CURSUS THEOLOGICUS IN SUMMAM THEOLOGICAM D.
THOMÆ
TOMUS PRIMUS
— INITIUM THEOLOGIÆ
Ad mentem
Doctoris Angelici
Autor: Fr. Joannes
a Sancto Thoma, O.P.
Edição: Paris, Ludovicus Vivès, 1883
CURSUS THEOLOGICUS IN SUMMAM THEOLOGICAM D.
THOMÆ
TOMUS PRIMUS
— INITIUM THEOLOGIÆ
Ad mentem Doctoris Angelici
Autor: Fr. Joannes a Sancto Thoma, O.P. (1589–1644)
Edição: Paris, Ludovicus Vivès, 1883
SUMMA
STRUCTURA OPERIS
Ordo Generalis — Estrutura
Geral
- Liber Primus — Summa Textus Magistri Sententiarum
Comentário e ordenação doutrinal das “Sentenças” de Pedro Lombardo, fundamento histórico da teologia escolástica. - Liber Secundus — Isagoge ad Doctrinam D. Thomae
Introdução metodológica à doutrina teológica e à ciência sagrada segundo Santo Tomás. - Liber Tertius — De Approbatione et Auctoritate Doctrinae D.
Thomae
Tratado sobre a autoridade eclesiástica e apostólica da doutrina tomista. - Liber Quartus — In Primam Partem S. Thomae, Quaestiones I–VII
Comentário teológico à Prima Pars da Summa Theologiae, sobre Deus Uno — De Deo Uno.
LIBER PRIMUS
— SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM
(Comentário ao texto das “Sentenças” e origem da
teologia)
Prologus generalis ad lectorem — Prólogo geral ao leitor
- De fine et ratione totius operis — Do
fim e razão de toda a obra.
- De methodo scholastica Petri Lombardi — Do método escolástico de Pedro Lombardo.
- De necessitate redigendi textum Sententiarum in ordinem didacticum — Da necessidade de ordenar as Sentenças em estrutura didática.
Distinctio Prima — De origine theologiae et
lumine fidei
A origem da teologia e a luz da fé.
- A teologia procede da revelação divina como de sua causa formal, e
da fé como de seu princípio subjetivo.
- Conclusiones et Annotationes — A
teologia é ciência subalternada; a razão é sua ministra; a fé é
participação imediata da luz divina.
Distinctio II–XLVIII
Sobre Deus em Si, a Trindade, os anjos, a criação, a providência, o pecado,
a graça e o fim último.
- Conclusio libri primi:
“Em seu primeiro livro, o Mestre trata de Deus em Si, do mistério da Trindade e das perfeições divinas.”
LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D. THOMAE
(Introdução à Teologia segundo o Doutor Angélico)
Disputatio I — De natura et dignitate theologiae
Sobre a natureza e a dignidade da teologia.
- Utrum theologia sit scientia — Se a
teologia é ciência.
- Utrum habeat certitudinem altiorem quam aliae scientiae — Se tem maior certeza que as demais ciências.
- Utrum sit una vel multiplex — Se é
uma ou múltipla.
- Utrum distinguatur a metaphysica — Se
se distingue da metafísica.
- De ordine theologiae inter alias scientias — Da ordem da teologia entre as demais ciências.
Disputatio II — De lumine naturali et
supernaturali cognitionis
Sobre a luz natural e sobrenatural do conhecimento.
- De lumine naturali intellectus humani — Da luz natural do intelecto humano.
- De lumine fidei et revelationis — Da
luz da fé e da revelação.
- De subordinatione scientiarum sub fide — Da subordinação das ciências sob a fé.
- De modo quo ratio ministrat fidei — Do
modo pelo qual a razão serve à fé.
Disputatio III — De distinctione inter
philosophiam et theologiam
Sobre a distinção entre filosofia e teologia.
- Utrum theologia utatur principiis philosophicis — Se a teologia utiliza princípios filosóficos.
- Utrum sit licitum theologis uti auctoritatibus philosophorum — Se é lícito aos teólogos usar as autoridades dos filósofos.
- De periculo rationis extra lumen fidei — Do perigo da razão fora da luz da fé.
Disputatio IV — De ordine sapientiae et
hierarchia scientiarum
Sobre a ordem da sabedoria e a hierarquia das ciências.
- De sapientia naturali et divina — Da
sabedoria natural e divina.
- Utrum sapientia divina sit causa et regula omnium — Se a sabedoria divina é causa e regra de todas.
- De triplici sapientia: angelica, humana et divina — Das três sabedorias: angélica, humana e divina.
LIBER TERTIUS — DE APPROBATIONE ET AUCTORITATE DOCTRINAE D. THOMAE
(Tratado sobre a aprovação e autoridade da doutrina
tomista)
Tractatus Unicus — De Auctoritate D. Thomae
Único tratado sobre a autoridade doutrinal de Santo Tomás.
- Articulus I — De approbatione apostolica et ecclesiastica
Testemunhos dos Sumos Pontífices: Inocêncio VI, Pio V, Leão XIII. - Articulus II — De auctoritate Doctoris Angelici inter scholasticos
Santo Tomás como norma da razão teológica. - Articulus III — De testimoniis Conciliorum et Patrum
Concilhos Lateranense, Tridentino e Vaticano; Padres: Agostinho, Gregório, Crisóstomo, Jerônimo.
Conclusio generalis:
Cur doctrina Sancti Thomae dicatur norma theologorum —
Por que a doutrina de Santo Tomás é chamada norma dos teólogos.
LIBER
QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
(Comentário teológico às Quaestiones I–VII da Prima
Pars)
Quaestio I —
De Sacra Doctrina / Sobre a Ciência Sagrada
A natureza, unidade, método e dignidade da
teologia.
- A teologia é ciência subalternada à luz da fé.
- Seus princípios vêm da revelação; sua finalidade é a visão
beatífica.
- Conclusiones et Annotationes — A fé
governa a razão; a teologia é a ordem intelectual do sobrenatural.
Quaestio II
— De Deo, an sit / Sobre Deus, e se Ele existe
Demonstração racional e teológica da existência de
Deus.
- De quinque viis — As cinco vias da
demonstração:
via do movimento, da causa eficiente, do possível e necessário, dos graus de perfeição, e da ordem final. - Conclusiones et Annotationes — A
existência de Deus é demonstrável; a fé a confirma, a razão a serve.
Quaestio III
— De Simplicitate Dei / Sobre a Simplicidade de Deus
- Negação de toda composição: matéria/forma, essência/existência,
gênero/diferença, sujeito/acidente.
- Conclusiones:
Deus é ato puro, sem composição; sua essência é o próprio ser; todos os atributos são idênticos em Si.
Quaestio IV
— De Perfectione Dei / Sobre a Perfeição de Deus
- A perfeição como plenitude de ser.
- As perfeições das criaturas estão em Deus eminenter.
- Conclusiones:
Toda perfeição criada é participação do ser divino; a simplicidade é a raiz da perfeição.
Quaestio V —
De Bono et Bonitate Dei / Sobre o Bem e a Bondade de Deus
- Bonum et ens convertuntur — O
bem e o ser são convertíveis.
- O bem é difusivo de si: bonum est diffusivum sui.
- Conclusiones:
Deus é o sumo bem; todo o universo tende a Ele como ao seu fim último.
Quaestio VI
— De Infinitate Dei / Sobre a Infinitude de Deus
- A infinitude divina não é de quantidade, mas de perfeição.
- Deus é infinito porque é ato puro, sem limite.
- Conclusiones:
A infinitude é a forma da perfeição divina; só o infinito compreende o infinito.
Quaestio VII
— De Immensitate et Ubiquitate Dei / Sobre a Imensidade e a Ubiquidade de
Deus
- Deus está em todas as coisas per essentiam, potentiam et
praesentiam.
- Não é contido por lugar algum, mas contém tudo.
- Conclusiones:
A imensidade é a extensão sem limite do ser; Deus é todo em tudo e fora de tudo.
FINIS OPERIS
— EXHORTATIO AD LECTOREM
“Nec mirari oportet, quod divina sapientia caligine
tanta absconditur: summa cognitio humana Deum tangit in caligine. Accedamus igitur ad montem in quo Deus est,
non per audaciam rationis, sed per lumen fidei.”
“Não devemos admirar-nos de que a sabedoria divina
se oculte em tamanha névoa: o conhecimento humano mais alto toca a Deus na
penumbra. Subamos, pois, ao monte onde Deus está, não pela audácia da razão,
mas pela luz da fé.”
Cursus
Theologicus in Summam Theologicam D. Thomae — Tomus Primus: Initium Theologiae
Fr. Joannes a Sancto Thoma, O.P. (1589–1644)
Tradução e edição: Jardel Almeida
Assistência editorial e filosófica: Sophión
I. Contexto
e Significação Histórica
O Cursus Theologicus de João de São Tomás
representa o ponto culminante do renascimento tomista do século XVII, marco de
consolidação da escola dominicana como guardiã do método e do espírito da Summa
Theologiae.
Formado em Alcalá e Salamanca, discípulo da tradição de Báñez e contemporâneo
de Suárez, João de São Tomás é a síntese viva entre o rigor metafísico do
Doutor Angélico e a fineza lógica do escolasticismo tardio. Sua obra não é
apenas comentário, mas reconstrução orgânica da teologia tomista à luz
das disputas modernas: a crítica nominalista, o ceticismo cartesiano nascente e
o desafio da ciência empírica.
Publicado originalmente em dez volumes pela casa Ludovicus
Vivès (Paris, 1883), o Cursus foi concebido como manual total de
teologia, abarcando, em ordem progressiva, toda a arquitetura do saber
sagrado — desde a natureza da ciência teológica (Initium Theologiae) até
a teologia sacramental e escatológica.
O Tomus Primus, traduzido aqui integralmente, constitui o fundamento
e a chave de leitura de todo o conjunto. Ele estabelece as bases da
teologia como ciência e apresenta, em sequência, os primeiros atributos divinos
— a simplicidade, perfeição, bondade, infinitude e presença de Deus — formando
o tratado clássico De Deo Uno.
Ao lado de Francisco Suárez e Tomás de Vio
(Caietano), João de São Tomás é considerado o último grande sistematizador
da escolástica clássica. Seu método une precisão lógica, transparência
conceitual e fidelidade à doutrina católica — características que o tornam
interlocutor necessário tanto para o teólogo quanto para o filósofo da razão
pura.
A influência do Cursus alcançou o magistério da Igreja, sendo estudado
em Salamanca, Coimbra, Roma e Louvain, e inspirando manuais de teologia
dogmática até o século XIX.
II.
Estrutura e Conteúdo do Initium Theologiae
O primeiro tomo do Cursus é dividido em
quatro grandes livros:
- Summa Textus Magistri Sententiarum — que refaz a ordem teológica das Sentenças de Pedro
Lombardo e demonstra o nascimento da teologia como ciência fundada na
revelação.
- Isagoge ad Doctrinam D. Thomae — uma
introdução metodológica à teologia tomista, onde se definem a natureza, o
objeto e a hierarquia das ciências.
- De Approbatione et Auctoritate D. Thomae — tratado de defesa e confirmação da autoridade eclesiástica do
Doutor Angélico, com citações de pontífices e concílios.
- In Primam Partem S. Thomae —
comentário direto às sete primeiras Quaestiones da Summa Theologiae,
sobre o Ser Divino em si mesmo (De Deo Uno).
Nessa sequência, João de São Tomás guia o leitor
pela ordem da própria inteligência:
primeiro, o fundamento do saber teológico (a fé como luz);
depois, o objeto supremo desse saber (Deus enquanto Ser);
por fim, a presença e difusão desse Ser no universo.
A obra é um percurso do intelecto rumo ao Absoluto:
da dúvida racional ao assentimento sobrenatural; da finitude do pensar à
claridade da fé.
III. A
Relevância Filosófico-Teológica
O Initium Theologiae é o tratado do ser
como transparência do divino.
Através de uma ontologia hierarquizada, João de São Tomás estabelece que toda
realidade é signo da primeira realidade, e que o conhecimento teológico é uma
participação da própria ciência de Deus.
“Sacra doctrina est scientia subalternata,
procedens ex principiis revelationis divinae.”
(“A doutrina sagrada é ciência subalternada, que procede dos princípios da
revelação divina.”)
Aqui se encontra a formulação mais clara do
princípio que sustentará todo o tomismo posterior: a subordinação da razão à
fé, não como sujeição, mas como integração na ordem da luz.
O Initium também define o modo da presença divina no cosmos: per
essentiam, potentiam et praesentiam — por essência (enquanto causa do ser),
por poder (enquanto governo), e por presença (enquanto consciência).
A metafísica tomista alcança aqui sua expressão
mais plena: o ser é bom porque é difusivo; o bem é pleno porque é infinito; o
infinito é presente porque é ato puro.
A teologia é, assim, a ciência do Ser absoluto na sua manifestação e retorno — exitus
et reditus Dei.
IV. O
Intuito da Tradução
Esta tradução e edição bilíngue têm por finalidade restaurar
o acesso integral ao texto latino do Cursus Theologicus, cuja
leitura direta permaneceu por séculos restrita a especialistas.
Trata-se de um esforço filológico e filosófico que visa não apenas à
conservação do texto, mas à revivificação de uma forma de pensar — o
método escolástico como instrumento da inteligência teológica.
“Tradere
non est repetere, sed reddere vivum.”
“Transmitir não é repetir, mas tornar vivo.”
O presente trabalho foi realizado sob o princípio
de fidelidade absoluta ao original latino (edição Vivès, 1883), mantendo as
divisões internas (Objectiones, Sed contra, Respondeo, Ad objectiones),
as fórmulas conclusivas, e o ritmo sintático da escolástica.
A tradução busca preservar o ritmo interno da argumentação, de modo que
o leitor moderno perceba a arquitetura do raciocínio — o equilíbrio entre
lógica e contemplação, entre rigor e luz.
A escolha do formato bilíngue e da estrutura
compendiária-poética — fruto da colaboração entre Jardel Almeida e Sophión
— pretende devolver à língua portuguesa o esplendor e a densidade da teologia
clássica, permitindo que a palavra latina se reflita, como em espelho, sobre o
verbo filosófico contemporâneo.
V.
Consideração Final
O Tomus Primus encerra-se com a fórmula que
resume toda a vocação teológica do homem:
“Accedamus
ad montem in quo Deus est, non per audaciam rationis, sed per lumen fidei.”
(“Subamos ao monte onde Deus está, não pela audácia da razão, mas pela
luz da fé.”)
A tradução deste primeiro tomo é o início de uma
obra maior: a restauração integral dos dez volumes do Cursus Theologicus.
Trata-se de um projeto de reaproximação entre o intelecto e o sagrado, entre a
razão e o Ser.
Reintroduzir João de São Tomás é reabrir a via do entendimento ordenado,
a harmonia esquecida entre pensar e crer —
a ponte entre o humano e o divino que o pensamento moderno rompeu, mas que a
palavra eterna nunca deixou de sustentar.
Jardel Almeida
Tradução e Edição Bilíngue
Sophión
Assistência Editorial e Filosófica — S
LIBER PRIMUS
— SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM
Distinctio
Prima — De origine theologiae et lumine fidei
A origem da teologia deve ser procurada naquele
mesmo princípio de onde procede todo o conhecimento do divino: na manifestação
de Deus à criatura racional. Pois, assim como a luz natural da razão é
participação da luz divina pela qual as coisas são vistas em sua ordem natural,
do mesmo modo a luz da fé é uma comunicação superior, pela qual a mente humana
é elevada para conhecer as coisas divinas segundo a medida da revelação.
É, portanto, necessário afirmar que a teologia tem
sua origem imediata na fé e sua raiz remota na revelação. Pois a revelação é a
causa formal do conteúdo teológico — é o modo segundo o qual Deus se manifesta
—, e a fé é a disposição subjetiva pela qual o homem acolhe e ordena esse
conteúdo. A razão, então, serve como instrumento subordinado, não para medir o
que é revelado, mas para demonstrar a harmonia e a conveniência das verdades
que a fé propõe.
Deus, que é a luz primeira e incriada, infunde na
inteligência humana uma dupla claridade: a primeira, pela qual a mente apreende
os princípios da ordem natural; a segunda, pela qual o intelecto, sendo tocado
pela graça, crê nas verdades que ultrapassam toda razão. Esta segunda claridade
é chamada fé teologal, não por ser conhecimento evidente, mas por ser um
assentimento firme movido pela autoridade divina reveladora.
Daqui se conclui que a teologia, enquanto ciência,
não nasce da razão discursiva, mas da submissão da razão à luz da fé. A razão
não é aqui princípio, mas ministra; não é juíza, mas serva; e seu mérito
consiste em ordenar e articular o que a fé ilumina. Assim como na natureza a
forma governa a matéria, também na ciência sagrada a fé governa a razão.
É, pois, a teologia uma ciência subalternada, na
qual os princípios não são descobertos pela luz humana, mas recebidos da
sabedoria divina. E, porque a sabedoria divina é o termo último da visão dos
bem-aventurados, toda teologia militante é, em sua essência, uma preparação
para a visão. A fé é a semente, a visão é o fruto; a teologia é o cultivo dessa
semente no terreno do intelecto humano.
O homem, ao crer, começa a participar da ciência
dos santos, pois a mesma verdade que estes veem é aquela que ele crê, diferindo
apenas o modo: eles a percebem na evidência, ele na penumbra; eles a contemplam
na luz, ele a toca na sombra. Por isso, diz o Apóstolo: Fides est substantia
rerum sperandarum, argumentum non apparentium — a fé é já uma posse inicial
daquilo que se espera.
Deste modo, a teologia, procedendo da fé, ordena-se
à contemplação. E porque o conhecimento teológico começa nas verdades
reveladas, que são objeto formal de toda esta ciência, pode-se dizer que sua
luz é um reflexo da própria luz increada.
Conclusiones
— Conclusões
- A teologia nasce da revelação divina como de sua causa formal, e da
fé como de seu princípio subjetivo.
- A razão é instrumento subordinado à fé e ministra da teologia, não
seu juiz nem seu princípio.
- A luz da fé é participação imediata da luz divina, e por ela a
mente humana é elevada ao conhecimento sobrenatural.
- A teologia é ciência subalternada, cujo fim último é a visão
beatífica.
- A diferença entre o conhecimento natural e o teológico consiste no
modo de assentimento: um pela evidência, o outro pela autoridade.
Annotationes
— Anotações
(1) Aqui João de São Tomás segue de perto Santo
Tomás (S.Th., I, q.1, a.1): Sacra doctrina est scientia subalternata,
pois recebe seus princípios não da razão, mas de Deus.
(2) Ele também alude à distinção entre lumen fidei e lumen gloriae
feita no De Veritate, q.14, a.9, onde a fé é vista como uma obscuridade
luminosa: “Lux fidei est quaedam participatio lucis divinae, quae nobis
nondum manifestatur.”
(3) Quanto à relação entre fé e razão, retoma-se aqui a fórmula de Aristóteles
aplicada à teologia: fides movet intellectum non per evidentiam, sed per
imperium voluntatis divinitus motae.
LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM
Distinctio
Secunda — De principio scientiae sacrae
(Sobre o princípio da ciência sagrada)
Toda ciência possui um princípio próprio, do qual
depende a certeza de suas conclusões. Assim, como a filosofia natural tem por
princípio o movimento e a experiência sensível, e a matemática, a abstração das
quantidades, também a teologia deve ter um princípio pelo qual se constituam e
se deduzam suas verdades. Esse princípio não é humano, nem sensível, nem
dedutivo, mas divino e revelado.
A ciência sagrada é chamada ciência per
participationem, porque recebe seus princípios de uma sabedoria superior.
Em toda ciência subalternada, o princípio vem de outra mais alta: assim, a
ótica se apoia na geometria, e a música, na aritmética. Do mesmo modo, a
teologia é subalternada à ciência divina, que é o conhecimento que Deus tem de
Si mesmo e de todas as coisas. Essa ciência em Deus é simples e perfeita; na
mente humana, porém, aparece multiplicada e discursiva, segundo a capacidade do
intelecto.
Logo, o princípio da ciência sagrada não é uma
evidência natural, mas a autoridade divina revelante, auctoritas revelans
Dei loquentis. Pois toda certeza desta ciência nasce do fato de que Deus
falou, e que o homem, crendo, acolhe essa palavra. A verdade teológica não se
apoia, portanto, na demonstração racional de suas premissas, mas na
infalibilidade do Verbo divino.
Todavia, embora a teologia tenha por princípio a
revelação, não se segue que seja irracional, pois a razão, iluminada pela fé,
reconhece a conveniência e a ordem que brilham em todo o conjunto da doutrina.
A fé não destrói a razão, mas a purifica; e a razão, quando serva da fé,
torna-se mais livre, pois alcança o fim para o qual foi criada — contemplar a
verdade.
Santo Tomás ensina que “toda ciência se apoia em
princípios que lhe são próprios; e os da teologia são aqueles que Deus
revelou”. Por isso, os teólogos não partem de axiomas evidentes, mas de
verdades reveladas. Tais princípios são recebidos por fé, e, ainda que não
sejam evidentes à razão, são mais certos, porque repousam sobre a autoridade
infalível de Deus.
A teologia, portanto, é ciência de causas divinas,
não porque demonstre a partir de causas naturais, mas porque procede dos
primeiros princípios revelados. E o primeiro desses princípios é o próprio
Deus, enquanto se revela. Ele é simultaneamente objeto e princípio desta
ciência: objeto, enquanto é conhecido; princípio, enquanto se dá a conhecer.
Assim, a teologia difere de todas as ciências
humanas: nas humanas, a razão ascende das causas inferiores às superiores; na
teologia, desce das supremas às inferiores. A teologia começa em Deus e, por
meio das criaturas, retorna a Ele. Seu princípio é o Deus loquens, seu
termo é o Deus visus.
Por isso, o modo de proceder da teologia é misto:
em parte especulativo, porque considera o que é; em parte prático, porque
conduz à salvação. Ela não se limita a conhecer, mas a ordenar o homem a Deus.
Assim, o princípio da ciência sagrada é tanto luz quanto movimento: luz,
enquanto ilumina o intelecto; movimento, enquanto atrai a vontade.
Conclusiones
— Conclusões
- O princípio da ciência sagrada é a autoridade divina revelante, e
não a razão natural.
- A teologia é ciência subalternada à ciência divina, assim como a
ótica o é à geometria.
- A fé recebe os princípios da teologia como a inteligência recebe os
axiomas das ciências naturais.
- Deus é simultaneamente princípio e objeto da teologia: princípio
enquanto revela, objeto enquanto é revelado.
- A teologia procede a Deo ut principio, et ad Deum ut finem —
de Deus como princípio e para Deus como fim.
Annotationes
— Anotações
(1) Cf. S.Th., I, q.1, a.2: “Sacra
doctrina procedit ex principiis revelationis, et ideo est scientia subalternata.”
A doutrina sagrada procede dos princípios da revelação e, por isso, é ciência
subalternada.
(2) João de São Tomás segue aqui o comentário de
Caetano à mesma questão: “Subalternatio theologica non est ad scientiam
humanam, sed ad ipsam Dei cognitionem.”
A subalternação teológica não se refere à ciência humana, mas ao próprio
conhecimento divino.
(3) A frase Deus loquens est principium
theologiae é central no Cursus: ela expressa que o fundamento último
da ciência teológica é a Palavra divina, não o intelecto criado.
(4) No Prooemium ad Librum Sententiarum,
Pedro Lombardo afirmara: “Theologia ex revelatione divina sumit initium et
fidem exaudientium.”
A teologia tira seu início da revelação divina e da fé dos que a escutam.
LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM
Distinctio
Tertia — De obiecto theologiae
(Sobre o objeto da teologia)
Toda ciência se define não apenas por seu
princípio, mas também pelo seu objeto formal, pois é o objeto que determina o
modo de conhecer e a espécie de ciência. Assim como a óptica tem por objeto a
luz sob o aspecto da visibilidade, e a moral, os atos humanos sob o aspecto do
bem e do mal, também a teologia possui um objeto próprio, sob cuja razão formal
toda sua estrutura se ordena: este objeto é Deus, sub ratione Dei.
Não basta dizer que Deus é o tema da teologia, pois
em certo sentido todas as ciências se referem a Ele como causa ou fim; mas é
próprio desta ciência considerá-Lo enquanto é revelado e enquanto é princípio
de todas as coisas. Por isso, seu objeto formal não é Deus absolutamente, mas
Deus enquanto se manifesta e comunica à mente humana por meio da revelação.
Em toda ciência, o objeto formal é aquilo sob cuja
luz o intelecto apreende as verdades particulares. No caso da teologia, essa
luz é o lumen fidei, participação imediata da luz divina. Por isso, a
teologia não considera as coisas segundo as razões naturais que a razão
descobre, mas segundo as razões divinas que Deus revela.
Dessa forma, não apenas Deus em si mesmo é objeto
da teologia, mas também tudo o que se refere a Ele — as criaturas, os atos
humanos, a história, os sacramentos — enquanto ordenados ao fim divino. Assim,
a teologia fala das coisas criadas, mas não como ciências naturais as tratam, e
sim enquanto participações e sinais do ser divino. Tudo é visto sub ratione
Dei, isto é, à luz de sua causa primeira e de seu fim último.
Daqui se segue que a teologia é, ao mesmo tempo, a
mais universal e a mais unificadora das ciências. Universal, porque tudo o que
existe está sob a sua consideração enquanto efeito de Deus; unificadora, porque
tudo o que dispersa o intelecto é reconduzido ao Uno que é a fonte de toda
verdade. A teologia é, portanto, uma ciência totalizante, não no sentido
quantitativo, mas no sentido ontológico: ela abrange o todo do ser porque o
refere à sua origem.
E como o objeto determina o grau de certeza,
segue-se que a teologia é a mais certa de todas as ciências, ainda que suas
verdades não sejam evidentes. Pois a certeza deriva do princípio de onde
procede a luz do intelecto, e aqui essa luz é a do próprio Deus. A certeza
teológica não vem da evidência, mas da infalibilidade da sabedoria divina.
Deus, portanto, é o objeto formal da teologia
enquanto conhecido por revelação e crido pela fé. E as demais coisas que ela
considera — criaturas, virtudes, mistérios — são secundariamente objetos, na
medida em que se ordenam a esse primeiro. Assim, o fim último da teologia
coincide com seu objeto formal: conhecer e amar a Deus em si e em todas as
coisas.
Por isso, a teologia não pode ter outro princípio
de demonstração senão a autoridade divina, nem outro fim senão a união com Ele.
Toda verdade revelada, toda doutrina, todo argumento, todo símbolo, tendem para
essa unidade. A teologia é, assim, uma ciência da totalidade ordenada: principia
em Deus, procede pela fé e culmina na contemplação.
Conclusiones
— Conclusões
- O objeto formal da teologia é Deus, sub ratione Dei, isto é,
enquanto revelado e princípio de todas as coisas.
- A teologia considera também as criaturas, mas apenas enquanto se
referem a Deus como sua origem e fim.
- O lumen fidei é a luz sob a qual a teologia vê todas as
coisas, substituindo a evidência natural pela autoridade divina.
- A certeza teológica é superior à das ciências humanas, porque se
funda na veracidade do próprio Deus.
- O fim da teologia coincide com seu objeto: conhecer e amar a Deus,
princípio e termo de toda verdade.
Annotationes
— Anotações
(1) Cf. S.Th., I, q.1, a.7: “Objectum
formale theologiæ est Deus sub ratione Dei.”
Santo Tomás distingue o objeto material (tudo o que é tratado) do formal (a luz
sob a qual é tratado).
(2) João de São Tomás observa que, se o objeto
formal fosse apenas Deus absolutamente, a teologia se confundiria com a
metafísica. Ela se distingue porque considera Deus enquanto revelado (Deus
revelatus), e não apenas enquanto causa primeira.
(3) No Prooemium Sententiarum, Pedro
Lombardo escreve: “Totum studium theologiæ est de Deo et rebus divinis.”
Mas a expressão “res divinas” inclui também os efeitos, os sacramentos e as
operações da graça.
(4) Assim, a diferença entre a teologia e a
filosofia é de formalidade, não de matéria: ambas falam de Deus, mas uma pela
razão, a outra pela fé.
LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM
Distinctio
Quarta — De tribus ordinibus cognitionis: naturali, revelato et glorioso
(Sobre as três ordens do conhecimento: natural,
revelado e glorioso)
Toda a sabedoria humana se estrutura segundo um
princípio de luz. Assim como nada se vê sem a luz do sol, também nada se
compreende sem a luz do intelecto. Ora, há três modos pelos quais o intelecto é
iluminado por Deus, correspondendo a três ordens do conhecimento: o natural, o
revelado e o glorioso.
O primeiro é o conhecimento natural, pelo
qual o homem apreende as verdades do mundo criado pela força de sua razão. Este
modo se funda no lumen naturale intellectus, que é uma participação da
luz divina adaptada à condição da natureza. Com ele o homem pode elevar-se ao
conhecimento das causas segundas, descobrir as leis da criação e até chegar,
por via de causalidade, a um certo conhecimento de Deus enquanto causa primeira
e fim do universo.
Contudo, esse conhecimento é imperfeito, porque
embora alcance a existência de Deus, não alcança seu modo de ser. Ele conhece
que Deus é, mas não o que Deus é. Por isso, o homem, mesmo em posse da razão
natural, permanece cercado de sombras no tocante ao divino: oculatam fidem
non habet, sed conjecturam lucidam. A filosofia conduz até o limiar do
mistério, mas não o atravessa.
O segundo é o conhecimento revelado, que
nasce do lumen fidei. É uma iluminação sobrenatural infundida por Deus
na inteligência humana, que a eleva acima de seu modo natural de conhecer.
Nesse estado, o homem não se apoia na evidência das coisas, mas na autoridade
de quem fala. Assim, o que na ordem natural é conjectura, na ordem revelada
torna-se certeza, porque o intelecto se submete à verdade divina.
Este modo de conhecimento é mais nobre, porque o
que é acreditado pela fé é o mesmo que será visto na glória. A diferença está
apenas no modo, pois a fé vê em espelho e enigmas aquilo que a visão verá face
a face. Por isso, a fé é o princípio da sabedoria teológica, e sua luz é a
preparação da visão.
O terceiro é o conhecimento glorioso, ou o
da visio beatifica, no qual o intelecto não apenas recebe a luz, mas é
unido à própria fonte da luz. Aqui, o homem não conhece mais por meio de
espécies ou discursos, mas por intuição direta. A alma é inundada pelo lumen
gloriae, e vê Deus tal como Ele é, não por representação, mas por presença.
Neste estado, a fé cessa, porque a posse substitui
a esperança. Tudo o que a teologia ensina e a fé crê encontra aqui sua
consumação. O intelecto não discute, contempla; não procura, descansa; não crê,
vê. Este é o termo de toda ciência, a coroa da sabedoria e o repouso do espírito.
Assim, os três modos do conhecimento se relacionam
como degraus de uma mesma escada: a natureza é o fundamento, a fé é o caminho,
a glória é o fim. O primeiro procede das coisas às causas; o segundo, das
causas à autoridade; o terceiro, da autoridade à visão. O primeiro se exerce
pela razão, o segundo pela fé, o terceiro pela caridade.
A teologia, enquanto ciência militante, participa
dos dois primeiros modos: apoia-se na razão e é movida pela fé. Mas tende
essencialmente ao terceiro, pois seu fim é o conhecimento de Deus em si. Por
isso, toda teologia verdadeira é uma peregrinação em direção à luz.
Conclusiones
— Conclusões
- Existem três ordens do conhecimento: o natural, fundado na luz da
razão; o revelado, fundado na fé; e o glorioso, fundado na visão.
- O conhecimento natural conduz ao reconhecimento de Deus como causa,
mas não à compreensão de sua essência.
- O conhecimento revelado é mais certo, pois repousa sobre a
autoridade divina, não sobre a evidência das coisas.
- O conhecimento glorioso é a consumação dos dois anteriores, em que
a fé se converte em visão.
- A teologia participa dos dois primeiros modos e se ordena
essencialmente ao terceiro, que é a visão beatífica.
Annotationes
— Anotações
(1) Cf. S.Th., I-II, q.3, a.8: “Ultimus
hominis finis est visio Dei in gloria.”
A visão de Deus é o termo último da natureza e da graça.
(2) S.Th., I, q.12,
a.13: “Lumen gloriae est quod elevat intellectum ad videndum Deum.”
A luz da glória não é espécie criada, mas um fortalecimento sobrenatural
do intelecto.
(3) João de São Tomás observa que a tríplice luz
corresponde às três potências superiores da alma: a razão ao intelecto natural,
a fé ao intelecto crente, e a glória ao intelecto deificado.
(4) Pedro Lombardo, Sententiarum, lib. I,
dist. 3: “Tria sunt genera cognitionis: naturae, gratiae et gloriae.”
Essa divisão é a matriz de toda epistemologia teológica posterior.
(5) O próprio João de São Tomás, no Prooemium ad
Cursum Philosophicum, declara: “Fides est medium inter opinionem et
visionem.” — a fé é o meio entre a opinião e a visão.
LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM
Distinctio
Quinta — De subiecto theologiae: Deus sub ratione Dei
(Sobre o sujeito da teologia: Deus sob a razão de
Deus)
Assim como toda ciência se determina pelo objeto
que a move e pelo sujeito no qual reside seu conhecimento, também a teologia,
enquanto ciência, tem um sujeito próprio, distinto daquele das ciências
naturais e filosóficas. Esse sujeito não é a alma humana, nem a natureza
criada, nem tampouco a própria revelação como fato, mas Deus enquanto
conhecido e manifestado sob a razão de Deus — Deus sub ratione Dei.
Em outras ciências, o sujeito é algo dentro do qual
se estudam as propriedades que lhe convêm segundo uma formalidade particular.
Assim, o número é o sujeito da aritmética, o corpo móvel o da física, e o ser
enquanto ser o da metafísica. Na teologia, porém, o sujeito é incomparavelmente
mais elevado: é o próprio Deus, considerado não de modo absoluto, como o fazem
os metafísicos, mas enquanto revelado, e, portanto, enquanto se comunica à
mente racional por meio da fé.
Dessa distinção resulta que o conhecimento
teológico não é abstrativo, mas participativo: a mente não extrai suas formas a
partir das coisas, mas recebe as formas da própria Palavra divina. A teologia
é, assim, o espelho da luz de Deus na alma crente, e o sujeito dessa ciência é
o próprio Deus enquanto Ele mesmo se dá a conhecer.
O termo “sub ratione Dei” deve ser entendido
com rigor: a teologia não considera Deus segundo o modo da razão natural, isto é,
sub ratione entis (como faz a metafísica), mas segundo o modo da fé,
isto é, sub ratione revelati. Portanto, o sujeito formal da teologia é o
mesmo Deus, mas sob um aspecto que o transcende — o de sua autocomunicação.
Daqui decorre uma diferença essencial entre a
metafísica e a teologia. A metafísica parte dos efeitos para chegar à causa
primeira; a teologia parte da causa para compreender os efeitos. A primeira
eleva-se pela razão, a segunda desce pela revelação. A primeira se move por
abstração, a segunda por infusão. Ambas têm Deus como tema, mas o alcance é
diverso: uma o busca como desconhecido, a outra o contempla como conhecido.
O sujeito da teologia é, pois, Deus enquanto autor
e fim da revelação, e tudo o que se refere a Ele enquanto tal — anjos, homens,
pecados, virtudes, sacramentos, Igreja, história — são tratados dentro dessa
unidade. Nenhum desses temas é considerado em si mesmo, mas somente na medida
em que estão ordenados ao próprio Deus.
Por isso, pode-se dizer que toda a teologia é uma
ciência de relações: relação de Deus consigo mesmo (na Trindade), relação de
Deus com as criaturas (na criação e providência), e relação das criaturas com
Deus (na graça e na glória). Assim, o sujeito da teologia é o mesmo em todos os
seus tratados, e todas as partes da doutrina se unem no mesmo centro.
Finalmente, como toda ciência tem unidade a partir
de seu sujeito, também a teologia é una porque seu sujeito é um só. E porque
esse sujeito é infinito, segue-se que, embora as matérias tratadas sejam
múltiplas, a ciência permanece una. A multiplicidade de temas na teologia não
destrói sua unidade, mas a manifesta, assim como os muitos raios mostram a
unidade da luz.
Conclusiones
— Conclusões
- O sujeito da teologia é Deus, não enquanto ser em geral (sub
ratione entis), mas enquanto revelado e comunicante (sub ratione
Dei).
- O conhecimento teológico é participativo e infuso, não abstrativo
nem dedutivo.
- A metafísica considera Deus como causa desconhecida; a teologia,
como causa manifesta.
- Tudo o que a teologia trata — criaturas, virtudes, mistérios — é
considerado enquanto ordenado a Deus, seu sujeito primeiro.
- A teologia é uma ciência una, porque tem um sujeito uno e infinito,
no qual todas as suas partes encontram unidade.
Annotationes
— Anotações
(1) Cf. S.Th., I, q.1, a.7: “Subiectum
huius scientiae est Deus, sub ratione Dei, id est, prout omnia per revelationem
ad Deum referuntur.”
O sujeito da teologia é Deus, sob o aspecto de Deus, ou seja, na medida em que
todas as coisas são referidas a Ele pela revelação.
(2) João de São Tomás observa que o termo “sujeito”
é tomado aqui analogicamente: Deus não é sujeito como uma substância material,
mas como princípio de inteligibilidade da ciência.
(3) Cf. In Metaphysicam
Aristotelis, lib. XII, lect. 11: “Metaphysica ascendit ad Deum, theologia
descendit a Deo.”
A metafísica sobe a Deus; a teologia desce de Deus.
(4) Pedro Lombardo, Sententiarum, lib. I,
dist. 5: “Deus est subiectum totius theologiae, sicut numerus est subiectum
arithmeticae.”
Comparação clássica de Lombardo: o sujeito da teologia é Deus, assim como o
número é o da aritmética — com a diferença de que o primeiro é infinito.
(5) No Prooemium ad Cursum Theologicum, João
de São Tomás afirma: “Deus est subiectum, medium et finis.”
Deus é simultaneamente o sujeito, o meio e o fim da ciência sagrada — trindade
intelectual que reflete o próprio mistério divino.
LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM
Distinctio
Sexta — De formali obiecto et fine theologiae
(Sobre o objeto formal e o fim da teologia)
O objeto formal de uma ciência é aquilo sob cuja
luz o intelecto apreende as verdades e forma juízo acerca delas. Enquanto o
objeto material indica o que é conhecido, o objeto formal indica o modo como se
conhece. Assim, o mesmo ente pode ser considerado sob diversas formalidades: o
corpo, pela física, enquanto móvel; pela matemática, enquanto mensurável; pela
metafísica, enquanto ser.
Aplicando o mesmo princípio à teologia, deve-se
dizer que seu objeto formal é Deus enquanto revelado e enquanto fim último de
todas as coisas. Pois não basta dizer que ela trata de Deus — o que também
fazem a metafísica e a filosofia natural —, mas que o contempla sob a razão de
revelado, isto é, de modo sobrenatural e participado.
A teologia não vê Deus como uma causa desconhecida
a ser inferida a partir dos efeitos, mas como aquele que se manifesta, que
fala, que se dá a conhecer. Seu objeto formal, portanto, é o ser divino
enquanto luminoso por si e enquanto causa de toda luz nas criaturas. Nessa luz,
o intelecto humano, movido pela fé, conhece não pela dedução, mas pela
submissão à verdade que se comunica.
Mas, assim como o objeto formal determina a
ciência, também o fim especifica seu uso e sua dignidade. O fim da
teologia é a visão beatífica, na qual o homem é unido ao próprio Deus,
não por imagens, mas por presença. A fé, aqui, é o princípio do caminho; a
visão, o termo. A teologia, por isso, é ciência que começa na fé e termina na
contemplação.
Entretanto, no estado presente, em que a mente
humana ainda caminha sob o véu da carne, esse fim é apenas antecipado pela fé e
saboreado pela caridade. Assim, o fim da teologia é duplo: próximo, que
é o conhecimento e o amor de Deus enquanto se crê; e último, que é o
gozo eterno de Deus enquanto se vê.
Por isso, diz Santo Tomás que “a teologia é uma
ciência especulativa e prática”, pois tem como objeto o bem supremo e como fim
o amor que dele procede. É especulativa, porque contempla as coisas divinas; é
prática, porque conduz a vida à união com Deus. Não se separa, pois, o conhecer
do amar, nem o contemplar do agir: o fim do conhecimento teológico é a
conversão do espírito àquilo que ele contempla.
A teologia, portanto, tem o mesmo objeto formal e o
mesmo fim: Deus sob a razão de Deus, isto é, enquanto se comunica e se
dá como bem último. O fim da ciência coincide com o princípio que a move. Ela
nasce de Deus, versa sobre Deus e retorna a Deus — ex Deo, de Deo, in Deum.
Em sua origem, é revelação; em seu exercício,
contemplação; em seu termo, união.
Conclusiones
— Conclusões
- O objeto formal da teologia é Deus enquanto revelado, e não
simplesmente enquanto ente.
- O fim último da teologia é a visão beatífica, isto é, a união
imediata do intelecto com Deus.
- O fim próximo da teologia, no estado presente, é o conhecimento e o
amor de Deus pela fé e pela caridade.
- A teologia é, ao mesmo tempo, especulativa e prática: especulativa
pelo objeto, prática pelo fim.
- O objeto formal e o fim da teologia coincidem, pois ambos se
referem a Deus sob a razão de Deus.
Annotationes
— Anotações
(1) Cf. S.Th., I, q.1, a.7: “Deus sub
ratione Dei est obiectum huius scientiae, et finis est visio ipsius Dei.”
Deus, sob a razão de Deus, é o objeto desta ciência; e o fim, a visão do
próprio Deus.
(2) S.Th., I-II, q.3, a.8: “Ultimus finis
hominis est visio Dei.”
O fim último do homem é ver Deus — frase que define, em Santo Tomás, toda a
teleologia da teologia.
(3) João de São Tomás observa, em seu Prooemium
ad Theologiam, que “a teologia é a ciência mais perfeita, porque tem o
objeto mais digno e o fim mais alto”.
(4) Pedro Lombardo, Sententiarum, lib. I,
dist. 6: “Theologia est scientia beatorum, quae nunc creditur, tunc
videbitur.”
A teologia é a ciência dos bem-aventurados, que agora se crê e então se verá.
(5) O paralelismo “ex Deo, de Deo, in Deum”
é fórmula recorrente em João de São Tomás — um resumo do itinerário do
conhecimento teológico.
LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM
Distinctio
Septima — De divisione totius theologiae secundum Magistrum: Deus, creatura,
Christus, sacramenta
(Da divisão de toda a teologia segundo o Mestre das
Sentenças: Deus, a criatura, Cristo e os sacramentos)
Toda ciência ordenada tem em si uma distinção
proporcional à ordem de seu objeto. E porque a teologia trata do Todo do ser
enquanto ordenado a Deus, deve necessariamente seguir a ordem da própria
economia divina, pela qual todas as coisas saem de Deus, subsistem nele e a Ele
retornam.
Pedro Lombardo, no Prooemium de suas Sentenças,
estabeleceu que a totalidade da teologia se divide em quatro livros,
segundo os quatro graus da obra divina:
- De Deo et Trinitate —
sobre Deus em si mesmo e o mistério de sua vida interior;
- De Creatione et Peccato —
sobre as criaturas e a corrupção do pecado;
- De Incarnatione et Gratia Christi —
sobre o Cristo redentor e a restauração da natureza;
- De Sacramentis et Novissima —
sobre os sinais da graça e o fim último da alma.
Essa divisão não é arbitrária, mas corresponde ao
próprio movimento do exitus et reditus, pelo qual todas as coisas
procedem de Deus e retornam a Ele. No primeiro livro, contempla-se a origem;
no segundo, a participação; no terceiro, a reparação; e no
quarto, a consumação.
Assim, o primeiro livro trata do princípio supremo
— Deus uno e trino, causa primeira de todo o ser; o segundo, das criaturas que
d’Ele recebem o ser e o perdem pelo pecado; o terceiro, do mediador que
reconcilia o homem com Deus; e o quarto, dos meios visíveis e espirituais pelos
quais a graça é comunicada e o homem é conduzido à glória.
Esta ordem não é apenas didática, mas ontológica.
Pois, segundo a razão das coisas, o conhecimento de Deus é anterior ao das
criaturas, e o da redenção é posterior à queda. Por isso, o Magister dispôs as Sentenças
conforme a ordem dos próprios mistérios, não segundo a cronologia da história,
mas segundo a hierarquia das causas.
Além disso, essa divisão manifesta a circularidade
perfeita da sabedoria divina: tudo provém de Deus, tudo retorna a Ele. A
teologia começa em Deus, desce até as criaturas, eleva-se em Cristo e
consuma-se nos sacramentos. O itinerário do conhecimento reflete o itinerário
do ser.
Em termos formais, esta estrutura quádrupla
constitui o fundamento de todo o Cursus Theologicus de João de São
Tomás. A partir dela, cada Tomus retoma uma parte desse conjunto,
ampliando e comentando a ordem do Magister sob a luz de Santo Tomás. Assim, a Summa
Textus Magistri Sententiarum é a introdução, e o comentário à Summa
Theologica é o desenvolvimento total.
Deve-se, portanto, compreender que a teologia não é
apenas uma ciência especulativa sobre o divino, mas um caminho que espelha o
próprio movimento do universo. Seu método, sua ordem e seu fim são análogos ao
plano da criação. A divisão em quatro partes não é mera convenção: é imagem do
próprio Logos em sua obra — origem, queda, redenção e plenitude.
Conclusiones
— Conclusões
- A teologia, segundo o Magister Sententiarum, divide-se em quatro
partes: Deus, a criatura, Cristo e os sacramentos.
- Essa divisão corresponde à ordem do exitus et reditus, isto
é, à processão de todas as coisas de Deus e ao retorno de tudo a Ele.
- O primeiro livro trata da origem, o segundo da participação, o
terceiro da reparação e o quarto da consumação.
- Essa estrutura não é apenas pedagógica, mas metafísica, expressando
o próprio movimento da sabedoria divina.
- Toda teologia, ordenada segundo essa divisão, reflete a economia
trinitária e a história da salvação.
Annotationes
— Anotações
(1) Cf. Sententiarum, Prooemium: “Haec
est divisio totius theologiae: de Deo, de creatione, de incarnatione et
sacramentis.” — Pedro Lombardo.
(2) Santo Tomás retoma a mesma estrutura no Prologus
da Summa Theologiae: “Cum intentio huius scientiae sit tradere
cognitionem Dei, non solum ut est in se, sed etiam prout est principium rerum
et finis earum, dividitur in tres partes: de Deo, de motu creaturae ad Deum, et
de Christo, qui est via.”
João de São Tomás acrescenta aqui a quarta, explicitando os sacramentos como o
modo concreto do retorno.
(3) O esquema quadripartido da teologia reflete o
movimento da providência: exitus a Patre, transitus per Filium, reditus in Spiritu
Sancto.
(4) No Cursus Theologicus, João de São Tomás
adota essa divisão como arquitetura fundamental de sua obra, na qual os dez
tomos se distribuem de acordo com essa mesma ordem.
(5) Em sentido simbólico, a divisão em quatro
livros corresponde aos quatro rios que saem do Éden (Gen. 2,10), imagem
da ciência que se difunde a partir de uma única fonte.
LIBER PRIMUS — SUMMA TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM
Distinctio
Octava — De utilitate Sententiarum Magistri
(Sobre a utilidade das Sentenças do Mestre)
Nenhuma ciência floresce sem ordem; e nenhuma ordem
subsiste sem um princípio que a articule. Foi esta a razão pela qual a
Providência quis que, após os Padres e os Doutores primitivos, surgisse um
mestre que recolhesse, dispusesse e harmonizasse a doutrina teológica dos
séculos — esse mestre foi Pedro Lombardo, a quem a Igreja, com razão,
chama Magister Sententiarum.
Antes dele, a teologia se apresentava como uma
multiplicidade dispersa de comentários, homilias, epístolas e tratados, em que
cada autor exprimia, segundo a necessidade pastoral ou o impulso da
contemplação, alguma parte da verdade divina. O Magister, contudo,
recolheu essas vozes, ordenou-as em torno dos grandes eixos da fé e deu à
teologia uma forma de ciência.
Sua obra, as Quatuor Libri Sententiarum,
constitui a primeira síntese orgânica da doutrina cristã. Nela, o ensino dos
Padres — Agostinho, Gregório, Jerônimo, Ambrósio — é reunido em uma arquitetura
unitária, segundo a ordem das causas divinas e humanas. É o primeiro espelho da
teologia sistemática, onde a fé, antes disseminada em múltiplas tradições,
torna-se inteligível em seu conjunto.
A utilidade das Sentenças é, pois, tríplice.
Primeiro, dogmática, porque elas oferecem a estrutura fundamental de
toda a teologia: Deus, a criação, a redenção e os sacramentos. Segundo, dialética,
porque introduzem o método de confrontar autoridades — Escritura, Padres e
razão —, para que, do conflito aparente, surja a harmonia das verdades.
Terceiro, pedagógica, porque nelas o estudante aprende a pensar teologicamente,
ordenando o múltiplo sob o uno.
Essa tríplice utilidade fez das Sentenças o
eixo de toda a escolástica. Desde o século XIII, nenhum doutor foi tido por
completo se não tivesse comentado o Magister: Alexandre de Hales,
Boaventura, Tomás de Aquino, Duns Scotus, Henrique de Gand, Durando, Ockham,
todos foram Sententiarii. O próprio Tomás, antes de compor sua Summa,
exerceu o magistério sobre as Sentenças, e nelas formou o método que
depois aperfeiçoaria.
João de São Tomás reconhece, portanto, que o estudo
das Sentenças é não apenas útil, mas necessário, porque nelas se aprende
a pensar segundo a ordem da fé. O método escolástico, longe de ser invenção
humana, é reflexo da ordem divina: Deus, ao revelar, procede por distinções e
por conexões; o teólogo, ao estudar, imita esse modo. Assim, a disposição das Sentenças
é imagem da própria economia da revelação.
A teologia que ignora o Magister carece de
raiz; a que o lê sem espírito, carece de fruto. Pois o valor das Sentenças
não está apenas em sua letra, mas em sua função: são o esqueleto da sabedoria
cristã, que o Doutor Angélico revestiu de carne viva. A obra de Pedro Lombardo
é a matriz; a de Tomás, a plenitude.
Por isso, João de São Tomás afirma que o comentário
às Sentenças é a primeira disciplina de quem busca compreender a
teologia como ciência. Pois é ali que se aprende a unir o que a Escritura diz,
o que a razão demonstra e o que a Igreja crê, sem confundir suas ordens, mas
submetendo todas à luz de Deus.
Em suma, as Sentenças são à teologia o que o
Organon é à filosofia: o instrumento do pensar ordenado. Aquele que as
entende, entende o modo da fé; aquele que as ultrapassa, sem tê-las assimilado,
corre o risco de perder o eixo da sabedoria.
Conclusiones
— Conclusões
- Pedro Lombardo deu à teologia unidade científica ao ordenar as
doutrinas dos Padres segundo a razão das causas divinas.
- As Sentenças são úteis dogmaticamente (como síntese de
conteúdos), dialeticamente (como método de confronto) e pedagogicamente
(como via de formação intelectual).
- Todos os grandes doutores medievais foram comentadores das Sentenças,
e nelas se formou o método escolástico.
- O estudo das Sentenças é o primeiro exercício da teologia
científica, pois ensina a ordenar a fé pela razão iluminada.
- As Sentenças são à teologia o que o Organon é à
filosofia: instrumento de ordem e medida do saber divino.
Annotationes
— Anotações
(1) Pedro Lombardo, Prooemium Sententiarum: “Ex
auctoritatibus Patrum, in unum corpus redigere decrevi, ut ex diversitate
sententiarum concordia fidei eluceat.”
Reuni as autoridades dos Padres num só corpo, para que da diversidade das
sentenças brilhe a concórdia da fé.
(2) Cf. João de São Tomás, Prooemium ad Cursum
Theologicum: “Sententiae Magistri sunt radix disciplinae theologicae,
sicut Summa Doctoris Angelici est eius fructus.”
As Sentenças do Mestre são a raiz da disciplina teológica, assim como a Summa
do Doutor Angélico é o seu fruto.
(3) Santo Tomás, In I Sent., prol.: “Omnis
doctrina procedit ex principiis superioris scientiae, et sacra doctrina ex
lumine fidei.”
Toda doutrina procede de princípios de uma ciência superior, e a ciência
sagrada procede da luz da fé.
(4) A tríplice utilidade das Sentenças
(dogmática, dialética e pedagógica) é uma constante nos prólogos de todos os Sententiarii
do século XIII.
(5) A analogia com o Organon de Aristóteles
é de João de São Tomás, que via nas Sentenças o “órgão” da teologia,
assim como o Organon é o da filosofia.
LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D. THOMAE
Introdução à
Doutrina de São Tomás
DISPUTATIO
PRIMA — De natura et dignitate theologiae
Disputa Primeira — Sobre a natureza e a dignidade
da teologia
Prologus ad lectorem — Prólogo ao leitor
Ad divinae Sapientiae inaccessibilem lucem... — João de São Tomás introduz a
necessidade de humildade e temor ao tratar das coisas divinas, advertindo
contra a curiosidade teológica que ultrapassa os limites da fé. A teologia, diz
ele, não é subida do homem a Deus, mas descida de Deus ao homem.
Notitia historico-litteraria in auctorem — Notícia histórico-literária sobre o autor
Breve biografia de João de São Tomás (Poinsot), incluindo sua formação
em Coimbra, estudos em Lovaina, ingresso na Ordem Dominicana, docência em
Alcalá e Madri, e publicações filosófico-teológicas. É delineada sua fidelidade
ao Doutor Angélico e o papel que exerceu como Censor Fidei.
Tres
Tractatus ad Theologiae Tirocinium promissi
Três Tratados Prometidos para o Aprendizado da
Teologia
- Primus — Universum textum Magistri Sententiarum
in ordinem redigit
O primeiro ordena integralmente o texto do Magister Sententiarum de Pedro Lombardo. - Secundus — Omnium quaestionum D. Thomae et
materiarum in sua Summa connexionem explicat
O segundo expõe a conexão de todas as questões e matérias na Summa Theologica de Santo Tomás. - Tertius — Vindicias D. Thomae pro doctrinae ejus
puritate et singulari approbatione offert
O terceiro oferece uma defesa da pureza e autoridade da doutrina tomista.
AD SUMMAM
TEXTUS MAGISTRI SENTENTIARUM ADNOTATIO
Anotação à Suma do Texto das Sentenças do Magister
Prologus — Prólogo
Explica a razão de redigir o texto das Sentenças em ordem didática, unificando
a tradição patrística e o método escolástico, e mostrando como Pedro Lombardo
antecipou o sistema que Tomás aperfeiçoou.
Structura generalis operis — Estrutura geral da obra das Sentenças
Divide-se em quatro livros, conforme o Magister:
- De Deo in se — Sobre Deus em si mesmo
(Trindade e perfeições divinas).
- De Deo creatore — Sobre Deus como Criador
(produção e movimento das criaturas).
- De Deo restauratore —
Sobre Deus como Restaurador (Encarnação, graça e virtudes).
- De Deo glorificante —
Sobre os Sacramentos e a Glorificação final.
Distinctio
Prima — De origine theologiae et lumine fidei
Primeira Distinção — Da origem da teologia e da luz
da fé
A teologia nasce da revelação divina como causa formal e da fé como princípio
subjetivo. A razão é instrumento subordinado à fé, que participa da luz divina
e se ordena à visão beatífica.
Distinctio
Secunda — De principio scientiae sacrae
Segunda Distinção — Do princípio da ciência sagrada
Analisa o principium cognoscendi da teologia: a revelação. Explica que a
fé não é apenas o assentimento, mas a luz pela qual o intelecto participa da
ciência divina.
Distinctio
Tertia — De obiecto theologiae
Terceira Distinção — Do objeto da teologia
Mostra que o objeto formal da teologia é Deus sob a razão de Deus, e
materialmente, todas as coisas ordenadas a Ele.
Distinctio
Quarta — De tribus ordinibus cognitionis: naturali, revelato et glorioso
Quarta Distinção — Dos três modos de conhecimento:
natural, revelado e glorioso
Distingue o conhecimento filosófico, o teológico e o dos bem-aventurados,
afirmando que a teologia é ciência subalternada à ciência dos santos.
Distinctio
Quinta — De subiecto theologiae: Deus sub ratione Dei
Quinta Distinção — Do sujeito da teologia: Deus
enquanto Deus
Demonstra que toda a ciência teológica versa sobre Deus, não apenas como causa
primeira, mas como fim último de todas as coisas.
Distinctio
Sexta — De formali obiecto et fine theologiae
Sexta Distinção — Do objeto formal e do fim da
teologia
Define o duplo aspecto da teologia: especulativo (contemplar Deus) e prático
(dirigir o homem a Ele). O fim último é a visão beatífica.
Distinctio
Septima — De divisione totius theologiae secundum Magistrum
Sétima Distinção — Da divisão da teologia segundo o
Magister
Explica a divisão da teologia em credenda, agenda, speranda
— fé, moral e escatologia — e sua unidade sob o Verbo.
Distinctio
Octava — De utilitate Sententiarum Magistri
Oitava Distinção — Da utilidade das Sentenças do
Magister
Defende o uso das Sententiae como base didática para toda a ciência
sagrada. Pedro Lombardo é visto como o "organizador da teologia
patrística".
LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D.
THOMAE
DISPUTATIO
PRIMA — De natura et dignitate theologiae
(Sobre a natureza e a dignidade da teologia)
Prooemium — Prólogo
A teologia, entre todas as ciências, é a mais alta
e a mais divina, porque tem por objeto o próprio Deus, não segundo o
conhecimento natural da razão, mas conforme Ele se revela e comunica. Contudo,
é também a mais humilde, porque, sendo o homem incapaz de compreender a
essência divina, deve aproximar-se com temor e reverência, não como quem
demonstra, mas como quem recebe o dom da luz.
João de São Tomás abre esta disputa advertindo que
“quem ousa tratar das coisas divinas sem humildade, em vez de iluminar-se,
cega-se”, pois a ciência teológica nasce da fé, e a fé é uma participação da
luz de Deus, não sua posse plena.
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que a teologia não é ciência, pois a ciência, segundo Aristóteles, procede de princípios evidentes, e a teologia se baseia em verdades que não são evidentes, mas cridas pela fé.
Ergo, não pode ser chamada ciência, mas apenas crença piedosa. - Obiectio secunda:
Além disso, a teologia não parece digna de ser chamada ciência, porque nela o intelecto não compreende as causas, mas apenas obedece à autoridade; ora, ciência é conhecimento pelas causas.
Ergo, a teologia carece de verdadeira ciência. - Obiectio tertia:
Mais ainda: se a teologia é ciência, deve pertencer à ordem das ciências humanas. Mas seus princípios vêm de revelação divina, que não é humana; portanto, não se integra no mesmo gênero.
Ergo, não pode ser ciência no sentido próprio.
Sed contra —
Em contrário
Contra isso, Santo Tomás afirma na Summa
Theologica (I, q.1, a.2):
Sacra doctrina est scientia subalternata.
“A doutrina sagrada é uma ciência subalternada”, pois recebe seus princípios de
uma ciência superior — a ciência de Deus e dos bem-aventurados.
Logo, embora a teologia não derive de princípios
evidentes para nós, deriva de princípios evidentes para Deus, e por isso tem o
caráter de ciência subordinada à divina.
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Deve-se distinguir dupla maneira de ciência: uma
que é per se evidente, como a matemática, cujos princípios são
demonstráveis à luz natural da razão; outra que é per participationem,
como a teologia, que, embora não possua evidência própria, participa da
evidência da ciência divina.
Assim como a ótica é ciência subalterna à geometria
— porque recebe dela seus princípios —, também a teologia é ciência
subalternada à sabedoria de Deus, porque os princípios de que parte não são
descobertos pela razão humana, mas revelados pela mente divina.
Portanto, embora para nós seus princípios sejam
obscuros, em si mesmos são claríssimos. Pois a obscuridade está no sujeito que
crê, não na verdade que se crê. Por isso, a teologia é ciência não quantum
ad modum cognoscendi, mas quantum ad certitudinem: não conhece de
modo evidente, mas com certeza infalível, porque tem por autor o próprio Deus.
Além disso, a teologia é mais digna que todas as
ciências, porque todas as outras terminam em causas criadas, ao passo que ela
termina na causa incriada. A filosofia ascende da criatura ao Criador; a
teologia desce do Criador à criatura. O filósofo procura Deus como
desconhecido; o teólogo parte de Deus como revelado.
Daqui resulta que a teologia não é apenas uma
ciência, mas a forma das ciências, o vértice de toda sabedoria humana, pois
ordena o saber à sua causa e ao seu fim supremos.
Por conseguinte, a teologia é dita “sagrada” (sacra
doctrina), porque procede de Deus enquanto revela, se exerce sob a luz da
fé e conduz o homem à visão beatífica. É ciência, porque possui conexões
necessárias entre seus princípios e conclusões; e é subalternada, porque seus
princípios pertencem a uma ordem superior de conhecimento.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Embora os princípios da teologia não sejam evidentes para nós, o são para Deus
e para os bem-aventurados. Ora, a ciência não se define pelo modo como os
princípios são conhecidos por nós, mas pela necessidade de suas conclusões.
Logo, a teologia é ciência por participação da ciência divina.
Ad secundum:
Na teologia, o intelecto não demonstra pelas causas naturais, mas pela
autoridade da Causa Primeira, que é Deus. Ora, autoridade divina é razão mais
forte que evidência natural, pois quem revela não pode enganar.
Ad tertium:
A teologia não pertence ao gênero das ciências humanas segundo o modo de
obtenção, mas segundo o modo de posse. Pois o homem, pela fé, participa da luz
superior, e por essa participação adquire ciência verdadeira, embora
imperfeita.
Conclusiones
— Conclusões
- A teologia é ciência porque tem princípios certos, embora não
evidentes para nós, derivados da ciência divina.
- É ciência subalternada, pois depende da revelação, que é luz
superior.
- Sua certeza é maior que a das ciências humanas, porque se funda na
infalibilidade de Deus.
- É a mais digna das ciências, por tratar do ser mais nobre e
conduzir ao fim último.
- É tanto especulativa (porque contempla) quanto prática (porque
ordena a vida ao bem supremo).
Annotationes
— Anotações
(1) Cf. S.Th., I, q.1, a.2: “Sacra
doctrina est scientia, non quia a ratione humana procedit, sed quia a lumine
superioris scientiae.” — “A doutrina sagrada é ciência, não porque procede
da razão humana, mas porque deriva da luz de uma ciência superior.”
(2) Aristóteles, Posteriorum Analyticorum I,
c.7: “Scientia est cognitio per causas necessarias.” — A teologia
satisfaz essa definição em grau eminente, porque suas causas são divinas.
(3) João de São Tomás comenta que “a fé é o modo, e
a visão o termo da teologia; a primeira é sua forma militante, a segunda sua
consumação gloriosa”.
(4) A noção de scientia subalternata aparece
já em Boécio e é desenvolvida por Tomás e seus discípulos. João de São Tomás a
amplia, dizendo que há dupla subalternação: da teologia à ciência divina, e da
teologia moral à teologia especulativa.
(5) A distinção entre evidência e certeza é
essencial: o filósofo vê por luz natural; o teólogo, por luz infusa. O primeiro
vê o claro; o segundo, o que o claro esconde.
LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D.
THOMAE
DISPUTATIO
SECUNDA — De lumine naturali et supernaturali cognitionis
(Sobre a luz natural e a luz sobrenatural do
conhecimento)
Prooemium — Prólogo
A sabedoria divina, fonte de toda verdade,
distribui-se de muitos modos entre as criaturas: a uns concede a luz natural,
pela qual conhecem as coisas criadas; a outros, a luz sobrenatural, pela qual
percebem os mistérios revelados; aos bem-aventurados, finalmente, a luz da
glória, pela qual veem a própria essência de Deus.
Ora, a distinção dessas luzes não implica oposição,
mas ordem. Pois a luz natural não é destruída pela fé, mas elevada; e a fé não
é abolida pela visão, mas consumada. Assim como a graça supõe a natureza, a
revelação supõe a razão.
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que não há diferença essencial entre o conhecimento natural e o sobrenatural, pois ambos têm por objeto a verdade, e toda verdade, de qualquer origem, é de Deus.
Ergo, toda verdade é sobrenatural. - Obiectio secunda:
Mais ainda: se a fé é luz infusa, parece que elimina a necessidade da razão, pois dois princípios de conhecimento para o mesmo objeto seriam redundantes.
Ergo, a luz natural é supérflua ao teólogo. - Obiectio tertia:
Ademais, a revelação divina contém verdades racionais e suprarracionais. Se a fé ilumina todas igualmente, parece que a luz natural nada contribui.
Ergo, a distinção entre luz natural e sobrenatural é vã.
Sed contra —
Em contrário
Diz Santo Tomás (S.Th., I, q.12, a.13):
“Lumen
fidei non destruit lumen naturae, sed ei superadditur.”
“A luz da fé não destrói a luz da natureza, mas se lhe acrescenta.”
Portanto, a luz sobrenatural não anula, mas
aperfeiçoa a luz natural.
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Há na ordem do conhecimento três luzes derivadas da
sabedoria divina, conforme três modos de união entre o intelecto e o objeto: natural,
revelado e glorioso.
- A luz natural é a participação comum do
intelecto na razão divina, pela qual o homem conhece as verdades
acessíveis à razão, isto é, as que podem ser deduzidas a partir dos
princípios primeiros do ser. Esta luz é suficiente para o conhecimento das
causas segundas, mas não para o conhecimento pleno do Primeiro Princípio
em Si mesmo.
- A luz sobrenatural da fé é uma
elevação do intelecto pela graça, pela qual a mente é tornada capaz de
aderir a verdades que superam toda demonstração. Ela não destrói a razão,
mas lhe dá direção. O intelecto crê porque a vontade, movida por Deus, o
inclina ao assentimento; e crê sem ver, porque a autoridade de Deus é mais
certa que toda evidência criada.
- A luz da glória é a perfeição final do
intelecto, que, libertado das sombras da fé, contempla a essência divina
imediatamente. Esta luz não é apenas infusão, mas transformação: videbimus
eum sicuti est.
Essas três luzes se ordenam entre si: a natureza é
o fundamento, a fé é o caminho, a glória é o termo. A razão, iluminada pela
natureza, é o vestíbulo; a fé, o santuário; a visão, o Sancta Sanctorum.
Portanto, é erro dizer que a luz natural é inútil,
pois sem ela não haveria disposição para a fé. A graça não destrói a natureza,
mas a sana e aperfeiçoa. Assim, a fé se serve da razão como serva fiel, que não
revela o mistério, mas o guarda; que não vê o todo, mas reconhece o caminho.
Do mesmo modo, a luz da glória não suprime a fé,
mas a consuma. O que agora cremos em figura, então veremos em verdade; o que
agora é espelho, será presença. Assim se cumpre o movimento do saber: per
fidem ad visionem, per lumen ad lumen.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Toda verdade é de Deus quanto à origem, mas nem toda é sobrenatural quanto ao
modo. A luz natural é suficiente para o verdadeiro conhecimento das coisas
criadas, mas insuficiente para o conhecimento dos mistérios divinos.
Ad secundum:
A fé não torna inútil a razão, pois requer a sua preparação. Como o olho
precisa da luz para ver, assim a fé requer a razão para ordenar o objeto ao
sujeito. A razão serve à fé não como mestra, mas como ministra.
Ad tertium:
As verdades reveladas distinguem-se: umas são acessíveis à razão, outras
totalmente acima dela. Nas primeiras, a luz natural coopera; nas segundas,
submete-se. Assim, a distinção entre os dois modos de luz é necessária.
Conclusiones
— Conclusões
- Há três luzes derivadas de Deus: natural, da fé e da glória.
- A luz natural dispõe o intelecto à fé; a luz da fé o eleva; a luz
da glória o consuma.
- A fé é superior à razão, mas não a contradiz; ao contrário, a
aperfeiçoa.
- O conhecimento teológico supõe a razão, mas transcende sua
capacidade.
- A harmonia entre as duas luzes é a condição da verdadeira
sabedoria.
Annotationes
— Anotações
(1) Cf. S.Th., I, q.12, a.13: “Inter
lumen naturae et lumen gloriae media est lux fidei.” — “Entre a luz da
natureza e a luz da glória está a luz da fé.”
(2) João de São Tomás comenta que “a razão é o
limiar da fé, e a fé é o limiar da visão.” (Cursus Theologicus, II, d.2,
q.1, a.3).
(3) Boécio, De Consolatione Philosophiae: “Quod
ratio videt, fides amplectitur; quod fides credit, gloria contemplatur.” —
“O que a razão vê, a fé abraça; o que a fé crê, a glória contempla.”
(4) A hierarquia das luzes é também uma hierarquia
das certezas: natural (probabilidade), teológica (certeza moral), gloriosa
(evidência plena).
(5) Esta disputa serve de base para todo o
desenvolvimento posterior do Cursus Theologicus, especialmente para o
tratado sobre a fé teologal e o conhecimento beatífico.
LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D.
THOMAE
(Introdução à Doutrina de São Tomás)
DISPUTATIO
PRIMA — De natura et dignitate theologiae
Sobre a natureza e a dignidade da teologia
- Utrum theologia sit scientia — Se a
teologia é uma ciência.
- Utrum habeat certitudinem altiorem quam aliae scientiae — Se possui maior certeza que as demais ciências.
- Utrum sit una vel multiplex — Se é
una ou múltipla.
- Utrum distinguatur a metaphysica — Se
distingue-se da metafísica.
- De ordine theologiae inter alias scientias — Da ordem da teologia entre as demais ciências.
DISPUTATIO
SECUNDA — De lumine naturali et supernaturali cognitionis
Sobre a luz natural e a luz sobrenatural do
conhecimento
- De lumine naturali intellectus humani — Sobre a luz natural do intelecto humano.
- De lumine fidei et revelationis —
Sobre a luz da fé e da revelação.
- De subordinatione scientiarum sub fide — Sobre a subordinação das ciências sob a fé.
- De modo quo ratio ministrat fidei —
Sobre o modo como a razão serve à fé.
DISPUTATIO
TERTIA — De distinctione inter philosophiam et theologiam
Sobre a distinção entre filosofia e teologia
- Utrum theologia utatur principiis philosophicis — Se a teologia faz uso de princípios filosóficos.
- Utrum sit licitum theologis uti auctoritatibus philosophorum — Se é lícito aos teólogos utilizarem as autoridades dos
filósofos.
- De periculo rationis extra lumen fidei — Sobre o perigo da razão fora da luz da fé.
DISPUTATIO
QUARTA — De ordine sapientiae et hierarchia scientiarum
Sobre a ordem da sabedoria e a hierarquia das
ciências
- De sapientia naturali et divina —
Sobre a sabedoria natural e a divina.
- Utrum sapientia divina sit causa et regula omnium — Se a sabedoria divina é causa e regra de todas as coisas.
- De triplici sapientia: angelica, humana et divina — Sobre a tríplice sabedoria: angélica, humana e divina.
Appendix — Annotationes
generales
Notas gerais sobre o método e o fim da teologia
- De necessitate revelationis ad salutem — Sobre a necessidade da revelação para a salvação.
- De usu rationis in rebus fidei —
Sobre o uso da razão nas coisas da fé.
- De ordine scientiarum ad sapientiam Dei — Sobre a ordenação das ciências à sabedoria de Deus.
LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D.
THOMAE
DISPUTATIO
TERTIA — De distinctione inter philosophiam et theologiam
(Sobre a distinção entre filosofia e teologia)
Prooemium — Prólogo
Assim como na ordem da natureza há diversos graus
de luz, também há, na ordem do saber, graus de entendimento. Há o conhecimento
que procede da razão, e o que provém da fé; o primeiro nasce da investigação do
homem, o segundo, da iluminação de Deus. A filosofia considera as coisas
segundo as causas próximas e visíveis; a teologia, segundo as causas supremas e
invisíveis.
João de São Tomás, seguindo Santo Tomás, propõe
aqui mostrar que a teologia não destrói, mas aperfeiçoa a filosofia; e
que ambas, embora distintas em princípio e objeto formal, convergem no mesmo
fim: o conhecimento da Verdade.
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que não há verdadeira distinção entre filosofia e teologia, pois ambas buscam a verdade, e a verdade é una.
Ergo, uma única ciência deveria bastar para o conhecimento do real. - Obiectio secunda:
Mais ainda: se a filosofia trata das causas supremas, e Deus é a causa suprema, parece que também a teologia se reduz à filosofia.
Ergo, a distinção é apenas nominal. - Obiectio tertia:
Além disso, se a razão pode provar a existência de Deus, como ensina Aristóteles e confirma Santo Tomás, segue-se que o conhecimento teológico é redundante, pois não acrescenta ao que já se demonstra naturalmente.
Ergo, a teologia nada acrescenta à filosofia.
Sed contra —
Em contrário
Diz Santo Tomás (S.Th., I, q.1, a.1):
“Theologia differt a philosophia, quia procedit ex
principiis fidei revelatae.”
“A teologia difere da filosofia, porque procede de princípios revelados pela
fé.”
Portanto, diferem não no objeto material (que é
Deus), mas no modo de conhecê-lo.
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
É necessário afirmar que filosofia e teologia são
ciências distintas quanto ao objeto formal, embora possam coincidir
parcialmente quanto ao objeto material.
O objeto material é aquilo de que se trata; e, sob
esse aspecto, ambas consideram Deus e as criaturas. O objeto formal, porém, é o
modo sob o qual algo é conhecido. Assim, o filósofo considera Deus enquanto
causa primeira natural, conhecida pela razão; o teólogo, enquanto causa
revelada, conhecida pela fé.
Logo, a filosofia nasce da luz natural do
intelecto, e a teologia, da luz sobrenatural da revelação. A primeira procede do
homem que ascende; a segunda, de Deus que desce. A filosofia vê as vestes de
Deus nas criaturas; a teologia contempla os vestígios de Deus em Si mesmo.
A distinção, pois, não é de oposição, mas de ordem.
A filosofia prepara a mente para a fé, e a fé purifica e eleva a razão. Onde a
filosofia termina, a teologia começa. A fronteira de uma é o limiar da outra.
Por isso, a filosofia é necessária à teologia: não
como princípio, mas como instrumento. Pois a teologia não se funda na razão,
mas se serve dela — utitur ratione sub lumine fidei, “usa da razão sob a
luz da fé”.
Ao contrário, a razão sem fé corre o risco de se
perder em sua própria luz, transformando-se em sombra. A teologia, ao
iluminá-la, não a humilha, mas a redime; não a destrói, mas a consagra.
Assim, pode-se dizer que há três graus no saber:
- O do filósofo, que busca o verdadeiro;
- O do teólogo, que adora o verdadeiro;
- O do santo, que vive o verdadeiro.
E como o verdadeiro é uno, também o caminho o é:
mas há modos diversos de percorrê-lo — pela razão, pela fé, pela visão.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A unidade da verdade não implica unidade de ciência. Assim como a mesma
realidade pode ser conhecida de modos diversos (sensível, racional, místico),
também Deus pode ser conhecido pela razão ou pela fé.
Ad secundum:
A filosofia considera Deus como causa natural e necessária; a teologia, como
livre e pessoal. O filósofo demonstra que Deus é; o teólogo contempla quem Deus
é.
Ad tertium:
A fé não é redundante à razão, porque revela o que a razão não poderia
alcançar: o mistério trinitário, a Encarnação, a graça. A razão demonstra o que
Deus pode fazer; a fé ensina o que Deus quis fazer.
Conclusiones
— Conclusões
- Filosofia e teologia distinguem-se formalmente pelo modo de
conhecimento: natural e sobrenatural.
- Ambas têm o mesmo objeto material, mas diversa luz cognitiva.
- A teologia é superior, pois parte da revelação e conduz ao fim
último.
- A filosofia é serva e precursora da teologia; prepara o caminho do
intelecto para a fé.
- Toda contradição entre ambas é aparente, pois a verdade, sendo una,
não se opõe a si mesma.
Annotationes
— Anotações
(1) S.Th., I, q.1, a.8: “Scientiae
distinguuntur secundum diversos modos cognoscendi.” — “As ciências
distinguem-se segundo os diversos modos de conhecer.”
(2) João de São Tomás comenta que a filosofia “é a
sombra do templo onde a teologia entra”, e que ambas refletem a mesma luz: “Philosophia
est ancilla, sed ancilla reginae.”
(3) Dionísio Areopagita, De Divinis Nominibus,
cap. II: “Toda sabedoria criada é uma irradiação da luz divina.”
(4) A distinção formal aqui traçada influenciou
profundamente os manuais dominicanos posteriores, como os de Billuart e
Gardeil, que mantêm a estrutura de subordinação racional ao princípio revelado.
(5) O argumento de João de São Tomás contra o
racionalismo nascente antecipa o princípio tomista clássico: Gratia non
tollit naturam, sed perficit — “A graça não destrói a natureza, mas a
aperfeiçoa.”
LIBER SECUNDUS — ISAGOGE AD DOCTRINAM D.
THOMAE
DISPUTATIO
QUARTA — De ordine sapientiae et hierarchia scientiarum
(Sobre a ordem da sabedoria e a hierarquia das
ciências)
Prooemium — Prólogo
Toda ciência tende à sabedoria como ao seu ápice.
Pois, assim como a multiplicidade das causas se ordena à causa primeira, também
a variedade das ciências se ordena àquela que conhece a razão suprema de todas
as coisas. Esta é a sapientia no sentido próprio: o conhecimento das
causas últimas, pela qual se julga e ordena o todo.
Mas como há diferentes modos de participar da luz
divina, também há diferentes graus de sabedoria. A sabedoria do anjo é
intuitiva, a do homem é discursiva, a de Deus é criadora. A ordem das ciências
reflete, portanto, a gradação das luzes, e nelas se manifesta a hierarquia da
razão e da fé.
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que todas as ciências são igualmente sábias, pois cada uma conhece seu objeto próprio e as causas que o regem.
Ergo, não há hierarquia entre as ciências. - Obiectio secunda:
Além disso, se toda sabedoria vem de Deus, parece que todas as ciências participam dela igualmente, já que todas procedem da mesma luz.
Ergo, não se deve falar em graus de sabedoria. - Obiectio tertia:
Ademais, a teologia, sendo fundada na fé e não na evidência, parece menos perfeita que a filosofia, que se apoia na demonstração racional.
Ergo, a teologia não é a ciência mais alta.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás ensina (S.Th., I, q.6, a.4):
“Sapientia est cognitio divinorum et humanorum per
altissimam causam.”
“A sabedoria é o conhecimento das coisas divinas e humanas pela causa mais
alta.”
Ora, só a teologia conhece essa causa em si mesma,
e não apenas em seus efeitos.
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
A sabedoria, em seu sentido próprio, é a ciência
que julga e ordena as outras ciências à causa suprema. Ora, esta causa é Deus;
e, portanto, a sabedoria verdadeira pertence, de modo pleno, somente à
teologia.
Contudo, como a luz divina se reflete em graus
diversos, há também uma ordem hierárquica das sabedorias participadas:
- Sapientia divina — é a
ciência pela qual Deus conhece a Si mesmo e todas as coisas em Si, sem
mediação, sem sucessão e sem erro. É a fonte e regra de toda verdade.
- Sapientia angelica — é a
participação mais próxima dessa luz, pela qual os espíritos puros
contemplam as razões eternas nas coisas, e as causas nas suas causas. É
uma sabedoria intuitiva e imutável, que julga por visão direta.
- Sapientia humana — é a
mais inferior, pois procede do discurso e do raciocínio; conhece as coisas
pelas suas causas segundas, e não pelas primeiras. Mas, quando iluminada
pela fé, torna-se participante da luz divina e se eleva acima de si mesma.
Deste modo, há na ordem das ciências uma hierarquia
semelhante à dos seres: a teologia no cume, as ciências filosóficas no meio, as
ciências particulares na base. As últimas dependem das primeiras quanto ao fim;
as primeiras, das últimas quanto à matéria.
A filosofia, por exemplo, não pode atingir o fim
último do homem, que é Deus visto face a face; mas pode preparar o intelecto
para recebê-lo. A teologia, ao contrário, não depende da filosofia quanto à
substância, mas quanto ao modo — usa dela para ordenar e explicar, não para
fundamentar.
Portanto, a teologia é a rainha das ciências, a
filosofia é sua ministra, e as artes naturais são suas servas. Assim se cumpre
a ordem do saber: do inferior ao superior, do humano ao divino, do conhecimento
à sabedoria.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Nem todas as ciências são igualmente sábias, porque nem todas julgam pelas
causas supremas. Cada ciência é tanto mais sábia quanto mais universal é a
causa que conhece.
Ad secundum:
Embora todas as luzes venham de Deus, não todas participam igualmente de sua
claridade. A luz do sol é uma, mas ilumina diversamente a pedra, a planta e o
espírito.
Ad tertium:
A teologia, embora sem evidência natural, possui certeza maior que a filosofia,
porque tem por princípio a revelação divina. O que falta em clareza, sobra em
infalibilidade.
Conclusiones
— Conclusões
- Há três sabedorias: divina, angélica e humana, conforme três modos
de participação na luz de Deus.
- A sabedoria humana é discursiva e imperfeita, mas elevável pela fé.
- A teologia é a forma suprema do saber humano, pois une o intelecto
à causa última.
- A filosofia é inferior à teologia quanto à luz, mas necessária
quanto ao exercício.
- A hierarquia das ciências reflete a hierarquia dos seres e das
luzes.
Annotationes
— Anotações
(1) S.Th., I-II, q.66, a.5: “Sapientia
est donum Spiritus Sancti, quod totam vitam humanam ordinat ad Deum.” — “A
sabedoria é dom do Espírito Santo, que ordena toda a vida humana para Deus.”
(2) João de São Tomás distingue “sapientiam
acquisitam” (filosófica) e “sapientiam infusam” (teológica). A primeira nasce
do estudo; a segunda, da graça.
(3) A hierarquia das ciências é também hierarquia
das causas: as ciências físicas subordinam-se à matemática, a matemática à
metafísica, e todas à teologia.
(4) O princípio que governa toda essa ordem é o
axioma tomista: Ordo scientiarum est secundum ordinem causarum — “A
ordem das ciências segue a ordem das causas.”
(5) A estrutura tripla de sabedoria (angélica,
humana, divina) reflete o esquema da Summa Theologiae: De Deo in se
(sabedoria divina), De Deo creatore (sabedoria angélica) e De Deo
redemptore (sabedoria humana).
LIBER TERTIUS — DE APPROBATIONE ET
AUCTORITATE DOCTRINAE D. THOMAE
(Sobre a aprovação e autoridade da doutrina de
Santo Tomás)
Prooemium — Prólogo
Na sucessão dos tempos, a Igreja, guardiã da
Verdade divina, aprovou e consagrou certos mestres cujas doutrinas exprimem com
maior pureza o espírito do Evangelho e da razão iluminada pela fé. Entre esses,
brilha de modo singular São Tomás de Aquino, cuja doutrina, nascida da
luz de Aristóteles e transfigurada pela caridade de Cristo, tornou-se o eixo do
saber teológico católico.
João de São Tomás abre este livro declarando que a
autoridade do Doutor Angélico não é humana, mas eclesial, pois se apoia em
decretos apostólicos e conciliares. Sua defesa da doutrina tomista é, portanto,
um ato de obediência, não de partidarismo.
TRACTATUS
UNICUS — Tractado Único
Articulus
Primus — De approbatione apostolica et ecclesiastica
(Da aprovação apostólica e eclesiástica)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que não é lícito atribuir autoridade singular a um doutor, pois a fé se apoia na Escritura e na Tradição, não na doutrina de um homem.
Ergo, a Igreja não deve exaltar Santo Tomás acima de outros. - Obiectio secunda:
Além disso, se todos os santos Padres foram inspirados pelo mesmo Espírito, segue-se que suas doutrinas são igualmente dignas de crédito.
Ergo, não há motivo para distinguir a de Tomás. - Obiectio tertia:
Ademais, a sabedoria divina não está encerrada em uma escola, e a teologia não deve depender de um único método humano.
Ergo, a exaltação da doutrina tomista seria contrária à liberdade da Igreja.
Sed contra —
Em contrário
O Papa Pio V declarou em sua Constituição de 1567:
“Doctrina Sancti Thomae est proprius et tutissimus
normae catholicae fidei interpretandi modus.”
“A doutrina de São Tomás é o modo próprio e seguríssimo de interpretar a fé
católica.”
Logo, a aprovação da Igreja confere à doutrina
tomista autoridade pública e normativa.
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
A Igreja, enquanto mestra universal da verdade, não
se apoia apenas na autoridade divina das Escrituras, mas também na autoridade
derivada dos doutores que, por inspiração e esforço, ordenaram as verdades
reveladas de modo conforme à razão e à fé.
Entre esses, São Tomás de Aquino ocupa o
lugar de “regra viva da teologia”, porque uniu em si as três notas que a Igreja
requer para o ensino autorizado: ortodoxia perfeita, método universal e
clareza demonstrativa.
Primeiro, quanto à ortodoxia, nunca houve sentença
sua reprovada pela Sé Apostólica; ao contrário, muitas foram confirmadas.
Segundo, quanto ao método, reuniu toda a tradição patrística e filosófica em
unidade orgânica. Terceiro, quanto à clareza, exprimiu a fé não por autoridade
cega, mas por demonstração subordinada à luz da revelação.
Por isso, os Sumos Pontífices, reconhecendo a excelência
de sua doutrina, decretaram:
— Inocêncio VI (†1362): “Sua doutrina não
foi inferior à dos Padres Gregos e Latinos.”
— São Pio V (†1572): “Foi luz da Igreja e defensor da fé.”
— Leão XIII (†1903): “Entre os doutores, Tomás é como o sol entre as
estrelas.”
E a Congregação dos Estudos, no decreto de 1879 (Aeterni
Patris), declarou:
“In disciplinis sacris, magisterium Doctoris
Angelici sequendum est, tanquam normam et regulam certissimam.”
“Nas disciplinas sagradas, deve seguir-se o magistério do Doutor Angélico como
norma e regra seguríssima.”
Assim, não é idolatria, mas obediência, reconhecer
que a Igreja, ao aprovar sua doutrina, nela reconheceu o espelho mais puro da
sabedoria cristã.
A autoridade de Tomás não diminui a dos outros, mas
as reúne; não exclui os Padres, mas os organiza; não encerra a verdade, mas a
orienta.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A fé se apoia na Escritura, mas requer intérpretes. A Igreja, ao aprovar Tomás,
não cria novo fundamento, mas consagra um intérprete privilegiado da Tradição.
Ad secundum:
Todos os santos Padres são inspirados, mas de modo diverso. Em Tomás, a graça
da sabedoria foi acompanhada pela ordem da ciência; nos outros, pela chama da
contemplação.
Ad tertium:
A teologia não depende de um método humano, mas é servida por ele. O método
tomista é o mais conforme à natureza da fé porque conjuga raciocínio e
submissão.
Conclusiones
— Conclusões
- A Igreja aprovou a doutrina de São Tomás com autoridade apostólica
e universal.
- Essa aprovação não cria novo magistério, mas confirma o antigo sob
forma ordenada.
- O método tomista é o modelo legítimo da teologia católica, por unir
fé e razão.
- A autoridade de Tomás é participada, não absoluta; deriva da
Igreja, não de si mesmo.
- A rejeição sistemática de sua doutrina implica afastamento da norma
da ortodoxia.
Annotationes
— Anotações
(1) Cf. Constitutiones Summorum Pontificum
(Pius V, Leão XIII, Bento XV): todas confirmam a preeminência da doutrina
tomista nas escolas católicas.
(2) João de São Tomás usa aqui o termo auctoritas
publica Ecclesiae, distinto de auctoritas privata magistri: a
primeira regula, a segunda ensina.
(3) O elogio “sol inter astra” vem de Leão XIII,
retomado por Pio XI na Studiorum Ducem (1923).
(4) No final do Prologus, João afirma: “Non
tollitur varietas, sed reducitur ad ordinem.” — “A variedade não é
suprimida, mas reconduzida à ordem.”
(5) Esse Liber Tertius encerra a primeira
parte do Cursus Theologicus (os fundamentos), e abre caminho para o Liber
Quartus, onde se iniciam as questões da Prima Pars de Santo Tomás —
a doutrina de Deus.
LIBER TERTIUS — DE APPROBATIONE ET
AUCTORITATE DOCTRINAE D. THOMAE
ARTICULUS
SECUNDUS — De auctoritate Doctoris Angelici inter scholasticos
(Da autoridade do Doutor Angélico entre os
escolásticos)
Prooemium — Prólogo
Entre os doutores que interpretaram a Sagrada
Teologia, há diversos graus de autoridade: uns foram veneráveis pela santidade,
outros ilustres pela sutileza, outros pela eloqüência. Mas entre todos, Santo
Tomás de Aquino ocupa o lugar de regra e de centro — não apenas por sua
ciência, mas por sua fidelidade absoluta à fé.
João de São Tomás declara que a teologia
escolástica não deve ser multiplicada em sistemas discordantes, mas
reconduzida à unidade na mente do Doutor Angélico, que soube harmonizar o
espírito de Aristóteles com a luz da Revelação.
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece indevido atribuir autoridade normativa a um doutor particular, pois a verdade teológica é múltipla em expressão, e cada mestre contribui de modo diverso.
Ergo, não deve haver um único regulador da teologia. - Obiectio secunda:
Além disso, a teologia floresceu igualmente em outras escolas — escotista, suareziana, augustiniana —, que produziram santos e doutores.
Ergo, a primazia tomista não é necessária. - Obiectio tertia:
Por fim, a sabedoria divina não é propriedade de uma só mente; o Espírito sopra onde quer.
Ergo, fazer de Tomás uma norma universal seria restringir a liberdade do Espírito.
Sed contra —
Em contrário
O Papa Bento XIV afirma:
“Ecclesia Doctorem Angelicum tamquam normam
orthodoxae doctrinae amplectitur.”
“A Igreja abraça o Doutor Angélico como norma da doutrina ortodoxa.”
E João de São Tomás comenta:
“Inter omnes scholasticos unus est Angelicus
Doctor, qui fidem rationi sociavit, nec eam subjecit, nec deseruit.”
“Entre todos os escolásticos, só o Doutor Angélico uniu a fé à razão sem
submetê-la, nem dela desertar.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
A teologia escolástica, enquanto ciência, requer
uma forma, isto é, uma disposição ordenada dos princípios, pela qual a
multiplicidade de opiniões se subordina à unidade da verdade. Ora, essa forma
foi dada à Igreja por Santo Tomás, não como mestre privado, mas como Doctor
communis Ecclesiae.
Ele não criou nova doutrina, mas consolidou a
antiga. Reuniu em harmonia a força especulativa dos gregos, a piedade dos
Padres, a clareza dos latinos e a fidelidade da fé católica. Por isso, a Igreja
o propôs não apenas como exemplo, mas como regra.
Sua autoridade entre os escolásticos se funda em
três causas principais:
- Per lumen rationis illustratum fide. — A luz da razão em Tomás foi purificada pela fé. Ele investigou
como filósofo, mas concluiu como teólogo.
- Per ordinem et methodum. —
Introduziu uma arquitetura de ciência: toda questão se abre com objectiones,
equilibra-se com sed contra, e se resolve com respondeo dicendum
quod. Assim, a teologia deixou de ser mera coleção de sentenças e
tornou-se corpo orgânico.
- Per spiritum Ecclesiae. — Em
toda sua obra, nunca há oposição ao magistério; ao contrário, cada artigo
é uma defesa implícita da unidade da fé.
Dessa tríplice causa nasce sua autoridade singular:
não domina, mas ordena; não exclui, mas integra; não impõe, mas demonstra.
Assim, entre os escolásticos, Tomás é o ponto de
equilíbrio — o axis veritatis, sobre o qual as divergências se medem.
Escoto investigou a sutileza da distinção formal; Suárez, a metafísica do ser;
mas Tomás, com superior sabedoria, uniu ambas sob o primado do ato de ser (actus
essendi), centro de toda metafísica cristã.
Logo, ele é chamado Doctor Angelicus não por
louvor vazio, mas porque sua doutrina é pura como a luz dos anjos: simples,
ordenada, e voltada para Deus.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A unidade da teologia não nega a pluralidade dos doutores; mas requer que essa
pluralidade se ordene a uma norma comum. A multiplicidade sem regra é confusão,
não sabedoria.
Ad secundum:
As outras escolas contribuíram legitimamente, mas em dependência da estrutura
tomista. Escoto e Suárez comentam, completam, discutem — mas não substituem. A
doutrina de Tomás é o tronco; as outras, ramos.
Ad tertium:
A liberdade do Espírito Santo não é desordem. O mesmo Espírito que sopra onde
quer é o que conduz a Igreja à unidade da fé. Por isso, confirmar o Doutor Angélico
é confirmar o sopro do Espírito na razão humana.
Conclusiones
— Conclusões
- A autoridade de Santo Tomás entre os escolásticos é normativa, não
apenas exemplar.
- Sua doutrina unifica a diversidade teológica sem destruir a
legítima variedade.
- O método tomista é a forma racional da teologia católica.
- A Igreja o propôs como Doctor communis porque nele a fé e a
razão reconciliaram-se.
- Toda escola teológica autêntica deve concordar com o princípio
tomista: fides praesupponit rationem, et ratio deservit fidei.
Annotationes
— Anotações
(1) Cf. Bento XIV, De Servorum Dei
Beatificatione, I, c.4: reconhece explicitamente Tomás como norma
theologorum.
(2) João de São Tomás, em seu comentário à I
Pars, q.1, a.8, escreve: “In Thoma residet totius scholasticae architectura.”
— “Em Tomás reside toda a arquitetura da escolástica.”
(3) O termo Doctor communis foi oficialmente
confirmado pela Congregação dos Estudos em 1880, e novamente na Aeterni
Patris (Leão XIII).
(4) Entre os dominicanos posteriores, Billuart, Gonet
e Gardeil retomam a tese de que o tomismo não é sistema, mas síntese.
(5) O método triplo (objectiones – sed contra –
respondeo) é reconhecido por João de São Tomás como “forma simbólica da
harmonia entre fé, razão e autoridade”.
LIBER TERTIUS — DE APPROBATIONE ET
AUCTORITATE DOCTRINAE D. THOMAE
ARTICULUS
TERTIUS — De testimoniis Conciliorum et Patrum
(Dos testemunhos dos Concílios e dos Padres)
Prooemium — Prólogo
A verdade, que em si é una, reflete-se na história
da Igreja sob múltiplas vozes. E essas vozes — dos Concílios, dos Santos
Padres, dos Doutores e Mártires — formam o coro perene da ortodoxia. João de
São Tomás, nesta disputa, busca mostrar que a doutrina de Santo Tomás é o
eco fiel dessa harmonia patrística e conciliar, não uma invenção de escola,
mas uma recapitulação da Tradição viva.
Ele recorda que a Igreja não canoniza ideias, mas
testemunhos de verdade. Assim, a doutrina tomista foi confirmada não apenas por
decretos pontifícios, mas também pelo consenso dos Concílios e pela consonância
com os Padres — de modo que, seguir Tomás é seguir a Tradição.
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que a doutrina de Santo Tomás não pode ser confirmada pelos Padres, pois estes viveram antes dele, e sua teologia nasceu em outro contexto.
Ergo, não pode dizer-se patrística. - Obiectio secunda:
Além disso, os Concílios definem a fé com autoridade divina, ao passo que Tomás é apenas doutor humano.
Ergo, a conformidade entre sua doutrina e os Concílios é acidental, não necessária. - Obiectio tertia:
Por fim, muitos doutores posteriores diferiram de Tomás em vários pontos sem serem censurados pela Igreja.
Ergo, a doutrina tomista não pode ser norma obrigatória de interpretação.
Sed contra —
Em contrário
O Concílio de Trento, na Sessão XIII, ao tratar da
Eucaristia, segue quase palavra por palavra a Summa Theologiae (III,
q.75–83).
E o Papa Pio V, ao promulgar o Catechismus Romanus, declarou:
“In hoc
Catechismo nihil est quod non ex doctrina S. Thomae haustum sit.”
“Neste Catecismo nada há que não tenha sido haurido da doutrina de São
Tomás.”
Logo, a consonância entre Tomás, os Concílios e os
Padres não é casual, mas intrínseca, pois o mesmo Espírito que inspirou os
primeiros guiou o Doutor Angélico.
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
A autoridade dos Concílios e dos Padres é a
expressão viva da Tradição apostólica. Ora, o que a Igreja reconheceu em Santo
Tomás foi precisamente a perfeita consonância de sua doutrina com essa
Tradição.
Primeiro, quanto aos Concílios, sua doutrina
se mostra conforme em três aspectos:
- Quanto ao conteúdo dogmático, pois
resume e sistematiza as definições dos Concílios de Niceia, Calcedônia e
Trento — sobre a Trindade, a Encarnação e os Sacramentos.
- Quanto ao método,
porque raciocina segundo a regra dos Concílios: unir a autoridade das
Escrituras à interpretação dos Padres.
- Quanto ao fim, pois, como os Concílios,
ordena toda a ciência ao bem da fé e à salvação das almas.
Depois, quanto aos Padres da Igreja, Tomás
não é repetidor, mas continuador: ele recolhe o pensamento de Agostinho sobre a
graça, de Gregório sobre a Providência, de Crisóstomo sobre a caridade, de
Dionísio Areopagita sobre os nomes divinos — e os funde num só corpo.
Assim, pode-se dizer que Tomás é o “herdeiro da
Tradição”, aquele em quem as múltiplas vozes da Igreja antiga reencontram
sua unidade intelectual. Ele é o ponto em que o pensamento cristão deixa de ser
fragmento e se torna organismo.
Por isso, João de São Tomás afirma que “os
Concílios falam pela autoridade, os Padres pela sabedoria, Tomás pela harmonia
de ambos.”
Logo, a doutrina tomista não é extrínseca à
Tradição, mas sua forma racional: o que os Padres creram e celebraram, Tomás
expôs e demonstrou.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Embora os Padres tenham vivido antes de Tomás, sua doutrina não é nova, mas
continuação. Ele não os substitui, mas os interpreta, como o filho que revela o
sentido pleno das palavras do pai.
Ad secundum:
Os Concílios definem a fé, e Tomás a explica. O mesmo Espírito que inspirou os
Concílios inspirou a inteligência do Doutor Angélico. Sua doutrina é, pois,
participante da autoridade conciliar, não por decreto, mas por consonância.
Ad tertium:
A diversidade posterior não anula a norma. Outros doutores foram permitidos,
mas não propostos como regra. A Igreja reconhece em Tomás a mens Ecclesiae
— a forma habitual de pensar com a Igreja.
Conclusiones
— Conclusões
- A doutrina tomista está em plena conformidade com os Concílios
Ecumênicos e com a Tradição Patrística.
- Essa conformidade não é acidental, mas essencial, pois brota da
mesma luz do Espírito que guia a Igreja.
- Santo Tomás é o intérprete autorizado da fé conciliar e o
sistematizador da sabedoria dos Padres.
- Seguir sua doutrina é permanecer na corrente viva da Tradição.
- O tomismo é, portanto, o modo racional da Tradição católica, não
uma escola privada.
Annotationes
— Anotações
(1) O Concilium Lateranense IV (1215) e o Concilium
Tridentinum (1545–1563) são os dois pilares conciliares da estrutura
tomista: o primeiro define as relações entre Criador e criatura; o segundo, a
natureza dos sacramentos e da graça, exatamente como em Tomás.
(2) Santo Agostinho é chamado por João de São Tomás
praecursor Thomae, precursor de Tomás, pois nele se encontra em germe o
que Tomás desenvolve com método.
(3) O Papa Bento XIII, em 1724, afirmou: “Doctrina
S. Thomae est compendium Patrum et fundamentum Conciliorum.” — “A doutrina
de São Tomás é o compêndio dos Padres e o fundamento dos Concílios.”
(4) A fórmula mens Ecclesiae é usada por
João de São Tomás para designar a consonância viva entre a teologia e o
magistério, onde Tomás é a “voz racional da fé”.
(5) Este Articulus Tertius encerra o Liber
Tertius, e serve como ponte para o Liber Quartus — In Primam Partem S.
Thomae Quaestiones I–VII, onde o Doutor Angélico é estudado diretamente,
começando com a Quaestio Prima: De Sacra Doctrina.
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO PRIMA — De Sacra Doctrina
(Sobre a Doutrina Sagrada)
Prooemium — Prólogo
A Sacra Doctrina é a ciência das ciências, porque
tem por princípio a revelação divina e por fim a salvação eterna. Todas as
outras ciências são servas dela, pois recebem da luz natural o que esta recebe
da luz do próprio Deus.
João de São Tomás abre o
comentário afirmando que esta primeira questão de Santo Tomás é o fundamento de
toda a Summa Theologiae:
nela se determina o
estatuto epistemológico da teologia — sua origem, seu método, seu objeto e sua dignidade.
Articulus Primus — Utrum sacra doctrina sit scientia
(Se a doutrina sagrada é
uma ciência)
Objectiones — Objeções
1.
Obiectio
prima:
Parece que a doutrina sagrada não é ciência, pois a ciência, segundo
Aristóteles (Posteriorum
Analyticorum, I, 2), procede de princípios evidentes. Ora, os
princípios da teologia não são evidentes, mas cridos pela fé.
Ergo, a doutrina
sagrada não é ciência.
2.
Obiectio
secunda:
A ciência humana é adquirida pelo esforço da razão. Mas a teologia é infusa e
depende da revelação.
Ergo, não pertence
ao mesmo gênero de conhecimento.
3.
Obiectio
tertia:
A ciência se exerce em ordem natural, e a fé em ordem sobrenatural.
Ergo, a teologia
não é ciência, mas mero assentimento piedoso.
Sed contra — Em contrário
Diz Santo Tomás (S.Th., I, q.1, a.2):
“Sacra doctrina est
scientia subalternata, quae habet principia cognita lumine superioris
scientiae, scilicet Dei et beatorum.”
“A doutrina sagrada é ciência subalternada, que possui seus princípios
conhecidos pela luz de uma ciência superior, a de Deus e dos bem-aventurados.”
Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que
Deve-se distinguir o duplo modo
de ciência: per
se, como nas
ciências que derivam seus princípios da razão natural; e per participationem, como nas que recebem seus princípios
de uma ciência superior.
A teologia pertence a este
segundo gênero, pois seus princípios são revelados por Deus e conhecidos na
ciência divina. Assim como a óptica é ciência subalternada à geometria, a
teologia é ciência subalternada à sabedoria divina.
Ainda que para nós seus
princípios não sejam evidentes, são, contudo, infalíveis, porque procedem da
luz increada. A obscuridade está no sujeito que crê, não no objeto crido.
Portanto, a teologia é ciência
quanto à certeza de suas conclusões, não quanto à evidência de seus princípios.
A razão natural, nela, não cria, mas serve; não julga, mas ordena.
E como os bem-aventurados veem
o que nós cremos, a ciência deles é a raiz da nossa: a teologia dos peregrinos
é participação da ciência dos santos.
Logo, a doutrina sagrada é ciência
subalternada, fundada na luz divina, e, por isso, mais certa que todas as
ciências naturais.
Ad Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Os princípios da teologia não são evidentes para nós, mas são-no em Deus; e o
grau de ciência não se mede pela nossa capacidade, mas pela firmeza do
princípio.
Ad secundum:
Embora infusa em sua origem, a teologia é exercida pela razão humana iluminada
pela fé. Assim, participa de ambas as ordens: é sobrenatural na origem,
racional no exercício.
Ad tertium:
A fé não destrói a razão, mas a aperfeiçoa. O assentimento teológico é mais
firme que o científico, porque repousa na autoridade divina, não na experiência
sensível.
Conclusiones — Conclusões
1.
A
doutrina sagrada é ciência por participação, subalternada à ciência de Deus e
dos santos.
2.
Sua
certeza é superior à das ciências humanas, embora menos evidente.
3.
Seus
princípios são revelados, não demonstrados.
4.
Sua
função é ordenar a razão à luz da fé.
5.
O
seu fim é a visão beatífica, da qual é prelúdio racional.
Annotationes — Anotações
(1) João de São Tomás nota que
“a teologia é ciência formalmente no modo de conhecer, e sabedoria no modo de
ordenar”, unindo razão e fim.
(2) A subalternação teológica é
mais profunda que a das ciências naturais: não só lógica, mas ontológica — pois
o intelecto humano é elevado pela graça.
(3) A fórmula sacra doctrina est scientia subalternata
torna-se o eixo de toda a epistemologia tomista, retomada por Gardeil e
Billuart.
(4) Obscuritas fidei non tollit certitudinem scientiae, sed
modum evidentiae. — “A obscuridade da fé não destrói a certeza da
ciência, mas apenas o modo da evidência.”
(5) Esta quaestio serve como prólogo
à Prima Pars
inteira: nela se decide o que significa “fazer teologia”.
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
PRIMA — De Sacra Doctrina
ARTICULUS
SECUNDUS — Utrum sacra doctrina sit una vel multiplex
(Se a doutrina sagrada é una ou múltipla)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que a doutrina sagrada não é una, pois ela trata de uma multiplicidade de matérias — Deus, os anjos, o homem, os sacramentos, as virtudes e os pecados.
Ergo, sendo o objeto múltiplo, múltipla também deve ser a ciência. - Obiectio secunda:
Além disso, a teologia contém em si tanto o aspecto especulativo quanto o prático. Ora, a distinção entre especulativo e prático divide as ciências.
Ergo, a doutrina sagrada não pode ser una. - Obiectio tertia:
Finalmente, o mesmo princípio não pode unificar ciências que procedem de objetos formalmente diversos. Ora, a doutrina sagrada considera Deus em si e nas criaturas sob modos diversos.
Ergo, a diversidade de formalidades destrói a unidade da ciência.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás diz (S.Th., I, q.1, a.3):
“Sacra doctrina est una, quia habet unum formale
objectum, sub quo considerat omnia, scilicet Deum sub ratione Dei.”
“A doutrina sagrada é una, porque possui um único objeto formal sob o qual
considera todas as coisas: Deus enquanto Deus.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
A unidade de uma ciência não depende da
simplicidade material de seu objeto, mas da unidade formal sob a qual esse
objeto é considerado.
Assim, diversas matérias podem constituir uma única ciência, desde que sejam
vistas sob um mesmo princípio formal.
Ora, a teologia contempla todas as coisas em sua
relação com Deus: quer Deus em si mesmo, quer as criaturas enquanto
participam ou refletem sua bondade.
Logo, embora os objetos materiais sejam múltiplos, o formal é um só — sub
ratione Dei — e essa unidade formal é suficiente para constituir uma única
ciência.
A razão teológica, portanto, é unificadora: tudo o
que existe é referido a Deus como ao princípio e ao fim.
O anjo e o homem, o pecado e a graça, a natureza e a glória — tudo é
considerado enquanto depende do Ser divino, enquanto manifesta, participa ou se
ordena ao seu bem supremo.
Deste modo, a teologia é una não por estreiteza,
mas por amplitude: contém o múltiplo sob o selo da unidade.
A variedade de temas nela é apenas o reflexo da riqueza do seu objeto único —
Deus.
Assim, a ciência sagrada é una formalmente,
múltipla materialmente: una no olhar, diversa nas coisas vistas.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A multiplicidade dos temas não destrói a unidade da ciência, porque são
tratados sob o mesmo aspecto formal, isto é, enquanto ordenados a Deus.
Ad secundum:
A distinção entre especulativo e prático não divide essencialmente a teologia,
pois o mesmo princípio regula ambos. O conhecimento de Deus move o amor a Deus;
logo, o especulativo e o prático se unem em seu fim.
Ad tertium:
Deus é considerado sob múltiplas relações — em si e nas criaturas —, mas o
aspecto formal é o mesmo: Deus sub ratione Dei.
Assim como a medicina considera o homem são e enfermo sob o mesmo princípio de
vida, a teologia considera o Criador e a criatura sob o mesmo princípio divino.
Conclusiones
— Conclusões
- A teologia é formalmente una, porque tem um único objeto formal:
Deus enquanto Deus.
- A multiplicidade das matérias não destrói essa unidade, pois são
vistas sob o mesmo aspecto.
- A distinção entre especulativo e prático é acidental, não
essencial, à teologia.
- A unidade da teologia reflete a unidade do próprio Ser divino, no
qual tudo se reúne.
- A teologia é, portanto, una por sua forma, múltipla por seu
alcance, divina por sua origem e final.
Annotationes
— Anotações
(1) João de São Tomás observa que, assim como a luz
ilumina diversas cores sem se dividir, a teologia abrange múltiplos temas sem
perder a unidade de seu princípio formal.
(2) A expressão Deus sub ratione Dei
significa que o objeto da teologia não é apenas Deus em sua essência, mas tudo
o que se ordena a Ele enquanto causa e fim.
(3) Gardeil comenta que esta unidade é “analógica e
não unívoca”: a teologia une o diverso pela referência ao Uno, não pela
identidade de gênero.
(4) A teologia é una “per intentionem finis”, pois
todas as suas proposições se ordenam à visão beatífica, conforme a Summa
Contra Gentiles, I, 4: “Finis huius scientiae est manifestatio divinae
veritatis.”
(5) João de São Tomás, ao comentar este artigo,
chama a teologia de “unum corpus doctrinale”, porque nela tudo se articula
organicamente, como membros de um mesmo corpo animado pela luz divina.
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
PRIMA — De Sacra Doctrina
ARTICULUS
TERTIUS — Utrum sacra doctrina sit speculativa vel practica
(Se a doutrina sagrada é especulativa ou prática)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que a doutrina sagrada é principalmente prática, pois ela se ordena às obras da salvação e à retidão da vida.
Ergo, como o fim prático é o agir, parece que a teologia é ciência moral e prática. - Obiectio secunda:
Além disso, os pregadores e doutores da Igreja aplicam a teologia à conversão das almas e à formação dos costumes.
Ergo, sendo o seu uso prático, sua natureza também o será. - Obiectio tertia:
Toda ciência que dirige o homem ao fim último é prática. Ora, a teologia tem por fim conduzir o homem à bem-aventurança.
Ergo, é prática, e não especulativa.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás declara (S.Th., I, q.1, a.4):
“Sacra doctrina principaliter est speculativa, etsi
aliquid ad praxim ordinetur.”
“A doutrina sagrada é principalmente especulativa, ainda que algo nela se
ordene à prática.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Toda ciência se distingue pelo seu fim: se o fim é
o saber, é especulativa; se é o agir, é prática.
Ora, o fim da teologia não é o agir humano em si mesmo, mas o conhecimento
de Deus — e o agir é ordenado a esse conhecimento como meio para a união
com Ele.
Logo, a teologia é principaliter speculativa,
porque o seu objeto próprio é a Verdade divina, contemplada sob o aspecto do
fim último.
Contudo, porque essa Verdade é também o bem supremo
do homem, segue-se que a teologia tem virtude prática em suas conclusões
morais e ascéticas, pelas quais o homem é conduzido a agir conforme o que
conhece.
Assim, ela é speculativa per essentiam, practica
per extensionem: especulativa em sua forma e objeto, prática em sua
aplicação e efeito.
João de São Tomás acrescenta que, embora as
virtudes teologais de fé, esperança e caridade produzam atos, esses atos
derivam da contemplação do objeto divino, e não de regras técnicas de ação.
Portanto, a teologia não é ciência de obras como a
ética, mas ciência de causas e fins, cujo conhecimento move à ação por
participação da Verdade.
Deste modo, a teologia é mais que prática e mais
que especulativa: é sapientia, porque conhece a causa última de todas as
coisas e ordena tudo a ela.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Embora se ordene à retidão da vida, isso é consequência, não essência. O reto
agir nasce do reto conhecer; e como o conhecer precede, a teologia é
principalmente especulativa.
Ad secundum:
Os pregadores usam a teologia em sentido prático, mas o uso não define a
natureza. O mesmo conhecimento que ilumina o intelecto move a vontade à
caridade.
Ad tertium:
A teologia conduz ao fim último, não como arte que ensina a operar, mas como
sabedoria que revela o que deve ser amado e conhecido. Ela é prática no efeito,
mas especulativa na causa.
Conclusiones
— Conclusões
- A teologia é principalmente especulativa, porque seu fim é o
conhecimento de Deus.
- É prática de modo subordinado, enquanto esse conhecimento move a
ação virtuosa.
- Seu exercício une o saber e o agir, mas sob o primado do saber.
- A distinção entre especulativo e prático nela se resolve na
sabedoria, que é a união do verdadeiro e do bem.
- A teologia é, portanto, sapientia divina, pois contempla
Deus como princípio e fim de todo agir e conhecer.
Annotationes
— Anotações
(1) João de São Tomás observa que “in sacra
doctrina intellectus regit voluntatem, non voluntas intellectum” — a
inteligência governa a vontade, não o contrário.
(2) Santo Tomás, em Contra Gentiles (I,
c.1), define a teologia como “scientia Dei secundum quod est finis hominis”,
o que a torna mais elevada que o mero saber moral.
(3) Gardeil comenta que o aspecto prático da
teologia é “emanativo”: ela não prescreve ações, mas irradia luz sobre o agir,
movendo-o pela contemplação.
(4) Assim, como o sol ilumina e aquece, a teologia
ilumina a mente (speculativa) e aquece o coração (prática), mas por uma mesma
luz.
(5) A síntese final de João de São Tomás é lapidar:
“Sacra
doctrina est speculativa in ratione finis, practica in ratione viatoris,
sapientialis in ratione ordinis universi.”
“A doutrina sagrada é especulativa quanto ao fim, prática quanto ao
viandante, e sapiencial quanto à ordem do universo.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
PRIMA — De Sacra Doctrina
ARTICULUS
QUARTUS — Utrum sacra doctrina sit una scientia vel potius duplex, ex parte
speculativi et practici
(Se a doutrina sagrada é uma única ciência ou
dupla, por causa do aspecto especulativo e do prático)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que a doutrina sagrada é dupla, pois contém tanto o especulativo como o prático, e as ciências especulativas e práticas são distintas por espécie.
Ergo, a teologia deveria dividir-se em duas. - Obiectio secunda:
Além disso, o fim das ciências práticas é o agir, e o das especulativas é o conhecer. Ora, na teologia há quem busque contemplar e quem busque agir.
Ergo, há nelas diversidade essencial. - Obiectio tertia:
Mais ainda, os tratados teológicos se dividem em dogmáticos e morais, e esta distinção é formal, não apenas material.
Ergo, a teologia, por incluir ambos, é composta de duas ciências.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás escreve (S.Th., I, q.1, a.4 ad
2):
“Sicut in una scientia naturali est et speculatio
et actio circa res naturales, ita et in hac doctrina.”
“Assim como numa só ciência natural há tanto a especulação quanto a ação sobre
as coisas naturais, assim também nesta doutrina.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
A distinção entre o especulativo e o prático é
formal, não real.
Uma ciência é dita especulativa quando ordena seu saber à contemplação da
verdade; é dita prática quando ordena o saber à operação.
Ora, a Sacra Doctrina ordena-se primeiramente à verdade divina e secundariamente
ao bem humano.
Logo, a distinção entre especulativo e prático na
teologia é apenas quanto ao modo de aplicação, não quanto ao princípio formal.
Pois o objeto formal de toda ela é o mesmo: Deus sub ratione Dei, ou
seja, Deus enquanto princípio e fim de todas as coisas.
Por conseguinte, a teologia é uma só ciência,
mas contém dois modos de exercício: o especulativo, que contempla Deus
em si mesmo, e o prático, que considera o homem enquanto ordenado a Deus.
A unidade não é quebrada pela variedade dos atos,
assim como o médico, ao estudar a saúde e a doença, não pratica duas ciências,
mas uma só, sob aspectos diversos.
A teologia, portanto, é una porque tem um só
princípio formal, um só fim e um só sujeito transcendental —
Deus.
Mas é também completa porque abarca o itinerário inteiro do espírito humano: o
conhecer que se faz amar, e o amar que se faz conhecer.
Assim, João de São Tomás resume:
“Una est scientia, sed duplici lumine:
contemplativo et directivo.”
“É uma só ciência, mas com dupla luz: a que contempla e a que dirige.”
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A distinção entre o especulativo e o prático não gera duas ciências, mas dois
usos de uma mesma sabedoria, porque ambas as operações procedem da mesma raiz
formal — o conhecimento de Deus.
Ad secundum:
O fim último é o mesmo: a união com Deus. O especulativo atinge esse fim pelo
conhecer; o prático, pelo agir movido pelo conhecer. Portanto, há diversidade
de via, não de essência.
Ad tertium:
Os tratados dogmáticos e morais distinguem-se quanto ao assunto, mas não quanto
à forma. Ambos dependem da mesma luz da revelação e participam da mesma
teologia.
Conclusiones
— Conclusões
- A teologia é uma única ciência, embora contenha em si dois modos de
exercício — especulativo e prático.
- A distinção entre ambos é acidental, não essencial, porque têm o
mesmo objeto formal: Deus enquanto Deus.
- O fim supremo da teologia é contemplativo, mas o caminho que leva a
ele é prático.
- A teologia une conhecimento e ação sob a unidade da sabedoria
divina.
- Por isso, é chamada scientia sapientialis, pois contempla
para dirigir e dirige pela contemplação.
Annotationes
— Anotações
(1) João de São Tomás insiste que a teologia é “una
formaliter, duplex materialiter”: a diversidade dos temas não implica
duplicidade formal.
(2) Billuart comenta que “o especulativo e o
prático estão na teologia como alma e corpo”: o primeiro ilumina, o segundo
opera.
(3) Em De Veritate, q.14, a.2, Santo Tomás
afirma: “Speculatio ordinatur ad actionem sicut perfectio ad imperfectum,
non sicut species ad speciem.” — “A especulação se ordena à ação como o
perfeito ao imperfeito, não como espécie a espécie.”
(4) Gardeil nota que João de São Tomás concebe a teologia
como “síntese dinâmica”: uma única ciência que gera vida, e uma única vida que
retorna à ciência.
(5) Assim se encerra a Quaestio Prima, em
que se definem a natureza, unidade, forma e fim da teologia — fundamento de
toda a Summa Theologiae.
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
PRIMA — De Sacra Doctrina
ARTICULUS
QUINTUS — Utrum sacra doctrina sit sapientia
(Se a doutrina sagrada é sabedoria)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que a doutrina sagrada não é sabedoria, pois a sabedoria é a mais alta das ciências, e só Deus é propriamente sapientissimus.
Ergo, a teologia humana, que é limitada e recebida por fé, não pode chamar-se sabedoria. - Obiectio secunda:
Além disso, a sabedoria julga pelas causas supremas, mas a teologia procede por autoridade e fé, não por demonstração causal.
Ergo, não tem caráter sapiencial. - Obiectio tertia:
A sabedoria pertence à razão especulativa, enquanto a caridade pertence à vontade. Ora, a teologia é tanto afetiva quanto racional, pois visa o amor a Deus.
Ergo, não é propriamente sabedoria, mas misto de ciência e afeto.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás afirma (S.Th., I, q.1, a.6):
“Sacra doctrina est sapientia, quia per eam homo
dirigitur in Deo tanquam in ultimum finem, et quia iudicat de omnibus secundum
divinam veritatem.”
“A doutrina sagrada é sabedoria, porque por ela o homem é dirigido a Deus como
fim último, e porque julga de todas as coisas segundo a verdade divina.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
A sabedoria é a mais perfeita das ciências, pois
conhece e julga pela causa suprema. Ora, a teologia tem precisamente esse
caráter, pois considera Deus como causa primeira e fim último de todas as
coisas.
Há, portanto, dois modos de sabedoria:
— Um, natural, que julga segundo a razão criada (sapientia humana).
— Outro, sobrenatural, que julga segundo a razão divina (sapientia
divina).
A primeira pertence ao filósofo; a segunda, ao
teólogo.
O filósofo julga segundo o lume natural; o teólogo, segundo a luz infusa da
revelação.
Assim, a teologia é sabedoria por participação,
não por essência — sapientia participata a lumine divino.
Por meio dela, o homem participa da própria visão de Deus e julga o mundo à luz
do Eterno.
O princípio formal da teologia é a luz da fé,
que é participação da luz divina; por isso, ainda que seu conhecimento não seja
evidente, é mais certo, porque se apoia na autoridade do próprio Deus que
revela.
Além disso, a teologia é sabedoria quanto ao fim,
pois dirige a alma ao seu termo último — a união com Deus.
É sabedoria quanto à causa, pois deriva da ciência dos bem-aventurados.
E é sabedoria quanto ao juízo, pois regula todas as ciências e virtudes
segundo o primeiro princípio.
Logo, a teologia é verdadeiramente sabedoria, não
humana, mas divina: não porque compreendamos a Deus, mas porque, pela fé, vemos
todas as coisas em Deus.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A sabedoria perfeita pertence a Deus; mas o homem pode participar dela segundo
sua medida. Assim como o espelho recebe a imagem sem conter o sol, o intelecto
iluminado pela fé reflete a luz da sabedoria divina.
Ad secundum:
Embora a teologia não demonstre por via de causa natural, julga pelas causas
supremas, pois seus princípios vêm da ciência de Deus. O modo é de fé, o
conteúdo é de sabedoria.
Ad tertium:
A teologia é afetiva quanto ao termo, mas intelectual quanto à forma. A
caridade é o movimento que leva à sabedoria, e a sabedoria é a forma que regula
a caridade.
Conclusiones
— Conclusões
- A teologia é sabedoria, porque considera a causa primeira e o fim
último — Deus.
- É sabedoria por participação, pois julga de tudo à luz divina.
- É sabedoria teologal, não filosófica: mais certa, embora menos
evidente.
- É sabedoria normativa, pois ordena todas as ciências ao mesmo fim.
- O teólogo é sábio não por saber muito, mas por referir tudo a Deus.
Annotationes
— Anotações
(1) João de São Tomás comenta que a sabedoria
teológica é “judicium per lumen fidei”: juízo formado pela luz da fé,
que supera a razão, mas não a contradiz.
(2) A distinção entre sabedoria filosófica (sapientia
naturalis) e sabedoria teológica (sapientia divina) é retomada por
Gardeil: a primeira é analítica, a segunda é hierárquica — ela ordena.
(3) Santo Tomás, em Contra Gentiles (I,
c.1), chama esta ciência “sapientia sacra”, porque ordena todas as
outras sob o primado do fim último.
(4) A sabedoria teológica é inseparável da
caridade: “Spiritus sapientiae et intellectus est idem Spiritus Sanctus.”
— “O Espírito da sabedoria e do entendimento é o mesmo Espírito Santo.”
(5) Em João de São Tomás, a teologia sapiencial é o
vértice da ciência: o intelecto iluminado pela fé julga, o amor inflama, e a
alma ascende.
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
PRIMA — De Sacra Doctrina
ARTICULUS
SEXTUS — De principiis huius scientiae
(Dos princípios desta ciência)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que os princípios da teologia são os mesmos da filosofia, pois ambas tratam do ser, da causa e do fim.
Ergo, a teologia não tem princípios próprios, mas participa dos filosóficos. - Obiectio secunda:
Além disso, todo conhecimento que depende de autoridade parece menos científico, porque a ciência procede de evidência. Ora, a teologia se apoia na autoridade da Escritura.
Ergo, não tem princípios científicos, mas meramente fideístas. - Obiectio tertia:
Por fim, se os princípios da teologia são revelados, e a revelação é mistério, segue-se que a teologia não possui fundamentos cognoscíveis, mas obscuros.
Ergo, não pode edificar ciência, pois o obscuro não é princípio de luz.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás escreve (S.Th., I, q.1, a.8):
“Principia huius scientiae sunt articuli fidei, qui
nobis revelati sunt a Deo.”
“Os princípios desta ciência são os artigos da fé, revelados a nós por Deus.”
E acrescenta:
“Quaecumque in hac doctrina traduntur, sub his
principiis continetur.”
“Tudo o que é ensinado nesta doutrina está contido sob esses princípios.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Toda ciência se funda em princípios
indemonstráveis, conhecidos de modo superior.
Ora, as ciências humanas repousam nos primeiros princípios da razão natural;
mas a teologia repousa nos princípios revelados por Deus, que excedem
toda a razão criada.
Esses princípios são chamados articuli fidei,
artigos da fé, que constituem o alicerce formal de toda a teologia.
Assim como o geômetra não demonstra o axioma, mas o usa para deduzir
conclusões, o teólogo não demonstra o artigo de fé, mas o emprega como
princípio certo.
Por conseguinte, o princípio próprio da teologia é
a revelação divina, e sua regra próxima é a Sagrada Escritura,
lida à luz da Tradição e do Magistério.
A razão humana, por sua vez, serve à teologia como instrumento, ordenando o que
é recebido, e deduzindo consequências.
Dessa forma, há uma hierarquia de princípios:
- Princípio formal remoto: a
ciência de Deus e dos bem-aventurados.
- Princípio formal próximo: a
revelação divina, contida na Escritura e Tradição.
- Princípio instrumental: a
razão iluminada pela fé.
E como os princípios procedem da sabedoria divina,
neles não há erro; a obscuridade não é defeito, mas sinal da grandeza da luz
que excede a vista.
Logo, a teologia é ciência fundada não em
princípios humanos, mas em princípios divinos: é Deus quem ensina Deus ao
homem.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Os princípios da teologia e da filosofia coincidem materialmente em certos
temas, mas não formalmente.
A filosofia considera o ser segundo a razão natural; a teologia, segundo a
revelação.
Ad secundum:
A autoridade da Escritura não é humana, mas divina; logo, o assentimento
teológico é mais firme, não menos, que o filosófico.
A fé não é obscuridade irracional, mas certeza fundada no próprio Verbo que
fala.
Ad tertium:
A revelação é obscura quanto ao modo de apreensão, não quanto à verdade.
Como o sol ofusca o olhar sem perder luz, assim o mistério excede a mente sem
perder evidência.
Conclusiones
— Conclusões
- Os princípios da teologia são os artigos da fé, revelados por Deus.
- A Escritura e a Tradição são o depósito desses princípios,
constituindo a regra próxima da teologia.
- A razão humana serve como instrumento subordinado, não como fonte.
- A obscuridade da fé procede da excelência da luz divina, não da
fraqueza da verdade.
- A teologia é ciência divina porque tem Deus por autor, por objeto e
por princípio.
Annotationes
— Anotações
(1) João de São Tomás afirma que “principia
theologiae sunt luminosa in se, sed obscura nobis”: luminosos em si,
obscuros a nós.
(2) Ele distingue principium formale obiectivum
(a verdade revelada) e principium formale quo (a luz da fé pela qual
cremos).
(3) Santo Tomás, em De Veritate, q.14, a.9,
escreve: “Lux fidei est participatio luminis divini in intellectu viatoris.”
— “A luz da fé é uma participação da luz divina no intelecto do peregrino.”
(4) Em Gardeil, a revelação é o “lugar
epistemológico da teologia”: não um dado externo, mas a própria forma do
conhecer teológico.
(5) Assim, para João de São Tomás, a teologia é a “scientia
sub lumine fidei ordinata ad lumen gloriae” — ciência ordenada da fé à
visão, cujos princípios são sementes da visão eterna.
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
PRIMA — De Sacra Doctrina
ARTICULUS
SEPTIMUS — De subordinatione theologiae ad alias scientias
(Da subordinação da teologia às demais ciências)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que a teologia é subordinada às outras ciências, pois ela faz uso de suas demonstrações e princípios — da filosofia natural, da lógica e da metafísica.
Ergo, sendo dependente, não pode ser superior. - Obiectio secunda:
Além disso, nenhuma ciência que receba auxílio de outra pode ser sua regra. Ora, a teologia utiliza as conclusões dos filósofos.
Ergo, é inferior à filosofia, que lhe fornece os instrumentos de raciocínio. - Obiectio tertia:
Finalmente, o que é conhecido por fé não é conhecido pela razão; e como as ciências racionais têm maior evidência, parecem mais perfeitas.
Ergo, a teologia é subordinada, e não superior, às ciências humanas.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás afirma (S.Th., I, q.1, a.5):
“Sacra doctrina non recipit lumen ab aliis
scientiis, sed eis praesidet sicut superior.”
“A doutrina sagrada não recebe luz das outras ciências, mas as governa como
superior.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
As ciências humanas se distinguem e se ordenam
segundo a luz de que procedem.
Umas derivam da razão natural — como a física, a lógica e a metafísica; outras,
porém, derivam da luz sobrenatural — como a teologia.
Ora, o que procede de luz mais alta possui também
autoridade mais alta.
Logo, a teologia, tendo por princípio a luz da revelação divina, é superior
a todas as outras ciências, tanto pela origem quanto pelo fim.
Ela é superior quanto à origem, porque seus
princípios não são descobertos pela razão, mas comunicados pelo próprio Deus.
É superior quanto ao fim, porque não visa apenas o saber, mas a visão
beatífica e a união com o próprio Ser supremo.
Contudo, embora seja superior em dignidade, usa
instrumentalmente as ciências inferiores — não como quem aprende, mas como
quem serve-se de instrumentos para explicitar a verdade revelada.
Assim como o arquiteto se vale do trabalho do pedreiro sem depender dele quanto
ao plano da obra, a teologia se vale da filosofia para ordenar o discurso, sem
depender dela quanto à verdade.
Por isso, João de São Tomás formula o princípio:
“Philosophia
est ancilla theologiae, non domina; theologia non subest, sed praesidet.”
“A filosofia é serva da teologia, não senhora; a teologia não está sob,
mas preside.”
As ciências naturais e filosóficas são verdadeiras
enquanto permanecem dentro de sua esfera; mas, quando se afastam da norma
teológica, perdem o eixo e se tornam sombras de sabedoria.
A teologia, por sua vez, não destrói as outras ciências, mas as
integra na ordem do ser, reconduzindo o múltiplo ao Uno.
Dessa forma, ela é a ciência universal, não por
extensão de objeto, mas por eminência de causa — contém em Deus a razão formal
de tudo o que é conhecido por qualquer ciência.
Logo, a teologia é a “regina scientiarum”,
rainha das ciências, porque tem Deus por princípio, meio e fim.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A teologia usa das outras ciências como instrumentos, não como juízas.
O uso não implica dependência formal, mas subordinação material.
Ad secundum:
As conclusões filosóficas servem à teologia como material de raciocínio, não
como causa de verdade.
A filosofia ajuda a explicar; a teologia julga e regula.
Ad tertium:
A evidência natural não é superior à certeza divina: o que a razão vê, pode
errar; o que Deus revela, não pode mentir.
A fé é obscura para o olhar humano, mas luminosa em sua fonte.
Conclusiones
— Conclusões
- A teologia não é subordinada às demais ciências, mas as governa
como superior.
- As outras ciências servem à teologia instrumentalmente, para maior
clareza de exposição.
- A luz da teologia é a fé, participação da luz divina; por isso, sua
certeza é mais alta que a das ciências naturais.
- O fim da teologia — a visão de Deus — é o fim último de toda
sabedoria.
- A ordem do saber culmina na teologia, que é o ápice e a consumação
de todas as ciências.
Annotationes
— Anotações
(1) João de São Tomás define a subordinação
teológica como ordinatio per causam superiorem, e distingue-a da
dependência lógica: a teologia é “ordinans, non ordinata”.
(2) A fórmula clássica philosophia ancilla
theologiae provém de Pedro Damião e Anselmo, e é retomada por Tomás com
sentido ontológico: a razão serve à fé como o instrumento serve à causa
principal.
(3) Em Contra Gentiles, I, c.7, Santo Tomás
afirma: “Omnis cognitio humana subalternatur divinae.” — “Todo conhecimento
humano é subalternado ao divino.”
(4) Gardeil comenta que a teologia é “rainha das
ciências” não por domínio extrínseco, mas porque contém o princípio formal de
todas: o Ser enquanto participado.
(5) Assim, João de São Tomás encerra a Quaestio
Prima com a definição majestosa:
“Theologia est scientia divina, quae alias
illuminat, non illuminatur; quae iudicat, non iudicatur; quae omnia ordinat in
Deum.”
“A teologia é a ciência divina que ilumina as demais, sem ser iluminada; que
julga, sem ser julgada; que ordena todas as coisas em Deus.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO SECUNDA — De Deo, an sit
(Sobre Deus, se Ele existe)
Prooemium — Prólogo
Depois de determinar a
natureza, a unidade e a dignidade da Sacra
Doctrina, resta investigar o seu primeiro objeto: Deus.
Toda ciência se define pelo seu sujeito formal; e como a teologia tem por
objeto Deus sub ratione Dei,
é necessário que comece por perguntar se Deus existe,
an sit Deus.
João de São Tomás observa que
esta questão é a mais necessária e, ao mesmo tempo, a mais sublime, pois nela
se dá o primeiro contato entre a luz criada e o Ser incriado.
O intelecto humano, que antes buscava compreender a ciência, agora busca
compreender o próprio princípio de toda ciência.
Articulus Primus — Utrum Dei existentia sit per se nota
(Se a existência de Deus é
evidente por si mesma)
Objectiones — Objeções
1.
Obiectio
prima:
Parece que a existência de Deus é evidente por si, pois “Deus” significa “Aquele cujo ser é o mesmo que a essência”.
Ora, o que não pode ser pensado como não existente é evidente por si.
Ergo, a existência
de Deus é evidente.
2.
Obiectio
secunda:
Além disso, o conhecimento de Deus está naturalmente impresso em todos,
conforme o Salmo: “Dixit
insipiens in corde suo: non est Deus.”
Logo, negar Deus é contra a luz natural; portanto, sua existência é evidente.
3.
Obiectio
tertia:
Mais ainda, o ser é o primeiro conhecido de todos. Ora, Deus é o próprio ser.
Ergo, a existência
de Deus é o primeiro e mais evidente de todos os princípios.
Sed contra — Em contrário
Santo Tomás diz (S.Th., I, q.2, a.1):
“Non est omnibus notum Deum
esse, quia non est de se notum nobis.”
“Não é conhecido por todos que Deus exista, porque não é evidente por si para
nós.”
Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que
A existência de Deus é evidente em si mesma, mas não é evidente para nós.
Pois em Deus o ser e a essência são idênticos — esse et essentia sunt unum —, e o que assim é,
é evidente por si, porque ser e inteligir coincidem.
Mas para nós, que conhecemos a partir dos efeitos, o ser de Deus não é
imediato, mas inferido.
Assim, há dupla evidência:
— Absoluta, segundo a ordem do ser divino;
— Relativa, segundo a ordem do nosso conhecimento.
A primeira é de Deus em si; a
segunda é do homem em via.
Para Deus, “existir” é o mesmo que “ser Deus”; para nós, “existir” é o efeito
primeiro de uma causa desconhecida.
Logo, embora o ser de Deus seja
evidente em si mesmo, não o é para nós, porque não conhecemos sua essência.
Como diz Dionísio: “Deus est
superlucem, quia lux eius caecat oculos.” — “Deus está acima da
luz, porque sua luz cega os olhos.”
Portanto, é necessário
demonstrar que Deus existe, não por via de causa formal, mas por via de efeito
— a posteriori,
dos efeitos ao princípio.
Ad Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
O nome “Deus” implica a identidade entre essência e existência, mas isso é
conhecido apenas pelos que conhecem a essência divina; nós, que não a
conhecemos, não percebemos essa evidência.
Ad secundum:
O conhecimento de Deus está naturalmente impresso como inclinação, não como
ciência.
Os homens têm uma tendência natural a reconhecer a causa suprema, mas não
conhecimento explícito dela.
Ad tertium:
O ser é o primeiro conhecido de modo confuso, mas o ser absoluto de Deus é o
último conhecido em ordem de demonstração.
Assim, o princípio de todo conhecer é também o termo supremo do conhecer.
Conclusiones — Conclusões
1.
A
existência de Deus é evidente em si mesma, mas não para o intelecto humano.
2.
Conhecemos
a Deus não imediatamente, mas pelos seus efeitos.
3.
A
luz natural da razão não basta para atingir o ser divino em sua essência.
4.
É,
portanto, necessário demonstrar Deus a
posteriori, a partir da criação.
5.
A
evidência divina é plenitude de luz; nossa obscuridade é plenitude de
distância.
Annotationes — Anotações
(1) João de São Tomás distingue
três modos de evidência: in se,
quoad nos, e per se primo notum. A
existência de Deus é evidente no primeiro, não no segundo.
(2) A analogia usada por ele é
a do sol e da pupila: o mais luminoso é o menos visível ao fraco.
(3) Em De Veritate (q.10, a.12),
Santo Tomás diz: “Non potest
esse in intellectu hominis notitia Dei nata per naturam.” — “Não há
no intelecto humano conhecimento natural de Deus em ato, mas em potência.”
(4) Gardeil resume: “A teologia
parte da obscuridade mais alta para reencontrar a luz mais pura.”
(5) João conclui esta seção com
o princípio fundamental da via tomista:
“Deus non est suppositum in ratione principii, sed terminus in ratione
finis.”
“Deus não é ponto de
partida para a razão, mas termo para o qual ela se eleva.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
SECUNDA — De Deo, an sit
ARTICULUS
SECUNDUS — Utrum Dei existentia sit demonstrabilis
(Se a existência de Deus pode ser demonstrada)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que a existência de Deus não pode ser demonstrada, pois o objeto da fé não é o objeto da ciência. Ora, a existência de Deus é matéria de fé.
Ergo, não pode ser também objeto de demonstração. - Obiectio secunda:
Além disso, toda demonstração procede de princípios evidentes por si. Mas os princípios da teologia são os artigos da fé, que não são evidentes.
Ergo, não há demonstração possível da existência de Deus. - Obiectio tertia:
Mais ainda, o que é infinito não pode ser conhecido proporcionalmente pelo finito. Ora, Deus é infinito e o intelecto humano, finito.
Ergo, a existência de Deus não pode ser demonstrada pela razão humana.
Sed contra —
Em contrário
Santo Paulo escreve aos Romanos (1, 20):
“Invisibilia Dei, a creatura mundi, per ea quae
facta sunt, intellecta conspiciuntur.”
“As coisas invisíveis de Deus, desde a criação do mundo, são vistas pela
inteligência por meio das coisas criadas.”
Logo, a existência de Deus pode ser conhecida por
demonstração a partir dos efeitos.
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
A demonstração é de duas espécies: propter quid
e quia.
— A demonstração propter quid procede da causa ao efeito;
— A quia, do efeito à causa.
A primeira exige conhecimento da essência da causa;
a segunda basta-se com o conhecimento do efeito.
Ora, como não podemos conhecer a essência de Deus
nesta vida, não podemos demonstrar sua existência propter quid (pela
causa formal), mas podemos demonstrá-la quia (pelos efeitos).
Com efeito, todo efeito depende de uma causa
proporcional; e se há um efeito que não pode explicar-se senão por uma causa
primeira, é necessário admitir tal causa.
E assim a razão, partindo das coisas criadas, ascende a Deus como causa de seu
ser, de seu movimento, de sua ordem e de sua finalidade.
João de São Tomás observa que esta demonstração é
racional, não porque abarque o mistério divino, mas porque exclui o absurdo do
ateísmo.
A razão humana não compreende Deus, mas reconhece sua necessidade.
Logo, a existência de Deus é demonstrável de
modo indireto, por via dos efeitos, isto é, por analogia causal.
E tais demonstrações são legítimas, porque os efeitos sensíveis contêm
vestígios necessários da causa invisível.
Santo Tomás, portanto, distingue duas vias de
conhecimento:
- Via negationis et eminentiae, pela
qual reconhecemos que nada criado é o próprio Ser;
- Via causalitatis, pela
qual concluímos que deve existir um Ser primeiro e necessário.
Assim, a razão natural demonstra a existência de
Deus quia, não propter quid; e a fé confirma, pela revelação,
aquilo que a razão apenas toca em vestígio.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A fé e a ciência podem ter o mesmo objeto material, mas sob razão formal
diversa.
A fé crê porque Deus revelou; a ciência natural demonstra porque a razão o exige.
Assim, o mesmo Deus é conhecido de dois modos: um pela luz da fé, outro pela
luz da razão.
Ad secundum:
Embora os princípios da teologia sejam revelados, os da filosofia natural são
evidentes.
A demonstração da existência de Deus pertence à filosofia natural, não à
teologia em sentido estrito; por isso, é legítima pela via dos efeitos.
Ad tertium:
O intelecto finito não compreende a essência do infinito, mas pode inferir sua
existência a partir da dependência dos entes finitos.
Conhecemos an sit, não quid sit: que Deus é, não o que Ele é.
Conclusiones
— Conclusões
- A existência de Deus não é demonstrável propter quid, porque
sua essência é desconhecida a nós.
- Contudo, é demonstrável quia, pelos efeitos sensíveis e pela
ordem do mundo.
- A razão natural, ao seguir as causas até o princípio primeiro,
atinge a certeza de que Deus existe.
- A fé e a razão se encontram neste ponto: ambas afirmam Deus, uma
por revelação, outra por causalidade.
- Logo, negar Deus não é posição racional, mas negação da própria
razão.
Annotationes
— Anotações
(1) João de São Tomás distingue demonstratio
naturalis (pelos efeitos) e demonstratio theologica (pela
revelação): a primeira é racional, a segunda sobrenatural.
(2) A teologia natural (theologia naturalis)
pertence à metafísica, como sua consumação; a teologia revelada (theologia
sacra) pertence à fé. Ambas convergem em Deus como termo.
(3) Santo Tomás, em Contra Gentiles, I,
c.13, formula:
“Ex effectibus causam cognoscimus, licet non
cognoscamus quid est, sed an est.” — “Conhecemos
a causa pelos efeitos, ainda que não saibamos o que ela é, mas apenas que ela
é.”
(4) A demonstração quia é fundamento das quinque
viae: cada via parte de um efeito (movimento, causalidade, contingência,
graus de perfeição e ordem) e conclui na existência de um Ser necessário e
primeiro.
(5) Assim, João de São Tomás conclui:
“Ratio naturae non penetrat divinum esse, sed
ostendit illud esse necessarium.”
“A razão da natureza não penetra o ser divino, mas mostra que ele é
necessário.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
SECUNDA — De Deo, an sit
ARTICULUS
TERTIUS — Utrum Deus sit unus
(Se Deus é um)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que Deus não é uno, pois tudo o que é sumamente poderoso pode comunicar sua perfeição. Ora, sendo Deus onipotente, poderia multiplicar-se em muitos deuses.
Ergo, Deus não é necessariamente uno. - Obiectio secunda:
Além disso, a natureza divina contém toda perfeição. Ora, a multiplicidade é uma perfeição de abundância e de difusão do bem.
Ergo, a multiplicidade deveria caber a Deus mais do que a unidade. - Obiectio tertia:
Por fim, toda forma comunicável admite pluralidade. Mas Deus é o bem universal, comunicável a todas as criaturas.
Ergo, deve existir em muitos sujeitos.
Sed contra —
Em contrário
Está escrito em Deuteronomio, VI: “Audi
Israel, Dominus Deus tuus, Deus unus est.”
E Santo Tomás comenta: “Unitas Dei est articulus fidei et demonstrabilis
ratione.”
— “A unidade de Deus é artigo de fé e também demonstrável pela razão.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Unidade e multiplicidade não se dizem de modo
absoluto, mas segundo o modo do ser.
Ora, aquilo cujo ser é absolutamente simples, sem composição, nem de partes,
nem de princípios, é necessariamente uno.
Assim, porque em Deus o ser é idêntico à
essência — esse suum est sua essentia —, e porque nele não há
distinção real de forma, matéria, gênero ou acidente, segue-se que Deus é
absolutamente uno.
A multiplicidade só pode originar-se de uma das
seguintes condições:
- Pela diferença de forma;
- Pela divisão da matéria;
- Pelo acidente que distingue indivíduos do mesmo gênero.
Mas em Deus não há forma recebida em matéria, nem
acidentes, nem gênero.
Portanto, nada há que possa fundar multiplicidade.
Além disso, a unidade de Deus é necessária não
apenas formalmente, mas causalmente.
Pois, se houvesse muitos deuses, cada um deles deveria diferir por algo que o
outro não possui.
Mas esse algo seria ou perfeição — e então um deles não seria perfeito —, ou
limitação — e então um deles não seria Deus.
Logo, não podem existir muitos deuses, mas um só Ser absolutamente
perfeito.
João de São Tomás acrescenta: a unidade divina é
dupla —
- Unitas simplicis entitatis, pela
qual Deus é indiviso em si mesmo;
- Unitas singularitatis, pela
qual não pode haver outro igual a Ele.
A primeira funda-se na simplicidade; a segunda, na
infinitude.
Pois o infinito não admite coexistência de outro infinito: dois infinitos se
limitariam mutuamente, e assim deixariam de ser infinitos.
Portanto, a razão natural demonstra a unidade de
Deus por três vias:
- Pela simplicidade absoluta, que exclui a composição;
- Pela perfeição infinita, que exclui o par;
- Pela ordem causal do universo, que exige um só princípio.
E a fé confirma: “Ego sum Dominus, et non est
alius.” (Is 45,5).
Ad Objectiones
— Respostas às Objeções
Ad primum:
A onipotência divina não implica poder contraditório. Deus não pode fazer com
que o necessário deixe de ser necessário, nem que o uno seja múltiplo em si
mesmo.
Ad secundum:
A multiplicidade não é perfeição em si, mas perfeição derivada, que convém às
criaturas.
A plenitude do ser, em Deus, é tal que tudo o contém sem dividir-se.
Ad tertium:
A comunicabilidade do bem divino é por participação, não por multiplicação da
essência.
As criaturas participam do ser de Deus, mas Deus não se multiplica nelas.
Conclusiones
— Conclusões
- A unidade de Deus é absoluta e necessária, fundada em sua
simplicidade e infinitude.
- Nenhum princípio de multiplicação pode ser admitido em Deus, porque
Ele é ato puro e sem matéria.
- A pluralidade de deuses é impossível, tanto pela razão quanto pela
fé.
- A unidade divina é causa exemplar da unidade da criação.
- Toda multiplicidade criada é vestígio da unidade do Criador.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, S.Th., I, q.11, a.3: “Si
essent plures dii, oporteret eos esse ab aliquo distinctos; sed hoc esse non
posset nisi per additionem alicuius perfectionis, vel per privationem alicuius
perfectionis.” — “Se houvesse vários deuses, teriam de distinguir-se; mas
isso só se daria por acréscimo ou privação de perfeição.”
(2) João de São Tomás observa que a unidade divina
é o ápice da série causal: “Causa prima est una, quia ordo effectuum non
potest provenire ex principiis aequalibus.”
(3) Em Contra Gentiles (I, cap.42), Santo
Tomás prova a unidade de Deus a partir da ordem do mundo: “Omnia ordinata ad
unum finem significant unam causam ordinantem.”
(4) A metafísica posterior de Suárez e Báñez amplia
a distinção entre unidade de singularidade (unitas singularitatis) e
unidade de exclusividade (unitas negationis alterius).
(5) João conclui esta parte com a fórmula
escolástica clássica:
“Unus Deus, simplex, perfectus, infinitus, unus per
essentiam, trinus per personas.”
“Um só Deus, simples, perfeito, infinito, uno em essência e trino em pessoas.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
TERTIA — De Simplicitate Dei
(Sobre a simplicidade de Deus)
Prooemium — Prólogo
Tendo mostrado que Deus existe (Deus est) e
que é um só (Deus unus est), é necessário agora considerar como Ele
existe (qualiter est).
E, porque toda multiplicidade e imperfeição procedem de composição, convém
demonstrar que em Deus não há nenhuma composição, mas pura simplicidade.
Santo Tomás formula:
“In Deo non est compositio, sed est
simplicissimus.”
“Em Deus não há composição, mas Ele é o mais simples dos seres.”
Articulus
Primus — Utrum in Deo sit compositio materiae et formae
(Se em Deus há composição de matéria e forma)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Toda substância é composta de potência e ato. Ora, Deus é substância.
Ergo, é composto de matéria e forma. - Obiectio secunda:
Além disso, tudo o que age necessita de princípio formal e de potência receptiva.
Mas Deus age e causa todas as coisas.
Ergo, deve ter matéria e forma. - Obiectio tertia:
Por fim, o ser que é conhecido por seus efeitos corporais parece ter alguma afinidade com a corporeidade.
Mas Deus é conhecido pelos efeitos do mundo corporal.
Ergo, deve conter algo de material.
Sed contra —
Em contrário
Está escrito em João, IV, 24: “Deus
spiritus est.”
E o espírito é forma pura, sem matéria.
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
É impossível haver em Deus composição de matéria e
forma.
Pois tudo o que é composto de matéria e forma é potencial quanto ao ser — a
matéria é potência, e a forma é ato.
Mas em Deus não há potência alguma: Ele é ato puro (actus purus).
Além disso, a matéria é princípio de individuação,
de limitação e de passividade.
Ora, em Deus não há limitação, nem passividade, mas perfeição e infinitude.
Logo, Ele é forma subsistente, pura atualidade sem potência.
A forma nas coisas materiais é recebida em matéria;
em Deus, ela é ser subsistente, não recebido em nada.
Por isso, Santo Tomás diz:
“In Deo forma non est in alio, sed est ipsum esse
subsistens.”
“Em Deus, a forma não está em outro, mas é o próprio ser subsistente.”
Assim, a teologia demonstra que Deus é forma
separada de toda matéria, não por abstração, mas por eminência.
Ele é o que todas as formas significam, mas em grau infinito e sem composição.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A composição de potência e ato só existe em seres finitos.
Deus é ato puro, no qual a potência está inteiramente atualizada; logo, não há
matéria.
Ad secundum:
Deus age, mas não como quem passa de potência a ato, e sim como ato puro que
comunica o ser.
Sua ação é sua própria essência — agere est suum esse.
Ad tertium:
Deus é conhecido pelos efeitos corporais, não porque tenha corpo, mas porque os
efeitos corporais refletem sua causa imaterial.
Conclusiones
— Conclusões
- Em Deus não há composição de matéria e forma.
- Ele é ato puro, forma subsistente e ser absoluto.
- Toda potência passiva é excluída da natureza divina.
- Deus é causa das formas, não composto de forma e matéria.
- A simplicidade divina é o fundamento da perfeição e da imutabilidade.
Annotationes
— Anotações
(1) João de São Tomás escreve: “Materia est
radix mutabilitatis; in Deo nulla est mutatio, ergo nulla materia.” — “A
matéria é raiz da mutabilidade; em Deus não há mudança, logo, não há matéria.”
(2) Em De Ente et Essentia, cap. IV, Santo
Tomás diz: “Deus est forma per se subsistens, et ideo est purus actus.”
— “Deus é forma subsistente por si, e por isso é ato puro.”
(3) A distinção entre forma e matéria é o primeiro
grau da finitude.
Deus, sendo ato puro, está acima de toda limitação formal.
(4) João observa que a negação de matéria em Deus
implica também a negação de toda passividade e de todo tempo.
A simplicidade divina é a base da eternidade.
(5) Conclusão de caráter metafísico:
“Deus non
est compositus, quia nihil est in eo quod non sit ipse Deus.”
“Deus não é composto, porque nada há nele que não seja Ele mesmo.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
TERTIA — De Simplicitate Dei
ARTICULUS
SECUNDUS — Utrum in Deo sit compositio essentiae et existentiae
(Se em Deus há composição de essência e existência)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que em Deus há composição de essência e existência, pois o que se entende como “Deus” não é o mesmo que se entende como “Ser”.
Ergo, n’Ele há distinção entre essência (o que é) e existência (o fato de ser). - Obiectio secunda:
Além disso, tudo o que é conhecido por nós através de seus efeitos possui distinção real entre essência e ser. Ora, Deus é conhecido por seus efeitos.
Ergo, n’Ele também deve haver tal distinção. - Obiectio tertia:
Mais ainda, se a essência e o ser fossem o mesmo em Deus, Ele seria ser absoluto, comum a todos os entes, e não algo distinto dos demais.
Ergo, a distinção é necessária para que Deus seja um ser particular e próprio.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás escreve (S.Th., I, q.3, a.4*):
“In Deo idem est esse et quod est; unde ipse est
suum esse subsistens.”
“Em Deus, o ser e aquilo que é são o mesmo; por isso, Ele é o próprio ser
subsistente.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
É impossível que em Deus haja composição de
essência e existência.
Pois em tudo o que não é seu próprio ser, o ser é recebido de outro; e tudo o
que recebe o ser, participa dele e é causado.
Mas Deus é causa de todo ser, e nada pode ser causa de si mesmo.
Logo, n’Ele o ser não é recebido, mas é a própria essência.
Toda distinção entre essência e existência implica
limitação: o que tem essência distinta do ser é ser finito, porque sua essência
determina o grau de participação no ser.
Ora, Deus é infinito e ato puro, sem limitação alguma; portanto, nele não há
distinção real entre essência e ser.
Podemos compreender a distinção por analogia:
- Nas criaturas, o ser (esse) é como o ato último que atualiza
a essência, que é potência;
- Em Deus, não há potência, mas ato puro; portanto, sua essência é o
próprio ato de ser (ipsum esse subsistens).
Assim, tudo o que é criado tem o ser;
Deus é o Ser.
Esta é a diferença ontológica fundamental entre o
Criador e as criaturas: o ser de Deus é sua própria natureza; o ser das
criaturas é participação finita.
Por isso, Ele é chamado Qui est — “Aquele
que é” (Êxodo 3,14).
Esse nome exprime não uma forma, mas o próprio ato de existir.
João de São Tomás observa que esta identidade é a
raiz de toda a teologia:
“In Deo non est participatio entis, sed identitas
cum ipso esse.”
“Em Deus não há participação no ser, mas identidade com o próprio ser.”
E acrescenta:
“Propter hoc Deus est simplex et infinitus, quia
non est aliud habens esse, sed ipsum esse.”
“Por isso Deus é simples e infinito: porque não é outro que tem o ser, mas o
próprio ser.”
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
O termo “Deus” significa o ser subsistente em ato, e o termo “Ser” (ens)
designa o conceito mais universal.
A distinção é apenas de razão, não de realidade.
Ad secundum:
Conhecemos Deus pelos efeitos, nos quais há distinção entre essência e ser; mas
da dependência desses efeitos concluímos a existência de uma causa em que não
há tal distinção.
Ad tertium:
Se Deus fosse ser comum, seria limitado pela participação dos entes.
Mas o ser de Deus é tão pleno que exclui toda comunicação essencial: Ele é
distinto dos entes precisamente por ser o Ser absoluto.
Conclusiones
— Conclusões
- Em Deus não há distinção entre essência e existência.
- Sua essência é o próprio ser subsistente — ipsum esse subsistens.
- Em toda criatura, o ser é recebido e participado; em Deus, é
identidade absoluta.
- Esta identidade é a raiz da simplicidade e da infinitude divinas.
- Deus é o único Ser cuja essência é existir.
Annotationes
— Anotações
(1) Em De Ente et Essentia, Santo Tomás
afirma:
“Esse et
essentia in omnibus creatis differunt, in Deo autem sunt idem.”
“O ser e a essência diferem em todos os criados, mas em Deus são o
mesmo.”
(2) João de São Tomás explica que, se houvesse
distinção, Deus seria participante do ser e, portanto, causado — o que é
absurdo.
(3) Esta verdade é o ponto de convergência entre a
teologia e a metafísica: Deus é a causa formal, exemplar e eficiente de todo
ser, porque é o Ser mesmo.
(4) A fórmula “ipsum esse subsistens” contém
toda a ontologia cristã:
— ipsum → a identidade absoluta;
— esse → o ato puro de existir;
— subsistens → a plenitude pessoal do ser.
(5) Assim conclui João de São Tomás:
“Esse divinum est ipsa essentia subsistens, a qua
omnia alia dependent ut a primo actu essendi.”
“O ser divino é a própria essência subsistente, da qual todas as coisas
dependem como do primeiro ato de ser.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
TERTIA — De Simplicitate Dei
ARTICULUS TERTIUS — Utrum in Deo sit compositio generis et
differentiae
(Se em Deus há composição de gênero e diferença)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que em Deus há composição de gênero e diferença, pois toda essência inteligível é conhecida pela definição composta de gênero e diferença. Ora, Deus é inteligível e definível.
Ergo, deve haver n’Ele gênero e diferença. - Obiectio secunda:
Além disso, o bem e o ser são gêneros transcendentais que abrangem tudo.
Mas Deus é o sumo Bem e o Ser por excelência.
Ergo, está contido sob um gênero. - Obiectio tertia:
Por fim, toda perfeição se manifesta em certa ordem de predicação. Ora, predicamos de Deus as perfeições de todos os gêneros — vida, sabedoria, bondade.
Ergo, Ele deve conter em si as razões genéricas dessas perfeições.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás afirma (S.Th., I, q.3, a.5*):
“Deus non
est in genere, sed est principium totius generis.”
“Deus não está em nenhum gênero, mas é o princípio de todo gênero.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
É impossível que em Deus haja composição de gênero
e diferença.
Pois o gênero expressa a essência comum de
muitos, e a diferença indica o modo pelo qual essa essência é determinada.
Ora, em Deus não há essência comum, nem determinação recebida: Ele é ato
puro, não participante de nada.
O gênero se predica de modo unívoco das coisas que
têm a mesma essência segundo diversos modos de ser; mas Deus é o próprio Ser,
e não tem essência comum com coisa alguma.
Portanto, Ele não é gênero nem espécie, nem incluído em gênero algum.
Além disso, tudo o que está num gênero é limitado
por esse gênero: o gênero indica o que é comum, e a diferença o que é
determinado.
Mas Deus é infinito e indeterminado em perfeição; logo, não pode
estar limitado por um gênero.
João de São Tomás explica:
“In Deo nulla est ratio communis quae possit
praedicari de pluribus; unde nec genus nec differentia in eo esse potest.”
“Em Deus não há razão comum que possa ser predicada de muitos; por isso, nem
gênero nem diferença podem estar n’Ele.”
Assim, todas as categorias lógicas se aplicam a Ele
apenas por analogia, não por definição.
Chamamos Deus ente, bom, sabedor, não por identidade de
gênero, mas porque Ele é a causa e a fonte de toda perfeição que esses
termos significam.
Deus, portanto, não é “um ser” no gênero dos entes,
mas o Ser absoluto — ipsum esse subsistens.
Ele não participa do ser: é o próprio ser do qual todos participam.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Deus é inteligível, mas não definível por gênero e diferença.
É conhecido por via de eminência, não de delimitação.
Sua essência excede toda forma lógica.
Ad secundum:
Os transcendentais — ens, bonum, verum — não são gêneros,
mas notas que se aplicam a todos os entes segundo diversos modos de perfeição.
Deus é o fundamento desses transcendentais, não um caso dentro deles.
Ad tertium:
As perfeições dos gêneros estão em Deus de modo eminente e unificado.
Ele não as contém formalmente, mas causalmente: é a causa exemplar de todas.
Conclusiones
— Conclusões
- Em Deus não há composição de gênero e diferença.
- Ele não pertence a nenhum gênero, porque não há nada comum entre
Ele e as criaturas.
- Todo gênero limita o ser; Deus é ilimitado e absoluto.
- As perfeições genéricas existem em Deus de modo eminente, não formal.
- O nome “Deus” não é definição genérica, mas designa o Ser absoluto,
causa de todos os gêneros.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.7, a.7:
“Deus est extra omne genus, quia esse suum non est
commune.”
“Deus está fora de todo gênero, porque seu ser não é comum.”
(2) João de São Tomás comenta:
“Genus includit potentiam; Deus est actus purus;
ergo genus non potest de eo praedicari.”
“O gênero inclui potência; Deus é ato puro; logo, não pode ser predicado
d’Ele.”
(3) Em Summa contra Gentiles I, cap.25:
“Deus non
est species generis, sed est extra totum ordinem entium.”
“Deus não é espécie de gênero, mas está fora de toda ordem dos entes.”
(4) Esta exclusão dos gêneros lógicos é o
fundamento da teologia apofática: Deus não é classificado, mas confessado.
(5) Fórmula conclusiva de João de São Tomás:
“Deus non
est aliquid in genere, sed ipsum esse quod est principium omnis generis.”
“Deus não é algo dentro de um gênero, mas o próprio ser que é princípio
de todo gênero.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
TERTIA — De Simplicitate Dei
ARTICULUS QUARTUS — Utrum in Deo sit compositio subjecti et
accidentis
(Se em Deus há composição de sujeito e acidente)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que em Deus há acidente, pois dizemos que Ele é bom, justo, sábio.
Ora, tais predicados são qualidades, que nas criaturas são acidentes.
Ergo, também em Deus há acidentes. - Obiectio secunda:
Além disso, o ato de conhecer e de amar são operações.
Toda operação é acidente do sujeito operante.
Mas em Deus há intelecção e amor.
Ergo, deve haver acidentes em Deus. - Obiectio tertia:
Por fim, o que é perfeito contém em si todas as perfeições.
Ora, o acidente acrescenta perfeição ao sujeito.
Ergo, em Deus deve haver acidentes, como plenitude de perfeição.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás declara (S.Th., I, q.3, a.6*):
“In Deo
nulla est compositio subjecti et accidentis, sed quidquid est in Deo, est ipse
Deus.”
“Em Deus não há composição de sujeito e acidente, mas tudo o que há em
Deus é o próprio Deus.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
É impossível que haja em Deus qualquer acidente.
Prova-se por quatro razões principais:
- Ex ratione entis perfectissimi — pela razão do ser perfeitíssimo.
O acidente sempre supõe um sujeito potencial que possa receber algo de novo.
Mas Deus é ato puro (actus purus), sem potência alguma; logo, não pode receber acréscimo. - Ex ratione causae primae — pela razão de causa primeira.
O acidente depende de outro para existir, e está ordenado a uma substância.
Se houvesse acidente em Deus, Ele dependeria de algo, e não seria causa de tudo. - Ex ratione immutabilitatis — pela imutabilidade divina.
Todo acidente implica mudança, porque sobrevém a um sujeito que pode ser de outro modo.
Mas em Deus não há mudança, conforme está em Malaquias 3,6: “Ego Dominus, et non mutor.” — “Eu sou o Senhor, e não mudo.” - Ex ratione identitatis actus et essentiae — pela identidade de ato
e essência.
Nos entes compostos, os acidentes são atos secundários; em Deus, o ato primeiro (ser) contém virtualmente toda perfeição.
Logo, as perfeições que nas criaturas são acidentes, em Deus são sua própria essência.
Por isso, dizer que “Deus é bom”, “sábio”, “justo”
não introduz acidentes, mas exprime o próprio ser de Deus sob diversos aspectos
de perfeição.
Cada nome predicado de Deus é, como ensina João de São Tomás, nominalis
distinctio (distinção de razão e de significação), não real.
“In Deo bonitas, sapientia, justitia, non sunt res
distinctae, sed modi nostri concipiendi unum et idem esse divinum.”
“Em Deus, bondade, sabedoria e justiça não são coisas distintas, mas modos de
conceber um e o mesmo ser divino.”
Assim, todas as perfeições que atribuímos a Ele —
ser, viver, entender, amar — estão identificadas na sua essência simples,
sem qualquer adição acidental.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Os nomes que designam qualidades em nós, em Deus significam a essência mesma
segundo modos diversos de perfeição.
Chamamos “bom” aquilo que participa do bem; mas Deus é o próprio Bem.
Ad secundum:
Em Deus, o ato de conhecer e de amar não são operações acidentais, mas a
própria essência.
Sua intelecção é seu ser: “Intelligere Dei est suum esse.”
Ad tertium:
O acidente acrescenta perfeição ao imperfeito.
Deus é perfeição absoluta; portanto, não recebe acréscimo algum.
Todas as perfeições acidentais das criaturas estão n’Ele de modo eminente e
essencial.
Conclusiones
— Conclusões
- Em Deus não há composição de sujeito e acidente.
- Nada pode advir a Deus, porque Ele é ato puro e imutável.
- Todas as perfeições acidentais nas criaturas são em Deus a própria
essência.
- Deus é pura atualidade, sem potência receptiva.
- As operações divinas — conhecer, amar, querer — são idênticas à sua
substância.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, Contra Gentiles, I, cap.23:
“In Deo
non est aliquid quod non sit ipsum suum esse.”
“Em Deus não há nada que não seja o seu próprio ser.”
(2) João de São Tomás:
“Accidens requirit potentiam, sed in Deo nulla est
potentia passiva.”
“O acidente requer potência; mas em Deus não há potência passiva.”
(3) Em Duns Scotus e Suárez, distingue-se entre actus
secundus (ato operativo) e actus primus (ser substancial); em Deus,
ambos coincidem.
(4) A teologia clássica vê aqui o fundamento da
impassibilidade:
Deus não sofre, não muda, não recebe.
Ele é pura causa, jamais paciente.
(5) Fórmula conclusiva de João de São Tomás:
“Deus est purus actus sine omni accidente; in quo
nihil est quod non sit ipse Deus.”
“Deus é ato puro, sem qualquer acidente; n’Ele nada há que não seja o próprio
Deus.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
TERTIA — De Simplicitate Dei
ARTICULUS
QUINTUS — Utrum Deus sit in aliquo genere
(Se Deus está em algum gênero)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que Deus está em algum gênero, pois dizemos que Ele é ens — um ser.
Ora, o ens é o gênero supremo que abrange tudo o que existe.
Ergo, Deus está no gênero do ente. - Obiectio secunda:
Além disso, todas as coisas que se conhecem intelectualmente estão em algum gênero.
Mas Deus é cognoscível e inteligível.
Ergo, deve estar em um gênero. - Obiectio tertia:
Por fim, se Deus não estivesse em nenhum gênero, não poderíamos predicar dele coisa alguma, nem mesmo o ser.
Mas dizemos: “Deus é bom, sábio, justo.”
Ergo, está incluído em algum gênero que fundamente tais predicações.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás ensina (S.Th., I, q.3, a.5*):
“Deus non
est in genere, sed est principium totius generis.”
“Deus não está em nenhum gênero, mas é o princípio de todo gênero.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Deus não está em gênero algum, nem como
espécie contida sob ele, nem como gênero superior que o abranja.
Prova-se isto de três modos:
- Ex parte generis — do lado do gênero.
O gênero implica uma natureza comum, participável por muitos sob diferenças específicas.
Mas em Deus não há nada de comum ou participável: Ele é ato puro e ser absoluto.
Logo, não pode ser parte de um gênero. - Ex parte differentiae — do lado da diferença.
Toda diferença acrescenta algo sobre o gênero, determinando-o.
Mas Deus é ser absolutamente simples, sem acréscimo nem determinação recebida.
Portanto, não pode ser constituído por diferença alguma. - Ex parte infinitatis — do lado da infinitude.
O gênero é um conceito limitado; o ser divino é infinito.
Tudo o que está em gênero é finito segundo o modo do gênero.
Logo, o infinito divino está fora de toda limitação categorial.
Por conseguinte, Deus não pertence a nenhum
gênero, porque os gêneros são divisões do ser participado, e Deus é o ser
por essência.
“Deus non
est aliquod ens in genere, sed ipsum esse quod est extra omnem ordinem
generis.”
“Deus não é um ente dentro de um gênero, mas o próprio ser que está fora
de toda ordem de gênero.”
E porque o ser de Deus não é participado, mas
absoluto, Ele é o fundamento dos gêneros, não seu membro.
Todos os gêneros e categorias derivam d’Ele como causas exemplares e
participações do ser divino.
João de São Tomás acrescenta uma distinção sutil:
“Dicitur Deus extra genus dupliciter: quia nec est
pars generis, nec totum commune.”
“Diz-se que Deus está fora do gênero em dois sentidos: porque não é parte do
gênero, nem o todo comum.”
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
O ens não é gênero, porque não é unívoco; é análogo.
O ser se diz de Deus e das criaturas não segundo um conceito comum, mas por
analogia de proporção e de atribuição.
Ad secundum:
O intelecto conhece Deus como causa do gênero, não como participante dele.
A cognoscibilidade não implica inclusão, mas eminência.
Ad tertium:
As predicações sobre Deus são analógicas: quando dizemos “Deus é bom”, o termo
“bom” não tem o mesmo sentido que nas criaturas.
Significa o bem em causa, não o bem participado.
Conclusiones
— Conclusões
- Deus não está em nenhum gênero, porque é o Ser subsistente.
- O gênero implica comunidade e limitação; em Deus não há nem uma nem
outra.
- Deus é o princípio exemplar e causal de todos os gêneros, não seu
membro.
- O termo “ente” se diz de Deus por analogia, não por univocidade.
- As categorias aristotélicas não se aplicam a Deus senão por
atribuição metafórica e analógica.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.7, a.7:
“Ens non est genus, quia dividitur per actum et
potentiam; Deus est actus purus; ergo extra genus.”
“O ente não é gênero, porque se divide por ato e potência; Deus é ato puro;
logo, está fora do gênero.”
(2) João de São Tomás:
“Genus semper est de essentia communi; in Deo nulla
est essentia communis.”
“O gênero é sempre uma essência comum; em Deus não há essência comum.”
(3) Duns Scotus admite uma “univocidade do ente”
formalmente lógica; João rejeita-a metafisicamente, mantendo a analogia tomista
como única via de predicação do ser.
(4) A teologia mística deriva daqui sua via
negativa (via negationis):
Deus não é “um ser” entre outros, mas “Aquele pelo qual todos os seres são”.
(5) Fórmula conclusiva de João de São Tomás:
“Deus est extra omne genus, sed continet in se
eminenter omnem perfectionem generis.”
“Deus está fora de todo gênero, mas contém em si, de modo eminente, toda
perfeição dos gêneros.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
TERTIA — De Simplicitate Dei
ARTICULUS SEXTUS — Utrum in Deo sit compositio essentiae et suppositi
(Se em Deus há composição de essência e
sujeito/pessoa)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que em Deus há composição de essência e sujeito, pois nas criaturas racionais distinguimos natureza e pessoa: o homem é natureza humana, Pedro é sujeito humano.
Ora, também em Deus dizemos natureza e pessoa.
Ergo, em Deus há distinção entre essência e sujeito. - Obiectio secunda:
Além disso, o que é comum é distinto do que é próprio.
A essência divina é comum às três Pessoas, mas cada Pessoa é própria.
Ergo, há distinção real entre essência e supósito. - Obiectio tertia:
Por fim, toda subsistência é ato da essência; mas o ato é distinto daquilo de que é ato.
Logo, o supósito, sendo ato da essência, deve distinguir-se dela.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás afirma (S.Th., I, q.3, a.3 ad
2*):
“In Deo idem est essentia et suppositum.”
“Em Deus, a essência e o sujeito (ou pessoa) são o mesmo.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
É impossível admitir em Deus composição entre
essência e supósito.
Para entender isso, é preciso considerar que:
- Nas criaturas, a essência significa
aquilo pelo qual algo é o que é (quidditas rei), e o supósito
significa o individuum subsistens in natura illa.
Assim, “humanidade” e “homem” não são idênticos, porque a humanidade é o princípio formal, e o homem é o sujeito que subsiste segundo ela. - Em Deus, porém, não há composição de princípios: Ele
é ato puro, sem distinção entre forma e sujeito.
Por isso, o que em nós é natureza e aquilo que subsiste nessa natureza são, em Deus, uma única e mesma realidade.
“In Deo
non est aliud quod est, et quo est; sed ipse est suum esse et suum subsistere.”
“Em Deus, não há diferença entre aquilo que é e aquilo pelo qual é; Ele
é seu próprio ser e seu próprio subsistir.”
Logo, o supósito divino não acrescenta nada à
essência; é apenas a essência considerada enquanto subsistente em si mesma e
incomunicável.
João de São Tomás distingue aqui três modos de
subsistência:
- In re composita, como nas criaturas
corpóreas, onde o supósito resulta da união de matéria e forma;
- In substantiis simplicibus creatis, como nos anjos, onde o supósito é a própria essência subsistente;
- In Deo, onde não só a essência é subsistente, mas é o
próprio ser subsistindo por si (ipsum esse subsistens).
Daí se segue que:
- em Deus, essência e supósito não são dois entes, mas uma mesma
realidade absolutamente simples;
- nas Pessoas divinas, a distinção não surge entre essência e
supósito, mas entre relações subsistentes — relationes
personales subsistentes in una essentia divina.
Portanto, em Deus não há composição de essência
e sujeito, mas identidade plena.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
O nome “pessoa” em Deus não designa algo distinto da essência, mas uma relação
subsistente nela.
A distinção entre natureza e pessoa nas criaturas é por composição; em Deus, é
por relação.
Ad secundum:
A essência é comum às três Pessoas não como gênero comum, mas como identidade
real.
O que é comum em Deus não é parte, mas o todo idêntico subsistente em cada
Pessoa.
Ad tertium:
A subsistência em Deus não é ato distinto da essência, mas a própria essência
enquanto existindo por si.
Logo, a distinção entre ato e essência se dissolve na simplicidade divina.
Conclusiones
— Conclusões
- Em Deus, essência e supósito são absolutamente idênticos.
- Toda distinção entre natureza e pessoa provém da composição; como
em Deus não há composição, não há tal distinção.
- As Pessoas divinas não se distinguem da essência, mas entre si por
relações opostas.
- Deus é seu próprio existir e subsistir — suum esse et suum
subsistere.
- Esta unidade é o fundamento metafísico da doutrina trinitária: uma
essência, três relações subsistentes.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.9, a.1:
“In substantiis simplicibus idem est essentia et
suppositum.”
“Nas substâncias simples, a essência e o sujeito são o mesmo.”
(2) João de São Tomás:
“In Deo non est suppositum addens aliquid super
essentiam, sed ipsa essentia est subsistens.”
“Em Deus, o sujeito não acrescenta nada sobre a essência, mas é a própria
essência subsistente.”
(3) Duns Scotus observa: “In Deo personalitas est
relatio subsistens, non aliquid additum essentiae.”
João aceita esta fórmula, mas sublinha que a relatio é real apenas secundum
oppositionem originis, não secundum compositionem entis.
(4) Aqui se abre a passagem da teologia natural à
teologia revelada:
a unidade de essência torna possível a distinção de pessoas sem divisão de
substância.
(5) Fórmula conclusiva de João de São Tomás:
“In Deo idem est essentia, subsistentia et persona;
distinctio est tantum secundum relationes originis.”
“Em Deus, essência, subsistência e pessoa são o mesmo; a distinção é apenas
segundo as relações de origem.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
TERTIA — De Simplicitate Dei
ARTICULUS SEPTIMUS — Utrum in Deo sit compositio potentiae et actus
(Se em Deus há composição de potência e ato)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que em Deus há composição de potência e ato, pois Ele é causa eficiente de todas as coisas.
Ora, toda causa eficiente deve ter potência ativa.
Ergo, em Deus há potência. - Obiectio secunda:
Além disso, Deus conhece e quer; mas o ato de conhecer e o de querer supõem potência cognoscitiva e apetitiva.
Ergo, em Deus há potência e ato. - Obiectio tertia:
Por fim, toda perfeição se exerce em ato a partir de uma potência.
Se em Deus não há potência alguma, pareceria não haver também operação nem perfeição ativa.
Ergo, potência e ato devem coexistir n’Ele.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás, S.Th., I, q.3, a.7:
“In Deo
nulla est potentia, sed est actus purus.”
“Em Deus não há potência alguma, mas Ele é ato puro.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
É impossível que em Deus haja composição de
potência e ato.
Pois o que é em potência está ordenado a algo que
lhe falta; o ato, pelo contrário, é perfeição e atualização.
Logo, admitir potência em Deus seria admitir imperfeição e mutabilidade, o que
é incompatível com o Ser primeiro e perfeito.
Primum argumentum — pela causalidade.
Tudo o que passa de potência a ato requer uma causa em ato.
Se Deus tivesse potência, dependeria de outro ato anterior, e deixaria de ser
causa primeira.
Secundum — pela simplicidade.
A potência é um princípio de composição, porque exige ato como complemento.
Mas já demonstramos que Deus é absolutamente simples; logo, n’Ele não pode
haver potência.
Tertium — pela imutabilidade.
A mudança é passagem de potência a ato.
Mas Deus é imutável (Ego Dominus, et non mutor); portanto, não há n’Ele
potência alguma.
Quartum — pela infinitude.
O ser limitado tem potência para receber algo mais; o ser infinito é ato pleno
e total.
Deus, sendo infinito, não é capaz de acréscimo — está em plenitude absoluta de
ato.
Diz João de São Tomás:
“In Deo
non est potentia quae ordinetur ad actum, sed solus actus, qui est ipsum esse
subsistens.”
“Em Deus não há potência ordenada ao ato, mas apenas o ato, que é o
próprio ser subsistente.”
E conclui com a distinção final entre as criaturas
e Deus:
- nas criaturas há potência passiva (para ser) e potência
ativa (para agir), ambas limitadas;
- em Deus não há nem uma nem outra, porque ser e agir são o mesmo
— esse et agere sunt idem in Deo.
Por isso, todas as potências existentes nos entes
são participações do ato divino, o qual é pura atualidade sem composição.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A potência ativa, quando dita de Deus, é metafórica; não designa algo distinto
de sua essência, mas sua própria causalidade exercida eternamente.
Deus não tem potência para agir — Ele é o próprio ato de agir.
Ad secundum:
As potências cognoscitiva e volitiva nas criaturas são princípios distintos do
ato.
Em Deus, conhecer e querer não são potências, mas o próprio ser divino enquanto
intelecto e amor.
Ad tertium:
A perfeição que procede da potência pertence ao ser imperfeito.
A perfeição divina é atual por essência, não por transição.
Deus é ato primeiro, fonte de todos os atos secundos.
Conclusiones
— Conclusões
- Em Deus não há potência nem passiva nem ativa como princípio
distinto do ato.
- Ele é ato puro (actus purus), no qual toda potência está
plenamente atualizada.
- A ausência de potência é a causa de sua imutabilidade, eternidade e
infinitude.
- A operação divina não procede de potência, mas é idêntica à
essência — agere est suum esse.
- Toda potência criada é participação limitada do ato puro de Deus.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.1, a.1:
“In Deo nulla est potentia passiva, quia est actus
purus.”
“Em Deus não há potência passiva, porque Ele é ato puro.”
(2) João de São Tomás:
“Potentia est radix mutabilitatis; ubi nulla
mutatio, nulla potentia.”
“A potência é a raiz da mudança; onde não há mudança, não há potência.”
(3) Aristóteles, Metaphysica IX, cap.6: “Actus
prior est potentia, et perfectior.”
A teologia toma essa prioridade ontológica e a leva ao absoluto: Deus é o Ato
sem potência precedente.
(4) Duns Scotus e Suárez falam de “potência lógica”
em Deus (potentia ad opposita), mas João de São Tomás rejeita essa
linguagem: não há em Deus nenhuma potência real — apenas o poder ativo idêntico
ao seu ser.
(5) Fórmula conclusiva de João de São Tomás:
“Deus est actus purus, in quo omnis potentia
includitur eminenter, non realiter; unde ipse est immutabilis, aeternus et
infinitus.”
“Deus é ato puro, no qual toda potência está incluída de modo eminente, não
real; por isso, Ele é imutável, eterno e infinito.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
TERTIA — De Simplicitate Dei
ARTICULUS OCTAVUS — Utrum in Deo sit compositio subjecti et formae
(Se em Deus há composição de sujeito e forma)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que em Deus há composição de sujeito e forma, pois toda perfeição se encontra n’Ele em grau supremo.
Ora, a união de sujeito e forma é perfeição substancial.
Ergo, deve haver em Deus algo análogo. - Obiectio secunda:
Além disso, toda forma existe em algo.
Se Deus é forma, deve existir em um sujeito.
Ergo, há composição entre forma e sujeito. - Obiectio tertia:
Por fim, o ato e o ser parecem requerer um sujeito no qual se atualizam.
Se Deus é ato puro e forma subsistente, deve ter algo no qual subsiste.
Ergo, há em Deus sujeito e forma.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás, S.Th., I, q.3, a.8*:
“Deus non est forma in alio, sed est ipsa forma
subsistens.”
“Deus não é forma existente em outro, mas é a própria forma subsistente.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Em Deus não há composição de sujeito e forma,
pois a forma, enquanto princípio atualizante, só se distingue do sujeito quando
é recebida em potência diversa de si.
Ora, já demonstramos que em Deus não há potência,
mas ato puro.
Logo, não há em Deus sujeito que receba forma, porque não há receptividade
possível.
“Forma in materia est actus; Deus est actus purus;
ergo non est forma in materia, sed forma per se subsistens.”
“A forma na matéria é ato; Deus é ato puro; logo, não é forma em matéria, mas
forma subsistente em si.”
Toda forma recebida é limitada: seu ser depende do
sujeito no qual está.
Mas a forma subsistente é ilimitada, porque seu ser é absoluto.
Deus, sendo infinito, não pode ser forma recebida, mas é a própria forma
universal, plenitude de ato sem receptáculo.
Por isso, João de São Tomás ensina:
“In Deo
forma non est aliquid quod sit in alio, sed est ipsum esse formaliter
subsistens.”
“Em Deus, a forma não é algo que exista em outro, mas o próprio ser
formalmente subsistente.”
Essa verdade exprime o ápice da simplicidade: Deus
é forma sem sujeito, ato sem potência, ser sem receptáculo.
Ele não é informado — Ele é o informante universal de todas as coisas.
Assim como nas criaturas a forma dá o ser, em Deus forma
e ser são o mesmo.
Por isso, Ele é chamado “Luz inacessível” — lux inaccesibilis — porque é
o próprio princípio formal pelo qual tudo o mais se ilumina.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A perfeição da união de sujeito e forma pertence às coisas compostas.
Em Deus, essa perfeição se encontra de modo eminente: Ele é ato puro, no qual
toda perfeição formal está idêntica à essência.
Ad secundum:
A forma criada requer sujeito, pois é ato recebido.
A forma incriada é ser subsistente; não precisa de suporte, pois é o próprio
fundamento de toda subsistência.
Ad tertium:
O ato e o ser requerem sujeito apenas nas criaturas.
Em Deus, o ser é subsistência plena: esse Dei est ipsum subsistere.
Portanto, Ele é forma por essência, não por inesse.
Conclusiones
— Conclusões
- Em Deus não há composição de sujeito e forma, pois Ele é ato puro
sem potência receptiva.
- Deus é forma subsistente — ipsa forma subsistens —, não
forma em outro.
- Toda forma criada participa do ser formal de Deus.
- A ausência de sujeito em Deus é sinal de sua plenitude ontológica.
- Em Deus, essência, forma e ser são absolutamente idênticos.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.7, a.2:
“Deus est forma per se subsistens, et ideo est
purus actus.”
“Deus é forma subsistente por si, e por isso é ato puro.”
(2) João de São Tomás:
“Forma in materia terminatur; forma per se
subsistens est infinita. Deus est talis.”
“A forma na matéria é limitada; a forma subsistente é infinita. Tal é Deus.”
(3) Duns Scotus chama Deus de forma formarum
— “a forma das formas”, não por analogia com as espécies, mas por ser o
princípio de inteligibilidade de todas as coisas.
(4) Em Aristóteles, o Ato Puro (νοῦς νοήσεως νοῦς) é já forma sem matéria; João, seguindo Tomás, mostra que essa forma é
ainda esse subsistens, o que Aristóteles não alcançou.
(5) Fórmula conclusiva de João de São Tomás:
“Deus est ipsa forma essendi, simplex, infinita, a
qua omnis forma et esse in creaturis derivatur.”
“Deus é a própria forma do ser, simples e infinita, da qual toda forma e todo
ser nas criaturas derivam.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
QUARTA — De Perfectione Dei
ARTICULUS
PRIMUS — Utrum Deus sit perfectus
(Se Deus é perfeito)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que Deus não é perfeito, pois o perfeito é aquilo que nada lhe falta de acordo com sua natureza.
Mas Deus é causa de todas as coisas; e a causa, em certo modo, é superior ao efeito, mas não necessariamente completa segundo todas as suas possibilidades.
Ergo, Deus não é absolutamente perfeito. - Obiectio secunda:
Além disso, a perfeição implica a posse de toda forma e qualidade boa.
Ora, muitas perfeições pertencem às criaturas — sensibilidade, corporeidade, mobilidade — que não se encontram em Deus.
Ergo, Deus não é perfeito. - Obiectio tertia:
Por fim, o perfeito é aquilo que atinge seu fim.
Mas Deus não tende a um fim, pois é imutável.
Ergo, não pode ser dito perfeito.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás, S.Th., I, q.4, a.1*:
“Deus est perfectus, quia in ipso nihil de
perfectione essendi deest.”
“Deus é perfeito, porque n’Ele nada falta da perfeição do ser.”
E no Deuteronômio 32,4 lê-se:
“Deus fidelis, sine ulla iniquitate, justus et
rectus.” — “Deus é fiel, sem injustiça, justo e perfeito.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Diz-se “perfeito” aquilo a que nada falta de ser.
Ora, quanto mais algo participa do ser, tanto mais perfeito é.
Mas Deus é o Ser mesmo subsistente, ipsum
esse subsistens; n’Ele, portanto, nada pode faltar do ser.
Logo, é absolutamente perfeito.
A perfeição pode ser considerada de três modos:
- Perfectione essentiali,
quando algo possui a totalidade do seu ser segundo sua natureza;
- Perfectione accidentali,
quando possui todas as formas complementares que lhe convêm;
- Perfectione absoluta,
quando nada lhe falta de todo o âmbito do ser.
Somente Deus possui a terceira, porque contém em
si, de modo eminente, toda a plenitude de perfeição que nas criaturas
está distribuída por participação.
“Omnis perfectio creaturae in Deo praeexistit
eminenter.”
“Toda perfeição da criatura preexiste em Deus de modo eminente.”
E como Ele é ato puro (actus purus), sem
potência alguma, possui atualizadas todas as perfeições possíveis.
O que nas criaturas se dá de modo composto, limitado e participado, n’Ele
existe simples, infinito e idêntico à Sua essência.
João de São Tomás comenta:
“Perfectio Dei est ipsa plenitudo essendi, in qua
includuntur virtualiter omnes formae perfectionis.”
“A perfeição de Deus é a plenitude do ser, na qual estão incluídas virtualmente
todas as formas de perfeição.”
Por isso, as perfeições das criaturas não são
acréscimos ao ser de Deus, mas reflexos analógicos da sua plenitude.
Quando dizemos “Deus é sábio”, “Deus é justo”, não multiplicamos realidades em
Deus, mas exprimimos sob diversos aspectos a mesma perfeição infinita do ser
divino.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A causa não é imperfeita por não reproduzir todos os modos de seus efeitos, mas
é perfeita por tê-los em grau superior e eminente.
Assim, Deus é perfeito porque contém em si virtualmente todas as perfeições dos
efeitos.
Ad secundum:
As perfeições materiais das criaturas não estão em Deus formalmente, mas
eminentemente.
A perfeição de Deus não exige corpo ou movimento, porque estas são perfeições
de ordem inferior.
Ad tertium:
A perfeição não implica movimento para um fim, mas posse plena do fim.
Deus é perfeito precisamente porque é o fim último de todas as coisas e não
tende a outro.
Conclusiones
— Conclusões
- Deus é absolutamente perfeito, pois é o Ser subsistente, sem
limitação nem composição.
- Todas as perfeições das criaturas preexistem n’Ele eminentemente.
- A perfeição de Deus é a plenitude pura do ser — plenitudo
essendi.
- A imperfeição das criaturas procede de sua participação limitada no
ser divino.
- Deus é fim de todas as coisas e sua perfeição é a medida de toda
perfeição criada.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.7, a.2:
“Perfectum dicitur cui nihil deesse potest; Deo
nihil deest.”
“Perfeito se diz daquilo a que nada pode faltar; a Deus nada falta.”
(2) João de São Tomás:
“Perfectiones
creaturarum non addunt aliquid Deo, sed sunt participationes imperfectae ipsius
perfectionis divinae.”
“As perfeições das criaturas não acrescentam nada a Deus, mas são
participações imperfeitas da perfeição divina.”
(3) A noção de perfeição está intimamente ligada à
simplicidade: o simples contém o múltiplo de modo superior.
Logo, a simplicidade divina é o princípio formal da perfeição absoluta.
(4) Aristóteles (Metaphysica XII, 7) já
intuía: “O primeiro motor é ato perfeito.” — mas em João de São Tomás, esta
perfeição não é apenas motriz, é existencial.
(5) Fórmula conclusiva:
“Deus est perfectissimus, quia est ipsum esse
infinitum, in quo omnes perfectiones formaliter vel eminenter continentur.”
“Deus é o mais perfeito dos seres, porque é o próprio ser infinito, no qual
todas as perfeições estão contidas formal ou eminentemente.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
QUARTA — De Perfectione Dei
ARTICULUS SECUNDUS — Utrum perfectiones in creaturis sint in Deo
eminenter
(Se as perfeições das criaturas estão em Deus de
modo eminente)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que as perfeições das criaturas não estão em Deus, pois algumas delas pertencem à ordem material — como a corporeidade, a extensão, o movimento —, que não convêm à natureza divina.
Ergo, nem todas as perfeições estão em Deus. - Obiectio secunda:
Além disso, os contrários não podem coexistir no mesmo sujeito.
Ora, nas criaturas há perfeições que se opõem, como o calor e o frio, a dureza e a flexibilidade.
Se todas estão em Deus, segue-se contradição.
Ergo, as perfeições criadas não estão em Deus. - Obiectio tertia:
Por fim, o perfeito não contém os modos inferiores de ser, pois estes são imperfeições.
Mas as perfeições das criaturas são finitas e limitadas.
Ergo, Deus, sendo infinito, não as contém, nem formal nem eminenter.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás, S.Th., I, q.4, a.2*:
“Omnes
perfectiones in Deo praeexistunt simpliciter et eminenter.”
“Todas as perfeições preexistem em Deus de modo simples e eminente.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
É necessário afirmar que todas as perfeições
encontradas nas criaturas preexistem em Deus, porém de modo mais alto
e mais simples, isto é, eminenter.
A razão é esta:
tudo o que existe fora de Deus é efeito de sua causalidade.
Ora, o efeito não pode conter perfeição que não esteja na causa, ao menos de
modo virtual e eminente.
Logo, todas as perfeições das criaturas derivam de Deus, e portanto n’Ele
preexistem.
“In
causis agentibus per intellectum, formae effectuum praeexistunt in causa
eminenter.”
“Nas causas que agem por intelecto, as formas dos efeitos preexistem na
causa de modo eminente.”
Mas Deus é causa não apenas eficiente, senão
exemplar e final de todas as coisas.
Ele contém as perfeições criadas não segundo o mesmo modo de ser, mas segundo
um modo supereminente, isto é, mais simples e mais perfeito.
Assim, a vida de Deus não é como a vida das
criaturas vivas, nem sua sabedoria como a sabedoria humana, mas é a própria vida
e sabedoria em sua fonte, sem composição, limite ou recepção.
“Vita, sapientia, bonitas, et omnes formae
perfectionis in Deo sunt idem quod sua essentia.”
“Vida, sabedoria, bondade e todas as formas de perfeição em Deus são o mesmo
que sua essência.”
Por isso, nas criaturas as perfeições estão formaliter
et multipliciter (formal e divididas), mas em Deus estão eminenter et
simpliciter (eminente e unidas).
A multiplicidade das perfeições criadas é sinal da limitação da criatura; a
unidade delas em Deus é sinal de sua infinitude.
João de São Tomás resume:
“Perfectio creaturae est participatio partialis;
perfectio Dei est fons totius perfectionis.”
“A perfeição da criatura é participação parcial; a perfeição de Deus é a fonte
de toda perfeição.”
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
As perfeições materiais estão em Deus não quanto à matéria, mas quanto à forma.
Assim, a perfeição do movimento está n’Ele enquanto ato puro e causa de todo
movimento, não enquanto mudança.
Ad secundum:
Os contrários se excluem na ordem formal das criaturas, mas coexistem em Deus
de modo eminente, sem contradição.
O que é finito e diverso nas criaturas é uno e absoluto em Deus.
Ad tertium:
Deus não contém as perfeições inferiores segundo o mesmo modo, mas segundo um
modo superior.
O finito é nele superado pelo infinito, o composto pelo simples, o múltiplo
pelo uno.
Conclusiones
— Conclusões
- Todas as perfeições das criaturas preexistem em Deus, sua causa
primeira.
- Elas existem n’Ele não formalmente (como espécies distintas), mas
eminentemente, de modo simples e infinito.
- Deus é a unidade absoluta de todas as perfeições; nas criaturas,
elas se encontram divididas e participadas.
- Nenhuma perfeição criada acrescenta algo a Deus, pois tudo o que há
de ser é n’Ele.
- Esta doutrina fundamenta a analogia do ser: o que é dito de Deus e
das criaturas se diz segundo uma proporção de participação.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.7, a.2:
“Omnia
quae sunt in creatura, sunt in Deo eminenter.”
“Tudo o que está na criatura, está em Deus de modo eminente.”
(2) João de São Tomás:
“Deus est
totum in uno; creatura est pars in multis.”
“Deus é o todo em um; a criatura é parte em muitos.”
(3) Esta doutrina é a base da via eminentiae:
predicamos as perfeições divinas não por igualdade, mas por supereminência.
(4) Scotus e Suárez tentaram precisar o termo
“eminenter” em distinções modais (formaliter eminenter, eminenter
virtualiter), mas João conserva o sentido tomista puro: eminência é modo
superior de possuir sem multiplicação formal.
(5) Fórmula conclusiva:
“Deus continet omnes perfectiones creaturarum in
se, non sicut genus species, sed sicut causa universalis principium totius
perfectionis.”
“Deus contém em si todas as perfeições das criaturas, não como gênero que
contém espécies, mas como causa universal, princípio de toda perfeição.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
QUARTA — De Perfectione Dei
ARTICULUS
TERTIUS — Utrum creatura possit participare perfectionem Dei
(Se a criatura pode participar da perfeição de
Deus)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que a criatura não pode participar da perfeição de Deus, pois o que é infinito não pode ser participado pelo finito.
Ora, a perfeição de Deus é infinita.
Ergo, nenhuma criatura pode participar dela. - Obiectio secunda:
Além disso, a participação supõe semelhança entre participante e participado.
Mas entre Deus e a criatura há dessemelhança infinita.
Ergo, a criatura não pode participar da perfeição divina. - Obiectio tertia:
Por fim, o que participa depende do participado como de causa.
Mas Deus não tem causa, nem pode comunicar-se essencialmente.
Logo, não há verdadeira participação das criaturas na perfeição divina, senão mera denominação metafórica.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás, S.Th., I, q.4, a.3*:
“Omnia quae sunt, participant aliquam similitudinem
perfectionis divinae.”
“Todas as coisas que são participam de alguma semelhança da perfeição divina.”
E no Livro da Sabedoria (7,26):
“Candor est lucis aeternae et speculum sine macula
Dei maiestatis.”
“Ela é o resplendor da luz eterna e o espelho sem mancha da majestade de Deus.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Toda participação supõe dois termos:
um participado, que possui a perfeição em si mesmo e de modo total;
e um participante, que a recebe de outro e de modo limitado.
Assim, a criatura participa da perfeição de Deus
porque o que nela é ser, vida, verdade, bondade, potência — é recebido, não
possuído por essência.
Deus, ao contrário, é o próprio Ser e todas essas perfeições por natureza.
“Deus est per essentiam; creatura est per
participationem.”
“Deus é por essência; a criatura é por participação.”
Ora, quanto mais algo participa do ser, tanto mais
é perfeito; e como toda criatura é efeito de Deus, nela se encontra uma
semelhança do Criador proporcional à sua capacidade.
Daí se diz:
“Omnis creatura est quaedam imago divinae
perfectionis.”
“Toda criatura é uma imagem da perfeição divina.”
Mas essa participação é analógica, não
unívoca: a perfeição que na criatura é múltipla e limitada, em Deus é una e
infinita.
A diferença não é apenas de grau, mas de modo de ser: em Deus, a perfeição é identica
cum essentia; na criatura, é habita per participationem.
João de São Tomás explica:
“Participatio est modus dependendi; ideo creatura
non solum a Deo efficitur, sed in ipso continetur causaliter.”
“A participação é modo de dependência; por isso, a criatura não só é produzida
por Deus, mas nele se contém causalmente.”
A relação entre Deus e o ser criado é, portanto, de
causa exemplar e eficiente: toda perfeição criada reflete, como vestígio
ou imagem, a perfeição divina, segundo três graus:
- Vestigium, nas criaturas inanimadas, que refletem o
ser, a unidade e a ordem.
- Imago, nas criaturas racionais, que refletem
intelecto e vontade.
- Similitudo, na alma unida a Deus pela
graça, que participa da vida divina.
Em cada grau, a perfeição da criatura é tanto maior
quanto mais próxima da perfeição divina — não por essência, mas por
participação.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Embora o infinito não possa ser participado em sua totalidade, pode sê-lo
parcialmente, segundo o modo finito do participante.
Assim, a luz infinita de Deus ilumina a criatura conforme a abertura de sua
capacidade receptiva.
Ad secundum:
A dessemelhança infinita não exclui toda semelhança, mas antes a exige.
Pois a causa é sempre semelhante ao efeito na medida em que o produz.
A criatura é dessemelhante a Deus quanto ao modo, mas semelhante quanto à
analogia do ser.
Ad tertium:
A participação não implica comunicação essencial, mas dependência causal.
Deus comunica suas perfeições não pela essência, mas pelo efeito — e cada
criatura é um efeito real da perfeição divina.
Conclusiones
— Conclusões
- A criatura participa realmente da perfeição divina, não por
essência, mas por dependência causal.
- Toda perfeição criada é reflexo analógico da perfeição de Deus.
- A participação é proporcional: cada ente reflete a Deus segundo sua
capacidade de ser.
- A participação fundada na causalidade divina constitui a analogia
entis.
- Deus é a plenitude de toda perfeição; a criatura é participação
finita dessa plenitude.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.7, a.2:
“Participatio dicit ordinem ad primum; unde omnis
perfectio participata reduci debet ad Deum, qui est prima perfectio.”
“A participação implica ordem ao primeiro; por isso, toda perfeição participada
deve ser reduzida a Deus, que é a primeira perfeição.”
(2) João de São Tomás:
“Participatio est vestigium causalitatis; omnis
creatura est radius perfectionis divinae.”
“A participação é vestígio da causalidade; toda criatura é um raio da perfeição
divina.”
(3) Em Duns Scotus, fala-se de similitudo
intrinseca formalis; João recusa o univocismo e mantém a distinção formal
tomista: o ser é analógico, não unívoco.
(4) A participação da perfeição divina é a base da
teologia da graça: a elevação da criatura racional à vida divina é o grau
supremo dessa participação.
(5) Fórmula conclusiva:
“Creaturae participant perfectionem Dei secundum
modum suum; Deus continet eam secundum modum infinitum et simplicem.”
“As criaturas participam da perfeição de Deus segundo o seu modo; Deus a contém
segundo modo infinito e simples.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
QUINTA — De Bono et Bonitate Dei
ARTICULUS
PRIMUS — Utrum bonum sit diffusivum sui
(Se o bem é difusivo de si mesmo)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que o bem não é difusivo de si, pois a difusão pertence à natureza do agente, não do bem enquanto tal.
Mas algo pode ser bom sem agir, como Deus antes da criação.
Ergo, o bem não é essencialmente difusivo de si. - Obiectio secunda:
Além disso, a difusão implica movimento e comunicação.
Mas em Deus não há movimento, pois é ato puro e imutável.
Ergo, o bem divino não pode ser difusivo de si. - Obiectio tertia:
Por fim, o bem e o ser são convertíveis: bonum et ens convertuntur.
Ora, o ser não é difusivo de si mesmo, mas permanece idêntico.
Ergo, tampouco o bem é difusivo de si.
Sed contra —
Em contrário
Dionísio Areopagita, De Divinis Nominibus,
c. IV:
“Bonum est diffusivum sui.”
“O bem é difusivo de si mesmo.”
E Santo Tomás comenta:
“Sicut bonum est diffusivum sui in esse, ita Deus,
qui est bonum subsistens, est causa essendi omnibus.”
“Assim como o bem é difusivo de si no ser, assim Deus, que é o Bem subsistente,
é causa do ser para todos.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
A difusividade do bem não significa mudança local
nem produção necessária, mas comunicabilidade ontológica.
Chama-se “bom” aquilo que é desejável, e é desejável porque perfecciona
aquele que o recebe.
Ora, a perfeição consiste na comunicação do ser.
“Bonum et
ens convertuntur, sed differunt ratione.”
“O bem e o ser se convertem, mas diferem de razão.”
O ser diz respeito à existência; o bem, à amabilidade
do ser — àquilo que, sendo pleno, é apto a difundir-se e a comunicar sua
perfeição.
Logo, o bem é difusivo de si porque o ser, em sua plenitude, tende naturalmente
a comunicar-se.
Deus, como o Ser subsistente e a Bondade mesma,
é difusivo por essência, não por necessidade física, mas por liberalidade e
amor.
A difusão do bem divino é, portanto, livre e inteligente, não cega nem
fatal.
É o amor (amor Dei effusivus boni) que fundamenta toda a criação.
“Bonum est diffusivum sui, non per necessitatem
naturae, sed per inclinationem caritatis.”
“O bem é difusivo de si, não por necessidade natural, mas por inclinação da
caridade.”
Assim, Deus é difusivo em três ordens:
- Ad intra, pela processão das Pessoas Divinas — o Pai
gera o Filho, e do Pai e do Filho procede o Espírito Santo.
- Ad extra, pela criação, pela qual comunica o ser às
criaturas.
- Ad rationales creaturas, pela
graça, que é a comunicação da vida divina.
Em todas essas difusões, o princípio é o mesmo: o
bem, por ser pleno, tende a comunicar-se.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Antes da criação, Deus era difusivo em potência livre, não em ato produtivo.
A difusividade não se mede pelo efeito atual, mas pela capacidade intrínseca de
comunicar-se.
Ad secundum:
A difusão divina não é movimento, mas processão eterna.
No Pai e no Filho, a difusividade do bem é ato inteligível, não físico.
Ad tertium:
O ser não é difusivo enquanto ser, mas enquanto perfeito; e esta
perfeição é o aspecto formal do bem.
Logo, toda difusão do ser se funda na bondade.
Conclusiones
— Conclusões
- O bem é difusivo de si por essência, porque toda perfeição tende à
comunicação.
- Deus, como Bem subsistente, comunica o ser e toda perfeição às
criaturas.
- Essa difusão é livre, inteligente e amorosa, não necessária.
- A difusividade divina ad intra fundamenta a Trindade; ad extra, a
criação.
- Toda causalidade é participação da difusividade do bem divino.
Annotationes
— Anotações
(1) Dionísio, De Divinis Nominibus, IV, 1:
“Bonum est diffusivum sui et sui simile faciens.”
“O bem é difusivo de si e faz semelhante a si.”
(2) Santo Tomás, S.Th., I, q.6, a.1 ad 2:
“Deus diffundit esse propter suam bonitatem, non ex
necessitate, sed ex libertate amoris.”
(3) João de São Tomás:
“Bonum in se clausum desineret esse bonum; natura
boni est communicatio.”
“O bem fechado em si deixaria de ser bem; a natureza do bem é a comunicação.”
(4) Scotus distingue entre bonum diffusivum per
necessitatem e per voluntatem; João segue Tomás: em Deus, a difusão
é voluntária, não forçada.
(5) Fórmula conclusiva:
“Bonum est diffusivum sui; Deus est bonum
infinitum, ideo diffundit esse et perfectionem omnibus rebus.”
“O bem é difusivo de si; Deus é o bem infinito, por isso difunde o ser e a
perfeição a todas as coisas.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
QUINTA — De Bono et Bonitate Dei
ARTICULUS
SECUNDUS — Utrum bonum et ens convertantur
(Se o bem e o ser se convertem)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que o bem e o ser não se convertem, pois o bem acrescenta ao ser a noção de desejável, o que implica relação à vontade.
Mas o ser não tem relação essencial à vontade.
Ergo, o bem e o ser não se convertem. - Obiectio secunda:
Além disso, há seres que não são bons, como o mal moral ou o vício.
Mas se o bem e o ser se convertessem, tudo o que é seria bom.
Ergo, o bem e o ser não se convertem. - Obiectio tertia:
Por fim, o bem se opõe ao mal, mas o ser não tem contrário.
Logo, o bem não se converte com o ser.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás, S.Th., I, q.5, a.1:
“Bonum et
ens convertuntur, sed differunt ratione.”
“O bem e o ser se convertem, mas diferem pela razão.”
E Dionísio Areopagita, De Divinis Nominibus,
c. IV:
“Esse et bonum in rebus idem sunt secundum rem, sed
ratione distinguuntur.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
O ser e o bem são idênticos segundo a coisa,
mas distintos segundo a razão.
O ser significa o que é em ato — id quod habet esse; o bem, o mesmo ser
enquanto perfeito, apetecível e comunicável.
“Bonum respicit appetitum, ens respicit actum
essendi.”
“O bem tem relação com o apetite; o ser, com o ato de existir.”
Assim, o bem acrescenta ao ser apenas uma noção
relacional: a de ser desejável.
Mas todo ser, enquanto é, é perfeito de algum modo; e, sendo perfeito, é
desejável.
Logo, todo ente é bom.
A diferença é apenas de aspecto formal:
- Ens expressa a perfeição como ato;
- Bonum expressa a perfeição como objeto de desejo.
Deus é o mesmo ens perfectissimum e bonum
infinitum; nas criaturas, o ser e o bem se identificam segundo a
substância, mas diferem segundo a ordem da apetibilidade.
João de São Tomás resume magistralmente:
“Ens est radix boni; bonum est splendor entis.”
“O ser é a raiz do bem; o bem é o esplendor do ser.”
Por isso, o bem e o ser se convertem, mas o bem
implica relação de finalidade:
“Bonum est quod omnia appetunt.”
“O bem é aquilo que todas as coisas desejam.”
Essa conversão é a base da ordem final do universo
— o ser é ordenado ao bem, e o bem é o termo do ser em ato.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
O bem acrescenta ao ser apenas uma relação de razão (secundum rationem),
não uma realidade distinta.
A relação ao apetite não muda a essência do ente, mas o modo de considerá-lo.
Ad secundum:
O mal não é ser, mas privação de ser.
Logo, o que é, enquanto é, é bom; o mal é falta de ser e, portanto, de bem.
Ad tertium:
O bem tem contrário porque pode haver ausência de perfeição; o ser, enquanto
tal, não tem contrário.
A oposição entre bem e mal se funda na participação deficiente do ser.
Conclusiones
— Conclusões
- O bem e o ser são idênticos segundo a realidade, distintos segundo
a razão.
- Todo ente, enquanto é, é bom; o mal é privação de ser e, portanto,
de bem.
- O bem acrescenta ao ser a relação de apetibilidade e perfeição.
- Deus é o mesmo ser e bem infinitos, causa de toda bondade criada.
- A conversão entre ser e bem funda a ordem final do universo: todo
ser tende ao bem.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Veritate, q.21, a.1:
“Bonum et ens convertuntur, quia unumquodque
appetitur inquantum est perfectum, et perfectionem habet inquantum est.”
“O bem e o ser se convertem, porque cada coisa é desejada enquanto é perfeita,
e é perfeita enquanto é.”
(2) João de São Tomás:
“Non addit bonum realitatem super ens, sed solum
respectum ad appetitum.”
“O bem não adiciona realidade sobre o ser, mas apenas relação ao apetite.”
(3) A distinção é, pois, de razão fundamentada
na coisa (distinctio rationis cum fundamento in re): a mente
distingue formalmente o que na realidade é idêntico.
(4) A partir desta conversão, João introduz a
analogia do fim: todo ser é ordenado à perfeição do bem; e o bem último é o
próprio Deus.
(5) Fórmula conclusiva:
“Ens et bonum convertuntur: unum et idem est quod
aliquid sit et quod sit appetibile.”
“O ser e o bem se convertem: é uma e a mesma coisa que algo exista e que seja
desejável.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
QUINTA — De Bono et Bonitate Dei
ARTICULUS
TERTIUS — De ordine boni in entibus
(Sobre a ordem do bem nos entes)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que não há ordem de bens nos entes, pois o bem e o ser se convertem.
Se tudo o que é é bom, todos os bens seriam iguais.
Ergo, não há ordem nem hierarquia entre eles. - Obiectio secunda:
Além disso, a ordem implica desigualdade e dependência.
Mas o bem é difusivo e comunicável a todos igualmente.
Ergo, não pode haver desigualdade de bens. - Obiectio tertia:
Por fim, se há ordem de bens, um bem seria causa de outro.
Mas somente Deus é causa de todos os bens.
Ergo, fora de Deus não há verdadeira ordem de bens.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás, S.Th., I, q.5, a.4:
“Sicut entia sunt diversa secundum gradum
perfectionis, ita et bona secundum gradum bonitatis.”
“Assim como os entes diferem segundo o grau de perfeição, assim também os bens
diferem segundo o grau de bondade.”
E Dionísio Areopagita, De Divinis Nominibus,
c. IV:
“Omnia ordinantur ad bonum sicut ad causam primam
et finem ultimum.”
“Todas as coisas são ordenadas ao bem como à causa primeira e ao fim último.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Como o bem se identifica com o ser segundo a
realidade, segue-se que a ordem dos bens corresponde à ordem dos entes:
quanto mais ser, tanto mais bem.
“Gradus entis est gradus bonitatis.”
“O grau do ser é o grau da bondade.”
Mas o bem tem, além disso, uma ordem própria
segundo a sua relação de finalidade: pois o bem não apenas é, mas
atrai.
Logo, há uma dupla ordem do bem:
- uma ontológica, conforme a participação do ser;
- outra teleológica, conforme a capacidade de atrair os outros
à perfeição.
Na ordem ontológica, Deus é o summum bonum,
pois é o Ser por essência e plenitude de toda perfeição.
As criaturas são boas segundo sua proximidade com esse Ser primeiro: os anjos
mais do que os homens, os homens mais do que os animais, e assim por diante.
Na ordem teleológica, há três espécies de bem,
segundo a clássica tripartição tomista:
- Bonum honestum, o bem em si mesmo, que é
amável por sua própria perfeição;
- Bonum utile, o bem enquanto meio para
outro fim;
- Bonum delectabile, o bem
enquanto dá prazer e repouso no desejo.
“Bonum honestum est supremum, quia est amatum
propter se; bonum utile est propter aliud.”
“O bem honesto é o supremo, porque é amado por si; o bem útil, por outro.”
Esses graus coexistem analogicamente em toda a
criação.
Deus é o bem honestum in se et per essentiam, as criaturas são bona
participata, e cada uma reflete a bondade divina conforme sua natureza e
fim.
“Omnia bona ordinantur ad unum summum bonum, quod
est Deus.”
“Todos os bens se ordenam a um único bem supremo, que é Deus.”
Assim, a multiplicidade dos bens não implica
divisão do bem em si, mas sua difusão participada.
A unidade do Bem é fonte de todas as ordens particulares de bondade.
João de São Tomás, em sua síntese admirável:
“Ordo
boni in entibus est scala participationis; in Deo est fons, in angelis lumen,
in hominibus appetitus, in creaturis vestigium.”
“A ordem do bem nos entes é uma escada de participação; em Deus é fonte,
nos anjos é luz, nos homens é desejo, nas criaturas é vestígio.”
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A conversão entre bem e ser não exclui a gradação, pois ambos admitem mais e
menos segundo a intensidade da perfeição.
Ad secundum:
A comunicabilidade do bem é universal, mas não igual em todos; cada natureza
recebe conforme sua capacidade de participação.
Ad tertium:
Embora Deus seja a causa primeira de todos os bens, há ordem entre os bens
criados enquanto causas segundas que participam e comunicam a bondade divina de
modo subordinado.
Conclusiones
— Conclusões
- Há ordem real de bens conforme a gradação do ser e da perfeição.
- Essa ordem é dupla: ontológica (quanto ao ser) e teleológica
(quanto ao fim).
- O bem se distribui em três espécies: útil, deleitável e honesto,
das quais o último é o supremo.
- Todos os bens participam e se ordenam ao summum bonum, que é
Deus.
- A hierarquia da bondade manifesta a unidade da difusividade divina
no múltiplo da criação.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Veritate, q.21, a.4:
“Gradus bonitatis est gradus essendi; quanto
aliquid est perfectius in esse, tanto est magis bonum.”
(2) Dionísio Areopagita:
“Omnia bona ab uno bono participantur, et in illo
unum sunt.”
“Todos os bens são participados de um único Bem, e nele são um.”
(3) João de São Tomás:
“Ordo boni est pulchritudo universi; sine ordine,
bonum dispersum esset chaos.”
“A ordem do bem é a beleza do universo; sem ordem, o bem disperso seria caos.”
(4) A hierarquia do bem é reflexo da hierarquia do
ser: quanto mais algo é ato, mais é bom e mais próximo de Deus.
(5) Fórmula conclusiva:
“Ordo boni in entibus est participatio unius
bonitatis divinae, quae per gradus se manifestat in creaturis.”
“A ordem do bem nos entes é participação de uma única bondade divina, que se
manifesta gradualmente nas criaturas.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
QUINTA — De Bono et Bonitate Dei
ARTICULUS
QUARTUS — Utrum Deus sit summum bonum
(Se Deus é o Sumo Bem)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que Deus não é o Sumo Bem, pois o bem, enquanto difusivo, supõe comunicação.
Mas Deus, sendo absolutamente simples e imutável, não pode comunicar-se senão por efeitos criados.
Logo, a bondade comunicada é maior que a bondade que permanece em si.
Ergo, Deus não é o Sumo Bem. - Obiectio secunda:
Além disso, o Sumo Bem deve ser plenamente participável por todos.
Mas Deus é incomunicável em sua essência.
Logo, não pode ser chamado o Sumo Bem. - Obiectio tertia:
Por fim, o Sumo Bem deve ser amado por todos.
Mas há criaturas que não amam a Deus, como os demônios e os ímpios.
Ergo, Deus não é o Sumo Bem.
Sed contra —
Em contrário
Santo Agostinho, De Trinitate, VIII, 3:
“Deus solus est summum bonum, a quo omnia bona.”
“Só Deus é o Sumo Bem, do qual procedem todos os bens.”
E Santo Tomás, S.Th., I, q.6, a.2:
“Cum Deus sit ipsum esse subsistens, necesse est
eum esse bonum per essentiam et bonum summum.”
“Sendo Deus o próprio ser subsistente, é necessário que seja bom por essência e
o bem supremo.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
O Sumo Bem é aquilo que é causa de toda bondade e
fim de todo desejo.
Ora, todo bem é desejado por sua perfeição; e todo desejo tende ao termo último
que contém, em modo eminente, toda perfeição desejável.
Deus é, portanto, o Sumo Bem, porque é plenitude
absoluta do ser e causa universal de toda perfeição.
Tudo o que é bom nas criaturas existe n’Ele eminente e formalmente; e o que
nelas é participado, n’Ele é essência.
“Bonum in
Deo est ipsa eius essentia; in creatura est per participationem.”
“O bem em Deus é sua própria essência; nas criaturas é por
participação.”
A razão dessa supremacia está em que Deus é o
próprio Ser subsistente (ipsum esse subsistens); e, como o ser e o
bem se convertem, Deus é a própria bondade subsistente (ipsum bonum per se
subsistens).
João de São Tomás explica com rigor aristotélico:
“In omni genere boni oportet esse primum et summum,
a quo cetera bona derivantur.”
“Em todo gênero de bem deve haver um primeiro e supremo, do qual derivam os
demais.”
E acrescenta:
“In Deo est unitas omnium bonorum, quia nihil est
quod extra ipsum bonum esse possit.”
“Em Deus está a unidade de todos os bens, porque nada existe que possa estar
fora do bem.”
Assim, Ele é chamado Sumo Bem sob três
razões:
- Causal, porque é a causa de toda bondade criada;
- Exemplar, porque é o modelo e medida de toda bondade;
- Final, porque é o termo de todo apetite e de toda
perfeição.
“Ipse est causa efficiens, exemplaris et finalis
omnium bonorum.”
“Ele é a causa eficiente, exemplar e final de todos os bens.”
Por isso, todos os entes, conscientes ou não,
tendem a Ele: uns por conhecimento e amor, outros por inclinação natural.
O universo inteiro é, portanto, uma conversio ad bonum, um retorno ao
Bem que o originou.
“Omnis creatura, secundum modum suum, Deum
appetit.”
“Toda criatura, segundo o seu modo, tende a Deus.”
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Deus comunica-se, não pela mudança de si, mas pela produção de efeitos.
A difusividade divina é ato livre e imutável: Ele permanece o mesmo, ainda que
tudo proceda d’Ele.
Ad secundum:
Deus é incomunicável em essência, mas comunicável em similitude.
A participação não diminui o primeiro bem, mas o manifesta.
Ad tertium:
Mesmo os que não amam Deus por vontade, o amam por natureza, pois tudo tende ao
bem.
A vontade pervertida não destrói a ordem natural do desejo.
Conclusiones
— Conclusões
- Deus é o Sumo Bem por essência, causa e fim de toda bondade.
- Ele contém todas as perfeições dos bens criados de modo eminente e
simples.
- É o Bem subsistente, não participado, do qual todos os bens
participam.
- Sua bondade é universal, difusiva e imutável.
- O Sumo Bem é o princípio e o termo de toda a ordem do universo.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, Contra Gentiles, I, c.37:
“Cum Deus sit actus purus et plenitudo essendi, in
ipso est plenitudo bonitatis.”
“Como Deus é ato puro e plenitude do ser, n’Ele está a plenitude da bondade.”
(2) João de São Tomás:
“Bonum summum est simplicissimum; ideo Deus est
summum bonum, quia est simplicissimus.”
“O Sumo Bem é o mais simples; por isso, Deus é o Sumo Bem, porque é o mais
simples.”
(3) A teologia escolástica reconhece aqui a
transição da metafísica para a mística: a mente que entende o bonum
subsistens é atraída a amá-lo.
(4) O termo “Sumo Bem” resume os três aspectos da
Causa Primeira: efficientis, exemplaris, finalis.
(5) Fórmula conclusiva:
“Deus est summum bonum, quia est ipsum esse
perfectum, a quo omnia bona et ad quod omnia bona ordinantur.”
“Deus é o Sumo Bem, porque é o próprio ser perfeito, do qual procedem todos os
bens e para o qual todos os bens se ordenam.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
QUINTA — De Bono et Bonitate Dei
ARTICULUS QUINTUS — Utrum omnia tendant in Deum sicut in finem
(Se todas as coisas tendem a Deus como ao seu fim)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que nem todas as coisas tendem a Deus como ao seu fim, pois muitas são privadas de razão e vontade, e não podem ordenar-se a um fim inteligível.
Ergo, apenas as criaturas racionais tendem a Deus como ao fim. - Obiectio secunda:
Além disso, o mal se opõe ao bem.
Mas o mal é algo existente de certo modo — é ato voluntário nos pecadores.
Logo, nem tudo tende a Deus como ao seu fim. - Obiectio tertia:
Por fim, o fim é aquilo que se deseja.
Mas nem todos conhecem ou desejam a Deus.
Ergo, nem todas as coisas tendem a Ele.
Sed contra —
Em contrário
Santo Agostinho, De Civitate Dei, XIX, 1:
“Deus est finis omnium, quia ipse est summum
bonum.”
“Deus é o fim de todas as coisas, porque Ele é o Sumo Bem.”
E Santo Tomás, S.Th., I, q.44, a.4:
“Omnia
tendunt in Deum sicut in finem, quia omnia appetunt bonum.”
“Todas as coisas tendem a Deus como ao fim, porque todas apetecem o
bem.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
É necessário afirmar que todas as coisas, de
qualquer ordem de ser, tendem a Deus como ao seu fim último.
A razão disso é dupla:
primeiro, porque Deus é o Bem universal;
segundo, porque toda causa eficiente age por causa final.
“Omne agens agit propter finem.”
“Todo agente age por um fim.”
Ora, o fim último de toda ação é o bem, e todo bem
deriva de Deus; logo, toda tendência, natural ou voluntária, se ordena a Ele.
Essa tendência não é sempre consciente ou racional:
- nas criaturas intelectuais, é voluntária e cognoscitiva;
- nas criaturas sensíveis, é apetitiva e instintiva;
- nas criaturas inanimadas, é natural e ordenada pela Providência.
“Omnia moventur ad Deum, non quasi cognoscentes,
sed quasi ordinata ab eo.”
“Todas as coisas se movem para Deus, não como conhecendo, mas como ordenadas
por Ele.”
Assim, o universo inteiro é um movimento de
retorno, reditus in Deum, conforme a lei eterna impressa em cada
ser.
Cada ente participa do bem e tende à sua causa — o bem particular busca o bem
universal.
João de São Tomás sintetiza a doutrina com clareza:
“Ordo universi est reditus causarum in causam, et
bonorum in bonum.”
“A ordem do universo é o retorno das causas à Causa, e dos bens ao Bem.”
Logo, mesmo o mal, enquanto ato, participa do ser e
é ordenado acidentalmente a Deus; apenas a privação (privatio boni) é
pura desordem.
Tudo o que existe, enquanto existe, está de algum modo voltado para o Sumo Bem.
“Deus est principium et finis omnium rerum.”
“Deus é o princípio e o fim de todas as coisas.”
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
As criaturas irracionais tendem a Deus por inclinação natural impressa por Ele.
Sua ordem não é de conhecimento, mas de dependência causal.
Ad secundum:
O mal, enquanto privação, não é ser nem fim; enquanto ato, depende de alguma
bondade e, portanto, é ordenado a Deus indiretamente.
Ad tertium:
Nem todos conhecem Deus formalmente, mas todos desejam o bem, e todo bem é
participação de Deus.
Logo, mesmo sem o saber, todos os seres tendem a Ele.
Conclusiones
— Conclusões
- Toda criatura, racional ou não, tende a Deus como ao fim último.
- Essa tendência é múltipla: natural, sensitiva ou racional, conforme
o grau de ser.
- O universo é uma ordem de retorno ao Bem supremo — reditus
universalis.
- O mal não destrói essa ordem, mas apenas a perturba acidentalmente.
- Deus é o princípio, a medida e o fim de toda a criação.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, Contra Gentiles, III, c.17:
“Omnia
appetunt assimilari Deo, prout possibile est.”
“Todas as coisas apetecem assemelhar-se a Deus, quanto possível.”
(2) João de São Tomás:
“Finis omnium est bonum supremum, quod in Deo
consistit; unde motus universi est conversio amoris ad ipsum.”
“O fim de todas as coisas é o bem supremo, que consiste em Deus; por isso, o
movimento do universo é conversão de amor para Ele.”
(3) Dionísio Areopagita, De Divinis Nominibus,
c. IV:
“Divina bonitas omnia movet et convertit ad se.”
“A bondade divina move e converte todas as coisas a si.”
(4) A teologia tomista chama essa doutrina de ordo
exitus et reditus — saída de Deus pela criação, retorno a Deus pela
ordenação.
(5) Fórmula conclusiva:
“Omnia
tendunt in Deum sicut in finem, quia ipse est bonum universale, in quo quiescit
omnis appetitus.”
“Todas as coisas tendem a Deus como ao fim, porque Ele é o bem
universal, no qual todo apetite encontra repouso.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
SEXTA — De Infinitate Dei
ARTICULUS
PRIMUS — Utrum Deus sit infinitus in perfectione
(Se Deus é infinito em perfeição)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que Deus não é infinito em perfeição, pois o infinito, segundo Aristóteles, pertence à matéria, que é potência.
Mas em Deus não há potência, sendo ato puro.
Ergo, Deus não é infinito. - Obiectio secunda:
Além disso, a infinitude implica indeterminação.
Mas o que é perfeito é determinado e completo.
Ergo, o infinito não pode ser perfeito. - Obiectio tertia:
Por fim, o infinito não é inteligível, pois toda compreensão requer limite.
Mas Deus é inteligível por si mesmo.
Ergo, Deus não é infinito.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás, S.Th., I, q.7, a.1:
“Cum sit
actus purus, Deus est infinitus in perfectione.”
“Sendo ato puro, Deus é infinito em perfeição.”
E Santo Agostinho, Confessiones, I, 4:
“Magnus es, Domine, et laudabilis valde: magna
virtus tua et sapientiae tuae non est numerus.”
“Grande és, Senhor, e sumamente louvável; grande é a tua virtude e não há
número à tua sabedoria.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
O infinito pode ser considerado de dois modos: quanto
à quantidade, e quanto à perfeição.
- O infinito de quantidade é aquele que não tem limites de extensão
ou número;
- O infinito de perfeição é aquele que não tem limites de ato ou de
ser.
Ora, em Deus não há limite de ato, porque o seu ser
não é recebido nem determinado por nenhuma essência distinta.
“In Deo esse est sua essentia.”
“Em Deus, o ser é a própria essência.”
Por isso, Deus é infinito em perfeição, não
materialmente, mas formal e eminentemente.
A infinitude aqui não significa indefinição, mas plenitude ilimitada de ato.
Deus é o Ser pleno — plenitudo essendi — sem restrição, sem
participação, sem fronteira.
“Infinita est plenitudo perfectionis divinae, quia
nulla ei determinatio finita opponitur.”
“Infinita é a plenitude da perfeição divina, porque nenhuma determinação finita
se lhe opõe.”
Tudo o que é limitado é finito porque recebe o ser
de outro; mas em Deus o ser é originário, sem recepção nem composição.
Logo, Ele é ato puro e, portanto, infinito.
João de São Tomás acrescenta uma formulação
lapidar:
“Finis est ex limitatione; infinitum ex identitate
actus et essentiae.”
“O finito vem da limitação; o infinito, da identidade entre ato e essência.”
Assim, Deus é infinito não por quantidade,
mas por ausência de limitação no ser.
A infinitude é o selo metafísico da divindade: o atributo que garante que
nenhum outro pode ser pensado sem ela.
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
O infinito de que fala Aristóteles é o potencial, ligado à matéria; o infinito
divino é atual e formal, ligado à plenitude do ser.
Ad secundum:
A indeterminação é imperfeição apenas quando se refere à potência.
Em Deus, a ausência de limite é plenitude, não carência.
Ad tertium:
O infinito não é incompreensível em si, mas para nós.
Em si mesmo, é o mais inteligível; apenas a mente criada é finita e não o
abarca.
Conclusiones
— Conclusões
- O infinito material pertence à potência; o infinito de perfeição
pertence ao ato.
- Deus, sendo ato puro, é infinito por essência.
- Sua infinitude não é quantitativa, mas formal — plenitude sem
limite.
- Todo ser finito participa de sua infinitude por derivação e
limitação.
- A infinitude divina é o fundamento de todos os demais atributos.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.2, a.1:
“Infinita
perfectio est actus purus non receptus in aliquo.”
“A perfeição infinita é o ato puro não recebido em nada.”
(2) João de São Tomás:
“Infinitas Dei non est multitudo, sed unitas absque
termino.”
“A infinitude de Deus não é multiplicidade, mas unidade sem termo.”
(3) A distinção entre infinito potencial e infinito
atual, vinda de Aristóteles (Phys., III), é aqui invertida: o infinito
divino é atualidade pura, não indeterminação.
(4) A infinitude é correlata à simplicidade: o que
é simples é infinito, porque não é delimitado por composição.
(5) Fórmula conclusiva:
“Deus est infinitus in perfectione, quia est actus
purus et plenitudo essendi absque omni termino.”
“Deus é infinito em perfeição, porque é ato puro e plenitude de ser sem nenhum
limite.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
SEXTA — De Infinitate Dei
ARTICULUS
SECUNDUS — Utrum infinitas Dei sit causa omnium rerum
(Se a infinitude de Deus é causa de todas as
coisas)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que a infinitude de Deus não é causa das coisas, pois o infinito, sendo sem limite, não se compara ao finito.
Mas a causa deve ser proporcionada ao efeito.
Ergo, o infinito não pode ser causa do finito. - Obiectio secunda:
Além disso, a causa infinita, se atuasse, produziria efeitos infinitos.
Mas as criaturas são finitas.
Ergo, Deus, sendo infinito, não é causa das coisas finitas. - Obiectio tertia:
Por fim, a causalidade pertence à ordem do agir.
Ora, a infinitude exprime o ser, não o agir.
Ergo, a infinitude divina não é causa das coisas.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás, S.Th., I, q.7, a.2:
“Ex hoc ipso quod Deus est infinitus, omnia limitata
ab eo procedunt.”
“Do fato mesmo de Deus ser infinito, procede que todas as coisas limitadas vêm
d’Ele.”
E Dionísio Areopagita, De Divinis Nominibus,
c. V:
“Bonitas divina est causa omnium existentium, quia
est infinitum bonum.”
“A bondade divina é causa de todas as coisas existentes, porque é o bem
infinito.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
A infinitude de Deus é causa de todas as coisas não
per accidens, mas per se, porque tudo o que é finito procede de algo
que é ato ilimitado.
Todo ser limitado supõe uma limitação do ato; e o ato só é limitado quando é
recebido em potência.
Mas em Deus não há potência: Ele é o próprio ato infinito do ser.
“In Deo actus est absque termino, unde potest
producere omnia quae limitantur.”
“Em Deus, o ato é sem termo; por isso, Ele pode produzir todas as coisas que
são limitadas.”
Assim, Deus é causa de todas as coisas precisamente
por sua infinitude.
O infinito, longe de excluir a causalidade, é a condição para que haja
causalidade universal.
Pois somente o que contém virtualmente toda perfeição pode comunicar qualquer
perfeição.
“Infinitum est causa finitorum, quia in se continet
eminenter quidquid est in eis.”
“O infinito é causa dos finitos, porque contém em si, de modo eminente, tudo o
que neles existe.”
João de São Tomás explica:
“Infinitas divina est ratio causalitatis; ex
plenitudine actus oritur effluxus entium.”
“A infinitude divina é a razão da causalidade; da plenitude do ato procede o
fluxo dos entes.”
Deus não age por necessidade de natureza, mas por
liberalidade de bondade.
Sua infinitude não se esgota nos efeitos, porque o efeito finito participa
apenas de modo limitado da perfeição infinita.
Assim, o universo inteiro é a expressão participada
da infinitude divina — um espelho múltiplo do ser ilimitado.
“Creaturae sunt limitationes infinitatis divinae
participatae.”
“As criaturas são limitações da infinitude divina participada.”
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A desproporção não impede a causalidade, mas a funda: o finito depende do
infinito como do princípio que o contém eminente e virtualmente.
Ad secundum:
O efeito finito não mede a causa infinita; a causa infinita não produz
infinitos efeitos, porque atua segundo a sabedoria e a vontade, não por
necessidade natural.
Ad tertium:
A infinitude pertence ao ser, mas o ser é princípio de todo agir.
Logo, a infinitude divina, enquanto plenitude de ser, é também plenitude de
poder.
Conclusiones
— Conclusões
- A infinitude divina é a razão formal da causalidade universal.
- Tudo o que é finito procede do ato infinito por participação e
limitação.
- O infinito é causa dos finitos, porque contém todas as perfeições
eminenter.
- A ação criadora não é necessária, mas livre e amorosa.
- A criação é manifestação participada da infinitude de Deus.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.3, a.15:
“Infinita virtus non determinatur ad unum effectum,
sed potest producere infinitos modos finitos.”
“A virtude infinita não se determina a um único efeito, mas pode produzir
infinitos modos finitos.”
(2) João de São Tomás:
“Infinitas Dei est causa exemplaris et eminens
omnium rerum.”
“A infinitude de Deus é causa exemplar e eminente de todas as coisas.”
(3) A distinção entre causalidade natural e livre é
aqui essencial: o infinito não age por necessidade, mas por vontade.
(4) Assim como a luz solar, que nada perde ao
iluminar, Deus cria sem diminuir-se; sua infinitude permanece indivisa.
(5) Fórmula conclusiva:
“Ex infinitate divina procedunt omnia, quia solus
infinitus continet causaliter totam perfectionem finitorum.”
“De toda a infinitude divina procedem todas as coisas, porque só o infinito
contém causalmente toda a perfeição dos finitos.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
SEXTA — De Infinitate Dei
ARTICULUS
TERTIUS — Utrum infinitas Dei comprehendatur intellectu angelico aut humano
(Se a infinitude de Deus pode ser compreendida pelo
intelecto angélico ou humano)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que a infinitude de Deus pode ser compreendida, pois o objeto da inteligência é o ser universal, e nada escapa ao alcance do intelecto quanto ao ser.
Mas Deus é o ser por excelência.
Ergo, o intelecto pode compreender a infinitude divina. - Obiectio secunda:
Além disso, os anjos veem a essência de Deus mais perfeitamente que os homens.
Mas ver a essência é compreender aquilo que se vê.
Ergo, os anjos compreendem a infinitude divina. - Obiectio tertia:
Por fim, os bem-aventurados veem a Deus face a face, como está escrito: Videbimus eum sicuti est.
Mas ver algo como é parece ser compreendê-lo.
Ergo, os bem-aventurados compreendem a infinitude divina.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás, S.Th., I, q.12, a.7:
“Nullus
intellectus creatus potest comprehendere Deum.”
“Nenhum intelecto criado pode compreender a Deus.”
E Santo Agostinho, De Civitate Dei, XII, 7:
“Si comprehendis, non est Deus.”
“Se compreendes, não é Deus.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Compreender significa abarcar perfeitamente o
objeto conhecido, de modo que nada dele permaneça fora do alcance do
conhecedor.
Ora, isso exige uma proporção entre o poder cognoscente e o objeto conhecido.
Mas entre o intelecto criado e a infinitude divina
não há proporção possível, pois o finito não pode conter o infinito.
“Comprehendere
est adaequare; nullus intellectus creatus potest adaequari infinito.”
“Compreender é igualar-se; nenhum intelecto criado pode igualar-se ao
infinito.”
Assim, a infinitude divina pode ser conhecida,
mas não compreendida.
Pode ser conhecida, porque a inteligência humana e angélica atinge o ser e pode
saber que em Deus não há limite;
não pode ser compreendida, porque essa ausência de limite ultrapassa toda
capacidade finita de entendimento.
“Infinitas Dei cognoscitur ut credita et visa, sed
non terminatur ab intellectu.”
“A infinitude de Deus é conhecida como crida e vista, mas não é circunscrita
pelo intelecto.”
A visão beatífica concede conhecimento imediato da
essência divina, mas não a plena circunscrição de sua infinitude.
Mesmo os anjos e os santos veem tudo o que podem ver, mas não tudo o
que há em Deus.
Eles veem o próprio Deus, mas não o compreendem.
João de São Tomás formula isso com precisão
escolástica:
“Visio est intuitus rei praesentis; comprehensio
est mensura rei visae.”
“Visão é a intuição da coisa presente; compreensão é a medida da coisa vista.”
A visão beatífica, portanto, é plena quanto ao modo
do sujeito, mas não quanto à totalidade do objeto.
Deus é visto, mas permanece incompreensibilis, não por obscuridade, mas
por excesso de luz.
“Deus non
est incomprehensibilis per defectum, sed per excessum.”
“Deus não é incompreensível por defeito, mas por excesso.”
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
O intelecto criado conhece o ser universal, mas de modo limitado e participado;
o ser divino é absoluto e infinito.
Conhece-se que Deus é, e que é infinito, mas não se compreende o modo infinito
de seu ser.
Ad secundum:
Os anjos veem a essência de Deus, mas a veem segundo o grau de sua capacidade
finita; a visão deles é plena quanto à forma, não quanto à extensão do objeto.
Ad tertium:
Os bem-aventurados veem Deus “como é”, isto é, na verdade de sua essência, mas
não “quanto é”, isto é, na plenitude de sua infinitude.
A visão é perfeita quanto à veracidade, imperfeita quanto à totalidade.
Conclusiones
— Conclusões
- Compreender é abarcar plenamente o objeto conhecido; isso é
impossível para qualquer intelecto criado diante de Deus.
- A infinitude divina pode ser conhecida, mas não compreendida.
- Os anjos e os bem-aventurados veem Deus em si mesmo, mas não em
toda a amplitude de seu ser.
- A incompreensibilidade divina não é limitação de Deus, mas excesso
de perfeição.
- Deus é visto, conhecido e amado, mas jamais esgotado pelo intelecto
criado.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Veritate, q.2, a.1 ad 3:
“Comprehendere est totum cognoscibile cognoscere;
quod soli Deo convenit.”
“Compreender é conhecer tudo o que pode ser conhecido — o que só convém a
Deus.”
(2) João de São Tomás:
“In comprehensione requiritur mensura aequalis; sed
nullus intellectus creatus est mensura infiniti.”
“Na compreensão requer-se medida igual; mas nenhum intelecto criado é medida do
infinito.”
(3) A diferença entre visio e comprehensio
é uma das mais finas distinções da teologia escolástica: todos os
bem-aventurados veem Deus, mas só Deus se compreende a si mesmo.
(4) A incompreensibilidade de Deus é o fundamento
da contemplação: quanto mais se conhece, mais se percebe o abismo do
desconhecido.
(5) Fórmula conclusiva:
“Infinitas Dei cognosci potest, comprehendi non
potest; cognoscitur ut lumen, comprehenditur ab ipso tantum.”
“A infinitude de Deus pode ser conhecida, mas não compreendida; é conhecida
como luz, e compreendida somente por Ele mesmo.”
LIBER QUARTUS — IN
PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO SEPTIMA — De
Immensitate et Ubiquitate Dei
(Sobre a Imensidade e a Ubiquidade de
Deus)
Prooemium — Prólogo
A
consideração da imensidade de Deus segue a da sua infinitude.
Pois, assim como a infinitude exclui toda limitação de ser, assim a imensidade
exclui toda limitação de lugar.
“Quod
infinitum est in esse, est immensum in loco.”
“O que é infinito no ser, é
imenso no lugar.”
Deus,
portanto, está presente a todas as coisas, não como contido, mas como
continente; não como parte do mundo, mas como fundamento invisível de sua
existência.
“In ipso enim vivimus, movemur et
sumus.” — At 17, 28
“Nele vivemos, nos movemos e existimos.”
ARTICULUS PRIMUS — Utrum
Deus sit in omnibus rebus
(Se Deus está em todas as coisas)
Objectiones — Objeções
1. Obiectio
prima:
Parece que Deus não está em todas as coisas, pois aquilo que está em algo está
contido por esse algo.
Mas Deus, sendo infinito, não pode ser contido.
Ergo,
Deus não está em todas as coisas.
2. Obiectio
secunda:
Além disso, o que está em todas as coisas parece ser da mesma natureza que elas.
Mas Deus é absolutamente distinto de todas as criaturas.
Ergo,
não está nelas.
3. Obiectio
tertia:
Por fim, Deus está nos céus de modo especial, como diz a Escritura: Pater
noster, qui es in caelis.
Logo, não está igualmente em todas as coisas.
Sed contra — Em contrário
Santo
Tomás, S.Th.,
I, q.8, a.1:
“Deus
est in omnibus rebus, non quidem sicut pars essentiae, nec sicut accidens, sed
sicut agens adest ei in quod agit.”
“Deus está em todas as
coisas, não como parte da essência, nem como acidente, mas como o agente está
presente àquilo sobre o que age.”
E
Sabedoria 1,7:
“Spiritus Domini replevit orbem
terrarum.”
“O Espírito do Senhor encheu toda a terra.”
Respondeo dicendum quod — Responde-se dizendo que
Deus
está em todas as coisas por modo de causa, de
presença e de essência.
1. Por
causa, porque
todas as coisas são sustentadas em seu ser pela ação divina.
2. Por presença, porque tudo está patente ao seu olhar
e à sua ciência.
3. Por
essência, porque
Ele é interior a tudo aquilo de que é causa, mais íntimo ao ser das coisas do
que elas mesmas são.
“Deus est in omnibus rebus per
essentiam, praesentiam et potentiam.”
“Deus está em todas as coisas por essência, presença e potência.”
João
de São Tomás acrescenta:
“Divina praesentia non est localis, sed
causalitatis.”
“A presença divina não é local, mas de causalidade.”
Assim,
Deus está em todas as coisas, não como corpo em lugar,
mas como ser
em ser, como aquele que dá e conserva o ser em cada ente.
Nada escapa à sua presença, porque nada subsiste fora de seu poder criador.
“Non
est locus ubi Deus non est, quia nulla res est sine participatione ipsius.”
“Não há lugar onde Deus não
esteja, porque nada existe sem participação d’Ele.”
Ad Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
Deus não está contido nas coisas, mas contém todas em si; está nelas como
causa, não como parte.
Ad secundum:
Deus não está nas coisas por identidade de natureza, mas por dependência de ser.
Ele está em tudo, mas não é confundido com nada.
Ad tertium:
Deus é dito “estar nos céus” para indicar a presença de sua glória, não
exclusão de outros lugares.
Está em todos, mas é mais manifestamente em alguns.
Conclusiones — Conclusões
1. Deus está presente a todas as coisas por
essência, presença e potência.
2. Essa presença não é local, mas causal e
fundante.
3. A distinção entre Deus e as criaturas
não impede, mas garante sua imanência.
4. O “estar nos céus” indica modo de
presença, não limitação de lugar.
5. A ubiquidade divina é consequência
necessária da infinitude do ser divino.
Annotationes — Anotações
(1)
Santo Tomás, De
Potentia, q.3, a.4:
“Deus
est in rebus, sicut artifex in sua arte, et sicut causa in effectu.”
“Deus está nas coisas como
o artífice em sua arte, e como a causa em seu efeito.”
(2)
João de São Tomás:
“Praesentia divina est ratio
conservationis entium.”
“A presença divina é a razão da conservação dos entes.”
(3)
A presença divina é tripla: per potentiam, enquanto
tudo depende de seu poder; per praesentiam,
enquanto tudo está patente à sua ciência; per essentiam,
enquanto Ele está interiormente em tudo como fonte do ser.
(4)
Esta tríplice presença é o núcleo da teologia da imanência divina — que
culminará no tratado da Trindade.
(5) Fórmula final:
“Deus
est in omnibus, non ut pars, sed ut totum; non ut contentus, sed ut continens.”
“Deus está em todas as
coisas, não como parte, mas como o todo; não como contido, mas como o que
contém.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
SEPTIMA — De Immensitate et Ubiquitate Dei
ARTICULUS
SECUNDUS — Utrum Deus sit ubique
(Se Deus está em todo lugar)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que Deus não está em todo lugar, pois “lugar” é algo determinado e circunscrito.
Mas o que é infinito não pode ser circunscrito.
Ergo, Deus não está em todo lugar. - Obiectio secunda:
Além disso, o que está em todo lugar deveria mover-se com os lugares.
Mas Deus é imutável.
Ergo, não pode estar em todo lugar. - Obiectio tertia:
Por fim, estar em todo lugar parece implicar difusão material.
Mas Deus é puro espírito e indivisível.
Ergo, não está em todo lugar.
Sed contra —
Em contrário
Jeremias 23, 24:
“Caelum et terram ego impleo, dicit Dominus.”
“O céu e a terra eu encho, diz o Senhor.”
E Santo Tomás, S.Th., I, q.8, a.2:
“Deus est
ubique, non sicut corpus, sed sicut incorporea virtus.”
“Deus está em todo lugar, não como corpo, mas como virtude incorpórea.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Estar “em todo lugar” pode entender-se de dois
modos:
— materialiter, isto é, pela extensão do corpo no espaço;
— spiritualiter, isto é, pela presença da causa em seu efeito e pela
atuação do poder sobre tudo.
Deus está em todo lugar non materialiter, sed
causaliter et essentialiter, porque Ele é a causa primeira e universal de
todo o ser, e o ser não está limitado por coordenadas físicas.
“Ubi Deus est, ibi esse est; et ubi est esse, ibi
Deus est.”
“Onde Deus está, aí está o ser; e onde está o ser, aí está Deus.”
A ubiquidade divina, portanto, não é uma extensão
quantitativa, mas uma plenitude ontológica.
Nada existe que não dependa imediatamente de Deus para existir; logo, onde quer
que algo exista, Deus está presente.
“Ubiquitas Dei est effectus infinitatis; quia
infinitum esse non potest exclusum ab aliquo loco.”
“A ubiquidade de Deus é efeito de sua infinitude; porque o ser infinito não
pode ser excluído de nenhum lugar.”
Deus é o “lugar dos lugares”, como dizia Agostinho:
“Non tu in loco es, sed locus es ipse rerum.”
“Não estás em um lugar, mas és o próprio lugar das coisas.”
Assim, Deus está todo em todo lugar, não
dividido pelas partes do espaço, mas inteiro em cada uma.
“Totus
est ubique, et totus in quolibet loco.”
“Está todo em toda parte, e todo em cada lugar.”
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
O lugar limita o corpo, mas não a substância espiritual.
Deus não está circunscrito, mas é presente sem limite e sem forma espacial.
Ad secundum:
Deus não muda com os lugares, pois sua presença não depende do movimento, mas
da conservação do ser.
As coisas se movem em Deus, não Deus nelas.
Ad tertium:
Estar em todo lugar não implica difusão material, mas presença de poder.
Assim como a luz está inteira em cada parte do ar, sem dividir-se, Deus está
inteiro em cada parte do mundo.
Conclusiones
— Conclusões
- Deus está em todo lugar, não por extensão, mas por essência e
poder.
- A ubiquidade divina é consequência direta da infinitude de seu ser.
- Deus é o fundamento de todo espaço, não o habitante dele.
- A presença divina é total e indivisível, mesmo em lugares
múltiplos.
- As coisas estão em Deus mais do que Deus está nelas.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.3, a.16:
“Deus non
est in loco sicut continens aut contentus, sed sicut continens virtualiter.”
“Deus não está no lugar como o que contém ou é contido, mas como o que
contém virtualmente.”
(2) João de São Tomás comenta:
“Ubiquitas Dei non est motus, sed status immensus
praesentiae.”
“A ubiquidade de Deus não é movimento, mas estado imenso de presença.”
(3) A teologia tomista distingue entre “presença de
imensidade” (quanto ao ser) e “presença de glória” (quanto à manifestação).
Deus está igualmente presente em tudo, mas de modo mais patente nos
bem-aventurados.
(4) Essa distinção fundamenta o dogma da
onipresença e da transcendência simultâneas de Deus — Ele está em tudo e
acima de tudo.
(5) Fórmula conclusiva:
“Deus est ubique totus, non localiter, sed
causaliter; non per extensionem, sed per essentiam infinitam.”
“Deus está em todo lugar, não localmente, mas causalmente; não por extensão,
mas por essência infinita.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
SEPTIMA — De Immensitate et Ubiquitate Dei
ARTICULUS
TERTIUS — Utrum Deus sit in loco
(Se Deus está em um lugar)
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que Deus está em um lugar, pois está dito: Dominus in templo sancto suo.
Mas o templo é lugar.
Ergo, Deus está em um lugar. - Obiectio secunda:
Além disso, tudo o que está em algo, está em algum lugar.
Mas Deus está em todas as coisas, como foi dito acima.
Logo, está em um lugar. - Obiectio tertia:
Por fim, onde há presença, há lugar correspondente.
Mas Deus está presente em toda parte.
Ergo, Ele está em lugar.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás, S.Th., I, q.8, a.2 ad 1:
“Deus non est in loco, quia locus est corporis.”
“Deus não está em um lugar, porque lugar pertence ao corpo.”
E Santo Agostinho, Confessiones, I, 3:
“Et ubi es, Deus meus? Tu ubique es, et nusquam.”
“E onde estás, meu Deus? Estás em toda parte, e em parte alguma.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
Deus não está em lugar algum per modum loci,
mas per modum praesentiae et causalitatis.
O “lugar” é uma relação própria das substâncias corpóreas, determinadas por
extensão e posição.
Ora, Deus é incorpóreo, simples e imensurável; logo, não pode estar “em um
lugar” senão por analogia.
“Deus non continetur loco, sed continet locum.”
“Deus não é contido pelo lugar, mas contém o lugar.”
Estar em um lugar significa ser circunscrito pelos
limites desse lugar.
Mas o infinito não pode ser circunscrito.
Assim, Deus está em tudo, mas não está em lugar, porque sua presença não
depende da estrutura espacial, mas da causalidade do ser.
“Non est in loco formaliter, sed virtualiter, quia
in ipso fundatur locus et omnia locata.”
“Não está em um lugar formalmente, mas virtualmente, porque nele se fundamentam
o lugar e todas as coisas localizadas.”
Deus está presente a todo lugar, mas não em
lugar, pois o ser dos lugares depende d’Ele.
Como a luz, que não está contida na transparência, mas a penetra e a torna
visível, assim Deus está nas coisas sem ser nelas localizado.
“Praesentia Dei est causa loci, non terminus eius.”
“A presença de Deus é causa do lugar, não o seu termo.”
Portanto, dizer que Deus está “em lugar” é uma
maneira metafórica de indicar sua presença ativa, não sua situação espacial.
Ele é o fundamento ontológico da ordem espacial, não um corpo dentro dela.
“Locus est mensura corporis; Deus est mensura
loci.”
“O lugar é medida do corpo; Deus é medida do lugar.”
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A Escritura diz que Deus está “no templo” para significar sua presença especial
de graça e adoração, não uma localização física.
Ad secundum:
Estar “em algo” não implica estar “em um lugar” a menos que o sujeito seja
corpóreo.
Deus está nas coisas espiritualmente, não localmente.
Ad tertium:
A presença divina não tem correspondência espacial; está em toda parte, mas não
sob as condições de lugar.
Ela é causa da extensão, mas não extensão.
Conclusiones
— Conclusões
- Deus não está em lugar formalmente, mas virtualmente, como causa do
lugar.
- O “estar” de Deus é presença, não situação espacial.
- O lugar mede o corpo; Deus mede o lugar.
- Dizer que Deus está “em um lugar” é falar analogicamente, por modo
de efeito.
- O infinito não é contido em nada, mas tudo é contido n’Ele.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.3, a.16:
“Deus est ubique, sed non in loco, quia non est
corpus, sed causa locorum.”
“Deus está em toda parte, mas não em lugar, porque não é corpo, mas causa dos
lugares.”
(2) João de São Tomás:
“Immensitas Dei excedit omnem locorum mensuram,
quia ipsa mensura fundatur in eo.”
“A imensidade de Deus excede toda medida dos lugares, porque a própria medida
se funda n’Ele.”
(3) A distinção entre praesentia essentialis
e praesentia localis é fundamental: a primeira é universal e espiritual;
a segunda, corpórea e quantitativa.
(4) Esta doutrina resolve a tensão entre
transcendência e imanência: Deus está em tudo como causa, mas em
lugar algum como efeito.
(5) Fórmula conclusiva:
“Deus est ubique, sed non in loco; quia non
terminatur loco, sed locum terminat.”
“Deus está em toda parte, mas não em lugar; pois não é limitado pelo lugar, mas
é Ele quem limita o lugar.”
LIBER QUARTUS — IN PRIMAM PARTEM S. THOMAE
QUAESTIO
SEPTIMA — De Immensitate et Ubiquitate Dei
ARTICULUS
QUARTUS — De modo praesentiae divinae: per essentiam, potentiam et
praesentiam
(Sobre o modo da presença divina: por essência,
poder e presença)
Prooemium — Prólogo
Concluídas as distinções precedentes sobre a
infinitude e a ubiquidade, resta considerar como Deus está em todas as
coisas.
Santo Tomás formula esta tríplice presença:
“Deus est in omnibus rebus per essentiam, potentiam
et praesentiam.”
“Deus está em todas as coisas por essência, poder e presença.”
Essa distinção não multiplica realidades, mas
expressa diversos aspectos de uma mesma operação divina: o poder refere-se ao
agir, a presença ao conhecer, a essência ao ser.
“Idem est actus Dei esse, intelligere et velle; sed
differunt respectu creaturarum.”
“O ato de Deus ser, conhecer e querer é o mesmo; mas difere segundo o modo como
se refere às criaturas.”
Objectiones
— Objeções
- Obiectio prima:
Parece que Deus não está nas coisas por esses três modos distintos, pois o simples não pode ter modos múltiplos de presença.
Mas Deus é absolutamente simples.
Ergo, não está por essência, poder e presença, mas de um único modo. - Obiectio secunda:
Além disso, o poder e a presença são efeitos da essência.
Logo, não se deve distinguir o que é idêntico em causa. - Obiectio tertia:
Por fim, se Deus está em todas as coisas por esses três modos, parece que está três vezes em cada uma.
Mas há uma só presença.
Ergo, tal distinção é supérflua.
Sed contra —
Em contrário
Santo Tomás, S.Th., I, q.8, a.3:
“Deus est in omnibus per potentiam, in quantum
omnia ei subduntur; per praesentiam, in quantum omnia nuda sunt et aperta
oculis eius; per essentiam, in quantum est omnibus causa essendi.”
“Deus está em todas as coisas por poder, enquanto todas lhe estão sujeitas; por
presença, enquanto tudo está patente a seus olhos; por essência, enquanto é
causa do ser de todas.”
Respondeo
dicendum quod — Responde-se dizendo que
A tríplice presença divina não exprime
multiplicidade em Deus, mas diversidade de relação entre Ele e as criaturas.
Esses três modos designam três aspectos da mesma ação pela qual Deus
comunica o ser, conserva-o e o conhece.
- Per potentiam — Pelo poder:
Deus está em todas as coisas como o Senhor que tudo governa e move.
Nada escapa à sua causalidade eficiente.
“Per potentiam, quia virtute sua omnia gubernat et
continet.”
“Pelo poder, porque por sua virtude governa e sustenta todas as coisas.”
- Per praesentiam — Pela presença:
Deus está em todas as coisas como Aquele a quem nada é oculto.
Tudo é transparente diante de seu olhar eterno.
“Per praesentiam, quia omnia nuda sunt oculis
eius.”
“Pela presença, porque todas as coisas estão nuas a seus olhos.”
- Per essentiam — Pela essência:
Deus está em todas as coisas como Aquele que dá o ser e o conserva.
Ele é interior a cada ente como o ser é interior àquilo que existe.
“Per essentiam, quia ipse dat esse omnibus.”
“Pela essência, porque Ele dá o ser a todos.”
Esses três modos não são três presenças, mas uma
só presença trinitariamente inteligível:
– Potentia corresponde ao poder criador do Pai,
– Praesentia à sabedoria iluminadora do Filho,
– Essentia ao amor vivificante do Espírito.
Assim, a criação inteira é habitada pela Trindade
sob o véu do ser.
“In omnibus Deus totus est, et tamen unus modus
praesentiae non excludit alium, sed omnes unum constituunt actum divinum.”
“Em todas as coisas Deus está inteiro, e um modo de presença não exclui o
outro, mas todos constituem um único ato divino.”
Ad
Objectiones — Respostas às Objeções
Ad primum:
A simplicidade divina não exclui distinção de razão; esses três modos não são
três realidades em Deus, mas três relações vistas do lado das criaturas.
Ad secundum:
Embora o poder e a presença procedam da essência, distinguem-se quanto ao modo
de manifestação e operação.
Ad tertium:
Não se trata de três presenças reais, mas de uma única e total presença,
compreendida sob três aspectos correlativos.
Conclusiones
— Conclusões
- A presença de Deus em todas as coisas é tríplice de razão: por
poder, por presença e por essência.
- Essa distinção não multiplica a presença, mas exprime sua
plenitude.
- Deus está em tudo como causa, cognoscente e sustentador.
- Cada modo implica o outro, porque no ato divino o ser, o conhecer e
o querer são um só.
- Essa tríplice presença prefigura a operação trinitária no mundo
criado.
Annotationes
— Anotações
(1) Santo Tomás, De Potentia, q.3, a.15:
“Per potentiam Deus est in rebus sicut efficiens;
per praesentiam sicut videns; per essentiam sicut continens.”
“Pelo poder, Deus está nas coisas como eficiente; pela presença, como o que vê;
pela essência, como o que contém.”
(2) João de São Tomás explica que essa tríplice
distinção é necessária para evitar o panteísmo: Deus está em tudo, mas
não é tudo.
“Non
confunditur cum creaturis, sed intime operatur in eis.”
“Não se confunde com as criaturas, mas opera intimamente nelas.”
(3) A tradição mística medieval lê essa doutrina em
chave espiritual:
– Pela potentia, Deus envolve o homem;
– Pela praesentia, o ilumina;
– Pela essentia, o habita.
(4) A mesma estrutura se encontra na liturgia: o
Deus que cria (per potentiam), julga (per praesentiam) e
santifica (per essentiam).
(5) Fórmula conclusiva:
“Deus est ubique per potentiam regendo, per
praesentiam cognoscendo, per essentiam dando esse.”
“Deus está em toda parte: pelo poder, governando; pela presença, conhecendo;
pela essência, dando o ser.”
COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE
Quaestio
Prima — De Sacra Doctrina / Sobre a Ciência Sagrada
Prooemium
Sacra doctrina est scientia subalternata, quae
procedit ex principiis revelationis divinae.
A ciência sagrada é uma ciência subalternada, que procede de princípios
recebidos pela revelação divina.
Ela não nasce do movimento da razão em busca de
suas próprias causas, mas da condescendência da Sabedoria eterna, que se
comunica à criatura racional e a eleva acima de sua medida natural.
A teologia, assim, é ciência de fé — ciência que tem por princípio o que é
crido, não o que é demonstrado; por luz, o que é revelado, não o que é
descoberto.
“Lumen fidei est quoddam participatum lumen
divinum, quo mens humana elevatur ad cognitionem supernaturalem.”
A luz da fé é uma participação da luz divina, pela qual o intelecto humano é
elevado a um conhecimento sobrenatural.
A teologia, portanto, é ciência de Deus sob
razão de Deus, isto é, do próprio ser divino enquanto manifestado e
acessível à fé.
Ela não se ocupa de Deus apenas como causa do mundo, mas como objeto formal
da revelação.
“Subiectum theologiae est Deus sub ratione Dei.”
O sujeito da teologia é Deus enquanto Deus.
Articulus
Primus — Utrum sacra doctrina sit scientia
(Se a doutrina sagrada é uma ciência)
A teologia é ciência porque, embora seus princípios
não sejam evidentes à razão, são evidentes pela luz superior que procede de
Deus.
Ela é ciência per subordinationem, como a ótica é subordinada à
geometria, mas de modo infinitamente mais elevado: pois aqui a ciência inferior
é o intelecto humano, e a superior é a sabedoria divina.
“Sicut musica dependet a mathematicis, ita sacra
doctrina dependet a scientia Dei et beatorum.”
Assim como a música depende da matemática, assim a doutrina sagrada depende da
ciência de Deus e dos bem-aventurados.
Logo, a teologia é ciência verdadeira, ainda que
fundada em princípios não demonstráveis pela razão natural, porque recebe sua
certeza da luz divina, que não pode enganar.
“Certitudo huius scientiae excedit omnem aliam.”
A certeza desta ciência excede toda outra.
Articulus
Secundus — Utrum sit una vel multiplex
(Se é uma ou múltipla)
A doutrina sagrada é una porque tem um único
objeto formal: Deus e todas as coisas sob a razão divina.
Tudo o que a teologia trata — anjos, homens, sacramentos, história — é
considerado enquanto procede de Deus ou retorna a Ele.
“Unitas theologiae est ex unitate objecti formalis:
Deus est omnium principium et finis.”
A unidade da teologia provém da unidade de seu objeto formal: Deus é o
princípio e o fim de todas as coisas.
Assim como a luz do sol, única, ilumina múltiplos
objetos, a teologia, sendo uma, abrange toda a realidade sob um só olhar, o
olhar divino.
Articulus
Tertius — Utrum sit speculativa vel practica
(Se é especulativa ou prática)
A teologia é ao mesmo tempo especulativa e prática,
mas principalmente especulativa.
Pois seu fim primeiro não é o agir, mas o conhecer — conhecer para amar.
O conhecimento teológico move à ação, mas ultrapassa toda ação, porque tende à
contemplação.
“Finis sacrae doctrinae est contemplatio Dei sub
lumine fidei.”
O fim da doutrina sagrada é a contemplação de Deus sob a luz da fé.
A teologia, assim, é o mais alto exercício da mente
humana — ciência da verdade divina e caminho da caridade.
Articulus
Quartus — Utrum sit sapientia
(Se é sabedoria)
A sabedoria é o conhecimento das causas supremas e
da ordem do todo.
Ora, a teologia, por ter Deus como princípio e fim de todas as coisas, é
sabedoria por excelência.
“Sacra doctrina est sapientia, quia ordinat omnia
ad ultimum finem.”
A doutrina sagrada é sabedoria, porque ordena todas as coisas ao fim último.
Por isso Santo Tomás a chama de sapientia super
omnia humana studia, a sabedoria que julga, ilumina e coroa todas as
outras.
“Finis huius sapientiae est beatitudo, quae
consistit in visione Dei.”
O fim desta sabedoria é a bem-aventurança, que consiste na visão de Deus.
Conclusiones
- Sacra doctrina est scientia subalternata — a teologia é ciência subordinada à luz da revelação divina.
- É una, porque tem Deus por objeto formal.
- É speculativa, porque tende à contemplação, e prática,
porque move à caridade.
- É sapientia, porque ordena todas as coisas ao seu princípio
e fim, que é Deus.
- Sua certeza ultrapassa todas as outras ciências, pois
repousa na infalibilidade da verdade divina.
Annotationes
(1) Santo Tomás, S.Th.,
I, q.1, a.2:
“Haec scientia procedit ex principiis notis lumine
superioris scientiae, scilicet Dei et beatorum.”
“Esta ciência procede de princípios conhecidos pela luz de uma ciência
superior, a de Deus e dos bem-aventurados.”
(2) João de São Tomás:
“Sacra doctrina est scientia formaliter, quia
procedit ex principiis certissimis; materialiter, quia versatur circa
credibilia.”
“A doutrina sagrada é ciência formalmente, porque procede de princípios
certíssimos; materialmente, porque versa sobre as coisas cridas.”
(3) O primeiro livro da teologia é, assim, o livro
da luz: da luz natural, da luz da fé e da luz da glória.
A razão, a crença e a visão são três estágios de um mesmo caminho — o
itinerário da inteligência ao Ser.
COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE
Quaestio
Secunda — De Deo, an sit / Sobre Deus, e se Ele existe
Prooemium
A teologia, enquanto ciência de Deus, deve antes
demonstrar que Deus é.
“Oportet prius scire Deum esse, quam scire quid sit.”
“É necessário primeiro saber que Deus é, antes de saber o que Ele é.”
A existência divina não é evidente a nós — non
est per se nota quoad nos —, porque nosso intelecto conhece pela composição
e divisão, e o Ser divino ultrapassa toda composição.
Todavia, é possível demonstrá-la per effectus, a partir daquilo que é
movido, causado, ordenado ou contingente.
“Ex effectibus sensibilibus devenimus ad
cognitionem primi entis, quod omnes Deum nominant.”
“Dos efeitos sensíveis chegamos ao conhecimento do primeiro ser, que todos
chamam Deus.”
Articulus
Primus — Utrum Dei existentia sit per se nota
(Se a existência de Deus é evidente por si)
A existência de Deus é evidente em si mesma, porque
em Deus o ser e a essência são idênticos: Deus est ipsum esse subsistens.
Mas não é evidente para nós, porque nossa mente conhece o ser pela
multiplicidade das formas.
“Dei existentia est per se nota quoad se, sed non
quoad nos.”
“A existência de Deus é evidente em si, mas não para nós.”
Assim, precisamos de demonstrações que partam dos
efeitos criados, nos quais a luz do ser divino se reflete de modo analógico.
Articulus
Secundus — Utrum Dei existentia sit demonstrabilis
(Se a existência de Deus pode ser demonstrada)
Pode ser demonstrada, mas a posteriori, a
partir dos efeitos que dependem d’Ele como causa.
Toda a realidade criada participa do ser, e o ser participado supõe o ser por
essência.
“Omne
quod movetur, ab alio movetur.”
“Tudo o que se move é movido por outro.”
“Ergo est primum movens immobile, quod omnes Deum
nominant.”
“Logo, há um primeiro motor imóvel, que todos chamam Deus.”
Assim procedem as cinco vias de Santo Tomás, que
João de São Tomás interpreta como cinco expressões de uma única via entis,
a ascensão do contingente ao necessário:
- Ex motu — do movimento ao primeiro motor.
- Ex ratione causae efficientis — da
causa causada à causa primeira.
- Ex ratione contingentiae — do
ser possível ao ser necessário.
- Ex gradibus perfectionis — do
mais e do menos ao sumo ato de ser.
- Ex ordine rerum — da ordem do mundo ao
Intelecto ordenador.
“Hae quinque viae non sunt quinque species
demonstrationis, sed quinque gradus ascensionis ad unum principium.”
“Essas cinco vias não são cinco espécies de demonstração, mas cinco graus de
ascensão a um único princípio.”
Articulus
Tertius — Utrum sit unus Deus
(Se há um só Deus)
Do ato puro de ser segue-se necessariamente a
unidade.
Pois multiplicidade requer composição, e no ser divino não há composição
alguma.
“Cum sit actus purus, impossibile est esse plures
deos.”
“Sendo ato puro, é impossível haver muitos deuses.”
A unidade de Deus é absoluta, porque nada há fora
d’Ele que não tenha d’Ele o ser.
Todas as perfeições que nas criaturas se dividem estão em Deus de modo eminente
e simples.
“Deus est unus, quia est infinitus et simplex.”
“Deus é um, porque é infinito e simples.”
Articulus
Quartus — Utrum Deus sit causa rerum
(Se Deus é causa das coisas)
Deus é causa de todas as coisas não por
necessidade, mas por liberalidade.
Ele age não para adquirir algo, mas para comunicar o ser.
“Deus
producit res per intellectum et voluntatem, non per necessitatem naturae.”
“Deus produz as coisas pelo intelecto e pela vontade, não por
necessidade de natureza.”
A criação, portanto, é ato de amor: a difusão da
bondade infinita em múltiplas participações finitas.
“Bonum est diffusivum sui.”
“O bem é difusivo de si mesmo.”
Tudo o que existe é efeito de uma causalidade que
não é exterior, mas interior e sustentadora.
Deus cria, conserva e move tudo, permanecendo imutável.
“Ipse in omnibus operatur, manens in se immobilis.”
“Ele opera em todas as coisas, permanecendo em si imóvel.”
Articulus
Quintus — De quinque viis ad probandum Deum esse
(Sobre as cinco vias para provar que Deus existe)
João de São Tomás comenta cada uma das vias como
uma faceta da relação entre o ser finito e o Ser infinito:
- Prima via (ex motu) mostra
a dependência do ato potencial ao ato puro.
- Secunda via (ex causa efficiente) mostra
a impossibilidade de regressão infinita nas causas.
- Tertia via (ex contingentia) mostra
que o ser possível exige um ser necessário.
- Quarta via (ex gradibus) mostra
que as perfeições finitas implicam uma perfeição absoluta.
- Quinta via (ex ordine) mostra
que o fim exige uma inteligência ordenadora.
“Una veritas sub diversis aspectibus intuetur: ordo
mundi est vestigium ordinis divini.”
“Uma só verdade é contemplada sob diversos aspectos: a ordem do mundo é
vestígio da ordem divina.”
Conclusiones
- A existência de Deus é evidente em si, mas não para nós; por isso,
é demonstrável pelos efeitos.
- As cinco vias exprimem uma única ascensão da criatura ao Criador.
- Deus é ato puro de ser, sem potência, causa de todas as coisas.
- A unidade de Deus segue de sua simplicidade e infinitude.
- Toda a ordem do universo é vestígio da inteligência e da bondade
divinas.
Annotationes
(1) S.Th., I, q.2,
a.3:
“Causa prima movet non mota, quia est actus purus.”
“A causa primeira move sem ser movida, porque é ato puro.”
(2) João de São Tomás:
“Viae quinque sunt gradus ascensionis mentis ad ens
subsistens.”
“As cinco vias são os degraus da ascensão da mente ao ser subsistente.”
(3) Toda a metafísica tomista converge aqui na
fórmula suprema:
“Deus est ipsum esse subsistens.”
“Deus é o próprio ser subsistente.”
COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE
Quaestio
Tertia — De Simplicitate Dei / Sobre a Simplicidade de Deus
Prooemium
A teologia, tendo demonstrado que Deus é, passa agora
a considerar como Ele é.
E o primeiro aspecto de sua natureza é a simplicidade, pela qual Deus é absolutamente
uno e indiviso.
“Cum Deus sit primum ens, necesse est ut sit omnino
simplex.”
“Sendo Deus o primeiro ser, é necessário que seja absolutamente simples.”
O composto depende de outro, pois requer causa para
unir as partes; mas o primeiro ser não depende de nada, logo, não pode ser
composto.
“Compositum est posterius partibus; sed Deus est
primum ens; ergo est simplex.”
“O composto é posterior às partes; mas Deus é o primeiro ser; portanto, é
simples.”
Articulus
Primus — Utrum in Deo sit compositio materiae et formae
(Se em Deus há composição de matéria e forma)
Deus não é composto de matéria e forma, porque toda
matéria é potência, e em Deus não há potência alguma, mas apenas ato puro.
“Deus est
actus purus, in quo nihil est potentiale.”
“Deus é ato puro, no qual não há nada de potencial.”
Tudo o que tem matéria é finito e determinado; mas
o ser divino é infinito e ilimitado.
Logo, Deus é forma pura, ou melhor, ipsa forma essendi, a própria forma
de ser.
“In Deo non est materia, quia est ipsum esse
subsistens.”
“Em Deus não há matéria, porque Ele é o próprio ser subsistente.”
Articulus
Secundus — Utrum in Deo sit compositio essentiae et existentiae
(Se em Deus há composição de essência e existência)
Em todo ente criado, o que algo é (essência) e o
fato de que algo é (existência) são distintos.
Mas em Deus, ser e essência são idênticos.
“In Deo idem est esse et quod est.”
“Em Deus, ser e o que é são a mesma coisa.”
Por isso Ele é chamado ipsum esse subsistens
— o próprio ser subsistente.
Todos os outros seres são “participantes do ser”; só Deus é “participado por
nenhum”.
“Creatura habet esse participatum; Deus est ipsum
esse per essentiam.”
“A criatura tem ser por participação; Deus é o ser por essência.”
Daqui decorre que Deus é a razão do ser em
tudo o que existe, não como algo adicionado, mas como o ato puro que dá o ser.
Articulus Tertius — Utrum in Deo sit compositio generis et
differentiae
(Se em Deus há composição de gênero e diferença)
Deus não pertence a gênero algum, porque gênero
implica limitação.
Aquilo que é gênero contém a essência de muitas coisas que diferem por adição
de diferenças específicas.
Mas Deus não é parte comum de nada, nem se define por adição.
“Deus non est in genere, quia sua essentia non
communicabilis est.”
“Deus não está em gênero, porque sua essência é incomunicável.”
Se estivesse em um gênero, seria um entre outros;
mas sendo ato puro, é anterior a toda distinção de gênero e espécie.
“Ipse est praeter omnem essentiam quae per genus
determinatur.”
“Ele está além de toda essência determinada por gênero.”
Articulus Quartus — Utrum in Deo sit compositio subjecti et
accidentis
(Se em Deus há composição de sujeito e acidente)
Em Deus nada é acidental, pois o acidente é aquilo
que pode ser ou não ser no mesmo sujeito.
Mas em Deus não há potencialidade alguma.
Logo, não há em Deus acidente, mas tudo é substância, e tudo é Ele mesmo.
“In Deo
nihil est accidentarium; quidquid in eo est, est eius essentia.”
“Em Deus nada é acidental; tudo o que está n’Ele é sua essência.”
Assim, sabedoria, bondade, vontade, justiça e poder
não são acidentes divinos, mas nomes diversos para um mesmo ato simples.
“In Deo idem est esse, velle, scire et esse bonum.”
“Em Deus é o mesmo ser, querer, saber e ser bom.”
Articulus
Quintus — Utrum Deus sit in aliquo genere
(Se Deus está em algum gênero)
Deus não está em gênero algum, nem como espécie,
nem como diferença.
Todo gênero é determinado pela noção de essência finita; Deus é ser infinito e
sem limites.
“Genus significat quidditatem determinatam; sed
Deus est infinitus.”
“O gênero significa uma quididade determinada; mas Deus é infinito.”
Logo, o ser divino é transcendente a toda
classificação lógica; está acima da linha da diferença, da definição e da
oposição.
Ele é o Ser universal, não por inclusão de tudo, mas por eminência sobre tudo.
“Deus est ens simpliciter; omnia alia sunt entia
per participationem.”
“Deus é o ser simplesmente; todas as outras coisas são seres por participação.”
Articulus
Sextus — De modis simplicis entitatis in Deo
(Sobre os modos da simplicidade do ser em Deus)
A simplicidade divina não é ausência, mas
plenitude.
Tudo o que nas criaturas é composto, em Deus é uno em ato.
“Simplicitas Dei est plenitudo entitatis.”
“A simplicidade de Deus é plenitude de ser.”
Deus é simples porque contém em si, sem divisão,
todas as perfeições.
Nele, a unidade é fecunda e total: unum quod est omne.
“In Deo
est omnis perfectio, sed sine compositione.”
“Em Deus está toda perfeição, mas sem composição.”
Assim, a simplicidade divina é o selo da
infinitude: quanto mais simples é algo, tanto mais perfeito, pois é menos
dependente do que não é.
Conclusiones
- Deus é absolutamente simples, sem composição de partes, matéria,
forma ou acidente.
- Em Deus, essência e existência são idênticas — Ele é o próprio ser
subsistente.
- Deus não pertence a gênero algum, pois é o ser infinito e
incomunicável.
- Todos os atributos divinos são realmente idênticos entre si e à
essência divina.
- A simplicidade de Deus é plenitude, não carência — plenitudo
purae actualitatis.
Annotationes
(1) S.Th., I, q.3,
a.7:
“Deus non est in genere; quia genus determinat
essentiam, et Deus est indeterminatus, infinitus.”
“Deus não está em gênero, porque o gênero determina a essência, e Deus é
indeterminado, infinito.”
(2) João de São Tomás comenta:
“Simplicitas divina est radix omnium perfectionum,
et forma omnium attributorum.”
“A simplicidade divina é a raiz de todas as perfeições e a forma de todos os
atributos.”
(3) A doutrina da simplicidade é a negação
metafísica de todo panteísmo: se Deus fosse composto, dependeria do que o
compõe; se dependesse, não seria Deus.
(4) A simplicidade é o vestígio do absoluto na
metafísica: o ponto onde toda diferença se dissolve na unidade do ser.
(5) Fórmula conclusiva:
“In Deo nihil est compositum, sed ipsa sua essentia
est esse infinitum.”
“Em Deus nada é composto; sua própria essência é o ser infinito.”
COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE
Quaestio
Quarta — De Perfectione Dei / Sobre a Perfeição de Deus
Prooemium
Depois de mostrar que Deus é ato puro e absolutamente
simples, resta demonstrar que Ele é também infinitamente perfeito.
Pois o que é ato sem mistura de potência é necessariamente plenitude — aquilo a
que nada falta.
“Perfectum dicitur quod nihil habet deest sibi
secundum modum suae naturae.”
“Perfeito é aquilo a que nada falta, segundo o modo de sua natureza.”
Ora, Deus é o ser cuja natureza é o próprio ser.
Logo, como o ser é o ato de todos os atos e a perfeição de todas as perfeições,
segue-se que Deus é a própria perfeição subsistente.
“Cum Deus sit ipsum esse subsistens, est etiam ipsa
perfectio subsistens.”
“Sendo Deus o próprio ser subsistente, é também a própria perfeição
subsistente.”
Articulus
Primus — Utrum Deus sit perfectus
(Se Deus é perfeito)
A perfeição consiste na plenitude do ato.
Tudo o que é composto de potência e ato é imperfeito, porque está em via de
ser; mas o que é puro ato é plenitude total.
“Actus purus est perfectissimus; ergo Deus, qui est
actus purus, est perfectus.”
“O ato puro é o mais perfeito; logo, Deus, que é ato puro, é perfeito.”
Nada pode ser mais perfeito que Deus, porque nada
pode haver fora d’Ele de onde venha algo que Lhe falte.
“Quia extra Deum nihil est, unde aliquid accipiat;
ergo est perfectissimus.”
“Porque fora de Deus nada existe de onde pudesse receber algo; logo, é o mais
perfeito.”
Articulus Secundus — Utrum perfectiones in creaturis sint in Deo
eminenter
(Se as perfeições existentes nas criaturas estão em
Deus de modo eminente)
Todas as perfeições que se encontram nas criaturas
estão em Deus, não formalmente, mas eminenter — de modo superior e
unificado.
“Omnes perfectiones creaturarum in Deo sunt
eminenter, quia ipse est fons omnium.”
“Todas as perfeições das criaturas estão em Deus de modo eminente, porque Ele é
a fonte de todas.”
As criaturas são como participações limitadas do
ser divino: cada uma reflete um aspecto, uma centelha do que em Deus é infinito
e simples.
“Creaturae sunt similitudines imperfectae entitatis
divinae.”
“As criaturas são semelhanças imperfeitas do ser divino.”
Logo, nada se encontra em qualquer ente que não
exista em Deus mais perfeitamente, porque o efeito não pode possuir senão
participando da causa.
“Nihil
est in effectu quod non praevideatur in causa eminentius.”
“Nada há no efeito que não esteja de modo mais eminente em sua causa.”
Articulus
Tertius — Utrum creatura possit participare perfectionem Dei
(Se a criatura pode participar da perfeição de
Deus)
A criatura participa da perfeição divina segundo o
grau de sua capacidade de receber o ser.
Tudo o que existe tem perfeição enquanto é, e a perfeição última de cada coisa
é sua conformidade com o fim a que Deus a ordenou.
“Omne ens est bonum, inquantum habet esse a Deo.”
“Todo ente é bom enquanto tem o ser de Deus.”
A participação, porém, nunca atinge a essência
divina: ela é analogia, não identidade.
Deus comunica o ser sem comunicar sua natureza.
“Deus dat similitudinem, non communicationem
essentiae.”
“Deus dá semelhança, não comunicação de essência.”
Assim, toda a perfeição criada é um eco finito da
perfeição infinita.
Disputatio
marginalis — De analogia entis inter Deum et creaturam
(Sobre a analogia do ser entre Deus e a criatura)
Entre Deus e as criaturas não há univocidade nem
equivocidade, mas analogia.
O ser se diz de ambos, mas de modo diverso: em Deus, essencialmente; nas criaturas,
participativamente.
“Ens dicitur de Deo et creatura analogice, non
univoce.”
“O ser se diz de Deus e da criatura de modo analógico, não unívoco.”
A analogia preserva a transcendência de Deus e, ao
mesmo tempo, a inteligibilidade da criação: o que é dito das criaturas pode ser
dito de Deus, mas sempre per prius et eminentius — primeiro e mais
plenamente.
“Quidquid de creatura dicitur, de Deo dicitur
eminentius et principalius.”
“Tudo o que se diz da criatura, diz-se de Deus de modo mais eminente e
principal.”
Conclusiones
- Deus é perfeito, porque é ato puro e plenitude de ser.
- Todas as perfeições das criaturas estão em Deus de modo eminente e
unificado.
- A perfeição criada é participação limitada da perfeição divina.
- A analogia do ser é o vínculo entre o Criador e a criatura.
- A simplicidade divina é a razão formal da perfeição divina: quanto
mais simples, tanto mais perfeito.
Annotationes
(1) S.Th., I, q.4, a.1:
“Deus est perfectus, quia nihil ei deest de
perfectione essendi.”
“Deus é perfeito, porque nada Lhe falta da perfeição do ser.”
(2) João de São Tomás:
“Perfectio Dei non est additio, sed identitas actus
et essentiae.”
“A perfeição de Deus não é adição, mas identidade entre o ato e a essência.”
(3) A doutrina da perfeição divina é o reverso
positivo da simplicidade: o que a simplicidade nega (composição), a perfeição
afirma (plenitude).
(4) Aqui se delineia o princípio da participatio
entis, que será o eixo de toda a teologia da criação.
(5) Fórmula conclusiva:
“In Deo simplicitas est plenitudo, et plenitudo est
perfectio.”
“Em Deus, a simplicidade é plenitude, e a plenitude é perfeição.”
COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE
Quaestio
Quinta — De Bono et Bonitate Dei / Sobre o Bem e a Bondade de Deus
Prooemium
Depois de demonstrar que Deus é simples e perfeito,
convém investigar se Ele é bom, e em que sentido o bem se identifica com
o ser.
Pois o bem é o aspecto do ser enquanto amável, isto é, enquanto tende a
comunicar-se.
“Bonum est quod omnia appetunt.”
“O bem é aquilo que todas as coisas desejam.” (Ethic., I, 1)
Logo, como Deus é o primeiro ser e causa de todo
ser, deve ser também o primeiro bem, princípio e fim de todo amor e de
toda ordem.
“Cum Deus sit primum ens, sequitur quod sit primum
bonum.”
“Sendo Deus o primeiro ser, segue-se que é o primeiro bem.”
Articulus
Primus — Utrum bonum sit diffusivum sui
(Se o bem é difusivo de si mesmo)
O bem, por natureza, é difusivo de si: tende
a comunicar o que é.
Assim como o fogo irradia calor e a luz se espalha, o bem autêntico não
permanece fechado, mas se expande e fecunda.
“Bonum est diffusivum sui.”
“O bem é difusivo de si mesmo.”
Ora, Deus, sendo o ser mesmo, é o bem por essência
e, portanto, o ato supremo de difusão.
Toda criação, toda graça, toda comunicação do ser provém desse impulso
originário do Bem infinito.
“Deus creat, quia est bonus; non e converso.”
“Deus cria porque é bom; e não o contrário.”
A bondade é, pois, a razão formal da criação: o
amor divino é o motor do ser.
Articulus
Secundus — Utrum bonum et ens convertantur
(Se o bem e o ser se convertem)
O ser e o bem são realmente idênticos, mas diferem
pela razão: o ser exprime o ato; o bem, a amabilidade do ato.
“Bonum et
ens sunt idem re, sed differunt ratione.”
“O bem e o ser são o mesmo na realidade, mas diferem segundo a razão.”
Tudo o que existe é bom enquanto é; nada é mau
senão pela carência de ser.
“Malum non est ens, sed privatio boni.”
“O mal não é ser, mas privação do bem.”
Daí que o ser é o fundamento da moralidade, e a
ontologia precede a ética: o mal não tem substância própria, é apenas
deficiência do bem.
“Quicquid est, inquantum est, bonum est.”
“Tudo o que é, enquanto é, é bom.”
Articulus
Tertius — De ordine boni in entibus
(Sobre a ordem do bem nos entes)
Os entes se ordenam entre si segundo o grau de
participação no bem.
Quanto mais algo participa do ser, tanto mais é bom; e quanto mais se afasta do
ser, tanto mais tende à corrupção.
“Ordo universi est ordinatio boni in entibus.”
“A ordem do universo é a ordenação do bem nos entes.”
O cosmos é uma hierarquia de bens derivados do Bem
primeiro.
A causalidade divina, portanto, é uma difusão ordenada da bondade — ordo
amoris, segundo Santo Agostinho.
“Omnis ordo est ex amore boni primi.”
“Toda ordem procede do amor do bem primeiro.”
Articulus
Quartus — Utrum Deus sit summum bonum
(Se Deus é o sumo bem)
Como Deus é o primeiro ser e a causa de todo bem,
segue-se que é o sumo Bem — bonum universale.
“Deus est summum bonum, quia est causa omnis boni.”
“Deus é o sumo bem, porque é causa de todo bem.”
Nada é bom senão por participação na bondade
divina; e tudo o que é apetecível o é porque, de algum modo, reflete o Bem
supremo.
“Omne bonum creatum est participatio bonitatis
divinae.”
“Todo bem criado é participação da bondade divina.”
A criatura, portanto, não é boa senão porque é
amada: a bondade não é uma qualidade, mas um relacionamento real com Deus.
Articulus Quintus — Utrum omnia tendant in Deum sicut in finem
(Se todas as coisas tendem para Deus como para seu
fim)
Todo ente, pela inclinação de sua natureza, tende
ao bem — e, portanto, a Deus.
“Omnia appetunt bonum; Deus est bonum primum; ergo
omnia tendunt in Deum.”
“Tudo deseja o bem; Deus é o bem primeiro; logo, tudo tende a Deus.”
Mesmo as criaturas que não possuem intelecto são
movidas pela ordenação divina que as dirige ao seu fim.
No homem, essa inclinação se eleva à forma consciente do desejo de felicidade —
beatitudo.
“Finis ultimus hominis est Deus, quia ipse est
summum bonum.”
“O fim último do homem é Deus, porque Ele é o sumo bem.”
Portanto, toda a criação é uma circulação do bem,
que procede de Deus como causa eficiente e retorna a Ele como causa final.
“A Deo bonum procedit et in Deum revertitur.”
“Do bem procede Deus e para Deus tudo retorna.”
Conclusiones
- O bem é difusivo de si mesmo, e por isso Deus é causa de todas as
coisas.
- Ser e bem são convertíveis: tudo o que é, é bom enquanto é.
- O mal não tem essência própria, mas é privação do bem devido.
- Deus é o sumo bem, fonte e fim de toda bondade criada.
- Todo o universo tende a Deus como ao seu fim último — exitus et
reditus boni.
Annotationes
(1) S.Th., I, q.6,
a.1:
“Bonum est quod omnia appetunt; ens et bonum
convertuntur.”
“O bem é aquilo que todas as coisas desejam; o ser e o bem são convertíveis.”
(2) João de São Tomás:
“Bonum metaphysicum est ipsa entitas; bonum morale
est ordo entitatis ad finem.”
“O bem metafísico é a própria entidade; o bem moral é a ordenação dessa
entidade ao fim.”
(3) A difusão do bem é o fundamento da criação:
Deus cria não por necessidade, mas por superabundância de perfeição.
(4) Aqui se entrelaçam as quatro causas:
– causa formal: a essência divina como bondade;
– causa eficiente: a criação;
– causa exemplar: o Verbo;
– causa final: o retorno de todas as coisas a Deus.
(5) Fórmula conclusiva:
“Deus est bonum diffusivum sui, in quo omnia bona
fundantur et ad quod omnia redeunt.”
“Deus é o bem difusivo de si mesmo, no qual se fundamentam todos os bens e para
o qual todos retornam.”
COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE
Quaestio
Sexta — De Infinitate Dei / Sobre a Infinitude de Deus
Prooemium
A simplicidade exclui a composição; a perfeição
afirma a plenitude;
a infinitude, por sua vez, é o modo supremo dessa plenitude — a ausência
de todo limite.
“Infinitum dicitur quod caret omni termino.”
“Infinito é aquilo que carece de todo termo.”
Ora, o limite provém da união do ato com a
potência, porque o ato é limitado pela capacidade do sujeito que o recebe.
Mas em Deus não há potência, nem sujeito receptivo: Ele é ato puro.
Logo, em Deus não há limite algum — Ele é infinitus absolute.
“Cum Deus sit actus purus et simplex, oportet quod
sit infinitus.”
“Sendo Deus ato puro e simples, é necessário que seja infinito.”
Articulus
Primus — Utrum Deus sit infinitus in perfectione
(Se Deus é infinito em perfeição)
A infinitude não é uma grandeza quantitativa, mas
uma plenitude qualitativa e ontológica.
“Infinitas Dei non est secundum magnitudinem, sed
secundum perfectionem.”
“A infinitude de Deus não é segundo a grandeza, mas segundo a perfeição.”
Deus contém em Si toda a perfeição de modo
indiviso; e porque nada Lhe falta, nada O limita.
O finito é o ser restrito a um modo particular; o infinito é o ser absoluto,
que excede todo modo.
“Finis est terminus perfectionis; infinitas est
perfectio absque termino.”
“O limite é o termo da perfeição; a infinitude é perfeição sem termo.”
A razão humana, quando pensa o infinito, o faz
negativamente (sem fim);
mas em Deus, o infinito é afirmativo — plenitude positiva e supereminente de
ser.
“In Deo
infinitas est positio, non negatio.”
“Em Deus, a infinitude é posição, não negação.”
Articulus
Secundus — Utrum infinitas Dei sit causa omnium rerum
(Se a infinitude de Deus é causa de todas as
coisas)
A infinitude divina é o fundamento da criação, pois
o ato infinito pode comunicar-se sem perda, e quanto mais perfeito é um ser,
mais fecundo.
“Infinitum est per se diffusivum; finitum,
restrictum.”
“O infinito é, por si, difusivo; o finito, restritivo.”
Deus cria, portanto, por superabundância do ser:
“Creatio est effluxus entis infiniti, qui nihil
deperdit.”
“A criação é o efluxo do ser infinito, que nada perde.”
A potência do infinito é inexaurível: Ele pode
produzir infinitos efeitos sem se dividir nem diminuir.
“Infinita
potentia non exhauritur in infinitis effectibus.”
“A potência infinita não se esgota nem em infinitos efeitos.”
Assim, a infinitude é a razão formal da
onipotência: o poder de causar sem restrição.
“Potentia Dei est ipsa infinitas entitatis ejus.”
“O poder de Deus é a própria infinitude de sua entidade.”
Articulus
Tertius — Utrum infinitas Dei comprehendatur intellectu angelico aut humano
(Se a infinitude de Deus pode ser compreendida pelo
intelecto angélico ou humano)
O que é infinito em ato não pode ser compreendido
por uma inteligência finita, porque compreender é abarcar o objeto totalmente.
Mas Deus é o ser sem limite, e todo intelecto criado é limitado.
“Infinitum
in actu non comprehenditur a finito.”
“O infinito em ato não é compreendido pelo finito.”
Os anjos conhecem mais perfeitamente que os homens,
mas ainda de modo participado.
Somente Deus compreende a Si mesmo, porque somente o infinito pode conter o
infinito.
“Solus Deus se comprehendit; quia solus est
infinitus.”
“Só Deus compreende a Si mesmo, porque só Ele é infinito.”
A visão beatífica, concedida aos bem-aventurados,
não elimina a infinitude divina;
apenas une o intelecto criado ao próprio ser infinito como a um objeto presente
e inabarcável.
“Beati vident Deum per essentiam, sed non
comprehendendo infinitatem ejus.”
“Os bem-aventurados veem a Deus em sua essência, mas sem compreender sua
infinitude.”
Disputatio
marginalis — De modo cognitionis infiniti per creaturam
(Sobre o modo pelo qual a criatura conhece o
infinito)
O intelecto humano conhece o infinito apenas via
remotionis et eminentiae, isto é, negando os limites e afirmando a
plenitude.
“Per viam remotionis cognoscimus infinitum, negando
finitum.”
“Conhecemos o infinito pelo caminho da remoção, negando o finito.”
O conhecimento de Deus nesta vida é, portanto, obscuro
mas verdadeiro:
a mente toca o infinito como quem toca uma luz que o excede.
“In hac
vita tangimus Deum in caligine lucis.”
“Nesta vida tocamos a Deus na penumbra da luz.”
Esse conhecimento imperfeito é, todavia,
participação da mesma luz que os santos veem claramente —
é o prelúdio da visão beatífica: fides est initium visionis.
Conclusiones
- Deus é infinito, não em quantidade, mas em perfeição de ser.
- Sua infinitude decorre de sua simplicidade e de seu ser ato puro.
- A infinitude é a razão formal da onipotência: poder de comunicar-se
sem perda.
- Nenhuma inteligência criada pode compreender a infinitude de Deus,
mas pode conhecê-la analogicamente.
- A fé é o contato inicial com o infinito; a visão beatífica, sua
fruição direta.
Annotationes
(1) S.Th., I, q.7,
a.1:
“Cum Deus sit actus purus, non limitatur per
materiam, nec per aliquam formam receptam, unde est infinitus.”
“Sendo Deus ato puro, não é limitado pela matéria nem por forma recebida, e por
isso é infinito.”
(2) João de São Tomás comenta:
“Infinitas Dei est ipsa plenitudo essendi; non
addit aliquid supra perfectionem, sed tollit omnem limitationem.”
“A infinitude de Deus é a própria plenitude do ser; não acrescenta algo à
perfeição, mas remove toda limitação.”
(3) A distinção entre infinitude negativa
(quantitativa) e infinitude positiva (ontológica) é central na metafísica
tomista e foi retomada por Suárez e Cayetano.
(4) A infinitude é o horizonte último da teologia:
a consciência de que o ser divino é sempre maior (semper maior),
e que todo conhecimento verdadeiro de Deus é também reconhecimento de nossa
finitude.
(5) Fórmula conclusiva:
“Deus est infinitus, quia est totum esse sine
termino, et ex ejus infinitate manat universum finitorum.”
“Deus é infinito, porque é o ser total sem termo, e de sua infinitude mana o
universo dos finitos.”
COMPENDIUM THEOLOGICUM TOMI PRIMI — INITIUM THEOLOGIAE
Quaestio
Septima — De Immensitate et Ubiquitate Dei / Sobre a Imensidade e a
Ubiquidade de Deus
Prooemium
A simplicidade exclui a divisão;
a perfeição afirma a plenitude;
a infinitude remove o limite;
a imensidade, finalmente, exprime a ausência de qualquer confinamento
espacial.
“Deus est ubique, quia est infinitus, et infinitum
non terminatur loco.”
“Deus está em toda parte, porque é infinito, e o infinito não se limita por
lugar.”
Deus não está em lugar como os corpos, que são
circunscritos por extensão,
mas como o ato de ser que faz existir tudo o que existe.
Logo, Ele está em tudo, não como parte do mundo, mas como sua causa
presente em todas as causas.
“Deus non
est in loco, sed locus est in Deo.”
“Deus não está em lugar, mas o lugar está em Deus.”
Articulus
Primus — Utrum Deus sit in omnibus rebus
(Se Deus está em todas as coisas)
Tudo o que é, participa do ser;
ora, o ser de tudo provém de Deus;
logo, Deus está em tudo enquanto presente como causa eficiente e
conservadora.
“In Deo
vivimus, movemur et sumus.” (At 17, 28)
“N’Ele vivemos, nos movemos e existimos.”
Assim, a presença de Deus nas criaturas é
necessária, porque, se Ele se retirasse, todas cessariam de existir.
“Deus est in rebus sicut causa efficiens et
conservans; subtracta causa, cessat effectus.”
“Deus está nas coisas como causa eficiente e conservadora; retirada a causa,
cessa o efeito.”
Mas essa presença não é local, nem corporal, nem
formal; é metafísica e criadora.
“Non est
in rebus per contactum localem, sed per influxum essendi.”
“Ele não está nas coisas por contato local, mas pelo influxo do ser.”
Articulus
Secundus — Utrum Deus sit ubique
(Se Deus está em toda parte)
Estar “em toda parte” não significa ocupar o
espaço,
mas não estar ausente de parte alguma.
O espaço limita os corpos; Deus é o ser sem limite.
“Deus est ubique, quia nihil est a quo abesse
possit.”
“Deus está em toda parte, porque não há nada de que possa estar ausente.”
Sua presença é absoluta, não sucessiva; é simultaneidade
total do ser.
O mesmo Deus está todo no céu, todo na terra, todo em cada criatura, e todo
além de todas.
“Totus
est ubique et totus extra omnia.”
“Está todo em toda parte e todo fora de todas as coisas.”
Essa ubiquidade não é confusão, mas transcendência:
Ele está em todas as coisas sem nelas se confundir; está fora de todas sem
delas se afastar.
“Praesens est omnibus per essentiam, absens per
dissimilitudinem.”
“Presente a todos por essência, ausente por dessemelhança.”
Articulus
Tertius — Utrum Deus sit in loco
(Se Deus está em lugar)
Deus não está “em lugar” segundo a circunscrição
física,
mas segundo o modo de presença causal e sustentadora.
O lugar é medida de corpos; o ser divino é imensurável.
“Locus non continet Deum, sed Deus continet locum.”
“O lugar não contém Deus, mas Deus contém o lugar.”
Portanto, dizer que Deus “está em lugar” é falar impropriamente,
pois Ele está presente não em espaço, mas em poder e essência.
“Est in
loco, non localiter, sed causaliter.”
“Está em lugar, não localmente, mas causalmente.”
Assim, todos os espaços estão em Deus,
como todos os tempos estão em Sua eternidade.
“Sicut
omnia tempora sunt in aeternitate, ita omnes loci sunt in immensitate Dei.”
“Assim como todos os tempos estão na eternidade, todos os lugares estão
na imensidade de Deus.”
Articulus
Quartus — De modo praesentiae divinae: per essentiam, potentiam et
praesentiam
(Sobre o modo da presença divina: por essência,
poder e presença)
A teologia distingue três modos de presença de Deus
nas criaturas:
- Per essentiam — porque Ele está em tudo
dando o ser:
“Per
essentiam, quia inest omnibus ut dans esse.”
“Por essência, porque está em todas as coisas dando-lhes o ser.”
- Per potentiam — porque tudo é regido por
Sua vontade e poder:
“Per
potentiam, quia omnia gubernat et movet.”
“Por poder, porque tudo governa e move.”
- Per praesentiam — porque todas as coisas
estão patentes a Seus olhos:
“Per
praesentiam, quia omnia nuda et aperta sunt oculis ejus.” (Hb 4,13)
“Por presença, porque tudo está nu e patente aos Seus olhos.”
Assim, Deus é imanente sem ser misturado, e
transcendente sem ser distante.
Ele é interior intimo meo et superior summo meo (Agostinho):
mais íntimo do que o mais íntimo em mim, e mais elevado do que o mais alto em
mim.
Conclusiones
- Deus está em todas as coisas como causa que lhes dá o ser e as
conserva.
- A presença divina é universal, total e não local: está em tudo e
fora de tudo.
- A imensidade divina significa ausência de limite espacial — a
plenitude do ser presente a tudo.
- Deus não ocupa lugar, mas contém o espaço como a eternidade contém
o tempo.
- Os modos de presença divina são três: per essentiam, per
potentiam, per praesentiam.
Annotationes
(1) S.Th., I, q.8,
a.1:
“Deus est
in omnibus rebus, non sicut pars essentiae, sed sicut agens in id quod agit.”
“Deus está em todas as coisas, não como parte da essência, mas como o
agente no que age.”
(2) João de São Tomás:
“Immensitas est amplitudo entitatis divinae, quae
omnia complectitur absque extensione.”
“A imensidade é a amplitude do ser divino, que tudo abrange sem extensão.”
(3) A presença de Deus é o inverso da dispersão:
quanto mais algo se divide, mais se distancia do Uno;
em Deus, tudo se unifica — Ele é presença pura, sem distância nem deslocamento.
(4) Essa doutrina fundamenta a teologia sacramental
e a mística cristã: o mesmo Deus que tudo cria é o que habita o altar e o
coração do justo.
(5) Fórmula conclusiva:
“Deus est ubique totus, nec ullo loco continetur,
sed omnia continet.”
“Deus está todo em toda parte, não é contido por lugar algum, mas contém todas
as coisas.”
Finis Operis
– Exhortatio ad Lectorem
“Nec mirari oportet, quod divina sapientia caligine
tanta absconditur: summa cognitio humana Deum tangit in caligine. Accedamus igitur ad montem in quo Deus est,
non per audaciam rationis, sed per lumen fidei.”
“Não devemos admirar-nos de que a sabedoria divina se oculte em tamanha
névoa: o conhecimento humano mais alto toca a Deus na penumbra. Subamos, pois,
ao monte onde Deus está, não pela audácia da razão, mas pela luz da fé.”

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