sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Da Queda no Empírico à Ascensão do Ideal: A Gênese da Lógica Pura em Husserl.

Índice.

A gênese da controvérsia: a lógica entre técnica e ciência.
(Cap. I – A lógica como disciplina normativa e prática)
Do fundamento teórico às normas: a dependência das ciências.
(Cap. II – As disciplinas teoréticas como base das normativas)
O psicologismo erigido em trono: pretensões e falácias.
(Cap. III – O psicologismo e seus argumentos)
A queda no empirismo: quando o pensar se reduz à natureza.
(Cap. IV – Consequências empiristas do psicologismo)
O princípio de não contradição e sua degradação psicologista.
(Cap. V – Interpretações psicológicas dos princípios lógicos)
A silogística em dissolução: fórmulas como meros reflexos da mente.
(Cap. VI – O esclarecimento psicologista da silogística)
Relativismo e ceticismo: a lógica dissolvida no fluxo do subjetivo.
(Cap. VII – O psicologismo como relativismo cético)
Os preconceitos psicologistas: raízes ocultas de um erro persistente.
(Cap. VIII – Preconceitos que sustentam a confusão)
A economia do pensar: utilitarismo travestido de fundamento lógico.
(Cap. IX – O princípio da economia do pensar e a lógica)
Síntese crítica: a depuração necessária da tradição.
(Cap. X – Conclusão das observações críticas)
A ideia de lógica pura: horizonte ideal do conhecimento.
(Cap. XI – A lógica pura como ciência das condições de possibilidade do saber)


Artigo I – A gênese da controvérsia: a lógica entre técnica e ciência.

A história da lógica, quando examinada sob o rigor da consciência filosófica, não aparece como um simples inventário de doutrinas divergentes, mas como a dramatização de uma contradição mais profunda: a oscilação incessante entre concebê-la como arte prática, técnica do pensar correto, ou como ciência teorética, isto é, fundação universal das condições de validade do conhecimento. Esta duplicidade inicial, longe de ser acidental, revela-se como expressão da própria tensão dialética entre a finitude do sujeito cognoscente e a infinitude do verdadeiro que ele busca. É nessa oscilação que Husserl insere o início do seu Prolegômenos, ao diagnosticar a dispersão e a falta de consenso acerca do objeto próprio da lógica.
A controvérsia não é apenas terminológica, mas sim sintoma de uma confusão entre domínios heterogêneos, onde a palavra "lógica" tornou-se nome comum a pensamentos distintos. John Stuart Mill, ao iniciar sua própria obra sobre a lógica, já assinalava esta divergência, e Husserl, ao retomar esse diagnóstico, reconhece nele não apenas um estado da disciplina, mas uma patologia da consciência filosófica de sua época. O que se apresenta como divergência metodológica, na verdade, denuncia uma crise mais fundamental: a incapacidade de distinguir o normativo do teorético, a técnica do fundamento, a prática do universal.
O primeiro passo da argumentação husserliana consiste em mostrar que toda técnica normativa pressupõe uma teoria que a justifique. O artista pode manejar sua arte sem explicitar princípios; o matemático pode aplicar métodos sem perscrutar seus fundamentos. No entanto, este uso prático não dissolve a exigência teorética, mas apenas a oculta. O normativo, por mais eficaz que seja em sua aplicação, repousa sobre um solo invisível de verdades que não são criadas pela prática, mas a condicionam. Assim, a lógica concebida como técnica não é falsa, mas incompleta, pois se esquece daquilo que a possibilita.
Se a lógica é apenas o manual de regras do pensar correto, ela se converte em uma arte análoga à retórica, sujeita às contingências históricas de estilos e convenções. Mas se a lógica é ciência, ela deve buscar o que é universal e necessário, não o que se altera com a moda do intelecto. A primeira antítese se delineia: de um lado, a lógica como disciplina normativa derivada de necessidades práticas do pensamento; de outro, a lógica como ciência pura, erguida acima das contingências empíricas. A resolução não pode consistir em simplesmente escolher um dos polos, mas em mostrar que a normatividade só é legítima quando fundamentada teoricamente, e que a teoria só encontra sua realização plena quando pode irradiar normas.
Husserl reconhece que as ciências particulares, embora possuam esplêndidos resultados práticos, carregam em si uma incompletude teórica. O físico que manipula fórmulas, o matemático que deduz teoremas, nem sempre são capazes de fundamentar os pressupostos últimos de seus métodos. Isso denuncia que as ciências vivem de um crédito tácito, sustentado por princípios que permanecem implícitos. A lógica, neste sentido, aparece como o lugar em que tais fundamentos devem ser explicitados, pois só ali é possível esclarecer o que confere unidade e legitimidade ao saber.
A incompletude das ciências conduz à necessidade de uma disciplina superior que investigue os pressupostos de validade, tanto os metafísicos, no caso das ciências que lidam com a efetividade real, quanto os puramente formais, no caso das ciências ideais, como a matemática. Este deslocamento faz emergir a lógica não como simples manual de raciocínio, mas como doutrina da ciência, isto é, como reflexão que toma as próprias ciências como objeto, examinando seus fundamentos, suas condições e seus modos de articulação.
Mas se a lógica é a doutrina da ciência, ela não pode ser confundida com psicologia nem com metafísica. Contra a psicologia, Husserl insiste que as leis do pensamento não são meras regularidades empíricas da mente, mas normas necessárias que valem independentemente de como os homens de fato pensam. Contra a metafísica, afirma que a lógica não se ocupa do ser enquanto ser, mas da forma universal do conhecimento, da estrutura que torna possível a apreensão do ser. Assim, a lógica se eleva como uma terceira esfera, distinta tanto da descrição empírica quanto da especulação ontológica.
A duplicidade do conceito de saber ajuda a compreender essa posição. Husserl distingue entre o saber em sentido estrito, que é a evidência de um estado de coisas, e o saber em sentido lato, que inclui também a probabilidade e a crença racional. Ora, a ciência, enquanto busca do saber mais rigoroso, não se contenta com crenças prováveis, mas exige evidência. E a evidência, para não se reduzir a mera convicção psicológica, deve ser fundada em estruturas universais que garantem a possibilidade do conhecimento. Eis o domínio da lógica pura.
Essa evidência não se confunde com o simples sentimento de certeza subjetiva, pois esta é passível de erro. A evidência é antes a clareza que ilumina o conteúdo objetivo do juízo, aquilo que se impõe à consciência não como opinião, mas como verdade. O conceito rigoroso de ciência depende dessa evidência, e a lógica deve investigar as formas pelas quais a evidência é possível. Assim, a lógica não é só técnica que prescreve regras de raciocínio, mas teoria que explica por que tais regras são necessárias e como se fundamentam.
Husserl demonstra que as ciências particulares, ao carecerem dessa fundamentação, não são teorias cristalinas, mas edifícios sustentados por pressupostos não examinados. A lógica, enquanto doutrina da ciência, assume a tarefa de levar à luz esses pressupostos, clarificar suas conexões, ordenar o saber em uma unidade sistemática. Não basta possuir conhecimento fragmentado; é necessário que este conhecimento se articule em um sistema que revele a racionalidade interna do verdadeiro.
A controvérsia sobre a definição da lógica revela, portanto, não apenas divergências acadêmicas, mas a luta entre duas concepções de racionalidade: a racionalidade pragmática, que busca eficácia imediata, e a racionalidade teorética, que exige universalidade e necessidade. A primeira conduz à lógica como técnica, a segunda à lógica como ciência. Husserl mostra que ambas são inseparáveis, mas que a ordem hierárquica deve ser preservada: o normativo depende do teorético, nunca o contrário.
A consequência desse raciocínio é que a lógica, enquanto ciência, não pode ser reduzida a instrumento das ciências particulares. Pelo contrário, ela as fundamenta, mostrando-lhes a raiz comum na busca pela verdade. As ciências são incompletas sem a lógica, mas a lógica não se reduz a somatório das ciências: é a forma universal que as condiciona.
Este primeiro movimento da obra husserliana é decisivo, pois estabelece a orientação para toda a crítica subsequente. Antes de atacar o psicologismo, Husserl mostra que a confusão entre técnica e ciência já é um sintoma de degeneração da lógica. Se ela se reduz a técnica, perde sua dignidade filosófica; se ignora sua dimensão normativa, perde seu vínculo com a prática do pensar.
A dialética entre prática e teoria, norma e fundamento, mostra-se assim como o motor interno da gênese da lógica. Husserl não recusa a dimensão normativa, mas exige sua superação na teoria. A lógica não deve ser negada como técnica, mas compreendida como algo mais profundo: a ciência das condições universais do saber.
O capítulo primeiro, portanto, é mais que uma introdução: é a exposição inicial do conflito histórico que conduz à necessidade da lógica pura. A lógica concebida como disciplina prática corresponde à tese; a crítica que exige seu fundamento teorético constitui a antítese; e a ideia de uma doutrina da ciência, que integra norma e teoria em uma unidade superior, é o esboço da síntese que orientará todo o projeto fenomenológico.
Assim se abre o horizonte: a lógica não é apenas o manual de raciocínios corretos, nem tampouco uma psicologia disfarçada. Ela é a ciência que interroga as condições do verdadeiro, e nesse gesto se converte em fundamento das próprias ciências. Aqui se dá a ruptura inicial de Husserl com o pensamento dominante de sua época, e o anúncio de um novo caminho, que não será mais o da mera técnica, mas o da filosofia rigorosa.

Artigo II – Do fundamento teórico às normas: a dependência das ciências.

O movimento iniciado por Husserl, ao ultrapassar a definição da lógica como simples técnica, ganha maior densidade ao abordar a relação entre disciplinas teoréticas e disciplinas normativas. Aqui, o filósofo insiste na dialética interna que une o saber puro, voltado para as condições universais, e as aplicações práticas, voltadas para a regulação da conduta cognitiva. A pergunta que se impõe é se a lógica pode permanecer apenas no nível normativo, ou se toda normatividade não é senão a emanação necessária de um fundamento teorético.
Na raiz desse debate encontra-se a distinção clássica entre ciências que descrevem e explicam, e ciências que prescrevem e normatizam. As primeiras têm por objeto o que é, as segundas o que deve ser. Ora, se a lógica for ciência normativa, não bastaria enunciar regularidades, mas seria preciso fixar princípios que guiem o pensar correto. O problema é que tais princípios, sem respaldo teorético, se reduzem a mandamentos arbitrários. Uma norma só se legitima quando enraizada em uma verdade universal que a justifica.
É por isso que Husserl recusa a ideia de uma lógica que se bastaria como técnica independente. As disciplinas normativas, como a ética ou a estética, sempre repousam em disciplinas teoréticas correspondentes, como a psicologia ou a teoria do valor. A lógica, enquanto ciência normativa do pensamento, não foge a esta regra: ou se apoia em um fundamento teorético, ou degenera em empirismo superficial. Essa conexão entre norma e teoria não é acidental, mas necessária, pois todo dever-ser pressupõe um ser que o legitime.
No entanto, a questão não é apenas reconhecer a dependência, mas discernir de que tipo de fundamento se trata. Os psicologistas afirmam que o solo da lógica é a psicologia, entendida como ciência empírica das leis do pensamento humano. Mas Husserl observa que este caminho leva ao relativismo: se a psicologia variar, variaria também a lógica, dissolvendo sua universalidade. O fundamento exigido não pode, portanto, ser empírico, mas ideal. A disciplina teorética da lógica deve ser independente de toda ciência da natureza, devendo investigar não fatos, mas essências.
Essa inversão é decisiva. Ao invés de pensar a lógica como resultado das leis psicológicas, Husserl propõe compreendê-la como disciplina pura, que estabelece as condições universais de validade para todo pensar. As normas do raciocínio não emergem da observação de como os homens pensam, mas do exame rigoroso daquilo que faz de um pensamento verdadeiro ou falso. A verdade não se deduz da mente, mas a mente deve se conformar à verdade. O teorético, assim, não é extraído do normativo, mas o normativo é a aplicação derivada do teorético.
É nesse ponto que a distinção entre ciências particulares e ciência fundamental se intensifica. As ciências particulares lidam com objetos delimitados – números, organismos, corpos físicos – e, embora atinjam grandes resultados, permanecem dependentes de pressupostos não examinados. A lógica, como doutrina pura da ciência, é chamada a examinar aquilo que todas as ciências pressupõem sem o saber: a validade de seus métodos, a objetividade de seus conceitos, a universalidade de suas leis. Ela se ergue, portanto, como fundamento comum, sem o qual o edifício científico se mantém suspenso no vazio.
Husserl denuncia que o fracasso histórico da lógica em se definir deriva precisamente da confusão entre domínios heterogêneos. Quando se confunde lógica com psicologia, ou lógica com metafísica, misturam-se ordens distintas, e o resultado é a desfiguração da ciência. A lógica não é estudo de fatos psíquicos, nem do ser enquanto ser, mas da forma universal do saber. Sua tarefa é clarificar a essência das conexões que tornam possível o conhecimento, tanto em sua vertente objetiva quanto em sua estrutura subjetiva.
É aqui que a crítica se converte em programa. A lógica pura deve, segundo Husserl, articular as condições de possibilidade do conhecimento em geral. Não se trata de investigar este ou aquele campo particular, mas de apreender as formas que valem para todos os campos. Essa tarefa aproxima a lógica da matemática, não porque trate de números, mas porque, como a matemática, trabalha com leis universais, independentes do empírico. Contudo, enquanto a matemática se limita a certas regiões formais, a lógica pura se pretende ciência universal da significação e da verdade.
A dependência das disciplinas normativas em relação às teoréticas ganha assim um sentido hegeliano: a norma é a exteriorização da essência, a prática é a objetivação da teoria. Não há cisão, mas gradação. O normativo é o teorético que se tornou prescrição; o teorético é o normativo em sua pureza originária. A lógica, quando vista nessa dialética, não pode ser apenas manual de regras, nem tampouco especulação abstrata, mas ciência que, ao fundar, normatiza, e ao normatizar, fundamenta.
Esta reconciliação, porém, só se realiza se se evitar o erro psicologista. Pois, se a teoria de base for empírica, a norma resultará particular e contingente. O que se exige é uma teoria que não derive do empírico, mas do ideal. A lógica pura, como Husserl a concebe, é esta teoria: ciência que investiga o universal do conhecimento, não como fato psicológico, mas como estrutura eidética.
Essa posição permite compreender por que a lógica é, ao mesmo tempo, independente e necessária. Independente, porque não deriva de nenhuma outra ciência empírica; necessária, porque sem ela nenhuma ciência alcança clareza interna. Todas as disciplinas particulares pressupõem implicitamente a lógica, mas a lógica não se apoia em nenhuma delas. Ela é fundamento unilateral: sustenta sem ser sustentada.
A consequência desse raciocínio é profunda: a lógica pura não é apenas mais uma disciplina entre outras, mas condição transcendental de todas. A ciência só é possível porque há leis formais que garantem a objetividade da verdade. Sem essas leis, não haveria diferença entre verdadeiro e falso, nem entre ciência e opinião. Por isso, a lógica pura se situa no coração do conhecimento, como disciplina que não apenas descreve, mas possibilita.
O capítulo segundo das Investigações Lógicas não se limita a reforçar o argumento contra o psicologismo, mas explicita a arquitetura do projeto husserliano: fundar uma ciência universal do conhecimento, da qual as normas de raciocínio derivam como aplicação. A lógica pura aparece como instância mediadora entre o absoluto da verdade e o relativo das práticas cognitivas, mostrando que todo normativo só é legítimo se irradiar de um teorético.
Nessa perspectiva, a lógica pura é ao mesmo tempo negativa e positiva: negativa, ao denunciar as confusões históricas que reduziram a lógica ao empírico; positiva, ao projetar uma ciência nova, que se ergue acima da psicologia e da metafísica para investigar a essência da validade. A disciplina normativa, privada de tal fundamento, não passa de arbítrio; a disciplina teorética, sem a dimensão normativa, permanece ineficaz. A superação hegeliana reside na unidade dos dois momentos, reconciliados na lógica pura.
Este artigo, portanto, mostra o caminho que Husserl abre para toda a fenomenologia: partir da crítica às fundações equivocadas, explicitar a dependência do normativo em relação ao teorético, e assim preparar a ideia de uma ciência rigorosa, que não apenas regula o pensar, mas revela a essência universal que o torna possível. Aqui, a lógica deixa de ser manual e se converte em filosofia, isto é, em reflexão radical sobre as condições do saber.

Artigo III – O psicologismo erigido em trono: pretensões e falácias.

O psicologismo aparece na história da filosofia como a tentativa de enraizar a lógica no solo da experiência psíquica, como se as leis do pensar não fossem senão leis da mente humana em sua atividade factual. Para muitos dos seus defensores, essa fundação parecia natural: se a lógica é ciência do pensamento, por que não derivar seus princípios das investigações que descrevem o funcionamento do espírito? Husserl, contudo, vê nessa posição não apenas um equívoco metodológico, mas uma contradição essencial, que ameaça dissolver a própria ideia de verdade.
O movimento psicologista começa com a suposição de que toda lei lógica é apenas um reflexo das regularidades psicológicas. O princípio da não contradição, por exemplo, não seria uma norma universal do pensar, mas apenas a constatação de que a mente humana não suporta simultaneamente representações contraditórias. Assim, a verdade seria reduzida àquilo que acontece na consciência, como se o real dependesse das oscilações internas do sujeito. A sedução dessa tese reside em sua aparência de cientificidade, já que a psicologia, emergindo como ciência empírica rigorosa no século XIX, reivindicava o direito de fundamentar também a lógica.
Husserl, porém, denuncia a falácia: o psicologismo confunde duas ordens heterogêneas – a ordem do ser factual e a ordem do dever-ser ideal. Uma lei lógica não descreve como pensamos, mas como devemos pensar para alcançar a verdade. Ao confundir descrição empírica com prescrição normativa, o psicologismo destrói a distinção entre verdadeiro e falso, convertendo a lógica em simples estatística da mente. Se as leis do pensamento fossem apenas fatos psíquicos, não haveria como distinguir entre um raciocínio válido e um inválido: ambos seriam igualmente “fenômenos” da consciência.
A força do psicologismo advém justamente de sua pretensão de eliminar o transcendental. Em nome da ciência positiva, quer reduzir todo universal ao empírico, todo necessário ao de fato observado. Mas essa redução gera uma contradição insuperável: ao afirmar que a lógica depende da psicologia, o psicologista já pressupõe a validade de princípios lógicos universais, sem os quais sua própria tese não poderia ser formulada. A crítica husserliana mostra que o psicologismo, ao tentar fundamentar a lógica, mina as próprias bases em que se sustenta.
Além disso, Husserl revela como o psicologismo se alimenta de uma ambiguidade. Por um lado, afirma que as leis da lógica são leis naturais do pensamento; por outro, as trata como normas obrigatórias para todo pensar correto. Ora, se são apenas naturais, não obrigam; se obrigam, não são meramente naturais. Essa duplicidade mostra que o psicologismo não consegue decidir se fala de fatos ou de normas, oscilando entre o empírico e o ideal, sem se dar conta da contradição.
No plano histórico, essa posição floresceu porque parecia dar ao filósofo um método seguro: bastaria observar como pensamos para extrair as leis da lógica. Mas o que daí se obtém não é universalidade, e sim contingência. Se a lógica depende da psicologia, então diferentes povos ou épocas, com diferentes estruturas mentais, teriam diferentes lógicas. O universal dissolve-se em particularidades culturais, e a verdade, em vez de ser válida em si, torna-se relativa a condições históricas. É por isso que Husserl identifica no psicologismo a semente do relativismo cético.
Outro aspecto criticado é a confusão entre causas e razões. A psicologia explica as causas pelas quais chegamos a determinadas crenças; a lógica investiga as razões que as tornam verdadeiras ou falsas. As causas pertencem ao domínio do empírico, variam conforme o sujeito, mas as razões são universais, independentes de quem pense. Ao reduzir razões a causas, o psicologismo destrói a diferença entre validade e eficácia, confundindo o fato de crer com o direito de crer.
A posição psicologista também se revela insuficiente quando aplicada à matemática. As verdades matemáticas, como 2+2=4, não podem depender do modo como a mente humana funciona. Ainda que ninguém existisse para pensá-las, permaneceriam válidas. Se fossem fatos psíquicos, desapareceriam com a mente que as formula, mas isso contradiz a própria experiência da objetividade matemática. A validade é, pois, independente da subjetividade.
Husserl, ao dissecar os argumentos psicologistas, mostra que todos repousam em equívocos conceituais. Um exemplo é a tentativa de provar que a lógica deve ser psicológica porque o pensar é um ato da psique. O erro aqui é ignorar que o objeto da lógica não é o ato do pensar, mas o conteúdo do pensamento enquanto portador de verdade. A lógica não estuda a consciência que pensa, mas a estrutura ideal do pensado. A confusão entre ato e conteúdo é o núcleo da falha psicologista.
Por isso, Husserl afirma que as chamadas demonstrações do psicologismo são ilusórias. Quando tentam responder às críticas, acabam por reinterpretar os princípios lógicos em chave empírica, sem perceber que a própria crítica exige universalidade. Assim, a defesa do psicologismo sempre gira em círculo: ou cai no empirismo trivial, ou recorre tacitamente a categorias que contradizem sua posição.
O exame husserliano é meticuloso. Ele não apenas refuta as teses psicologistas, mas mostra como elas se sustentam em preconceitos arraigados: a ideia de que toda lei deve ser lei natural, a redução do normativo ao factual, a confusão entre regularidade e validade. Esses preconceitos, por sua vez, provêm de uma tendência mais ampla do espírito moderno: o fascínio pela ciência empírica e a desconfiança diante do ideal. O psicologismo não é acidente, mas expressão de um espírito de época que buscava fundar tudo no positivo.
A consequência, no entanto, é devastadora. Se aceitamos o psicologismo, a distinção entre verdade e erro perde sua objetividade, e a ciência se dissolve em opinião coletiva. O que deveria ser universal torna-se local, o que deveria ser necessário torna-se relativo. A lógica, que deveria ser guardiã da verdade, transforma-se em cronista da mente humana.
É contra esse perigo que Husserl ergue sua crítica. Ele não nega a importância da psicologia como ciência empírica, mas afirma que seu domínio é outro. A psicologia pode descrever como pensamos, mas não pode dizer se pensamos corretamente. A validade das leis lógicas não se mede pela frequência com que são respeitadas, mas pela necessidade que lhes é intrínseca.
A exposição do capítulo terceiro, assim, não apenas denuncia o psicologismo, mas prepara o terreno para as refutações mais detalhadas que virão. Husserl mostra que os argumentos de seus adversários não resistem à análise rigorosa, pois confundem níveis distintos da realidade. A lógica, ao contrário do que pretendem, não se deixa reduzir ao psíquico: ela habita o domínio do ideal, do universal, do necessário.
Este momento da obra é fundamental, porque mostra o ponto em que a filosofia se decide entre ceder ao fluxo das ciências empíricas ou afirmar sua autonomia rigorosa. O psicologismo é o símbolo da tentação empirista; a crítica husserliana é o gesto inaugural da fenomenologia. Ao refutar a confusão entre fato e norma, Husserl reivindica a lógica como ciência pura, preparando o caminho para a reconstrução transcendental do conhecimento.
O psicologismo, assim, é mais que um erro histórico: é a tentação constante de reduzir o espírito ao empírico, a verdade ao fato, o universal ao particular. Refutá-lo é libertar a filosofia desse cativeiro, e afirmar que o verdadeiro só é verdadeiro enquanto necessário, não enquanto pensado. Husserl, nesse capítulo, não apenas critica uma doutrina, mas traça a fronteira decisiva entre a fenomenologia e todo relativismo.
O artigo se encerra, portanto, mostrando que a lógica, se erigida sobre o solo da psicologia, perde sua própria essência. A crítica de Husserl revela que o psicologismo, embora pretenda fundar a lógica, na verdade a destrói. É nesse gesto negativo que se abre o espaço para a positividade da lógica pura, que não será derivada da mente, mas da essência da verdade.

Artigo IV – A queda no empirismo: quando o pensar se reduz à natureza.

O passo seguinte na crítica husserliana revela-se como desdobramento necessário da falácia psicologista. Se as leis da lógica são concebidas como leis psicológicas, nada impede que sejam interpretadas como leis da natureza que regem o funcionamento da mente humana. Assim, o normativo cede lugar ao causal, o dever-ser é transfigurado em ser, e o pensamento, longe de ser espaço da verdade, torna-se simples fenômeno natural, sujeito às mesmas forças que regem a química ou a biologia. A consequência imediata é o empirismo, que reduz a racionalidade a mecanismo, dissolvendo a distinção entre validade e causalidade.
Essa consequência não é acidental, mas intrínseca. O psicologismo, ao confundir lei lógica com lei natural, já prepara o caminho para o empirismo. Se pensar corretamente não significa mais obedecer a uma norma universal, mas apenas funcionar segundo as regularidades do cérebro ou da mente, então a lógica perde sua autonomia. As leis do pensar tornam-se como leis do metabolismo: constatações do que ocorre, não exigências do que deve ocorrer. Assim, a verdade é deslocada para fora de si mesma, e passa a depender da causalidade natural.
Husserl observa que, nesse modelo, as proposições lógicas deixam de ser necessárias e universais, tornando-se meros resultados empíricos. Um raciocínio válido não se distinguiria de um inválido por sua conformidade a normas ideais, mas apenas por sua maior ou menor frequência de ocorrência. A validade se dissolve na regularidade, e o verdadeiro no habitual. Mas se tudo se reduz a hábito ou constância empírica, então já não há critério de verdade, apenas estatística de fenômenos mentais.
A ilusão do empirismo lógico está em supor que pode substituir a necessidade pela indução. Mas a indução, por mais abrangente que seja, jamais confere universalidade absoluta. A lei lógica, como o princípio da não contradição, não pode ser “provada” por repetição de experiências, pois vale independentemente de qualquer experiência. Negá-la não é apenas possível, mas autocontraditório. Assim, o empirismo, ao tentar fundar a lógica, a destrói, pois retira dela aquilo que a caracteriza: sua validade necessária.
Além disso, a interpretação empirista não percebe que as próprias operações de generalização e indução já pressupõem leis lógicas universais. Quando afirmamos que “sempre que ocorre A, ocorre B”, já estamos aplicando a lei da inferência, que não pode ser derivada da própria indução, sob pena de circularidade. O empirismo, portanto, usa tacitamente as leis que pretende reduzir a simples hábitos mentais.
Husserl mostra também que o empirismo lógico desemboca em ceticismo. Se as leis do pensamento são apenas fatos empíricos, então poderiam ser diferentes em outras circunstâncias ou em outras espécies racionais. A lógica, assim, não seria universal, mas relativa à constituição de nossa mente. E se for assim, já não há garantia de verdade objetiva: o que para nós é válido poderia não ser válido para outro tipo de consciência. O relativismo se torna inevitável.
A posição empirista, no entanto, não apenas falha teoricamente, mas contradiz a própria prática da ciência. Nenhum matemático acredita que 2+2=4 seja verdadeiro apenas porque até agora sempre se verificou assim. Nenhum geômetra aceita que o teorema de Pitágoras seja válido só para os homens de hoje. A ciência opera com verdades que pretende necessárias, e não meramente habituais. O empirismo, ao negar essa necessidade, contradiz o espírito mesmo da ciência que pretende fundamentar.
A crítica husserliana revela ainda que o empirismo lógico confunde níveis de descrição. Quando falamos de “leis da natureza”, falamos de conexões causais entre eventos observáveis. Quando falamos de “leis da lógica”, falamos de condições ideais de validade. Misturar uma coisa com a outra é cometer o erro categorial mais grave: tomar o dever-ser como ser, e o normativo como factual. O resultado é a desfiguração da ciência.
No fundo, o empirismo lógico não percebe que a mente humana, ao pensar, não apenas funciona, mas visa à verdade. Essa intenção da consciência não pode ser reduzida a mecanismos naturais, porque o verdadeiro não é um efeito, mas uma validade. A causalidade pode explicar por que chegamos a certas crenças, mas nunca por que elas são verdadeiras. Essa diferença, ignorada pelo empirismo, é justamente o que a lógica pura procura restaurar.
A consequência extrema desse erro é o colapso da própria ideia de ciência. Se a validade de uma proposição é reduzida a hábito mental ou lei psicológica, então a ciência não passa de um registro de como pensamos. Mas se for assim, desaparece a diferença entre ciência e opinião, entre verdade e crença, entre rigor e costume. A racionalidade perde sua dignidade, e o homem, em vez de buscador da verdade, torna-se apenas um ser natural que pensa como respira.
Husserl vê aqui o perigo maior: o empirismo, ao naturalizar a lógica, submete o espírito à natureza. O pensar, que deveria ser espaço de liberdade e de normatividade, é convertido em cadeia causal. O logos se transforma em physis, e a diferença entre ambos se dissolve. A consequência filosófica é o niilismo cognitivo: se não há diferença entre validade e causalidade, não há verdade, apenas funcionamento.
A refutação husserliana, portanto, é mais que lógica: é defesa da própria ideia de racionalidade. Mostrar que as leis lógicas não são leis empíricas é resgatar a dignidade do espírito contra sua redução ao natural. A verdade não é hábito nem estatística, mas necessidade ideal. O pensamento não se mede por sua frequência, mas por sua conformidade a normas universais.
O capítulo quarto das Investigações Lógicas se revela assim como momento decisivo da crítica. Depois de mostrar as falhas do psicologismo em geral, Husserl expõe suas consequências empiristas, que reduzem a lógica à natureza e a verdade à causalidade. A dialética aqui se completa: a tese psicologista, ao tentar fundar a lógica na mente, gera a antítese empirista, que a dissolve na natureza; a síntese, que Husserl prepara, será a lógica pura, independente do empírico, mas fundamento de toda ciência.
Esse movimento dialético não é apenas negativo, mas pedagógico: ao seguir o psicologismo até suas últimas consequências, Husserl mostra o absurdo em que ele desemboca. Só assim se abre espaço para compreender a necessidade de uma lógica pura. O empirismo, levado ao extremo, revela-se autodestrutivo, e sua refutação prepara o terreno para a reconstrução transcendental.
A queda no empirismo, portanto, não é acidente, mas destino do psicologismo. Toda tentativa de reduzir a lógica ao psíquico acaba por reduzi-la ao natural, e toda redução ao natural elimina a possibilidade da verdade. Refutar o empirismo é libertar a lógica de seu cativeiro, devolvendo-lhe sua autonomia ideal. É essa libertação que constitui a tarefa da filosofia, e é nesse gesto que Husserl anuncia a necessidade de um novo começo.
Assim, o capítulo quarto não apenas refuta uma doutrina, mas mostra a urgência de uma refundação radical da lógica. O pensamento não é natureza, mas busca do verdadeiro; e o verdadeiro não é hábito, mas necessidade. Este é o ponto em que a crítica atinge seu ápice negativo, preparando a virada positiva que se seguirá na concepção da lógica pura.

Artigo V – O princípio de não contradição e sua degradação psicologista.

O centro do quinto movimento da crítica husserliana volta-se para as interpretações psicologistas dos princípios lógicos, sobretudo o da não contradição. Aqui, Husserl mostra com clareza como o psicologismo não apenas falseia a lógica em geral, mas atinge o coração da racionalidade, dissolvendo no empírico aquilo que deveria permanecer como universal e necessário. A questão não é apenas metodológica, mas ontológica: se o princípio de não contradição se reduz a uma experiência psíquica, então a própria ideia de verdade se desmancha, e com ela toda a ciência.
Os psicologistas, inspirados em Mill e Spencer, sustentam que o princípio de não contradição nada mais é do que a generalização de uma experiência psicológica elementar: o fato de que a mente humana não consegue sustentar ao mesmo tempo representações contrárias. Não seria, portanto, uma lei do ser ou do logos, mas apenas uma lei da mente. O que Aristóteles havia concebido como o mais firme dos princípios, “é impossível que o mesmo seja e não seja ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto”, converte-se, nesta perspectiva, em constatação psicológica.
Husserl, no entanto, vê nesta redução uma degradação: aquilo que deveria ser fundamento ideal de toda objetividade é transfigurado em hábito mental, sujeito às variações da experiência. A consequência é que a verdade deixa de ser independente da consciência, e se torna refém da maneira como os homens de fato pensam. O princípio de não contradição, que deveria ser condição de possibilidade de todo pensamento e de toda ciência, é rebaixado à condição de regularidade empírica.
O problema, porém, não se limita à degradação ontológica, mas envolve também a confusão entre validade e causalidade. O psicologismo afirma que não pensamos contradições porque nossa mente funciona de determinada maneira. Mas o que garante que isso seja correto? A lei lógica não descreve como pensamos, mas prescreve como devemos pensar se quisermos alcançar a verdade. Afirmar que é impossível pensar contradições não porque elas sejam falsas, mas porque nossa mente as rejeita, equivale a confundir a causa do crer com a razão da verdade.
Husserl mostra que, se aceitarmos essa interpretação, o princípio da não contradição não passaria de uma hipótese empírica, sujeita à verificação por experiência. Mas nenhuma experiência pode garantir sua validade universal. Sempre seria possível imaginar uma mente capaz de sustentar contradições, e nesse caso a lei perderia sua força. Ora, é justamente isso que a lei lógica não pode admitir: ela não é contingente, mas necessária. Negá-la não é possível sem cair na própria contradição que se tenta afirmar.
A crítica de Husserl também revela a imprecisão científica da tese psicologista. Se o princípio fosse simples descrição de nossa experiência, não passaria de uma proposição vaga, incapaz de ser comprovada empiricamente. Pois quem poderia provar, com base em observações psicológicas, que nunca houve nem haverá um sujeito capaz de sustentar contradições? O psicologismo se apoia em generalizações frágeis, e ainda assim pretende fundar sobre elas o edifício da lógica.
Nesse ponto, Husserl argumenta que o erro não é apenas de método, mas de essência. O princípio de não contradição não é uma lei da mente, mas uma lei do ser, e por isso também uma lei do logos. Ele não vale porque pensamos assim, mas pensamos assim porque ele vale. O fundamento não é psicológico, mas ontológico e eidético: é a estrutura mesma da realidade que se reflete na estrutura do pensamento. A lei não é invenção da mente, mas condição de possibilidade de toda objetividade.
A insistência do psicologismo em interpretar o princípio como lei psicológica revela sua incompreensão da diferença entre o empírico e o ideal. O empírico pode variar, mas o ideal é necessário. A validade de uma proposição lógica não depende da frequência com que a mente a respeita, mas da necessidade que ela carrega em si mesma. O princípio de não contradição não é resultado de uma observação, mas condição de toda observação possível.
Husserl, ao dissecar esse equívoco, mostra que o psicologismo cai em contradições internas. Pois se o princípio de não contradição é mera lei psicológica, a própria distinção entre verdade e erro desaparece. Se alguém afirmar que uma contradição é verdadeira, o psicologista não terá como refutá-lo, pois não poderá apelar a uma validade ideal, mas apenas a regularidades empíricas. Mas se houver sujeitos que de fato sustentem contradições, então estas teriam de ser aceitas como válidas para eles. Assim, o relativismo se instala no coração da lógica.
A crítica vai além: Husserl demonstra que as interpretações psicologistas dos princípios lógicos não apenas falham, mas introduzem um ceticismo radical. Se toda lei lógica depende da mente, então nenhuma lei é universal. Cada cultura, cada época, cada indivíduo poderia ter sua própria lógica. O resultado é a dissolução da ciência, que se torna apenas expressão de formas de vida particulares. O psicologismo, nesse sentido, não é apenas erro teórico, mas ameaça à objetividade do saber.
O capítulo quinto, contudo, não se limita à refutação. Ele indica também a necessidade de uma reconfiguração positiva. O princípio de não contradição, em sua pureza, deve ser entendido como lei ideal, independente da experiência, condição de toda possibilidade de verdade. Ele não é apenas norma de pensamento, mas lei universal que se impõe ao ser e ao logos. A fenomenologia, ao resgatar essa universalidade, restitui à lógica sua dignidade perdida.
O raciocínio husserliano assume, aqui, forma quase hegeliana. A tese psicologista afirma que o princípio é lei da mente; a antítese husserliana mostra que, se assim fosse, ele se dissolveria em relativismo; a síntese emerge ao compreender o princípio como lei ideal, válida independentemente de toda mente, mas reconhecida pela mente em seu esforço de pensar corretamente. O ideal e o subjetivo não se confundem, mas se articulam: a mente não cria a lei, mas a descobre.
O psicologismo, nesse contexto, aparece como tentativa frustrada de naturalizar o espírito. Ao reduzir o logos ao psíquico, ele elimina o universal. Ao pretender fundar a verdade em fatos da consciência, ele a dissolve. Husserl vê nisso não apenas um equívoco lógico, mas um perigo filosófico: a ciência inteira se perde se abdicar do princípio de não contradição como lei ideal.
O capítulo quinto, portanto, é a dramatização de um embate decisivo: ou reconhecemos a universalidade do princípio, ou caímos no relativismo e no ceticismo. Husserl escolhe o primeiro caminho, mas não por preferência arbitrária: porque o segundo caminho é autocontraditório. Negar a universalidade do princípio já é supô-lo válido, pois a negação só tem sentido se o princípio vigorar. Assim, a crítica atinge seu ápice: o psicologismo é contrassenso, não apenas erro.
É por isso que Husserl considera indispensável restaurar a lógica em sua pureza. O princípio de não contradição, junto com outros princípios lógicos, deve ser compreendido como expressão da essência do ser e da verdade, e não como reflexo de fatos psíquicos. Só assim é possível fundar uma ciência rigorosa, livre do relativismo e do empirismo. A crítica ao psicologismo, ao atingir o núcleo dos princípios, mostra que não se trata de mera divergência doutrinária, mas de destino da razão.
Assim se conclui o quinto movimento das Investigações Lógicas: a lógica não pode ser psicologia disfarçada, e o princípio de não contradição não pode ser reduzido a experiência mental. O universal não nasce do empírico, mas o condiciona. Esta lição prepara o terreno para as críticas seguintes, e abre espaço para a afirmação positiva da lógica pura como ciência eidética das condições de verdade.

Artigo VI – A silogística em dissolução: fórmulas como meros reflexos da mente.

Ao avançar para o sexto capítulo, Husserl dirige seu olhar à silogística, esse edifício que desde Aristóteles constituiu o esqueleto da racionalidade formal. O psicologismo, ao tentar reinterpretar essa tradição, não a reforça, mas a mina desde dentro, ao transformar os silogismos de leis necessárias em meros reflexos do funcionamento mental. O que antes era concebido como articulação ideal da verdade, agora é rebaixado a hábito cognitivo, e a grande herança da lógica clássica vê-se dissolvida em estatística psicológica.
O raciocínio psicologista é simples em aparência: um silogismo não seria senão o registro da maneira como a mente transita de uma representação a outra. Assim, da premissa “Todos os homens são mortais” e da premissa “Sócrates é homem”, não resultaria uma conclusão necessária, mas apenas a tendência da mente de associar as duas representações e produzir a terceira. A força do silogismo não residiria em sua estrutura ideal, mas no fato de que, empiricamente, pensamos assim. A validade, portanto, seria efeito causal da mente, e não expressão da essência da relação entre conceitos.
Husserl, porém, denuncia a falácia: se o silogismo fosse mera associação mental, sua necessidade desapareceria. Pois nada impede que alguém, diante das duas premissas, conclua algo distinto ou mesmo contraditório. A diferença entre uma inferência válida e uma inválida não se explica pela frequência com que as fazemos, mas pela conformidade com leis universais. O que faz do silogismo uma forma necessária não é a mente que o pensa, mas a relação ideal entre os conceitos envolvidos.
Além disso, o psicologismo não consegue explicar o caráter universal da silogística. Se fosse apenas hábito mental, poderia variar de sujeito para sujeito, de cultura para cultura. Mas a silogística é válida independentemente de tais variações. Não é porque os homens sempre concluíram de certa forma que o silogismo é válido; é porque o silogismo é válido que os homens, ao pensarem corretamente, concluem assim. A inversão psicologista destrói o sentido do universal.
Husserl também mostra que, ao reduzir os silogismos a associações, o psicologismo os priva de seu caráter normativo. Pois, se uma conclusão é apenas resultado de mecanismos mentais, não há como distinguir entre pensar corretamente e pensar erroneamente. Toda conclusão seria igualmente legítima enquanto fenômeno psicológico. A normatividade, que é a essência da lógica, desaparece. O psicologismo, portanto, ao tentar explicar a lógica, elimina-a.
A crítica assume então um caráter sistemático: as formas do raciocínio, longe de serem explicáveis pela psicologia, são estruturas ideais que se impõem ao pensamento. A mente não cria o silogismo; descobre-o. A psicologia pode descrever como pensamos, mas não pode fundamentar por que o raciocínio silogístico é necessário. A diferença entre validade e frequência, entre norma e fato, reaparece aqui com força ainda maior.
Husserl percebe que essa confusão tem raízes na própria filosofia moderna, que muitas vezes privilegiou a explicação causal em detrimento da fundamentação eidética. Ao transformar o logos em physis, reduzindo-o a mecanismo, o pensamento moderno perdeu de vista a especificidade da racionalidade. O psicologismo é apenas o último estágio dessa tendência, aplicada agora à lógica.
Mas o erro é autocontraditório. O psicologista que defende sua posição já se serve de inferências lógicas que pressupõem validade universal. Ao construir seus argumentos, apela a formas silogísticas cuja legitimidade não poderia ser garantida por hábitos mentais. O uso da lógica já refuta a tese de que ela é mera psicologia. Assim, o psicologismo não apenas é falso, mas se contradiz em sua própria execução.
O ataque à silogística é também um ataque à objetividade da ciência. Pois se os raciocínios que sustentam as demonstrações matemáticas e científicas forem apenas associações mentais, não há razão para supor que suas conclusões sejam verdadeiras. Elas seriam apenas modos de pensar habituais, que poderiam mudar. A ciência, nesse modelo, perde seu estatuto de busca pela verdade, e se converte em descrição de como os homens pensam em determinado período.
Husserl insiste: a força do silogismo é ideal, não empírica. Ela se manifesta na impossibilidade de negar a conclusão sem contradizer as premissas. Esse vínculo não é psicológico, mas lógico, não é fato, mas necessidade. A validade não depende de como pensamos, mas de como os conceitos se relacionam em si mesmos. O silogismo é expressão dessa necessidade, e sua universalidade não pode ser explicada por mecanismos da mente.
Esse capítulo mostra, de modo exemplar, a insuficiência do psicologismo. Ao tentar explicar a lógica pelas leis do pensamento, ele perde de vista a essência da validade. O resultado é a dissolução da silogística, que deixa de ser fundamento universal para se tornar costume mental. A crítica husserliana mostra que essa dissolução não é esclarecimento, mas ruína.
O movimento dialético aqui é claro: a tese aristotélica concebe a silogística como lei universal do logos; a antítese psicologista a reduz a hábito mental; a síntese husserliana a restitui como estrutura ideal, independente da mente, mas acessível a ela. Assim, a fenomenologia prepara a recuperação da lógica, não como psicologia, mas como ciência pura.
O capítulo sexto, portanto, é mais que refutação: é demonstração de que a lógica, se reduzida ao psíquico, perde seu núcleo vital. A silogística, enquanto expressão formal da racionalidade, mostra que as leis do pensamento são universais e necessárias, e não meras regularidades empíricas. Preservar essa distinção é preservar a própria ideia de ciência.
Em última análise, o psicologismo revela aqui sua natureza autodestrutiva: ao tentar explicar a lógica, elimina aquilo que a distingue. Ao negar a necessidade do silogismo, nega a possibilidade de ciência. Husserl, ao contrário, afirma que a validade lógica não é produto da mente, mas condição de toda mente que busca a verdade. O logos não é hábito, mas norma ideal, e é essa norma que salva a ciência do colapso relativista.
Assim se conclui o sexto movimento: a silogística não é reflexo, mas fundamento; não é fato, mas lei. O psicologismo, ao degradá-la, mostra sua insuficiência; a fenomenologia, ao restaurá-la, abre caminho para a lógica pura como ciência das essências do pensamento.

Artigo VII – Relativismo e ceticismo: a lógica dissolvida no fluxo do subjetivo.

Ao chegar ao sétimo momento da crítica, Husserl mostra a consequência derradeira do psicologismo: o relativismo. Se as leis da lógica não são mais que regularidades da mente, então não possuem validade universal, mas apenas aplicação local, dependente da constituição psicológica dos indivíduos, povos ou épocas. O que vale para um sujeito pode não valer para outro; o que é verdadeiro hoje pode ser falso amanhã. A lógica, que deveria ser guardiã da universalidade, dissolve-se no fluxo do subjetivo, e com ela desaparece a possibilidade de ciência.
O psicologismo, ao insistir na tese de que toda lei lógica é lei mental, abre a porta para o ceticismo radical. Pois se a mente é o critério último, então nada impede que existam diferentes lógicas, tantas quantas forem as formas de consciência. Cada cultura teria seu próprio logos, cada indivíduo sua própria verdade. O princípio de não contradição, que deveria ser universal, tornar-se-ia hábito de algumas mentes, mas não necessidade em si. Assim, a diferença entre verdadeiro e falso se converte em convenção, e o absoluto da razão se fragmenta em múltiplos relativos.
Husserl percebe que essa posição não é apenas insustentável, mas autodestrutiva. Pois o próprio relativista, ao afirmar que a verdade depende da mente, já pressupõe uma validade universal: a de que sua tese vale para todos. Mas se tudo é relativo, inclusive sua afirmação, então não há razão para aceitá-la. O relativismo é contradição performativa: nega o universal enquanto o utiliza, destrói a validade enquanto a pressupõe.
O ceticismo, que surge como consequência, é igualmente contraditório. Se não há verdades universais, então nem mesmo a tese de que “não há verdades universais” pode ser afirmada como válida. O cético, ao duvidar de tudo, já se serve de princípios lógicos universais para formular sua dúvida. Ele acredita estar negando a lógica, mas apenas a confirma, pois sua negação só tem sentido à luz do princípio de não contradição. A crítica husserliana mostra que tanto o relativismo quanto o ceticismo são parasitas do universal: vivem dele enquanto o negam.
A tentação relativista, no entanto, não surge por acaso. Ela se alimenta do espírito de época, em que a ciência empírica, multiplicando descrições de culturas e psicologias diversas, gera a impressão de que toda racionalidade é local. Se há diferentes modos de pensar, conclui-se apressadamente que não existe racionalidade universal. Mas essa conclusão é salto ilegítimo: da diversidade dos fatos não se segue a diversidade das normas. A pluralidade psicológica não nega a unidade lógica.
Husserl mostra que a própria ciência comparativa, que descreve as variações culturais e psicológicas, só é possível porque se apoia em princípios lógicos universais. Comparar já exige identidade de critérios, distinguir já exige não contradição. A relativização da lógica é, portanto, autodestrutiva: pressupõe a validade que nega. Nenhum estudo empírico pode refutar a lógica, porque todo estudo empírico já depende dela para ser ciência.
Esse capítulo das Investigações Lógicas revela, assim, a dimensão política e cultural do psicologismo. Pois ao reduzir a lógica ao subjetivo, abre caminho para a anarquia do pensamento, em que cada um reivindica sua própria verdade. O resultado não é apenas erro teórico, mas dissolução da vida intelectual. Sem um logos universal, não há diálogo possível, não há comunidade de saber. Cada consciência se fecha em si mesma, e a razão se perde.
O relativismo lógico equivale a suicídio do espírito. Pois o espírito, na definição husserliana, é justamente a abertura ao universal. Reduzir a razão ao subjetivo é negar sua essência. O homem deixa de ser animal racional para ser apenas animal opinante, condenado à imanência de suas próprias representações. A ciência, nesse cenário, não passa de catálogo de crenças particulares, incapaz de aspirar ao verdadeiro.
A crítica husserliana revela que o psicologismo, ao pretender ser ciência, destrói as condições de toda ciência. Pois se não há verdade universal, também não há ciência universal. Cada psicologia produziria sua ciência, e não haveria critério para decidir entre elas. A objetividade, que é o ideal da ciência, desapareceria. O psicologismo, portanto, é mais que erro: é autodestruição do espírito científico.
Husserl insiste que a única saída é reconhecer a lógica como disciplina pura, independente da psicologia. Só assim se garante a universalidade da verdade. A mente pode variar, mas a validade não varia. As formas lógicas não são produtos da consciência, mas condições de possibilidade de toda consciência que busca a verdade. A diferença entre fato e norma, entre ser e dever-ser, é a salvaguarda da razão contra o relativismo.
Esse movimento é profundamente hegeliano. A tese psicologista afirma que a lógica depende da mente; a antítese relativista mostra que, nesse caso, não há lógica universal; a síntese husserliana consiste em afirmar a lógica pura como instância ideal, que transcende o empírico e garante a universalidade da razão. Assim, a dialética se cumpre: do subjetivo emerge o universal, não como fato, mas como essência.
O capítulo sétimo, portanto, não é apenas mais uma crítica, mas o ponto em que a consequência última do psicologismo se manifesta: a dissolução da verdade. E é nesse ponto que a refutação se torna mais urgente. Pois sem verdade, nada resta: nem ciência, nem filosofia, nem razão. A fenomenologia, ao denunciar essa consequência, não apenas refuta uma doutrina, mas defende a própria possibilidade do saber.
Em última análise, o psicologismo como relativismo cético mostra que toda tentativa de naturalizar o logos é autocontraditória. O espírito não pode ser reduzido à natureza sem perder sua essência. A lógica, como ciência pura, é a única forma de preservar a dignidade da razão contra sua dissolução. É nesse gesto que Husserl prepara a reconstrução transcendental, e é nessa crítica que se abre o espaço para a fenomenologia.

Artigo VIII – Os preconceitos psicologistas: raízes ocultas de um erro persistente.

O oitavo movimento da crítica husserliana volta-se para a análise dos preconceitos que sustentam a persistência do psicologismo. Não basta mostrar as falácias explícitas da doutrina; é preciso também desnudar as raízes ocultas que a tornam atraente e plausível. Pois o psicologismo não se impôs apenas por força de argumentos, mas porque responde a tendências profundas do espírito moderno: o fascínio pela ciência empírica, a redução do ideal ao factual e a idolatria da experiência imediata.
O primeiro preconceito identificado por Husserl é o naturalismo. Desde o triunfo das ciências naturais, tornou-se hábito intelectual reduzir todo fenômeno ao modelo das leis causais. O que não pode ser descrito em termos de causalidade é suspeito, e o que resiste à experimentação empírica é visto como metafísico. Nesse clima, a lógica, para ser respeitada, teve de se apresentar como ciência positiva, vinculada à psicologia. O preconceito naturalista, portanto, levou à convicção de que toda lei deve ser lei da natureza, e toda ciência deve ser empírica.
O segundo preconceito é a confusão entre ato e conteúdo. Muitos filósofos acreditaram que estudar a verdade era estudar o ato psíquico pelo qual a apreendemos. Esqueceram-se de que a validade de uma proposição não se confunde com o processo psicológico de sua concepção. O conteúdo ideal não depende do ato empírico. Essa confusão, porém, parece natural, pois é no ato que nos deparamos com a verdade. Mas a proximidade fenomenológica não deve ser confundida com identidade ontológica.
O terceiro preconceito é o empirismo metodológico. O século XIX, marcado pelo prestígio das ciências experimentais, alimentou a ideia de que todo conhecimento deve nascer da observação. A lógica, para não parecer metafísica, deveria então fundar-se em observações sobre como pensamos. Esse empirismo metodológico não percebe, entretanto, que a própria observação só é possível sob pressupostos lógicos universais. O que se apresenta como método rigoroso, na verdade, é círculo vicioso.
Husserl mostra que esses preconceitos se reforçam mutuamente. O naturalismo leva à busca de explicações causais para todos os fenômenos; o empirismo metodológico exige que tais explicações sejam observáveis; e a confusão entre ato e conteúdo fornece a ponte para tratar leis lógicas como descrições de processos psíquicos. O resultado é o psicologismo, não como doutrina isolada, mas como consequência inevitável de uma mentalidade dominada pelo positivismo.
O filósofo insiste que esses preconceitos não são apenas erros de argumentação, mas sintomas de um espírito de época. O psicologismo prosperou porque encontrou terreno fértil no século XIX, quando a filosofia, intimidada pelo sucesso das ciências naturais, buscava legitimar-se imitando-as. Nesse contexto, a lógica foi rebaixada à condição de ciência empírica da mente, como se apenas assim pudesse ser considerada legítima. A fraqueza filosófica cedeu ao prestígio da ciência positiva.
Mas Husserl denuncia o perigo dessa submissão. Pois, ao renunciar à sua autonomia, a filosofia perde sua dignidade. A lógica, em vez de ser ciência das essências do conhecimento, torna-se serva da psicologia. E a psicologia, por sua vez, não pode oferecer fundamento universal, pois é empírica e contingente. A filosofia, cedendo aos preconceitos, trai sua própria missão.
O psicologismo, assim, não é apenas doutrina, mas expressão de um pathos moderno: o desejo de eliminar todo transcendental em nome do empírico. O preconceito é, nesse sentido, mais profundo que o erro: é disposição do espírito, é hábito de pensar, é vício da época. A crítica husserliana, portanto, deve ir além da refutação teórica; deve atingir as raízes desse pathos, mostrando sua insuficiência.
Husserl mostra que o preconceito naturalista ignora a diferença entre leis causais e leis normativas. A causalidade descreve conexões de fatos; a lógica prescreve condições de validade. Confundir ambas é erro categorial. O preconceito empirista, por sua vez, ignora que a observação pressupõe categorias universais: identidade, diferença, relação, número. Sem essas categorias, não há experiência possível. E a confusão entre ato e conteúdo obscurece o fato de que a validade não depende do modo como pensamos, mas do que é pensado em si mesmo.
Ao revelar esses preconceitos, Husserl prepara o caminho para a lógica pura. Pois, uma vez desmascaradas as raízes do psicologismo, nada mais impede reconhecer que a lógica não é empírica, mas eidética. Os preconceitos caem, e o campo se abre para a investigação das essências, das condições universais e necessárias do conhecimento.
Esse movimento é também dialético. A tese naturalista afirma que tudo é natureza; a antítese empirista exige observação de tudo; a síntese psicologista tenta aplicar isso à lógica. Mas Husserl, ao refutar o sistema de preconceitos, revela que essa síntese é falsa, e que a verdadeira superação só pode vir com a restituição do ideal. Assim, os preconceitos, ao serem desmascarados, cumprem função pedagógica: mostram por contraste a necessidade de uma lógica pura.
O capítulo oitavo, portanto, não é mera continuação da crítica, mas investigação das causas do erro. Husserl sabe que a filosofia não se move apenas por argumentos, mas por hábitos de pensamento. Libertar-se do psicologismo é libertar-se de um espírito de época que reduziu o ideal ao empírico. A crítica, aqui, é também purificação da consciência filosófica.
Em última análise, os preconceitos psicologistas revelam o perigo sempre presente de confundir o normativo com o factual, a essência com o fenômeno, o logos com a physis. Desmascará-los é proteger a filosofia contra sua própria degeneração. Husserl, ao fazê-lo, não apenas refuta uma doutrina, mas convoca a filosofia a recuperar sua missão original: investigar as condições universais da verdade.
Assim se conclui o oitavo movimento: o psicologismo não se sustenta em argumentos sólidos, mas em preconceitos enraizados no espírito moderno. Refutá-lo é mais que vencer uma disputa: é libertar a razão de ilusões que a aprisionam. E é nesse gesto que se prepara a virada positiva para a lógica pura.

Artigo IX – A economia do pensar: utilitarismo travestido de fundamento lógico.

O nono capítulo das Investigações Lógicas introduz um alvo peculiar da crítica husserliana: o chamado “princípio da economia do pensar”, defendido por Mach, Avenarius e outros representantes do empirismo radical. A ideia central desse princípio é sedutora em sua simplicidade: a lógica não seria ciência das leis universais do verdadeiro, mas técnica de simplificação, um método de economia intelectual. Pensar corretamente equivaleria a pensar com o mínimo de esforço possível, a obter o máximo de resultado com o mínimo de dispêndio. A verdade, nessa perspectiva, deixa de ser questão de validade e se torna questão de utilidade.
À primeira vista, o princípio parece inofensivo, até mesmo pragmático: não é evidente que devemos preferir os caminhos mais curtos, as inferências mais simples, os métodos mais econômicos? A própria ciência, em sua prática, valoriza a parcimônia de hipóteses e a elegância de demonstrações. Mas o problema está em confundir critério metodológico com fundamento lógico. A economia do pensar pode ser uma regra útil, mas não pode substituir as leis universais do logos. Tomar o útil pelo verdadeiro é erro de essência.
Husserl mostra que esse princípio, se elevado a fundamento, rebaixa a lógica a mera técnica de cálculo mental. O raciocínio correto não seria aquele que respeita normas universais, mas aquele que atinge resultados práticos com menor esforço. A validade seria dissolvida em eficiência. Mas o que garante que o mais simples seja o verdadeiro? A história da ciência mostra inúmeros exemplos em que hipóteses elegantes se revelaram falsas, enquanto teorias mais complexas se mostraram corretas. A simplicidade pode ser desejável, mas não é critério de verdade.
O princípio da economia, quando absolutizado, converte a lógica em utilitarismo cognitivo. O pensar deixa de ser busca do verdadeiro e se torna busca do útil. Mas útil para quem? Para o sujeito que pensa, em sua economia de esforço. A lógica, nesse modelo, é relativizada ao interesse do indivíduo. O que deve ser universal e necessário, torna-se particular e contingente. A consequência é a mesma do psicologismo: dissolução da objetividade.
Husserl reconhece que há um momento legítimo nesse princípio: de fato, a ciência busca métodos mais econômicos, e isso faz parte de sua racionalidade prática. Mas essa busca só é possível porque existem leis lógicas universais que garantem a validade dos raciocínios. A economia é derivada, não fundamental; é aplicação, não princípio. Sem o fundamento ideal, a economia se reduz a mera preferência subjetiva.
O erro dos defensores desse princípio está em confundir meios e fins. A economia é meio para facilitar o pensamento; a verdade é o fim. Ao inverter essa relação, transformam a lógica em técnica de cálculo, esquecendo que o cálculo só é válido porque se apoia em leis lógicas universais. A verdade não é o mais fácil de pensar, mas o que se impõe como necessário, ainda que custe esforço.
Husserl também critica a tentação cientificista que alimenta esse princípio. Num século fascinado pela eficiência e pela utilidade, era natural que se buscasse um critério de verdade compatível com tais valores. A economia do pensar é, assim, reflexo de um espírito utilitarista mais amplo, que reduz todo valor ao útil. A crítica husserliana, porém, mostra que o verdadeiro não pode ser medido por critérios de utilidade. A verdade é valor absoluto, não instrumental.
Esse capítulo mostra com clareza o perigo de confundir método com fundamento. O método pode ser econômico, mas o fundamento deve ser universal. Reduzir um ao outro é mutilar a essência da lógica. A economia pode ser boa regra prática, mas não pode explicar por que uma proposição é verdadeira. A validade é independente do esforço cognitivo. O que é contraditório continua sendo falso, mesmo que seja mais fácil de pensar; o que é necessário continua sendo verdadeiro, mesmo que exija esforço extremo.
Husserl, nesse ponto, revela sua afinidade com a tradição clássica: o logos não é utilidade, mas universalidade. O pensamento não se justifica por sua economia, mas por sua conformidade ao ser. A lógica pura não investiga o mais fácil de pensar, mas o que é necessário. O princípio da economia, se tomado em excesso, não apenas falha, mas destrói a ideia de verdade.
O movimento dialético aqui é claro: a tese utilitarista afirma que o pensar correto é o pensar econômico; a antítese crítica mostra que a economia é contingente e não garante a verdade; a síntese consiste em reconhecer a economia como regra derivada, útil na prática, mas fundamentada na lógica pura. Assim, a economia encontra seu lugar, não como princípio supremo, mas como aplicação de leis universais.
Husserl conclui que a lógica não pode ser confundida com arte de simplificação. Sua essência é investigar as condições ideais da verdade, não as técnicas de cálculo. O princípio da economia, quando absolutizado, é apenas mais uma tentativa de reduzir o ideal ao empírico, a verdade ao útil. Sua crítica, portanto, é parte da purificação necessária que prepara a afirmação da lógica pura.
O capítulo nono revela, assim, a persistência do erro: mesmo quando abandona o psicologismo estrito, o pensamento moderno busca ainda naturalizar ou instrumentalizar a lógica. Mas Husserl mostra que nenhuma dessas tentativas é suficiente. Só a lógica pura, independente de interesses empíricos, pode garantir a universalidade do verdadeiro.
Em última análise, o princípio da economia do pensar é máscara do relativismo. Sob a aparência de método rigoroso, esconde a renúncia ao universal. Husserl, ao desmascará-lo, reafirma que o logos não é função da mente nem instrumento da utilidade, mas expressão da essência da verdade. E é nesse gesto que a filosofia recupera sua missão de fundamentar o conhecimento em sua pureza.
Assim se conclui o nono movimento: a lógica não é economia, mas universalidade; não é cálculo, mas ciência das essências. A economia pode orientar, mas não pode fundamentar. A verdade exige mais que simplicidade: exige necessidade. E é a esta necessidade que a lógica pura será dedicada.

Artigo X – Síntese crítica: a depuração necessária da tradição.

O décimo movimento das Investigações Lógicas ergue-se como momento de recapitulação e fechamento da crítica. Depois de percorrer as múltiplas formas do psicologismo, suas derivações empiristas, suas aplicações deformadas aos princípios e à silogística, e até sua versão utilitarista sob a bandeira da economia do pensar, Husserl reúne agora os fios da argumentação para mostrar que todo esse percurso, em sua diversidade aparente, converge para uma conclusão única: o psicologismo é incapaz de fundar a lógica, e, mais ainda, ameaça dissolver a própria ideia de ciência.
Essa conclusão não é resultado de um golpe isolado, mas de uma depuração paciente. Husserl não se limitou a refutar genericamente a doutrina; examinou suas raízes, desmascarou seus preconceitos, levou cada uma de suas versões às últimas consequências e mostrou sua autodestruição. A crítica é, portanto, não apenas negativa, mas purificadora: elimina o que impede a filosofia de cumprir sua tarefa, preparando o terreno para o novo começo que virá com a lógica pura.
A síntese husserliana mostra que, em cada versão do psicologismo, repete-se a mesma falha fundamental: a confusão entre fato e validade, entre ser e dever-ser, entre empírico e ideal. O psicologismo reduz o logos ao psíquico, mas ao fazê-lo dissolve o universal no particular, a necessidade na contingência, a objetividade na subjetividade. Toda vez que essa redução é tentada, emerge a mesma consequência: relativismo, ceticismo, autocontradição.
Husserl insiste que a distinção entre leis da natureza e leis da lógica é essencial. As primeiras descrevem causalidades empíricas; as segundas prescrevem condições universais de validade. Misturar ambas é cometer erro categorial. Por isso, nenhuma psicologia, por mais avançada que seja, pode fundamentar a lógica. A psicologia é empírica, enquanto a lógica é eidética. A psicologia descreve como pensamos; a lógica investiga como devemos pensar para alcançar a verdade.
O capítulo décimo funciona, assim, como tribunal. O psicologismo é julgado não apenas por suas falhas pontuais, mas pelo conjunto de suas consequências. A sentença é clara: ele é culpado de relativismo e incapacidade de fundar a ciência. Sua aparência de rigor, apoiada no prestígio da ciência empírica, não resiste à análise. Por trás da máscara, revela-se vazio. A filosofia, se quiser salvar a racionalidade, deve libertar-se desse erro.
Esse fechamento crítico também cumpre função pedagógica. Ao percorrer cada versão do psicologismo, Husserl ensina a consciência filosófica a distinguir níveis de realidade, a não confundir o empírico com o ideal, a não reduzir o normativo ao factual. A crítica é, assim, exercício de purificação do pensamento, preparação para o olhar fenomenológico que virá. Pois só uma consciência purificada pode alcançar as essências.
Mas a conclusão não é apenas negativa. Husserl afirma, de modo positivo, que a lógica precisa ser reconstruída como ciência pura. O que foi destruído não é a lógica em si, mas sua interpretação psicologista. A lógica permanece, mas deve ser compreendida de modo novo: não como psicologia, nem como técnica, nem como economia, mas como investigação eidética da validade. Esse movimento marca a passagem da crítica à fundação.
O caráter hegeliano desse processo é evidente. A tese psicologista pretendia fundar a lógica na mente; a antítese crítica mostrou que isso a dissolvia em relativismo e ceticismo; a síntese agora consiste em conceber a lógica como ciência pura, independente do empírico, mas fundamento de toda ciência. Assim, o negativo não é fim em si, mas momento de superação: ao destruir o falso, prepara-se o terreno para o verdadeiro.
O décimo capítulo mostra, portanto, a necessidade da depuração. Sem ela, a lógica permaneceria contaminada pelos preconceitos de época, submissa ao naturalismo, ao empirismo e ao utilitarismo. Só ao purificar-se dessas ilusões é que pode recuperar sua dignidade. A crítica é, nesse sentido, gesto de libertação: a razão se liberta de suas próprias ilusões, reencontra sua essência e se prepara para a tarefa maior.
Husserl, ao concluir as observações críticas, não apenas declara a insuficiência do psicologismo, mas afirma a urgência de um novo caminho. A filosofia não pode permanecer em refutações, mas deve avançar para construção. O negativo não basta; é preciso o positivo. O capítulo décimo, ao encerrar a crítica, abre a porta para o capítulo seguinte, onde se delineará a ideia de lógica pura.
Esse momento é decisivo porque mostra a transição. A crítica foi necessária, mas não suficiente. Ela cumpriu sua função, mas agora deve ceder espaço à fundação. A filosofia não pode contentar-se em destruir ilusões; deve edificar sobre o terreno purificado. A lógica pura, como veremos, será essa edificação.
Assim, o capítulo décimo representa o ápice da crítica e o limiar da fundação. Ele sintetiza os resultados negativos, elimina os preconceitos, demonstra a falência do psicologismo e convoca a razão a reencontrar sua autonomia. A lógica não pode ser psicologia disfarçada; deve ser ciência das essências. É essa convicção que emerge da depuração, e é essa convicção que guiará o passo final.
O espírito do capítulo é, portanto, duplo: destrutivo e construtivo. Destrói o psicologismo, mas constrói a consciência da necessidade de uma lógica pura. É o momento em que a filosofia, tendo passado pelo fogo da crítica, está pronta para renascer. E é nesse renascimento que Husserl vislumbra a possibilidade de uma ciência rigorosa, que finalmente faça jus ao ideal de universalidade.
Em última análise, o décimo movimento mostra que a crítica não é fim em si, mas meio de libertação. A filosofia só avança quando purifica suas ilusões, e só se funda quando supera seus erros. Husserl, ao concluir a refutação do psicologismo, não apenas encerra uma disputa, mas inaugura um novo horizonte: a lógica pura como ciência fundamental.
Assim se conclui a depuração: o falso foi desfeito, o terreno foi limpo, o espírito foi preparado. O próximo passo será a fundação positiva. E é nesse passo que se revela a grandeza do projeto husserliano: a construção de uma lógica que não seja psicologia, mas filosofia rigorosa, não seja empírica, mas eidética, não seja relativa, mas universal.

Artigo XI – A ideia de lógica pura: horizonte ideal do conhecimento.

O décimo primeiro e último movimento dos Prolegômenos se ergue como o coroamento de toda a crítica anterior: depois de demolir o psicologismo em suas múltiplas faces, depois de mostrar as consequências empiristas, relativistas e utilitaristas que dele decorrem, Husserl traça agora a forma positiva da ciência que deve substituir tais equívocos. É aqui que aparece, pela primeira vez em sua inteireza, a noção de lógica pura: não mais técnica, nem psicologia disfarçada, mas ciência eidética, fundada no ser ideal das significações e das leis do verdadeiro.
A lógica pura é concebida como disciplina teorética suprema, anterior a qualquer aplicação normativa. Sua tarefa não é dizer ao homem como pensar para obter sucesso prático, mas investigar as condições universais de possibilidade do conhecimento em si. Trata-se de ciência que não descreve fatos mentais nem induz leis empíricas; trata-se de investigação das estruturas ideais que tornam possível o pensar correto e o conhecer verdadeiro. Assim, a lógica pura não é auxiliar das ciências, mas fundamento delas.
Husserl insiste que esta ciência deve ser distinguida tanto da psicologia quanto da metafísica. Não é psicologia, porque não trata de processos psíquicos, mas de formas ideais independentes da experiência. Não é metafísica, porque não busca descrever o ser em sua totalidade, mas apenas o horizonte formal que possibilita qualquer ciência do ser. A lógica pura é ciência formal, eidética, que investiga conceitos como proposição, juízo, verdade, inferência, identidade, número, espaço, tempo, em sua pureza, sem reduzi-los a fatos.
A universalidade da lógica pura se manifesta na independência de qualquer sujeito empírico. Mesmo que não houvesse homens, os princípios lógicos permaneceriam válidos. A mente humana não cria a verdade, apenas a descobre. A validade lógica é supra-histórica, supra-empírica, necessária em si. Essa transcendência é o que confere à lógica sua dignidade e a distingue de qualquer ciência de fatos.
No entanto, Husserl não reduz essa disciplina ao formalismo vazio. A lógica pura não é apenas catálogo de leis abstratas, mas investigação viva do sentido que torna o conhecimento possível. Ela não se limita a enunciar axiomas, mas busca compreender como tais axiomas são condição para a evidência. É por isso que a lógica pura abre o caminho para a fenomenologia: porque, ao investigar as essências da validade, aproxima-se do exame da consciência enquanto portadora de sentido.
A lógica pura é, portanto, ciência transcendental em embrião. Ela não fala do ser empírico, mas da essência do conhecer. Seu objeto não é a natureza, mas o logos. Sua função não é descrever fatos, mas esclarecer condições. Nesse sentido, Husserl a apresenta como doutrina universal da ciência: não ciência entre outras, mas ciência que torna todas as outras possíveis, porque investiga o que toda ciência já pressupõe.
Esse horizonte ideal recolhe, em forma positiva, todas as negativas anteriores. Contra o psicologismo, afirma a independência do ideal em relação ao psíquico. Contra o empirismo, afirma a necessidade da validade. Contra o relativismo, afirma a universalidade da verdade. Contra o utilitarismo, afirma o valor absoluto do logos. Assim, a lógica pura aparece como síntese superior, que supera os erros sem negar os elementos legítimos de cada posição.
Husserl descreve essa lógica como ciência rigorosa, que exige método próprio. Ela não pode ser construída por indução, mas por intuição eidética: apreensão das essências em sua necessidade. Esse método, ainda apenas esboçado nos Prolegômenos, será o que mais tarde se desenvolverá na fenomenologia. A lógica pura é, assim, o prenúncio do projeto maior de Husserl: fundar a filosofia como ciência rigorosa.
O caráter hegeliano dessa culminação é evidente. A tese psicologista reduzia a lógica ao psíquico; a antítese crítica mostrou sua dissolução em relativismo; a síntese agora se apresenta como lógica pura, ciência eidética que reconcilia sujeito e objeto no horizonte da validade. O negativo não foi inútil: foi necessário para purificar o campo e permitir a emergência do positivo. A lógica pura é, portanto, a Aufhebung que integra e supera os momentos anteriores.
Esse capítulo final mostra que a crítica não era fim em si, mas preparação. O verdadeiro objetivo sempre foi a fundação positiva. A fenomenologia ainda não está plenamente formulada, mas seu espírito já aparece: a exigência de voltar às coisas mesmas, às essências, sem reduzi-las a fatos. A lógica pura é o primeiro passo desse retorno.
Husserl encerra, assim, os Prolegômenos com a imagem de uma ciência que não é auxiliar, mas soberana, não é empírica, mas eidética, não é relativa, mas universal. Uma ciência que restitui à filosofia sua dignidade e à razão sua autonomia. A lógica pura é o horizonte ideal do conhecimento, a chave oculta que sustenta toda busca pela verdade.
Em última análise, o décimo primeiro movimento é o momento da virada. A filosofia, tendo atravessado a noite da crítica, encontra agora a aurora de uma ciência nova. A lógica pura não é apenas disciplina, mas promessa: promessa de uma razão reconciliada consigo mesma, de uma ciência rigorosa que resista ao ceticismo, ao relativismo e ao naturalismo. É a promessa da fenomenologia, que nascerá dessa semente.
Assim se conclui o percurso dos Prolegômenos: da denúncia do psicologismo à fundação da lógica pura, da crítica negativa à afirmação positiva, da confusão do empírico ao reconhecimento do ideal. Husserl, nesse movimento, não apenas refuta um erro, mas inaugura um novo caminho, no qual a razão, liberta de preconceitos, pode finalmente se tornar senhora de si mesma.

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