sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Nota de Sexta (espaço para um obra - em construção)

Vejo-me diante do enigma da fé como quem observa um espelho turvo, no qual a imagem não se oferece de imediato, mas insinua-se em fragmentos. Sempre me pareceu que a confiança não se dirige a um objeto nu, mas a uma fonte que me fala e à qual concedo crédito antes mesmo de possuir evidência plena. É como se eu desse um salto, não para um vazio, mas para um solo que sei estar ali, embora ainda não o veja com nitidez. Nesse instante, a fé não é a certeza consumada, mas a confiança de que a fonte é digna de ser ouvida.
Com o tempo, essa confiança inicial passa a ser trabalhada pela mente, que insiste em depurar, analisar, testar. A fé, longe de ser mera passividade, torna-se um movimento contínuo de aferição. Pergunto-me se essa fonte, que me inspira a dar-lhe crédito, não é também a guardiã de uma verdade que espera ser revelada. E, pouco a pouco, descubro que minha adesão não é tolice ingênua, mas um passo inevitável em direção a algo que só se tornará claro no fim do percurso.
Não raro, essa busca pela clareza se confunde com a tentação da dúvida. A mente, inquieta, deseja provas, deseja a segurança dos números e das demonstrações. Mas, ao mesmo tempo, há uma voz silenciosa que me sussurra que certas verdades não se impõem pela violência das evidências, mas pela suavidade do reconhecimento interior. É nesse espaço que a fé cresce: não na ausência de raciocínio, mas no risco de confiar antes que a lógica estabeleça seus alicerces definitivos.
Quando avanço nesse itinerário, percebo que a experiência vai confirmando aquilo que outrora era apenas esperança. É no viver, no experimentar os frutos de minha adesão, que começo a sentir a presença da certeza. Não é mais a fonte que me exige confiança, mas os efeitos dela que me devolvem solidez. O terreno antes suspeito se mostra fértil, e, em lugar da hesitação, encontro a tranquilidade de quem já pode repousar.
Ainda assim, noto que a certeza não chega como um clarão instantâneo, mas como a sedimentação lenta de uma terra que se firma sob meus pés. É um hábito da alma, uma disposição constante de não mais vacilar. Reconheço que a fé abriu o caminho, mas a certeza é a casa erguida ao fim da estrada. Uma vez ali, já não me preocupo com cada pedra encontrada, pois compreendo que todas tiveram o seu papel em me conduzir ao destino.
Entretanto, não me iludo com a ideia de que a certeza seja um ponto final absoluto. Há sempre novos horizontes que pedem nova confiança, novas fontes que exigem crédito antes de se mostrarem plenamente. Descubro, então, que fé e certeza dançam num círculo: uma prepara, a outra consuma, e ambas, em sua alternância, me mantêm em movimento. O repouso não é o fim da viagem, mas apenas uma estação onde preparo o próximo salto.
No fundo, percebo que a fé é o ato pelo qual minha alma estende a mão, e a certeza é o momento em que essa mão encontra firmeza naquilo que toca. Não são opostos, mas etapas de um mesmo destino. E, se ouso dizer, a fé permanece mesmo quando a certeza se instala, porque ela é a garantia de que, além dessa verdade já conquistada, há sempre outra esperando por minha confiança. Assim sigo, entre a confiança e a consumação, não como quem se resigna, mas como quem aprende a viver na tensão fecunda entre o ainda-não e o já-é.

Jardel Almeida.

Nenhum comentário: