segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Notas de Segunda - 22 de Setembro de 2025.

Dizem que a vingança é um prato que se come frio, e talvez seja porque só pode acontecer depois que o calor da hora se dissipa. Não é no grito de “te pego lá fora” que a vingança se cumpre, mas quando o tempo, paciente, prepara o terreno para que aquele acerto se concretize. No Brasil, de todas as voltas que a história deu, acredito que o fim do regime militar foi o marco que trouxe o enredo que agora presenciamos. E por quê? Porque a promessa de revanche sempre esteve à espreita, guardada na memória de quem, derrotado, jurou cobrar mais tarde.
A anistia de 1979 abriu a porta para um ciclo paradoxal: prometia reconciliação, mas, ao mesmo tempo, oferecia munição ao ressentimento. O país acreditava que dali viria a justiça histórica, uma chance de conquistar o que sempre se anunciou como direito, mas que nunca chegou a ser realidade palpável. Os comunistas e seus aliados, que haviam sido encurralados, choraram o fim de seu projeto como crianças privadas de um brinquedo, clamando socorro de todos os lados. E o socorro veio, não apenas nos braços de uma história reescrita, mas no teatro em que se trocaram os papéis: de derrotados a vítimas heroicas.
Não há pudor nisso. Eles mesmos se empenharam em embelezar a narrativa, reduzindo a tragédia e aumentando o drama, construindo uma epopeia de luta contra monstros titânicos, quando o que havia era uma disputa de poder em solo instável. Meu ponto é outro: mostrar que o rancor se plantou ali e germinou por décadas. A vingança não é contra um exército, pois dele ainda dependemos para existir como nação. É contra a imagem — a memória das famílias, dos cidadãos que um dia clamaram pelo fim do comunismo, que lotaram as ruas e deram sustentação ao regime militar.
São esses, todos que não partilham da mesma cartilha ideológica, que se tornaram alvos da vingança cultivada ao longo do tempo. A perseguição não se dirige ao passado em si, mas ao símbolo dele, projetado no presente. Décadas depois, as “eternas vítimas” ocupam o centro da cena como algozes, e o Brasil inteiro paga o preço de uma promessa feita em silêncio: a promessa de que um dia haveria acerto de contas.
Recordo-me de um episódio que parece condensar esse espírito. Caminhava um homem comum, desses transeuntes da vida, alguém que parecia esperar uma missão que nunca chegava e, nesse intervalo, se consumia em sua própria dúvida. Ao atravessar uma das largas avenidas da cidade em que morava, ouviu atrás de si uma voz aflita, de uma moça de vinte e poucos anos que gritava:
— Espera! Espera!
Ao voltar-se, deparou-se com ela, ofegante:
— Olá! Sou do sindicato. O senhor esqueceu de assinar o abaixo-assinado.
— Não vou assinar — respondeu o homem. E acrescentou: — Vocês querem que eu concorde em trabalhar apenas dois dias por semana, alegando que há muitos desempregados que precisam de oportunidade. Mas a verdade é que 80% da população já vive de auxílio, porque a ganância da titania que nos governa nunca está satisfeita.
A moça, firme, retrucou:
— Senhor, é a regra. Todo trabalhador de empresa siderúrgica deve apoiar a causa.
Ele a olhou com gravidade e devolveu:
— Moça, percebe que o mundo continua? Que as coisas seguem sendo negociadas, restaurantes abrem, Copas do Mundo de futebol são disputadas, canais de televisão são assistidos?
— Sim — respondeu ela, hesitante.
— Então sabe, no fundo, o que nos foi tirado.
Esse diálogo, singelo e tenso, mostra o quanto a luta deixou de ser apenas sobre trabalho ou política e tornou-se uma questão de identidade, de submissão ou resistência. Não se trata mais de assinar ou não um papel, mas de reconhecer o que foi roubado de nós, enquanto o espetáculo da normalidade se mantém para encobrir o saque mais profundo: o da liberdade.
E é aqui que entro no ponto central. Costuma-se falar em direita no Brasil, mas sempre que esse assunto surge, noto que se esquecem de alguns detalhes fundamentais. O primeiro deles é simples e, ao mesmo tempo, desconcertante: não existe direita no Brasil. O que de fato existe é um viés de esquerda que se estende por todas as esferas sociais. Na própria estrutura do Estado, encontramos não um corpo conservador, mas a velha herança positivista, tão bem estampada em nosso símbolo maior, a bandeira, que ostenta sem pudor o lema "Ordem e Progresso".
Dizer, portanto, que há direita em nosso país é não compreender o que realmente se passa na dimensão política. Temos, na engrenagem estatal, a ordem tecnocrática e fria do positivismo; temos, no tecido cultural e no extrato social, da camada mais alta à mais baixa, a penetração constante do socialismo. Essa combinação molda, silenciosa e profundamente, o modo como o Brasil pensa, age e organiza-se.
De conservadorismo, resta-nos apenas a lembrança: fragmentos guardados na memória dos mais antigos, ecos de um passado que já não consegue se fazer presente nas instituições nem nas práticas. A direita, como corpo organizado e estruturado, simplesmente não existe. E é justamente por isso que não há uma força capaz de confrontar, de maneira firme e articulada, nem a máquina estatal positivista nem a hegemonia cultural socialista. O país permanece preso a esse duplo eixo, sem encontrar uma via que lhe devolva a espinha dorsal que perdeu.

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