quarta-feira, 10 de setembro de 2025

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Sempre tentaram me convencer de que aquilo que sou é um problema. Disseram que amar muitas coisas ao mesmo tempo é sinal de doença, que me interessar por mil caminhos, por possibilidades diversas, era prova de incapacidade. Inventaram nomes, rótulos, diagnósticos. Um dia era TDAH, no outro era autismo, e no outro talvez uma mistura indecifrável. Mas quanto mais falavam, mais eu percebia que nada do que diziam fazia sentido. O que chamavam de transtorno não passava da minha forma de viver, do meu jeito de me abrir para o mundo.
Não é que eu não saiba escolher, é que eu vejo sentido em tantas escolhas. Não é que eu não consiga me concentrar, é que eu não aceito reduzir a vida a uma única linha reta. Para eles, isso é fraqueza; para mim, é sinal de abundância. Por que deveria crer que gostar de mil coisas ao mesmo tempo é injúria contra mim mesmo? Ao contrário: é justamente porque amo muitas coisas que ainda sinto o coração vivo. É porque me deixo afetar pelo diverso que não endureci, que não me tornei um autômato obediente ao manual do normal.
O rótulo que querem me colar na pele não passa de uma caricatura. Querem transformar em estatística aquilo que só pode ser compreendido como vida. Querem me fazer crer que minha multiplicidade é falha, quando no fundo é força. Eu mesmo já quase acreditei, já quase me deixei aprisionar pelo discurso dos especialistas. Mas então percebi: não sou uma doença, sou um homem. E um homem não se mede pelo número de interesses que carrega, mas pelo eixo que os ordena, pela unidade invisível que dá forma a tudo.
Posso ser disperso aos olhos deles, mas no fundo eu sei que há algo em mim que une todas essas vozes, todos esses desejos. Posso parecer desorganizado, mas a ordem que busco não é a das planilhas, e sim a do coração. E sei que essa ordem, mesmo quando ainda me escapa, não é impossível: ela já se esconde na caridade, na vontade de não me perder apenas em mim, mas de me doar também ao outro. A multiplicidade que eles chamam de loucura é justamente o que me torna capaz de enxergar o mundo com mais compaixão.
Por isso rejeito os rótulos. Não porque me acho perfeito, mas porque entendi que o que sou não cabe em diagnósticos. A vida não é uma doença. Se há algo a ser curado em mim, não é a multiplicidade, mas a falta de hierarquia. E isso não se resolve com comprimidos nem com manuais, mas com a lenta construção de uma unidade interior. Se eu conseguir ordenar tudo o que amo em torno de um centro, mesmo que ame mil coisas, estarei mais próximo da verdade do que aqueles que se julgam normais e vivem fechados em si mesmos.
E assim sigo, com minhas mil faces de desejo, não como louco, mas como alguém que aprendeu a enxergar que o rótulo que tentaram me impor não faz sentido. Posso ser imperfeito, mas sou inteiro. E é essa inteireza, mesmo atravessada por contradições, que me faz mais vivo do que qualquer estatística.
(Sophión)

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