secundum:
Deus não muda com os lugares, pois sua presença não depende do movimento, mas da conservação do ser.
As coisas se movem em Deus, não Deus nelas.

Ad tertium:
Estar em todo lugar não implica difusão material, mas presença de poder.
Assim como a luz está inteira em cada parte do ar, sem dividir-se, Deus está inteiro em cada parte do mundo.


Conclusiones — Conclusões

  1. Deus está em todo lugar, não por extensão, mas por essência e poder.
  2. A ubiquidade divina é consequência direta da infinitude de seu ser.
  3. Deus é o fundamento de todo espaço, não o habitante dele.
  4. A presença divina é total e indivisível, mesmo em lugares múltiplos.
  5. As coisas estão em Deus mais do que Deus está nelas.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.3, a.16:

“Deus non est in loco sicut continens aut contentus, sed sicut continens virtualiter.”
“Deus não está no lugar como o que contém ou é contido, mas como o que contém virtualmente.”

(2) João de São Tomás comenta:

“Ubiquitas Dei non est motus, sed status immensus praesentiae.”
“A ubiquidade de Deus não é movimento, mas estado imenso de presença.”

(3) A teologia tomista distingue entre “presença de imensidade” (quanto ao ser) e “presença de glória” (quanto à manifestação).
Deus está igualmente presente em tudo, mas de modo mais patente nos bem-aventurados.

(4) Essa distinção fundamenta o dogma da onipresença e da transcendência simultâneas de Deus — Ele está em tudo e acima de tudo.

(5) Fórmula conclusiva:

“Deus est ubique totus, non localiter, sed causaliter; non per extensionem, sed per essentiam infinitam.”
“Deus está em todo lugar, não localmente, mas causalmente; não por extensão, mas por essência infinita.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO SEPTIMA — De Immensitate et Ubiquitate Dei

ARTICULUS TERTIUS — Utrum Deus sit in loco

(Se Deus está em um lugar)


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que Deus está em um lugar, pois está dito: Dominus in templo sancto suo.
    Mas o templo é lugar.
    Ergo, Deus está em um lugar.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, tudo o que está em algo, está em algum lugar.
    Mas Deus está em todas as coisas, como foi dito acima.
    Logo, está em um lugar.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, onde há presença, há lugar correspondente.
    Mas Deus está presente em toda parte.
    Ergo, Ele está em lugar.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.8, a.2 ad 1:

“Deus non est in loco, quia locus est corporis.”
“Deus não está em um lugar, porque lugar pertence ao corpo.”

E Santo Agostinho, Confessiones, I, 3:

“Et ubi es, Deus meus? Tu ubique es, et nusquam.”
“E onde estás, meu Deus? Estás em toda parte, e em parte alguma.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

Deus não está em lugar algum per modum loci, mas per modum praesentiae et causalitatis.
O “lugar” é uma relação própria das substâncias corpóreas, determinadas por extensão e posição.
Ora, Deus é incorpóreo, simples e imensurável; logo, não pode estar “em um lugar” senão por analogia.

“Deus non continetur loco, sed continet locum.”
“Deus não é contido pelo lugar, mas contém o lugar.”

Estar em um lugar significa ser circunscrito pelos limites desse lugar.
Mas o infinito não pode ser circunscrito.
Assim, Deus está em tudo, mas não está em lugar, porque sua presença não depende da estrutura espacial, mas da causalidade do ser.

“Non est in loco formaliter, sed virtualiter, quia in ipso fundatur locus et omnia locata.”
“Não está em um lugar formalmente, mas virtualmente, porque nele se fundamentam o lugar e todas as coisas localizadas.”

Deus está presente a todo lugar, mas não em lugar, pois o ser dos lugares depende d’Ele.
Como a luz, que não está contida na transparência, mas a penetra e a torna visível, assim Deus está nas coisas sem ser nelas localizado.

“Praesentia Dei est causa loci, non terminus eius.”
“A presença de Deus é causa do lugar, não o seu termo.”

Portanto, dizer que Deus está “em lugar” é uma maneira metafórica de indicar sua presença ativa, não sua situação espacial.
Ele é o fundamento ontológico da ordem espacial, não um corpo dentro dela.

“Locus est mensura corporis; Deus est mensura loci.”
“O lugar é medida do corpo; Deus é medida do lugar.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A Escritura diz que Deus está “no templo” para significar sua presença especial de graça e adoração, não uma localização física.

Ad secundum:
Estar “em algo” não implica estar “em um lugar” a menos que o sujeito seja corpóreo.
Deus está nas coisas espiritualmente, não localmente.

Ad tertium:
A presença divina não tem correspondência espacial; está em toda parte, mas não sob as condições de lugar.
Ela é causa da extensão, mas não extensão.


Conclusiones — Conclusões

  1. Deus não está em lugar formalmente, mas virtualmente, como causa do lugar.
  2. O “estar” de Deus é presença, não situação espacial.
  3. O lugar mede o corpo; Deus mede o lugar.
  4. Dizer que Deus está “em um lugar” é falar analogicamente, por modo de efeito.
  5. O infinito não é contido em nada, mas tudo é contido n’Ele.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.3, a.16:

“Deus est ubique, sed non in loco, quia non est corpus, sed causa locorum.”
“Deus está em toda parte, mas não em lugar, porque não é corpo, mas causa dos lugares.”

(2) João de São Tomás:

“Immensitas Dei excedit omnem locorum mensuram, quia ipsa mensura fundatur in eo.”
“A imensidade de Deus excede toda medida dos lugares, porque a própria medida se funda n’Ele.”

(3) A distinção entre praesentia essentialis e praesentia localis é fundamental: a primeira é universal e espiritual; a segunda, corpórea e quantitativa.

(4) Esta doutrina resolve a tensão entre transcendência e imanência: Deus está em tudo como causa, mas em lugar algum como efeito.

(5) Fórmula conclusiva:

“Deus est ubique, sed non in loco; quia non terminatur loco, sed locum terminat.”
“Deus está em toda parte, mas não em lugar; pois não é limitado pelo lugar, mas é Ele quem limita o lugar.”

LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE

QUAESTIO SEPTIMA — De Immensitate et Ubiquitate Dei

ARTICULUS QUARTUS — De modo praesentiae divinae: per essentiam, potentiam et praesentiam

(Sobre o modo da presença divina: por essência, poder e presença)


Prooemium — Prólogo

Concluídas as distinções precedentes sobre a infinitude e a ubiquidade, resta considerar como Deus está em todas as coisas.
Santo Tomás formula esta tríplice presença:

“Deus est in omnibus rebus per essentiam, potentiam et praesentiam.”
“Deus está em todas as coisas por essência, poder e presença.”

Essa distinção não multiplica realidades, mas expressa diversos aspectos de uma mesma operação divina: o poder refere-se ao agir, a presença ao conhecer, a essência ao ser.

“Idem est actus Dei esse, intelligere et velle; sed differunt respectu creaturarum.”
“O ato de Deus ser, conhecer e querer é o mesmo; mas difere segundo o modo como se refere às criaturas.”


Objectiones — Objeções

  1. Obiectio prima:
    Parece que Deus não está nas coisas por esses três modos distintos, pois o simples não pode ter modos múltiplos de presença.
    Mas Deus é absolutamente simples.
    Ergo, não está por essência, poder e presença, mas de um único modo.
  2. Obiectio secunda:
    Além disso, o poder e a presença são efeitos da essência.
    Logo, não se deve distinguir o que é idêntico em causa.
  3. Obiectio tertia:
    Por fim, se Deus está em todas as coisas por esses três modos, parece que está três vezes em cada uma.
    Mas há uma só presença.
    Ergo, tal distinção é supérflua.

Sed contra — Em contrário

Santo Tomás, S.Th., I, q.8, a.3:

“Deus est in omnibus per potentiam, in quantum omnia ei subduntur; per praesentiam, in quantum omnia nuda sunt et aperta oculis eius; per essentiam, in quantum est omnibus causa essendi.”
“Deus está em todas as coisas por poder, enquanto todas lhe estão sujeitas; por presença, enquanto tudo está patente a seus olhos; por essência, enquanto é causa do ser de todas.”


Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que

A tríplice presença divina não exprime multiplicidade em Deus, mas diversidade de relação entre Ele e as criaturas.
Esses três modos designam três aspectos da mesma ação pela qual Deus comunica o ser, conserva-o e o conhece.

  1. Per potentiam — Pelo poder:
    Deus está em todas as coisas como o Senhor que tudo governa e move.
    Nada escapa à sua causalidade eficiente.

“Per potentiam, quia virtute sua omnia gubernat et continet.”
“Pelo poder, porque por sua virtude governa e sustenta todas as coisas.”

  1. Per praesentiam — Pela presença:
    Deus está em todas as coisas como Aquele a quem nada é oculto.
    Tudo é transparente diante de seu olhar eterno.

“Per praesentiam, quia omnia nuda sunt oculis eius.”
“Pela presença, porque todas as coisas estão nuas a seus olhos.”

  1. Per essentiam — Pela essência:
    Deus está em todas as coisas como Aquele que dá o ser e o conserva.
    Ele é interior a cada ente como o ser é interior àquilo que existe.

“Per essentiam, quia ipse dat esse omnibus.”
“Pela essência, porque Ele dá o ser a todos.”

Esses três modos não são três presenças, mas uma só presença trinitariamente inteligível:
Potentia corresponde ao poder criador do Pai,
Praesentia à sabedoria iluminadora do Filho,
Essentia ao amor vivificante do Espírito.

Assim, a criação inteira é habitada pela Trindade sob o véu do ser.

“In omnibus Deus totus est, et tamen unus modus praesentiae non excludit alium, sed omnes unum constituunt actum divinum.”
“Em todas as coisas Deus está inteiro, e um modo de presença não exclui o outro, mas todos constituem um único ato divino.”


Ad Objectiones — Respostas às Objeções

Ad primum:
A simplicidade divina não exclui distinção de razão; esses três modos não são três realidades em Deus, mas três relações vistas do lado das criaturas.

Ad secundum:
Embora o poder e a presença procedam da essência, distinguem-se quanto ao modo de manifestação e operação.

Ad tertium:
Não se trata de três presenças reais, mas de uma única e total presença, compreendida sob três aspectos correlativos.


Conclusiones — Conclusões

  1. A presença de Deus em todas as coisas é tríplice de razão: por poder, por presença e por essência.
  2. Essa distinção não multiplica a presença, mas exprime sua plenitude.
  3. Deus está em tudo como causa, cognoscente e sustentador.
  4. Cada modo implica o outro, porque no ato divino o ser, o conhecer e o querer são um só.
  5. Essa tríplice presença prefigura a operação trinitária no mundo criado.

Annotationes — Anotações

(1) Santo Tomás, De Potentia, q.3, a.15:

“Per potentiam Deus est in rebus sicut efficiens; per praesentiam sicut videns; per essentiam sicut continens.”
“Pelo poder, Deus está nas coisas como eficiente; pela presença, como o que vê; pela essência, como o que contém.”

(2) João de São Tomás explica que essa tríplice distinção é necessária para evitar o panteísmo: Deus está em tudo, mas não é tudo.

“Non confunditur cum creaturis, sed intime operatur in eis.”
“Não se confunde com as criaturas, mas opera intimamente nelas.”

(3) A tradição mística medieval lê essa doutrina em chave espiritual:
– Pela potentia, Deus envolve o homem;
– Pela praesentia, o ilumina;
– Pela essentia, o habita.

(4) A mesma estrutura se encontra na liturgia: o Deus que cria (per potentiam), julga (per praesentiam) e santifica (per essentiam).

(5) Fórmula conclusiva:

“Deus est ubique per potentiam regendo, per praesentiam cognoscendo, per essentiam dando esse.”
“Deus está em toda parte: pelo poder, governando; pela presença, conhecendo; pela essência, dando o ser.”

COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE

Quaestio Prima — De Sacra Doctrina / Sobre a Ciência Sagrada


Prooemium

Sacra doctrina est scientia subalternata, quae procedit ex principiis revelationis divinae.
A ciência sagrada é uma ciência subalternada, que procede de princípios recebidos pela revelação divina.

Ela não nasce do movimento da razão em busca de suas próprias causas, mas da condescendência da Sabedoria eterna, que se comunica à criatura racional e a eleva acima de sua medida natural.
A teologia, assim, é ciência de fé — ciência que tem por princípio o que é crido, não o que é demonstrado; por luz, o que é revelado, não o que é descoberto.

“Lumen fidei est quoddam participatum lumen divinum, quo mens humana elevatur ad cognitionem supernaturalem.”
A luz da fé é uma participação da luz divina, pela qual o intelecto humano é elevado a um conhecimento sobrenatural.

A teologia, portanto, é ciência de Deus sob razão de Deus, isto é, do próprio ser divino enquanto manifestado e acessível à fé.
Ela não se ocupa de Deus apenas como causa do mundo, mas como objeto formal da revelação.

“Subiectum theologiae est Deus sub ratione Dei.”
O sujeito da teologia é Deus enquanto Deus.


Articulus Primus — Utrum sacra doctrina sit scientia

(Se a doutrina sagrada é uma ciência)

A teologia é ciência porque, embora seus princípios não sejam evidentes à razão, são evidentes pela luz superior que procede de Deus.
Ela é ciência per subordinationem, como a ótica é subordinada à geometria, mas de modo infinitamente mais elevado: pois aqui a ciência inferior é o intelecto humano, e a superior é a sabedoria divina.

“Sicut musica dependet a mathematicis, ita sacra doctrina dependet a scientia Dei et beatorum.”
Assim como a música depende da matemática, assim a doutrina sagrada depende da ciência de Deus e dos bem-aventurados.

Logo, a teologia é ciência verdadeira, ainda que fundada em princípios não demonstráveis pela razão natural, porque recebe sua certeza da luz divina, que não pode enganar.

“Certitudo huius scientiae excedit omnem aliam.”
A certeza desta ciência excede toda outra.


Articulus Secundus — Utrum sit una vel multiplex

(Se é uma ou múltipla)

A doutrina sagrada é una porque tem um único objeto formal: Deus e todas as coisas sob a razão divina.
Tudo o que a teologia trata — anjos, homens, sacramentos, história — é considerado enquanto procede de Deus ou retorna a Ele.

“Unitas theologiae est ex unitate objecti formalis: Deus est omnium principium et finis.”
A unidade da teologia provém da unidade de seu objeto formal: Deus é o princípio e o fim de todas as coisas.

Assim como a luz do sol, única, ilumina múltiplos objetos, a teologia, sendo uma, abrange toda a realidade sob um só olhar, o olhar divino.


Articulus Tertius — Utrum sit speculativa vel practica

(Se é especulativa ou prática)

A teologia é ao mesmo tempo especulativa e prática, mas principalmente especulativa.
Pois seu fim primeiro não é o agir, mas o conhecer — conhecer para amar.
O conhecimento teológico move à ação, mas ultrapassa toda ação, porque tende à contemplação.

“Finis sacrae doctrinae est contemplatio Dei sub lumine fidei.”
O fim da doutrina sagrada é a contemplação de Deus sob a luz da fé.

A teologia, assim, é o mais alto exercício da mente humana — ciência da verdade divina e caminho da caridade.


Articulus Quartus — Utrum sit sapientia

(Se é sabedoria)

A sabedoria é o conhecimento das causas supremas e da ordem do todo.
Ora, a teologia, por ter Deus como princípio e fim de todas as coisas, é sabedoria por excelência.

“Sacra doctrina est sapientia, quia ordinat omnia ad ultimum finem.”
A doutrina sagrada é sabedoria, porque ordena todas as coisas ao fim último.

Por isso Santo Tomás a chama de sapientia super omnia humana studia, a sabedoria que julga, ilumina e coroa todas as outras.

“Finis huius sapientiae est beatitudo, quae consistit in visione Dei.”
O fim desta sabedoria é a bem-aventurança, que consiste na visão de Deus.


Conclusiones

  1. Sacra doctrina est scientia subalternata — a teologia é ciência subordinada à luz da revelação divina.
  2. É una, porque tem Deus por objeto formal.
  3. É speculativa, porque tende à contemplação, e prática, porque move à caridade.
  4. É sapientia, porque ordena todas as coisas ao seu princípio e fim, que é Deus.
  5. Sua certeza ultrapassa todas as outras ciências, pois repousa na infalibilidade da verdade divina.

Annotationes

(1) Santo Tomás, S.Th., I, q.1, a.2:

“Haec scientia procedit ex principiis notis lumine superioris scientiae, scilicet Dei et beatorum.”
“Esta ciência procede de princípios conhecidos pela luz de uma ciência superior, a de Deus e dos bem-aventurados.”

(2) João de São Tomás:

“Sacra doctrina est scientia formaliter, quia procedit ex principiis certissimis; materialiter, quia versatur circa credibilia.”
“A doutrina sagrada é ciência formalmente, porque procede de princípios certíssimos; materialmente, porque versa sobre as coisas cridas.”

(3) O primeiro livro da teologia é, assim, o livro da luz: da luz natural, da luz da fé e da luz da glória.
A razão, a crença e a visão são três estágios de um mesmo caminho — o itinerário da inteligência ao Ser.

COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE

Quaestio Secunda — De Deo, an sit / Sobre Deus, e se Ele existe


Prooemium

A teologia, enquanto ciência de Deus, deve antes demonstrar que Deus é.
“Oportet prius scire Deum esse, quam scire quid sit.”
“É necessário primeiro saber que Deus é, antes de saber o que Ele é.”

A existência divina não é evidente a nós — non est per se nota quoad nos —, porque nosso intelecto conhece pela composição e divisão, e o Ser divino ultrapassa toda composição.
Todavia, é possível demonstrá-la per effectus, a partir daquilo que é movido, causado, ordenado ou contingente.

“Ex effectibus sensibilibus devenimus ad cognitionem primi entis, quod omnes Deum nominant.”
“Dos efeitos sensíveis chegamos ao conhecimento do primeiro ser, que todos chamam Deus.”


Articulus Primus — Utrum Dei existentia sit per se nota

(Se a existência de Deus é evidente por si)

A existência de Deus é evidente em si mesma, porque em Deus o ser e a essência são idênticos: Deus est ipsum esse subsistens.
Mas não é evidente para nós, porque nossa mente conhece o ser pela multiplicidade das formas.

“Dei existentia est per se nota quoad se, sed non quoad nos.”
“A existência de Deus é evidente em si, mas não para nós.”

Assim, precisamos de demonstrações que partam dos efeitos criados, nos quais a luz do ser divino se reflete de modo analógico.


Articulus Secundus — Utrum Dei existentia sit demonstrabilis

(Se a existência de Deus pode ser demonstrada)

Pode ser demonstrada, mas a posteriori, a partir dos efeitos que dependem d’Ele como causa.
Toda a realidade criada participa do ser, e o ser participado supõe o ser por essência.

“Omne quod movetur, ab alio movetur.”
“Tudo o que se move é movido por outro.”

“Ergo est primum movens immobile, quod omnes Deum nominant.”
“Logo, há um primeiro motor imóvel, que todos chamam Deus.”

Assim procedem as cinco vias de Santo Tomás, que João de São Tomás interpreta como cinco expressões de uma única via entis, a ascensão do contingente ao necessário:

  1. Ex motu — do movimento ao primeiro motor.
  2. Ex ratione causae efficientis — da causa causada à causa primeira.
  3. Ex ratione contingentiae — do ser possível ao ser necessário.
  4. Ex gradibus perfectionis — do mais e do menos ao sumo ato de ser.
  5. Ex ordine rerum — da ordem do mundo ao Intelecto ordenador.

“Hae quinque viae non sunt quinque species demonstrationis, sed quinque gradus ascensionis ad unum principium.”
“Essas cinco vias não são cinco espécies de demonstração, mas cinco graus de ascensão a um único princípio.”


Articulus Tertius — Utrum sit unus Deus

(Se há um só Deus)

Do ato puro de ser segue-se necessariamente a unidade.
Pois multiplicidade requer composição, e no ser divino não há composição alguma.

“Cum sit actus purus, impossibile est esse plures deos.”
“Sendo ato puro, é impossível haver muitos deuses.”

A unidade de Deus é absoluta, porque nada há fora d’Ele que não tenha d’Ele o ser.
Todas as perfeições que nas criaturas se dividem estão em Deus de modo eminente e simples.

“Deus est unus, quia est infinitus et simplex.”
“Deus é um, porque é infinito e simples.”


Articulus Quartus — Utrum Deus sit causa rerum

(Se Deus é causa das coisas)

Deus é causa de todas as coisas não por necessidade, mas por liberalidade.
Ele age não para adquirir algo, mas para comunicar o ser.

“Deus producit res per intellectum et voluntatem, non per necessitatem naturae.”
“Deus produz as coisas pelo intelecto e pela vontade, não por necessidade de natureza.”

A criação, portanto, é ato de amor: a difusão da bondade infinita em múltiplas participações finitas.

“Bonum est diffusivum sui.”
“O bem é difusivo de si mesmo.”

Tudo o que existe é efeito de uma causalidade que não é exterior, mas interior e sustentadora.
Deus cria, conserva e move tudo, permanecendo imutável.

“Ipse in omnibus operatur, manens in se immobilis.”
“Ele opera em todas as coisas, permanecendo em si imóvel.”


Articulus Quintus — De quinque viis ad probandum Deum esse

(Sobre as cinco vias para provar que Deus existe)

João de São Tomás comenta cada uma das vias como uma faceta da relação entre o ser finito e o Ser infinito:

  • Prima via (ex motu) mostra a dependência do ato potencial ao ato puro.
  • Secunda via (ex causa efficiente) mostra a impossibilidade de regressão infinita nas causas.
  • Tertia via (ex contingentia) mostra que o ser possível exige um ser necessário.
  • Quarta via (ex gradibus) mostra que as perfeições finitas implicam uma perfeição absoluta.
  • Quinta via (ex ordine) mostra que o fim exige uma inteligência ordenadora.

“Una veritas sub diversis aspectibus intuetur: ordo mundi est vestigium ordinis divini.”
“Uma só verdade é contemplada sob diversos aspectos: a ordem do mundo é vestígio da ordem divina.”


Conclusiones

  1. A existência de Deus é evidente em si, mas não para nós; por isso, é demonstrável pelos efeitos.
  2. As cinco vias exprimem uma única ascensão da criatura ao Criador.
  3. Deus é ato puro de ser, sem potência, causa de todas as coisas.
  4. A unidade de Deus segue de sua simplicidade e infinitude.
  5. Toda a ordem do universo é vestígio da inteligência e da bondade divinas.

Annotationes

(1) S.Th., I, q.2, a.3:

“Causa prima movet non mota, quia est actus purus.”
“A causa primeira move sem ser movida, porque é ato puro.”

(2) João de São Tomás:

“Viae quinque sunt gradus ascensionis mentis ad ens subsistens.”
“As cinco vias são os degraus da ascensão da mente ao ser subsistente.”

(3) Toda a metafísica tomista converge aqui na fórmula suprema:

“Deus est ipsum esse subsistens.”
“Deus é o próprio ser subsistente.”

COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE

Quaestio Tertia — De Simplicitate Dei / Sobre a Simplicidade de Deus


Prooemium

A teologia, tendo demonstrado que Deus é, passa agora a considerar como Ele é.
E o primeiro aspecto de sua natureza é a simplicidade, pela qual Deus é absolutamente uno e indiviso.

“Cum Deus sit primum ens, necesse est ut sit omnino simplex.”
“Sendo Deus o primeiro ser, é necessário que seja absolutamente simples.”

O composto depende de outro, pois requer causa para unir as partes; mas o primeiro ser não depende de nada, logo, não pode ser composto.

“Compositum est posterius partibus; sed Deus est primum ens; ergo est simplex.”
“O composto é posterior às partes; mas Deus é o primeiro ser; portanto, é simples.”


Articulus Primus — Utrum in Deo sit compositio materiae et formae

(Se em Deus há composição de matéria e forma)

Deus não é composto de matéria e forma, porque toda matéria é potência, e em Deus não há potência alguma, mas apenas ato puro.

“Deus est actus purus, in quo nihil est potentiale.”
“Deus é ato puro, no qual não há nada de potencial.”

Tudo o que tem matéria é finito e determinado; mas o ser divino é infinito e ilimitado.
Logo, Deus é forma pura, ou melhor, ipsa forma essendi, a própria forma de ser.

“In Deo non est materia, quia est ipsum esse subsistens.”
“Em Deus não há matéria, porque Ele é o próprio ser subsistente.”


Articulus Secundus — Utrum in Deo sit compositio essentiae et existentiae

(Se em Deus há composição de essência e existência)

Em todo ente criado, o que algo é (essência) e o fato de que algo é (existência) são distintos.
Mas em Deus, ser e essência são idênticos.

“In Deo idem est esse et quod est.”
“Em Deus, ser e o que é são a mesma coisa.”

Por isso Ele é chamado ipsum esse subsistens — o próprio ser subsistente.
Todos os outros seres são “participantes do ser”; só Deus é “participado por nenhum”.

“Creatura habet esse participatum; Deus est ipsum esse per essentiam.”
“A criatura tem ser por participação; Deus é o ser por essência.”

Daqui decorre que Deus é a razão do ser em tudo o que existe, não como algo adicionado, mas como o ato puro que dá o ser.


Articulus Tertius — Utrum in Deo sit compositio generis et differentiae

(Se em Deus há composição de gênero e diferença)

Deus não pertence a gênero algum, porque gênero implica limitação.
Aquilo que é gênero contém a essência de muitas coisas que diferem por adição de diferenças específicas.
Mas Deus não é parte comum de nada, nem se define por adição.

“Deus non est in genere, quia sua essentia non communicabilis est.”
“Deus não está em gênero, porque sua essência é incomunicável.”

Se estivesse em um gênero, seria um entre outros; mas sendo ato puro, é anterior a toda distinção de gênero e espécie.

“Ipse est praeter omnem essentiam quae per genus determinatur.”
“Ele está além de toda essência determinada por gênero.”


Articulus Quartus — Utrum in Deo sit compositio subjecti et accidentis

(Se em Deus há composição de sujeito e acidente)

Em Deus nada é acidental, pois o acidente é aquilo que pode ser ou não ser no mesmo sujeito.
Mas em Deus não há potencialidade alguma.
Logo, não há em Deus acidente, mas tudo é substância, e tudo é Ele mesmo.

“In Deo nihil est accidentarium; quidquid in eo est, est eius essentia.”
“Em Deus nada é acidental; tudo o que está n’Ele é sua essência.”

Assim, sabedoria, bondade, vontade, justiça e poder não são acidentes divinos, mas nomes diversos para um mesmo ato simples.

“In Deo idem est esse, velle, scire et esse bonum.”
“Em Deus é o mesmo ser, querer, saber e ser bom.”


Articulus Quintus — Utrum Deus sit in aliquo genere

(Se Deus está em algum gênero)

Deus não está em gênero algum, nem como espécie, nem como diferença.
Todo gênero é determinado pela noção de essência finita; Deus é ser infinito e sem limites.

“Genus significat quidditatem determinatam; sed Deus est infinitus.”
“O gênero significa uma quididade determinada; mas Deus é infinito.”

Logo, o ser divino é transcendente a toda classificação lógica; está acima da linha da diferença, da definição e da oposição.
Ele é o Ser universal, não por inclusão de tudo, mas por eminência sobre tudo.

“Deus est ens simpliciter; omnia alia sunt entia per participationem.”
“Deus é o ser simplesmente; todas as outras coisas são seres por participação.”


Articulus Sextus — De modis simplicis entitatis in Deo

(Sobre os modos da simplicidade do ser em Deus)

A simplicidade divina não é ausência, mas plenitude.
Tudo o que nas criaturas é composto, em Deus é uno em ato.

“Simplicitas Dei est plenitudo entitatis.”
“A simplicidade de Deus é plenitude de ser.”

Deus é simples porque contém em si, sem divisão, todas as perfeições.
Nele, a unidade é fecunda e total: unum quod est omne.

“In Deo est omnis perfectio, sed sine compositione.”
“Em Deus está toda perfeição, mas sem composição.”

Assim, a simplicidade divina é o selo da infinitude: quanto mais simples é algo, tanto mais perfeito, pois é menos dependente do que não é.


Conclusiones

  1. Deus é absolutamente simples, sem composição de partes, matéria, forma ou acidente.
  2. Em Deus, essência e existência são idênticas — Ele é o próprio ser subsistente.
  3. Deus não pertence a gênero algum, pois é o ser infinito e incomunicável.
  4. Todos os atributos divinos são realmente idênticos entre si e à essência divina.
  5. A simplicidade de Deus é plenitude, não carência — plenitudo purae actualitatis.

Annotationes

(1) S.Th., I, q.3, a.7:

“Deus non est in genere; quia genus determinat essentiam, et Deus est indeterminatus, infinitus.”
“Deus não está em gênero, porque o gênero determina a essência, e Deus é indeterminado, infinito.”

(2) João de São Tomás comenta:

“Simplicitas divina est radix omnium perfectionum, et forma omnium attributorum.”
“A simplicidade divina é a raiz de todas as perfeições e a forma de todos os atributos.”

(3) A doutrina da simplicidade é a negação metafísica de todo panteísmo: se Deus fosse composto, dependeria do que o compõe; se dependesse, não seria Deus.

(4) A simplicidade é o vestígio do absoluto na metafísica: o ponto onde toda diferença se dissolve na unidade do ser.

(5) Fórmula conclusiva:

“In Deo nihil est compositum, sed ipsa sua essentia est esse infinitum.”
“Em Deus nada é composto; sua própria essência é o ser infinito.”

COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE

Quaestio Quarta — De Perfectione Dei / Sobre a Perfeição de Deus


Prooemium

Depois de mostrar que Deus é ato puro e absolutamente simples, resta demonstrar que Ele é também infinitamente perfeito.
Pois o que é ato sem mistura de potência é necessariamente plenitude — aquilo a que nada falta.

“Perfectum dicitur quod nihil habet deest sibi secundum modum suae naturae.”
“Perfeito é aquilo a que nada falta, segundo o modo de sua natureza.”

Ora, Deus é o ser cuja natureza é o próprio ser.
Logo, como o ser é o ato de todos os atos e a perfeição de todas as perfeições, segue-se que Deus é a própria perfeição subsistente.

“Cum Deus sit ipsum esse subsistens, est etiam ipsa perfectio subsistens.”
“Sendo Deus o próprio ser subsistente, é também a própria perfeição subsistente.”


Articulus Primus — Utrum Deus sit perfectus

(Se Deus é perfeito)

A perfeição consiste na plenitude do ato.
Tudo o que é composto de potência e ato é imperfeito, porque está em via de ser; mas o que é puro ato é plenitude total.

“Actus purus est perfectissimus; ergo Deus, qui est actus purus, est perfectus.”
“O ato puro é o mais perfeito; logo, Deus, que é ato puro, é perfeito.”

Nada pode ser mais perfeito que Deus, porque nada pode haver fora d’Ele de onde venha algo que Lhe falte.

“Quia extra Deum nihil est, unde aliquid accipiat; ergo est perfectissimus.”
“Porque fora de Deus nada existe de onde pudesse receber algo; logo, é o mais perfeito.”


Articulus Secundus — Utrum perfectiones in creaturis sint in Deo eminenter

(Se as perfeições existentes nas criaturas estão em Deus de modo eminente)

Todas as perfeições que se encontram nas criaturas estão em Deus, não formalmente, mas eminenter — de modo superior e unificado.

“Omnes perfectiones creaturarum in Deo sunt eminenter, quia ipse est fons omnium.”
“Todas as perfeições das criaturas estão em Deus de modo eminente, porque Ele é a fonte de todas.”

As criaturas são como participações limitadas do ser divino: cada uma reflete um aspecto, uma centelha do que em Deus é infinito e simples.

“Creaturae sunt similitudines imperfectae entitatis divinae.”
“As criaturas são semelhanças imperfeitas do ser divino.”

Logo, nada se encontra em qualquer ente que não exista em Deus mais perfeitamente, porque o efeito não pode possuir senão participando da causa.

“Nihil est in effectu quod non praevideatur in causa eminentius.”
“Nada há no efeito que não esteja de modo mais eminente em sua causa.”


Articulus Tertius — Utrum creatura possit participare perfectionem Dei

(Se a criatura pode participar da perfeição de Deus)

A criatura participa da perfeição divina segundo o grau de sua capacidade de receber o ser.
Tudo o que existe tem perfeição enquanto é, e a perfeição última de cada coisa é sua conformidade com o fim a que Deus a ordenou.

“Omne ens est bonum, inquantum habet esse a Deo.”
“Todo ente é bom enquanto tem o ser de Deus.”

A participação, porém, nunca atinge a essência divina: ela é analogia, não identidade.
Deus comunica o ser sem comunicar sua natureza.

“Deus dat similitudinem, non communicationem essentiae.”
“Deus dá semelhança, não comunicação de essência.”

Assim, toda a perfeição criada é um eco finito da perfeição infinita.


Disputatio marginalis — De analogia entis inter Deum et creaturam

(Sobre a analogia do ser entre Deus e a criatura)

Entre Deus e as criaturas não há univocidade nem equivocidade, mas analogia.
O ser se diz de ambos, mas de modo diverso: em Deus, essencialmente; nas criaturas, participativamente.

“Ens dicitur de Deo et creatura analogice, non univoce.”
“O ser se diz de Deus e da criatura de modo analógico, não unívoco.”

A analogia preserva a transcendência de Deus e, ao mesmo tempo, a inteligibilidade da criação: o que é dito das criaturas pode ser dito de Deus, mas sempre per prius et eminentius — primeiro e mais plenamente.

“Quidquid de creatura dicitur, de Deo dicitur eminentius et principalius.”
“Tudo o que se diz da criatura, diz-se de Deus de modo mais eminente e principal.”


Conclusiones

  1. Deus é perfeito, porque é ato puro e plenitude de ser.
  2. Todas as perfeições das criaturas estão em Deus de modo eminente e unificado.
  3. A perfeição criada é participação limitada da perfeição divina.
  4. A analogia do ser é o vínculo entre o Criador e a criatura.
  5. A simplicidade divina é a razão formal da perfeição divina: quanto mais simples, tanto mais perfeito.

Annotationes

(1) S.Th., I, q.4, a.1:

“Deus est perfectus, quia nihil ei deest de perfectione essendi.”
“Deus é perfeito, porque nada Lhe falta da perfeição do ser.”

(2) João de São Tomás:

“Perfectio Dei non est additio, sed identitas actus et essentiae.”
“A perfeição de Deus não é adição, mas identidade entre o ato e a essência.”

(3) A doutrina da perfeição divina é o reverso positivo da simplicidade: o que a simplicidade nega (composição), a perfeição afirma (plenitude).

(4) Aqui se delineia o princípio da participatio entis, que será o eixo de toda a teologia da criação.

(5) Fórmula conclusiva:

“In Deo simplicitas est plenitudo, et plenitudo est perfectio.”
“Em Deus, a simplicidade é plenitude, e a plenitude é perfeição.”

COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE

Quaestio Quinta — De Bono et Bonitate Dei / Sobre o Bem e a Bondade de Deus


Prooemium

Depois de demonstrar que Deus é simples e perfeito, convém investigar se Ele é bom, e em que sentido o bem se identifica com o ser.
Pois o bem é o aspecto do ser enquanto amável, isto é, enquanto tende a comunicar-se.

“Bonum est quod omnia appetunt.”
“O bem é aquilo que todas as coisas desejam.” (Ethic., I, 1)

Logo, como Deus é o primeiro ser e causa de todo ser, deve ser também o primeiro bem, princípio e fim de todo amor e de toda ordem.

“Cum Deus sit primum ens, sequitur quod sit primum bonum.”
“Sendo Deus o primeiro ser, segue-se que é o primeiro bem.”


Articulus Primus — Utrum bonum sit diffusivum sui

(Se o bem é difusivo de si mesmo)

O bem, por natureza, é difusivo de si: tende a comunicar o que é.
Assim como o fogo irradia calor e a luz se espalha, o bem autêntico não permanece fechado, mas se expande e fecunda.

“Bonum est diffusivum sui.”
“O bem é difusivo de si mesmo.”

Ora, Deus, sendo o ser mesmo, é o bem por essência e, portanto, o ato supremo de difusão.
Toda criação, toda graça, toda comunicação do ser provém desse impulso originário do Bem infinito.

“Deus creat, quia est bonus; non e converso.”
“Deus cria porque é bom; e não o contrário.”

A bondade é, pois, a razão formal da criação: o amor divino é o motor do ser.


Articulus Secundus — Utrum bonum et ens convertantur

(Se o bem e o ser se convertem)

O ser e o bem são realmente idênticos, mas diferem pela razão: o ser exprime o ato; o bem, a amabilidade do ato.

“Bonum et ens sunt idem re, sed differunt ratione.”
“O bem e o ser são o mesmo na realidade, mas diferem segundo a razão.”

Tudo o que existe é bom enquanto é; nada é mau senão pela carência de ser.

“Malum non est ens, sed privatio boni.”
“O mal não é ser, mas privação do bem.”

Daí que o ser é o fundamento da moralidade, e a ontologia precede a ética: o mal não tem substância própria, é apenas deficiência do bem.

“Quicquid est, inquantum est, bonum est.”
“Tudo o que é, enquanto é, é bom.”


Articulus Tertius — De ordine boni in entibus

(Sobre a ordem do bem nos entes)

Os entes se ordenam entre si segundo o grau de participação no bem.
Quanto mais algo participa do ser, tanto mais é bom; e quanto mais se afasta do ser, tanto mais tende à corrupção.

“Ordo universi est ordinatio boni in entibus.”
“A ordem do universo é a ordenação do bem nos entes.”

O cosmos é uma hierarquia de bens derivados do Bem primeiro.
A causalidade divina, portanto, é uma difusão ordenada da bondade — ordo amoris, segundo Santo Agostinho.

“Omnis ordo est ex amore boni primi.”
“Toda ordem procede do amor do bem primeiro.”


Articulus Quartus — Utrum Deus sit summum bonum

(Se Deus é o sumo bem)

Como Deus é o primeiro ser e a causa de todo bem, segue-se que é o sumo Bembonum universale.

“Deus est summum bonum, quia est causa omnis boni.”
“Deus é o sumo bem, porque é causa de todo bem.”

Nada é bom senão por participação na bondade divina; e tudo o que é apetecível o é porque, de algum modo, reflete o Bem supremo.

“Omne bonum creatum est participatio bonitatis divinae.”
“Todo bem criado é participação da bondade divina.”

A criatura, portanto, não é boa senão porque é amada: a bondade não é uma qualidade, mas um relacionamento real com Deus.


Articulus Quintus — Utrum omnia tendant in Deum sicut in finem

(Se todas as coisas tendem para Deus como para seu fim)

Todo ente, pela inclinação de sua natureza, tende ao bem — e, portanto, a Deus.

“Omnia appetunt bonum; Deus est bonum primum; ergo omnia tendunt in Deum.”
“Tudo deseja o bem; Deus é o bem primeiro; logo, tudo tende a Deus.”

Mesmo as criaturas que não possuem intelecto são movidas pela ordenação divina que as dirige ao seu fim.
No homem, essa inclinação se eleva à forma consciente do desejo de felicidade — beatitudo.

“Finis ultimus hominis est Deus, quia ipse est summum bonum.”
“O fim último do homem é Deus, porque Ele é o sumo bem.”

Portanto, toda a criação é uma circulação do bem, que procede de Deus como causa eficiente e retorna a Ele como causa final.

“A Deo bonum procedit et in Deum revertitur.”
“Do bem procede Deus e para Deus tudo retorna.”


Conclusiones

  1. O bem é difusivo de si mesmo, e por isso Deus é causa de todas as coisas.
  2. Ser e bem são convertíveis: tudo o que é, é bom enquanto é.
  3. O mal não tem essência própria, mas é privação do bem devido.
  4. Deus é o sumo bem, fonte e fim de toda bondade criada.
  5. Todo o universo tende a Deus como ao seu fim último — exitus et reditus boni.

Annotationes

(1) S.Th., I, q.6, a.1:

“Bonum est quod omnia appetunt; ens et bonum convertuntur.”
“O bem é aquilo que todas as coisas desejam; o ser e o bem são convertíveis.”

(2) João de São Tomás:

“Bonum metaphysicum est ipsa entitas; bonum morale est ordo entitatis ad finem.”
“O bem metafísico é a própria entidade; o bem moral é a ordenação dessa entidade ao fim.”

(3) A difusão do bem é o fundamento da criação: Deus cria não por necessidade, mas por superabundância de perfeição.

(4) Aqui se entrelaçam as quatro causas:
– causa formal: a essência divina como bondade;
– causa eficiente: a criação;
– causa exemplar: o Verbo;
– causa final: o retorno de todas as coisas a Deus.

(5) Fórmula conclusiva:

“Deus est bonum diffusivum sui, in quo omnia bona fundantur et ad quod omnia redeunt.”
“Deus é o bem difusivo de si mesmo, no qual se fundamentam todos os bens e para o qual todos retornam.”

COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE

Quaestio Sexta — De Infinitate Dei / Sobre a Infinitude de Deus


Prooemium

A simplicidade exclui a composição; a perfeição afirma a plenitude;
a infinitude, por sua vez, é o modo supremo dessa plenitude — a ausência de todo limite.

“Infinitum dicitur quod caret omni termino.”
“Infinito é aquilo que carece de todo termo.”

Ora, o limite provém da união do ato com a potência, porque o ato é limitado pela capacidade do sujeito que o recebe.
Mas em Deus não há potência, nem sujeito receptivo: Ele é ato puro.
Logo, em Deus não há limite algum — Ele é infinitus absolute.

“Cum Deus sit actus purus et simplex, oportet quod sit infinitus.”
“Sendo Deus ato puro e simples, é necessário que seja infinito.”


Articulus Primus — Utrum Deus sit infinitus in perfectione

(Se Deus é infinito em perfeição)

A infinitude não é uma grandeza quantitativa, mas uma plenitude qualitativa e ontológica.

“Infinitas Dei non est secundum magnitudinem, sed secundum perfectionem.”
“A infinitude de Deus não é segundo a grandeza, mas segundo a perfeição.”

Deus contém em Si toda a perfeição de modo indiviso; e porque nada Lhe falta, nada O limita.
O finito é o ser restrito a um modo particular; o infinito é o ser absoluto, que excede todo modo.

“Finis est terminus perfectionis; infinitas est perfectio absque termino.”
“O limite é o termo da perfeição; a infinitude é perfeição sem termo.”

A razão humana, quando pensa o infinito, o faz negativamente (sem fim);
mas em Deus, o infinito é afirmativo — plenitude positiva e supereminente de ser.

“In Deo infinitas est positio, non negatio.”
“Em Deus, a infinitude é posição, não negação.”


Articulus Secundus — Utrum infinitas Dei sit causa omnium rerum

(Se a infinitude de Deus é causa de todas as coisas)

A infinitude divina é o fundamento da criação, pois o ato infinito pode comunicar-se sem perda, e quanto mais perfeito é um ser, mais fecundo.

“Infinitum est per se diffusivum; finitum, restrictum.”
“O infinito é, por si, difusivo; o finito, restritivo.”

Deus cria, portanto, por superabundância do ser:

“Creatio est effluxus entis infiniti, qui nihil deperdit.”
“A criação é o efluxo do ser infinito, que nada perde.”

A potência do infinito é inexaurível: Ele pode produzir infinitos efeitos sem se dividir nem diminuir.

“Infinita potentia non exhauritur in infinitis effectibus.”
“A potência infinita não se esgota nem em infinitos efeitos.”

Assim, a infinitude é a razão formal da onipotência: o poder de causar sem restrição.

“Potentia Dei est ipsa infinitas entitatis ejus.”
“O poder de Deus é a própria infinitude de sua entidade.”


Articulus Tertius — Utrum infinitas Dei comprehendatur intellectu angelico aut humano

(Se a infinitude de Deus pode ser compreendida pelo intelecto angélico ou humano)

O que é infinito em ato não pode ser compreendido por uma inteligência finita, porque compreender é abarcar o objeto totalmente.
Mas Deus é o ser sem limite, e todo intelecto criado é limitado.

“Infinitum in actu non comprehenditur a finito.”
“O infinito em ato não é compreendido pelo finito.”

Os anjos conhecem mais perfeitamente que os homens, mas ainda de modo participado.
Somente Deus compreende a Si mesmo, porque somente o infinito pode conter o infinito.

“Solus Deus se comprehendit; quia solus est infinitus.”
“Só Deus compreende a Si mesmo, porque só Ele é infinito.”

A visão beatífica, concedida aos bem-aventurados, não elimina a infinitude divina;
apenas une o intelecto criado ao próprio ser infinito como a um objeto presente e inabarcável.

“Beati vident Deum per essentiam, sed non comprehendendo infinitatem ejus.”
“Os bem-aventurados veem a Deus em sua essência, mas sem compreender sua infinitude.”


Disputatio marginalis — De modo cognitionis infiniti per creaturam

(Sobre o modo pelo qual a criatura conhece o infinito)

O intelecto humano conhece o infinito apenas via remotionis et eminentiae, isto é, negando os limites e afirmando a plenitude.

“Per viam remotionis cognoscimus infinitum, negando finitum.”
“Conhecemos o infinito pelo caminho da remoção, negando o finito.”

O conhecimento de Deus nesta vida é, portanto, obscuro mas verdadeiro:
a mente toca o infinito como quem toca uma luz que o excede.

“In hac vita tangimus Deum in caligine lucis.”
“Nesta vida tocamos a Deus na penumbra da luz.”

Esse conhecimento imperfeito é, todavia, participação da mesma luz que os santos veem claramente —
é o prelúdio da visão beatífica: fides est initium visionis.


Conclusiones

  1. Deus é infinito, não em quantidade, mas em perfeição de ser.
  2. Sua infinitude decorre de sua simplicidade e de seu ser ato puro.
  3. A infinitude é a razão formal da onipotência: poder de comunicar-se sem perda.
  4. Nenhuma inteligência criada pode compreender a infinitude de Deus, mas pode conhecê-la analogicamente.
  5. A fé é o contato inicial com o infinito; a visão beatífica, sua fruição direta.

Annotationes

(1) S.Th., I, q.7, a.1:

“Cum Deus sit actus purus, non limitatur per materiam, nec per aliquam formam receptam, unde est infinitus.”
“Sendo Deus ato puro, não é limitado pela matéria nem por forma recebida, e por isso é infinito.”

(2) João de São Tomás comenta:

“Infinitas Dei est ipsa plenitudo essendi; non addit aliquid supra perfectionem, sed tollit omnem limitationem.”
“A infinitude de Deus é a própria plenitude do ser; não acrescenta algo à perfeição, mas remove toda limitação.”

(3) A distinção entre infinitude negativa (quantitativa) e infinitude positiva (ontológica) é central na metafísica tomista e foi retomada por Suárez e Cayetano.

(4) A infinitude é o horizonte último da teologia: a consciência de que o ser divino é sempre maior (semper maior), e que todo conhecimento verdadeiro de Deus é também reconhecimento de nossa finitude.

(5) Fórmula conclusiva:

“Deus est infinitus, quia est totum esse sine termino, et ex ejus infinitate manat universum finitorum.”
“Deus é infinito, porque é o ser total sem termo, e de sua infinitude mana o universo dos finitos.”

COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE

Quaestio Septima — De Immensitate et Ubiquitate Dei / Sobre a Imensidade e a Ubiquidade de Deus


Prooemium

A simplicidade exclui a divisão;
a perfeição afirma a plenitude;
a infinitude remove o limite;
a imensidade, finalmente, exprime a ausência de qualquer confinamento espacial.

“Deus est ubique, quia est infinitus, et infinitum non terminatur loco.”
“Deus está em toda parte, porque é infinito, e o infinito não se limita por lugar.”

Deus não está em lugar como os corpos, que são circunscritos por extensão,
mas como o ato de ser que faz existir tudo o que existe.
Logo, Ele está em tudo, não como parte do mundo, mas como sua causa presente em todas as causas.

“Deus non est in loco, sed locus est in Deo.”
“Deus não está em lugar, mas o lugar está em Deus.”


Articulus Primus — Utrum Deus sit in omnibus rebus

(Se Deus está em todas as coisas)

Tudo o que é, participa do ser;
ora, o ser de tudo provém de Deus;
logo, Deus está em tudo enquanto presente como causa eficiente e conservadora.

“In Deo vivimus, movemur et sumus.” (At 17, 28)
“N’Ele vivemos, nos movemos e existimos.”

Assim, a presença de Deus nas criaturas é necessária, porque, se Ele se retirasse, todas cessariam de existir.

“Deus est in rebus sicut causa efficiens et conservans; subtracta causa, cessat effectus.”
“Deus está nas coisas como causa eficiente e conservadora; retirada a causa, cessa o efeito.”

Mas essa presença não é local, nem corporal, nem formal; é metafísica e criadora.

“Non est in rebus per contactum localem, sed per influxum essendi.”
“Ele não está nas coisas por contato local, mas pelo influxo do ser.”


Articulus Secundus — Utrum Deus sit ubique

(Se Deus está em toda parte)

Estar “em toda parte” não significa ocupar o espaço,
mas não estar ausente de parte alguma.
O espaço limita os corpos; Deus é o ser sem limite.

“Deus est ubique, quia nihil est a quo abesse possit.”
“Deus está em toda parte, porque não há nada de que possa estar ausente.”

Sua presença é absoluta, não sucessiva; é simultaneidade total do ser.
O mesmo Deus está todo no céu, todo na terra, todo em cada criatura, e todo além de todas.

“Totus est ubique et totus extra omnia.”
“Está todo em toda parte e todo fora de todas as coisas.”

Essa ubiquidade não é confusão, mas transcendência:
Ele está em todas as coisas sem nelas se confundir; está fora de todas sem delas se afastar.

“Praesens est omnibus per essentiam, absens per dissimilitudinem.”
“Presente a todos por essência, ausente por dessemelhança.”


Articulus Tertius — Utrum Deus sit in loco

(Se Deus está em lugar)

Deus não está “em lugar” segundo a circunscrição física,
mas segundo o modo de presença causal e sustentadora.
O lugar é medida de corpos; o ser divino é imensurável.

“Locus non continet Deum, sed Deus continet locum.”
“O lugar não contém Deus, mas Deus contém o lugar.”

Portanto, dizer que Deus “está em lugar” é falar impropriamente,
pois Ele está presente não em espaço, mas em poder e essência.

“Est in loco, non localiter, sed causaliter.”
“Está em lugar, não localmente, mas causalmente.”

Assim, todos os espaços estão em Deus,
como todos os tempos estão em Sua eternidade.

“Sicut omnia tempora sunt in aeternitate, ita omnes loci sunt in immensitate Dei.”
“Assim como todos os tempos estão na eternidade, todos os lugares estão na imensidade de Deus.”


Articulus Quartus — De modo praesentiae divinae: per essentiam, potentiam et praesentiam

(Sobre o modo da presença divina: por essência, poder e presença)

A teologia distingue três modos de presença de Deus nas criaturas:

  1. Per essentiam — porque Ele está em tudo dando o ser:

“Per essentiam, quia inest omnibus ut dans esse.”
“Por essência, porque está em todas as coisas dando-lhes o ser.”

  1. Per potentiam — porque tudo é regido por Sua vontade e poder:

“Per potentiam, quia omnia gubernat et movet.”
“Por poder, porque tudo governa e move.”

  1. Per praesentiam — porque todas as coisas estão patentes a Seus olhos:

“Per praesentiam, quia omnia nuda et aperta sunt oculis ejus.” (Hb 4,13)
“Por presença, porque tudo está nu e patente aos Seus olhos.”

Assim, Deus é imanente sem ser misturado, e transcendente sem ser distante.
Ele é interior intimo meo et superior summo meo (Agostinho):
mais íntimo do que o mais íntimo em mim, e mais elevado do que o mais alto em mim.


Conclusiones

  1. Deus está em todas as coisas como causa que lhes dá o ser e as conserva.
  2. A presença divina é universal, total e não local: está em tudo e fora de tudo.
  3. A imensidade divina significa ausência de limite espacial — a plenitude do ser presente a tudo.
  4. Deus não ocupa lugar, mas contém o espaço como a eternidade contém o tempo.
  5. Os modos de presença divina são três: per essentiam, per potentiam, per praesentiam.

Annotationes

(1) S.Th., I, q.8, a.1:

“Deus est in omnibus rebus, non sicut pars essentiae, sed sicut agens in id quod agit.”
“Deus está em todas as coisas, não como parte da essência, mas como o agente no que age.”

(2) João de São Tomás:

“Immensitas est amplitudo entitatis divinae, quae omnia complectitur absque extensione.”
“A imensidade é a amplitude do ser divino, que tudo abrange sem extensão.”

(3) A presença de Deus é o inverso da dispersão: quanto mais algo se divide, mais se distancia do Uno;
em Deus, tudo se unifica — Ele é presença pura, sem distância nem deslocamento.

(4) Essa doutrina fundamenta a teologia sacramental e a mística cristã: o mesmo Deus que tudo cria é o que habita o altar e o coração do justo.

(5) Fórmula conclusiva:

“Deus est ubique totus, nec ullo loco continetur, sed omnia continet.”
“Deus está todo em toda parte, não é contido por lugar algum, mas contém todas as coisas.”


Finis Operis – Exhortatio ad Lectorem

“Nec mirari oportet, quod divina sapientia caligine tanta absconditur: summa cognitio humana Deum tangit in caligine. Accedamus igitur ad montem in quo Deus est, non per audaciam rationis, sed per lumen fidei.”
“Não devemos admirar-nos de que a sabedoria divina se oculte em tamanha névoa: o conhecimento humano mais alto toca a Deus na penumbra. Subamos, pois, ao monte onde Deus está, não pela audácia da razão, mas pela luz da fé.”

 

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