A gravidade é o fio invisível que costura o universo, mantendo os corpos celestes em uma dança constante de aproximações e afastamentos. O mesmo se dá com a mímesis no domínio humano: uma força de atração e repulsão que, se por um lado, une consciências em comunidade, por outro, promove a diferenciação necessária para que surja o indivíduo. Não há sociedade sem mímesis, assim como não há cosmos sem gravidade. O erro da modernidade foi acreditar que o homem se emancipa apenas quando rompe com essa lei universal, esquecendo que ele só se torna humano por imitá-la.
A criança que aprende a falar não inventa a língua; imita. O jovem que se apaixona não cria o desejo do nada; imita. A massa que se agita em uma manifestação não produz espontaneamente seu clamor; imita. Tudo é mímesis, como tudo é gravidade. Mas a modernidade, presa a seus dualismos cartesianos, prefere acreditar em sujeitos isolados, autoconscientes, eretos como planetas que se sustentariam no vazio sem a força que os prende à órbita.
Jean-Michel Oughourlian, ao seguir os rastros de René Girard, tenta restaurar a grande lei perdida. Ele propõe que o desejo humano obedece a uma regularidade comparável à da física: há uma universalidade do mimetismo que atravessa não apenas a economia do amor ou da política, mas também os fenômenos tidos como excêntricos — a bruxaria, a histeria, a possessão. É nesses extremos que a mímesis revela seu núcleo mais cru, assim como nas regiões de alta gravidade a matéria mostra sua verdadeira natureza.
Imagine uma praça lotada. Basta que um homem aponte para o céu e todos, em segundos, repitam o gesto. Não há prova mais clara da lei mimética. Não se trata de ver o que há no céu, mas de desejar ver porque o outro viu. A mímesis cria a realidade, fabrica o objeto do desejo, sustenta a coesão social. A gravidade não pergunta ao planeta se ele deseja orbitar; ele orbita. Assim também a consciência não pergunta se quer desejar; ela deseja.
O drama está na possibilidade de excesso. Um planeta pode ser sugado por uma estrela e consumido em fogo. Um homem pode ser tragado pelo desejo do outro e perder a si mesmo. Nas clínicas que Oughourlian examina, o que se vê é o colapso do eu sob o peso da mímesis desgovernada: a moça que crê estar possuída não inventa o demônio, ela imita a imagem que a comunidade espera; o histérico que convulsiona em público não simula por vaidade, mas encarna o desejo coletivo que o atravessa.
É por isso que o autor recorre a casos de magia, feitiçaria, exorcismo. Neles, o que se vê não é uma irracionalidade primitiva, mas o funcionamento universal da mímesis em sua forma mais espetacular. O feiticeiro não tem poder algum em si; ele manipula a rede mimética que o cerca. Se todos acreditam em sua maldição, ela age com a mesma eficácia de um campo gravitacional. A ciência positivista, que desprezou tais fenômenos, mostrou apenas sua cegueira.
A analogia com a gravitação serve para expor essa cegueira. Newton não precisava compreender a natureza íntima da gravidade para reconhecer seu efeito. Bastava-lhe medir, calcular, prever. Por que a psicologia se recusa a fazer o mesmo com a mímesis? Porque admitir sua universalidade desmonta a ilusão de liberdade absoluta que sustenta o projeto moderno. Se desejo é imitação, não existe um eu soberano, mas um eu atravessado pelo outro.
O que se chama de autonomia é, na verdade, uma órbita. O planeta não deixa de ser planeta porque está preso ao sol; é justamente sua órbita que lhe confere identidade. O homem não deixa de ser sujeito porque imita; é justamente a imitação que lhe permite individuar-se. O paradoxo é que a liberdade só é possível dentro da mímesis, assim como o movimento só é possível dentro da gravidade. A tentativa de escapar dela conduz à desintegração.
Olhemos para a política. O eleitor que se diz livre é, na maior parte do tempo, um satélite que repete o desejo mediado pelo líder, pelo partido, pela propaganda. Um slogan lançado em rede nacional tem a mesma força de um corpo maciço que distorce o espaço social, atraindo consciências em direção a si. A crítica de Girard e Oughourlian não é apenas clínica, mas social: as massas são governadas por leis miméticas tão inexoráveis quanto as leis celestes.
O mesmo vale para o mercado. A moda, os investimentos, os ciclos de consumo são órbitas de desejo. Quando um ativo sobe, todos correm para comprá-lo, não por conhecer seu valor intrínseco, mas porque o outro comprou. É o mimetismo que infla bolhas, e é o mimetismo que as estoura. A economia, em última instância, é uma mecânica celeste de desejos, onde os choques não são de partículas, mas de aspirações.
Na esfera íntima, a lei não é diferente. Dois amigos disputando o amor de uma mesma mulher não a desejam porque ela é única, mas porque ela é mediada pelo outro. O rival dá consistência ao objeto do desejo, assim como a gravidade dá consistência à massa. Sem o rival, a mulher talvez fosse invisível; com ele, torna-se o centro de gravidade em torno do qual as consciências se movem.
A literatura já intuía isso. Machado de Assis, com sua ironia, mostrou inúmeras vezes que os amores e ambições de seus personagens não nasciam do nada, mas da comparação constante com os outros. Brás Cubas não queria apenas possuir; queria possuir o que o outro queria. É a mímesis que dá a medida da vaidade, é ela que sustenta o ciúme, a inveja, a glória.
No entanto, a ciência oficial preferiu o modelo cartesiano: separar o corpo da mente, o natural do humano, a física da psicologia. O resultado foi uma mutilação. Enquanto a física progredia com suas leis universais, as ciências humanas permaneciam fragmentadas, incapazes de prever ou unificar. Oughourlian ousa sugerir que a chave para essa integração está justamente na lei do desejo mimético.
Isso explica sua atenção às manifestações ditas irracionais. Nelas, a força mimética se apresenta em excesso, como uma gravidade colossal que curva todo o espaço ao redor. A possessão é um buraco negro da consciência: o sujeito desaparece, e só resta a voz do desejo coletivo. A histeria é uma explosão solar: energia que se irradia para todos os lados, contagiando aqueles que assistem.
Não é à toa que exorcismos funcionam. O sacerdote não expulsa um ser real, mas reorganiza a rede mimética. Ele reposiciona o desejo coletivo em direção a outra órbita, desfazendo o colapso. A eficácia não está na fórmula litúrgica em si, mas na reconfiguração do campo de atração. A mesma lógica se aplica às curas milagrosas: o desejo unificado da comunidade se converte em força terapêutica.
É evidente que essa leitura abala a confiança da modernidade em seu racionalismo. Pois se a mímesis é lei universal, a razão não reina sozinha; ela é uma órbita entre outras. O eu cartesiano, isolado e transparente a si mesmo, não passa de uma ficção. Somos planetas puxados por sóis que desconhecemos, satélites girando em torno de desejos alheios. A liberdade, nesse quadro, é apenas a habilidade de manobrar dentro de um campo já dado.
Mas não se trata de niilismo. Pelo contrário, reconhecer a mímesis é reconhecer a ordem que sustenta a vida social. Sem ela, não haveria cultura, não haveria linguagem, não haveria religião. A crise só começa quando se ignora essa ordem e se finge uma autonomia impossível. O indivíduo que nega a mímesis cai na mesma ilusão do planeta que se acreditasse capaz de sair da gravidade por vontade própria.
Essa ilusão, hoje, encontra seu palco perfeito nas redes sociais. O “influencer” é o sol em torno do qual giram milhares de consciências. O “trend” é uma órbita mimética que arrasta multidões. O sujeito acredita estar se expressando, quando na verdade apenas repete, com pequenas variações, aquilo que já foi mediado. A cópia é o motor da viralização, e o viral nada mais é do que uma epidemia de desejo.
A própria política digital não escapa. As fake news não se sustentam pela veracidade, mas pela repetição mimética. O que importa não é a prova, mas o contágio. Se todos compartilham, então deve ser verdade. Assim, a mímesis não apenas estrutura a coesão social, mas também revela sua vulnerabilidade. A mesma força que mantém a ordem pode gerar o caos.
Esse duplo aspecto é essencial. A gravidade que mantém os planetas em órbita é a mesma que pode esmagá-los em colisões. A mímesis que sustenta a amizade é a mesma que pode convertê-la em rivalidade. O desejo é criador e destruidor ao mesmo tempo, e é justamente nessa ambivalência que reside sua potência universal.
A fenomenologia proposta por Oughourlian não é, portanto, mera especulação. É uma tentativa de elevar as ciências humanas à dignidade das ciências naturais. O que Newton fez com a queda da maçã, ele faz com o desejo. O que a modernidade negou por superstição racionalista, ele recoloca no centro. Magia, feitiçaria, histeria não são absurdos, mas sintomas da lei universal do mimetismo.
É compreensível que tal projeto encontre resistência. Admiti-lo seria renunciar à ilusão de que o homem é o mestre de si mesmo. Seria reconhecer que a liberdade é um produto secundário, não o fundamento. Seria aceitar que o desejo nunca é puro, mas sempre mediado. A modernidade prefere sua ficção confortável.
Mas o preço dessa recusa é alto. Sem reconhecer a mímesis, as sociedades ficam presas em ciclos de violência. O mecanismo sacrificial descrito por Girard mostra isso: quando o desejo mimético explode em rivalidade generalizada, a comunidade precisa eleger uma vítima expiatória para restaurar a ordem. É o bode expiatório que salva, mas é também ele que denuncia a mentira.
Se a mímesis fosse aceita como lei, talvez fosse possível prevenir tais crises. Talvez se pudesse educar para reconhecer o desejo no outro e não cair na armadilha da rivalidade. Talvez se pudesse construir uma psicologia menos ingênua e uma política menos manipulável. Mas isso exigiria coragem intelectual, e coragem é virtude rara.
A ironia é que, mesmo negada, a mímesis continua operando. O cientista que despreza a imitação é ele próprio um imitador, repetindo o desejo de sua comunidade acadêmica. O filósofo que proclama a autonomia do eu está apenas ecoando uma moda intelectual. Não há escapatória: desejar é imitar, e imitar é desejar.
Ao trazer esse debate, Oughourlian não apenas ilumina os bastidores da psique, mas toca o nervo da modernidade. Ele mostra que a soberania do sujeito é uma ilusão tão frágil quanto a crença medieval nos demônios. E talvez mais perigosa, porque impede a ciência de reconhecer suas próprias condições.
O passo seguinte seria dotar essa lei de uma formulação matemática, capaz de prever comportamentos sociais com a mesma precisão com que a física prevê eclipses. Estamos longe disso, mas o princípio já está lançado. O desejo é a gravidade das ciências humanas, e negar isso é viver na sombra de uma mentira reconfortante.
Assim, a mímesis se revela como a força que sustenta a coesão social e, ao mesmo tempo, possibilita a individuação. Sem ela, não haveria nem comunidade nem sujeito. O desejo é a órbita invisível em que se move a consciência. A liberdade, longe de ser uma ruptura, é apenas a arte de dançar dentro dessa órbita. E talvez toda a tragédia humana consista em esquecer essa lei.
No fundo, somos todos planetas errantes, puxados por gravidades que fingimos não ver, orbitando desejos que não escolhemos, mas que nos constituem. A ciência moderna quis abolir essa verdade, mas ela retorna como fantasma nos casos clínicos, nas epidemias sociais, nas paixões políticas. E, como toda lei universal, continuará operando, quer a reconheçamos ou não.
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