terça-feira, 11 de novembro de 2025

Comentários a Metafísica - Livro IX/XII - Santo Alberto Magno.

 


ALBERTI MAGNI — SUPER LIBROS METAPHYSICORUM ARISTOTELIS

Liber Nonus – De ente actu et potentia

(Livro Nono — Sobre o ente em ato e em potência)


Quaestio I — Utrum actus et potentia dividant ens universaliter
Se o ato e a potência dividem o ente universalmente.

Quaestio II — Utrum potentia sit principium mutationis
Se a potência é o princípio da mudança.

Quaestio III — Utrum potentia sit duplex, scilicet activa et passiva
Se a potência é dupla, isto é, ativa e passiva.

Quaestio IV — Utrum potentia activa et passiva sint in eodem subiecto
Se as potências ativa e passiva se encontram no mesmo sujeito.

Quaestio V — Utrum potentia passiva sit in omnibus entibus creatis
Se a potência passiva está em todos os entes criados.

Quaestio VI — Utrum potentia passiva sit in substantiis separatis
Se há potência passiva nas substâncias separadas.

Quaestio VII — Utrum potentia activa sit in omnibus entibus
Se a potência ativa está em todos os entes.

Quaestio VIII — Utrum potentia activa et passiva se habeant ut agens et patiens
Se as potências ativa e passiva se relacionam como agente e paciente.

Quaestio IX — Utrum actus sit prior potentia secundum naturam
Se o ato é anterior à potência segundo a natureza.

Quaestio X — Utrum potentia sit prior actu secundum ordinem generationis
Se a potência é anterior ao ato segundo a ordem da geração.

Quaestio XI — Utrum actus sit nobilior potentia
Se o ato é mais nobre que a potência.

Quaestio XII — Utrum aliquid possit esse simul actu et potentia respectu eiusdem
Se algo pode estar simultaneamente em ato e em potência sob o mesmo aspecto.

Quaestio XIII — Utrum potentia sit principium defectus
Se a potência é princípio do defeito.

Quaestio XIV — Utrum actus sit plenitudo entis
Se o ato é a plenitude do ente.

Quaestio XV — Utrum Deus sit actus purus
Se Deus é ato puro.

Quaestio XVI — Utrum in Deo sit potentia aliqua
Se há em Deus alguma potência.

Quaestio XVII — Utrum in creaturis sit compositio actus et potentiae
Se nas criaturas há composição de ato e potência.

Quaestio XVIII — Utrum creaturae participent actum divinum
Se as criaturas participam do ato divino.

Quaestio XIX — Utrum potentia sit causa imperfectionis entis
Se a potência é causa da imperfeição do ente.

Quaestio XX — Utrum actus sit mensura omnis perfectionis
Se o ato é a medida de toda perfeição.

Quaestio I — Utrum actus et potentia dividant ens universaliter

(Se o ato e a potência dividem o ente universalmente)


Objeções.

1.      Parece que o ato e a potência não dividem o ente universalmente, pois o ente é dividido primeiramente em substância e acidente. Ora, se a divisão do ente é essencialmente em tais gêneros, o ato e a potência não podem ser divisão universal, mas apenas modos secundários de ser.

2.      Além disso, o ato e a potência são princípios relativos à mudança. Mas há entes que são imutáveis, como as substâncias separadas e o próprio Deus. Logo, o ato e a potência não dividem o ente universalmente, mas somente o ente móvel.

3.      Ademais, toda divisão universal do ente deve alcançar tanto o real quanto o mental. Ora, a potência e o ato pertencem apenas ao real, pois não há potência em conceitos do intelecto. Portanto, não dividem o ente universalmente, mas apenas o ente natural.

4.      Ainda, a potência se opõe ao ato, e toda oposição divide o mesmo gênero. Ora, o ente não é um gênero, mas o mais comum de todos os transcendentais. Logo, o ato e a potência não o dividem universalmente.


Em contrário (Sed contra).

Aristóteles, no Livro IX da Metafísica, diz:
“Omne quod est, aut est in potentia, aut in actu.”
Tudo o que é, é ou em potência, ou em ato.

E Alberto comenta:
“Haec divisio est communissima et transcendens, quia comprehendit omnia entia, etiam separata.”
Essa divisão é a mais comum e transcendente, porque compreende todos os entes, inclusive os separados.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o ato e a potência dividem o ente universalmente, não segundo gênero, mas segundo razão transcendental, isto é, conforme todo ente participa de um desses modos de ser.

O ens (ente) não é gênero, porque não se predica univocamente de todas as coisas, mas analogicamente.
Entretanto, em toda coisa que é, há uma ordem ao ser, quer segundo perfeição, quer segundo possibilidade.
Por isso, toda realidade é ou ato (
actus), ou potência (potentia), ou composta de ambos.

O ato é aquilo pelo qual algo é em plena atualização; a potência é aquilo pelo qual algo pode ser e ainda não é.
Assim, o ato é perfeição, e a potência, possibilidade de perfeição.

Diz Alberto:
“Actus dicit complementum rei, potentia vero viam ad complementum.”
O ato exprime a completude da coisa, a potência, o caminho para a completude.

Essa divisão é universal porque se aplica:

·         às substâncias e acidentes;

·         às coisas corpóreas e incorpóreas;

·         às formas e à própria essência do ser.

Deus, sendo ato puro, é separado de toda potência; as criaturas, pelo contrário, têm composição de ato e potência — umas quanto à substância, outras quanto à operação.
Por isso, o ato e a potência abrangem todo o horizonte do ser: desde o mais perfeito, que é ato sem potência, até o mais imperfeito, que é potência sem ato determinado.

Alberto explica ainda:
“In Deo est actus sine potentia; in materia est potentia sine actu; in creaturis compositis est utrumque.”
Em Deus há ato sem potência; na matéria, potência sem ato; nas criaturas compostas, ambos.

Portanto, a distinção entre ato e potência não é divisão lógica, mas real e metafísica, expressando os modos transcendentais do ser: o ser em repouso (esse completum) e o ser em via (esse in fieri).

A razão de universalidade dessa divisão está no fato de que nada pode ser pensado como existente fora desses dois modos.
Mesmo os entes inteligíveis ou espirituais, ainda que imóveis, têm em si uma distinção virtual entre o que são e o modo como podem ser conhecidos — o que já é participação de potência.

Por isso, conclui Alberto:
“Actus et potentia sunt primae differentiae entis, quia per eas omnia determinantur ad esse vel ad posse esse.”
O ato e a potência são as primeiras diferenças do ente, pois por elas todas as coisas se determinam a ser ou a poder ser.


Respostas às objeções.

1.      À primeira, deve-se dizer que a divisão do ente em substância e acidente é divisão secundum genera entis; mas a divisão em ato e potência é mais alta, secundum modum essendi. Por isso, esta é mais universal e contém aquela como espécie.

2.      À segunda, responde-se que as substâncias imutáveis também participam dessa divisão, pois em Deus há ato puro, e nas substâncias separadas há certa potência quanto ao intelecto e ao querer, embora não quanto ao ser.

3.      À terceira, deve-se dizer que o ente de razão não tem potência real, mas tem semelhança analógica da divisão, porque a mente apreende a possibilidade e a atualidade dos conceitos. Assim, o intelecto aplica a divisão por analogia.

4.      À quarta, responde-se que o ente não é gênero, mas a divisão entre ato e potência não é divisão genérica, e sim secundum analogiam transcendentalem, que ultrapassa os gêneros.


Conclusão.

O ato e a potência dividem o ente universalmente, não como gêneros, mas como modos transcendentais do ser.
Tudo o que existe, ou é em ato, ou é em potência, ou é composto de ambos; e fora desses dois modos não há ser algum.

E Alberto conclui:
“Actus et potentia comprehendunt omnem entitatem; ideo universalis est haec divisio, sicut universale est ens.”
O ato e a potência abrangem toda a realidade; por isso, essa divisão é universal, assim como o ente é universal.

Quaestio II — Utrum potentia sit principium mutationis

(Se a potência é o princípio da mudança)


Objeções.

  1. Parece que a potência não é o princípio da mudança, pois o princípio de toda mudança é o agente. Ora, o agente é o que está em ato, e não em potência. Logo, a potência não é princípio de mudança, mas de passividade.
  2. Além disso, Aristóteles diz no Livro III da Física que “o motor e o movido constituem os princípios do movimento”. Mas o movido é o sujeito, e o motor é o ato. Logo, a potência, que pertence ao movido, é princípio apenas material e não formal da mudança.
  3. Ademais, o que é princípio de mudança deve ser também princípio de operação. Ora, a potência, enquanto potência passiva, não opera, mas apenas recebe a operação do agente. Portanto, não pode ser chamada propriamente princípio de mudança.
  4. Ainda, em Deus não há potência, e contudo Ele é o primeiro princípio de toda mudança. Logo, a potência não é o princípio de mudança universalmente, mas apenas em coisas mutáveis.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma no Livro IX da Metafísica:
“Potentia est principium mutationis in alio, vel in ipso secundum aliud.”
A potência é princípio de mudança em outro, ou no mesmo, segundo outro aspecto.

E Alberto comenta:
“Potentia dicitur principium mutationis, non per se motoris, sed per se mobilis.”
A potência é chamada princípio de mudança, não do que move, mas do que é movido.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que a potência é princípio da mudança, não enquanto é pura possibilidade, mas enquanto é disposição ou capacidade ordenada ao ato.

A mudança (mutatio) é o trânsito do ser em potência ao ser em ato, e, por conseguinte, requer dois extremos — a potência e o ato —, e algo que os una, que é o movimento.

Diz Alberto:
“Potentia est radix motus, actus est terminus; motus vero est via inter utrumque.”
A potência é a raiz do movimento, o ato é o termo, e o movimento é o caminho entre ambos.

Portanto, há na potência um duplo aspecto:

  1. Passivo, enquanto o sujeito é capaz de receber o ato;
  2. Ativo, enquanto há uma disposição intrínseca que ordena a potência à atualização.

A potência, portanto, é princípio remoto da mudança, pois sem ela não haveria possibilidade de transição; mas o ato é princípio próximo, pois é o que efetivamente move e atualiza.

Aristóteles distingue:

  • potentia activa, que é princípio de operar em outro (como o fogo que aquece);
  • potentia passiva, que é princípio de ser mudado por outro (como a madeira que é aquecida).

Ambas, no entanto, participam da noção de “princípio de mudança”, mas de modos distintos:
a primeira, como agente; a segunda, como paciente.

Diz Alberto:
“Utrumque dicitur principium motus: agens per formam, patiens per ordinem ad formam.”
Ambos se dizem princípio de movimento: o agente pela forma, o paciente pela ordenação à forma.

Assim, a potência é princípio não da mudança ativa, mas da mudança receptiva, pela qual algo passa da indeterminação ao ato.
É, pois, princípio material e dispositivo do movimento, enquanto contém a possibilidade ordenada à forma.

Por isso, o mesmo sujeito, considerado enquanto em potência, é dito “capaz de ser mudado”; e considerado enquanto em ato, é “motor”.
Daí a definição de Aristóteles: “Potentia est principium mutationis in alio, vel in ipso secundum aliud” — isto é, a potência está no ser mudado, e não no motor, a menos que o mesmo sujeito seja motor sob outro aspecto.

E assim conclui Alberto:
“Potentia passiva est principium mutationis sicut receptivum; potentia activa sicut effectivum.”
A potência passiva é princípio de mudança como receptiva; a potência ativa, como efetiva.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o agente é princípio de mudança por ato; mas o móvel é princípio de mudança por potência. Assim, ambos são princípios, mas de modos diversos: o primeiro formalmente, o segundo materialmente.
  2. À segunda, responde-se que a potência é princípio de mudança não como motor, mas como sujeito capaz de ser movido. É, pois, princípio da mudança quanto à recepção, não quanto à produção.
  3. À terceira, deve-se dizer que a potência passiva não é princípio de operação, mas é princípio da possibilidade da operação. Pois, se não houvesse potência receptiva, a operação do agente seria impossível.
  4. À quarta, responde-se que em Deus não há potência porque n’Ele não há mudança; mas, enquanto Ele é causa do movimento nas criaturas, contém em si eminentemente toda potência. Assim, a potência criada é participação da potência divina.

Conclusão.

A potência é princípio da mudança, não como agente, mas como sujeito ordenado ao ato.
Ela é princípio remoto do movimento, porque nele encontra sua razão de ser:
“Potentia est radix motus, actus est complementum.”
A potência é a raiz do movimento, e o ato, seu complemento.

Quaestio III — Utrum potentia sit duplex, scilicet activa et passiva

(Se a potência é dupla, isto é, ativa e passiva)


Objeções.

  1. Parece que a potência não é dupla, pois todo princípio de mudança é ou ato ou privação. Ora, a potência é o meio entre ambos e não se multiplica em si mesma. Logo, não há duas espécies de potência, mas uma só, variando conforme o sujeito.
  2. Além disso, o que é comum a todos os entes não se multiplica senão por analogia. Ora, a potência pertence a todos os entes, como foi dito anteriormente. Logo, não é propriamente dupla, mas dita de modo análogo.
  3. Ademais, a potência ativa e a passiva são correlativas, e os correlativos não existem sem relação recíproca. Mas o agente e o paciente se requerem mutuamente. Logo, não se deve dizer que haja duas potências, mas uma só potência considerada sob duplo aspecto.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles, no Livro IX da Metafísica, diz:
“Est potentia activa et passiva: activa, quae est principium agendi in alterum; passiva, quae est principium patiendi ab alio.”
Há uma potência ativa e uma potência passiva: a ativa é o princípio de agir sobre outro; a passiva é o princípio de sofrer de outro.

E Alberto comenta:
“Duplex est potentia, quia duplex est motus: unus ab agente, alius in patiente.”
A potência é dupla, porque duplo é o movimento: um procede do agente, outro do paciente.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que a potência é realmente dupla, a saber: ativa e passiva, conforme dois modos pelos quais se participa do movimento e do ser.

A potência ativa (potentia activa) é o princípio de produzir o ato em outro — e pertence formalmente ao ser em ato, pois somente o ato pode comunicar ato.
A potência passiva (potentia passiva) é o princípio de receber o ato de outro — e pertence ao ser imperfeito, que tende à atualização.

Alberto distingue com precisão:
“Potentia activa ordinatur ad effectum; potentia passiva ordinatur ad complementum proprium.”
A potência ativa ordena-se ao efeito; a potência passiva, à própria complementação.

Ambas procedem da mesma raiz ontológica — o poder de ser e de agir —, mas divergem em razão de formalidade:

  • A potência ativa implica virtus formalis, isto é, o poder que brota da forma atual;
  • A potência passiva implica receptivitas materialis, a aptidão que provém da imperfeição da matéria.

Diz ainda Alberto:
“In eodem subiecto non est potentia activa et passiva eiusdem ordinis, quia tunc idem esset agens et patiens simpliciter.”
No mesmo sujeito não há potência ativa e passiva do mesmo gênero, porque então o mesmo seria agente e paciente absolutamente — o que é impossível.

Entretanto, uma mesma coisa pode ter ambas as potências segundo aspectos diversos:
por exemplo, o homem é ativo no inteligir, mas passivo quanto ao ser iluminado pelo intelecto agente.

A potência ativa se encontra principalmente nas formas; a passiva, na matéria.
A primeira é causa de operação; a segunda, causa de possibilidade.
Por isso, Deus é potência ativa pura — ato que move sem ser movido —, e a matéria prima é potência passiva pura — aquilo que pode ser tudo, mas nada é em ato.

Entre esses extremos, as criaturas compostas participam de ambas as potências em graus diversos:

  • nos seres corpóreos, a passiva predomina;
  • nos espirituais, a ativa prevalece.

Diz Alberto com clareza:
“Quanto aliquid est propinquius actui puro, tanto magis est activum; quanto vero propinquius materiae, tanto magis est passivum.”
Quanto mais uma coisa se aproxima do ato puro, mais ativa é; quanto mais se aproxima da matéria, mais passiva.

Portanto, a distinção entre potência ativa e passiva é necessária e real, porque exprime a dupla relação do ente à perfeição — uma pela doação, outra pela recepção.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a potência é uma no gênero, mas dupla nas espécies, conforme se ordena ao agir ou ao padecer. Assim como o movimento é um no gênero, mas múltiplo nas espécies, assim também a potência.
  2. À segunda, responde-se que a potência é dita de modo análogo de todos os entes, mas tal analogia contém em si diversidade real. Pois a potência ativa pertence ao ser segundo ato, e a passiva, segundo privação ordenada ao ato.
  3. À terceira, deve-se dizer que o agente e o paciente se requerem mutuamente, mas não são a mesma coisa. Assim, as potências correlativas não são uma só em número, mas distintas segundo a relação: a ativa tende a produzir, a passiva a receber.

Conclusão.

A potência é verdadeiramente dupla, porque a estrutura do ser comporta duas ordens de relação:

  • uma pela qual algo age e comunica o ser (potência ativa);
  • outra pela qual algo recebe e é completado pelo ser (potência passiva).

Assim, diz Alberto:
“Potentia activa est imago actus; potentia passiva est vestigium materiae.”
A potência ativa é imagem do ato; a potência passiva é vestígio da matéria.

E por isso, esta distinção fundamenta toda a metafísica do movimento e da causalidade.

Quaestio IV — Utrum potentia activa et passiva sint in eodem subiecto

(Se as potências ativa e passiva se encontram no mesmo sujeito)


Objeções.

  1. Parece que as potências ativa e passiva estão no mesmo sujeito, pois tudo o que se move, move-se de algum modo a si mesmo. Ora, o que se move a si mesmo deve conter em si tanto o princípio de mover quanto o de ser movido. Logo, no mesmo sujeito há potência ativa e passiva.
  2. Além disso, as ciências demonstram que em muitos seres o mesmo é agente e paciente, como o fogo que aquece e também é aquecido por outro fogo. Logo, é possível que num mesmo sujeito haja potência ativa e passiva.
  3. Ademais, quanto mais perfeita é uma natureza, mais contém em si a causa de suas operações. Ora, se a potência ativa estivesse em um sujeito e a passiva em outro, o ser não se moveria por si, mas apenas por outro. Logo, nas naturezas perfeitas — como nas viventes — deve haver ambas as potências.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles diz no Livro IX da Metafísica:
“Agens et patiens non sunt idem secundum idem.”
O agente e o paciente não são o mesmo sob o mesmo aspecto.

E Alberto comenta:
“Ubi est actus simpliciter, ibi non est potentia passiva; ubi vero est potentia passiva simpliciter, ibi non est actus agendi.”
Onde há ato simplesmente, não há potência passiva; e onde há potência passiva simplesmente, não há ato de agir.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que a potência ativa e a potência passiva não estão no mesmo sujeito sob o mesmo aspecto, embora possam estar no mesmo ser segundo aspectos diversos.

A razão disso é que a potência ativa pertence à forma, e a passiva pertence à matéria.
Ora, forma e matéria são princípios realmente distintos: a forma é ato, a matéria é potência.
Logo, é impossível que em um mesmo sujeito, enquanto considerado sob o mesmo princípio, estejam ambas as potências.

Diz Alberto:
“Potentia activa est virtus formalis, potentia passiva est capacitas materialis.”
A potência ativa é virtude formal; a potência passiva é capacidade material.

Assim, no fogo, a potência ativa de aquecer pertence à sua forma ígnea; já a potência passiva de ser aquecido pertence à sua matéria enquanto susceptível de alteração por outro fogo mais intenso.

O mesmo ser, portanto, pode conter ambas as potências, mas segundo diferentes princípios e ordens de causalidade.

  • Como forma, ele age (agit per formam);
  • Como matéria, ele é movido (patiendo per materiam).

Por isso, Aristóteles afirma que “o mesmo ser é agente e paciente, mas não sob o mesmo respeito” — non secundum idem, ou seja, não quanto à mesma parte ou à mesma perfeição.

Em seres compostos, essa distinção é evidente: o homem, por exemplo, é agente segundo o intelecto (potência ativa), mas paciente segundo o corpo (potência passiva).
No entanto, nos seres simples, como nas substâncias separadas, não há potência passiva alguma, porque nelas não há matéria.

Alberto explica:
“In substantiis separatis non est potentia passiva, quia non sunt compositae ex materia et forma.”
Nas substâncias separadas não há potência passiva, porque não são compostas de matéria e forma.

Mas nas criaturas compostas, especialmente nas viventes, ambas as potências coexistem analogicamente, pois a forma move a matéria dentro do mesmo composto.
Assim, a vida é precisamente a unidade do mover e do ser movido — a síntese dinâmica entre potência ativa e passiva sob diferentes razões.

Diz ainda Alberto:
“Vita est motus a seipso, quia forma vivens est principium motus in materia.”
A vida é o movimento a partir de si mesma, porque a forma viva é o princípio do movimento na matéria.

Portanto, somente em seres compostos pode haver ambas as potências — não confundidas, mas ordenadas —, e nelas consiste o fundamento metafísico do movimento imanente.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o que se move a si mesmo contém o princípio de mover e o de ser movido, mas não segundo o mesmo princípio. O corpo é movido, e a alma é o princípio do movimento; portanto, o mesmo ser se move a si mesmo, mas não sob o mesmo aspecto.
  2. À segunda, responde-se que o fogo é aquecido por outro fogo, não por si mesmo, mas por outro que o supera em ato. Assim, ele possui potência ativa e passiva, mas não quanto ao mesmo efeito ou sob o mesmo respeito.
  3. À terceira, deve-se dizer que nas naturezas perfeitas — como nas almas e nos viventes — há ambas as potências, mas diversificadas: a alma é ativa, o corpo é passivo. Assim, o composto move-se a si mesmo, mas pela ordem entre forma e matéria, e não pela identidade de princípio.

Conclusão.

A potência ativa e a potência passiva podem estar no mesmo ser, mas nunca no mesmo sujeito sob o mesmo aspecto.
Elas coexistem apenas nas naturezas compostas, nas quais a forma é princípio de ação e a matéria, princípio de recepção.

Diz Alberto:
“Non idem agit et patitur secundum idem; sed in eodem ente est utrumque secundum diversa.”
Não é o mesmo que age e padece sob o mesmo aspecto; mas no mesmo ente estão ambos, segundo razões diversas.

Quaestio V — Utrum potentia passiva sit in omnibus entibus creatis

(Se a potência passiva está em todos os entes criados)


Objeções.

  1. Parece que a potência passiva não está em todos os entes criados, pois há substâncias que não sofrem alteração nem movimento, como os corpos celestes e as substâncias separadas. Logo, não é verdade que todo ente criado tenha potência passiva.
  2. Além disso, a potência passiva pertence àquilo que é composto de matéria e forma, pois a matéria é o sujeito da potência. Ora, há criaturas que são formas puras, como os anjos. Logo, nem todo ente criado tem potência passiva.
  3. Ademais, a potência passiva é ordenada ao ato, e o ato é perfeição. Ora, há criaturas que estão em ato completo desde sua criação e que não podem ser aperfeiçoadas por outro. Logo, nelas não há potência passiva.
  4. Ainda, se toda criatura tivesse potência passiva, então toda criatura seria corruptível. Mas algumas criaturas, como as substâncias intelectuais, são incorruptíveis. Portanto, não há nelas potência passiva.

Em contrário (Sed contra).

Diz Aristóteles:
“Omne quod movetur, ab alio movetur.”
Tudo o que é movido, é movido por outro.

E Alberto comenta:
“Quod ab alio dependet, habet potentiam passivam respectu illius.”
O que depende de outro tem potência passiva em relação àquele de quem depende.

Ora, toda criatura depende de Deus, e por isso toda criatura tem, de algum modo, potência passiva.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que toda criatura tem alguma potência passiva, embora não segundo o mesmo modo nem no mesmo grau.

A razão é que toda criatura é finita em ser e depende do ato divino.
Ora, tudo o que é finito e dependente pode receber de outro o complemento de seu ser; e essa capacidade de receber é precisamente a potentia passiva.

Diz Alberto:
“In omni creato est aliquid receptivum, quia omne creatum dependet ab actu alterius.”
Em todo o criado há algo de receptivo, porque tudo o que é criado depende do ato de outro.

Entretanto, há uma distinção essencial entre dois tipos de potência passiva:

  1. Potência passiva material, própria dos entes corpóreos, que se refere à recepção de forma ou movimento.
    • Essa potência implica mutabilidade física e corrupção possível.
    • Exemplo: o bronze que pode tornar-se estátua, a semente que pode germinar.
  2. Potência passiva obediencial, própria das substâncias espirituais, que se refere à dependência causal em relação a Deus.
    • Essas substâncias não mudam por natureza, mas podem ser movidas por Deus de modo sobrenatural, porque sua essência é finita e receptiva do influxo divino.
    • Assim, os anjos têm potência passiva não quanto à forma ou matéria, mas quanto à operação ou ao ser participado.

Diz Alberto:
“Substantiae separatae non habent potentiam passivam naturalem, sed obedientiae tantum, qua possunt moveri a Deo.”
As substâncias separadas não têm potência passiva natural, mas apenas de obediência, pela qual podem ser movidas por Deus.

Portanto, toda criatura, enquanto criatura, tem potência passiva porque é capaz de receber de Deus algo que não possui por si mesma — seja uma nova forma, um novo movimento ou um novo modo de ser.

Deus, pelo contrário, é ato puro, porque nada recebe, mas tudo comunica.

Assim, Alberto conclui:
“Potentia passiva est in omnibus creaturis, quia omnis creatura est sub potestate primi agentis.”
A potência passiva está em todas as criaturas, porque toda criatura está sob o poder do primeiro agente.

Contudo, essa potência não é sempre relativa à mudança física, mas à ordem metafísica da participação: toda criatura pode ser elevada, movida ou iluminada pelo Criador, e nisto consiste sua passividade essencial.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que os corpos celestes não possuem potência passiva para sofrer corrupção, mas possuem potência para receber movimento local. Assim, têm potência passiva limitada ao modo de seu ser.
  2. À segunda, responde-se que as substâncias separadas, embora não tenham matéria, têm potência passiva de obediência, pela qual dependem de Deus e podem receber novos modos de operação.
  3. À terceira, deve-se dizer que as criaturas que são perfeitas em seu gênero podem, contudo, ser movidas por Deus para um ato superior, o que mostra nelas certa receptividade.
  4. À quarta, responde-se que a potência passiva não implica sempre corrupção, mas apenas receptividade. Assim, nas substâncias incorruptíveis há potência de ser movidas, mas não de deixar de ser.

Conclusão.

A potência passiva está em todos os entes criados, mas segundo modos diversos:

  • nos corpos, como potência natural de receber formas e movimentos;
  • nos espíritos, como potência obediencial, pela qual dependem do influxo divino.

Por isso, Alberto afirma:
“Creatura omnis est potens pati a Deo, et in hoc distinguitur a Deo, qui est actus purus.”
Toda criatura é capaz de padecer de Deus, e nisso se distingue de Deus, que é ato puro.

Quaestio VI — Utrum potentia passiva sit in substantiis separatis

(Se há potência passiva nas substâncias separadas)


Objeções.

  1. Parece que há potência passiva nas substâncias separadas, pois toda criatura depende de Deus e pode ser movida por Ele. Ora, o que pode ser movido tem em si potência passiva. Logo, nas substâncias separadas há potência passiva.
  2. Além disso, a potência passiva é o princípio pelo qual algo é capaz de receber um novo modo de ser. Ora, as substâncias separadas recebem de Deus iluminação e influência intelectual. Logo, nelas há potência passiva.
  3. Ademais, se nas substâncias separadas não houvesse potência passiva, seriam absolutamente imutáveis, como Deus. Mas somente Deus é ato puro e absolutamente imutável. Logo, as substâncias separadas têm em si certa potência passiva.
  4. Ainda, a distinção entre os anjos está em graus de perfeição e de participação do ser. Ora, toda participação implica receptividade. Logo, há nelas potência passiva.

Em contrário (Sed contra).

Diz Aristóteles no Livro IX da Metafísica:
“Substantiae separatae sunt actus sine potentia.”
As substâncias separadas são atos sem potência.

E Alberto comenta:
“Quoad compositionem materiae et formae sunt sine potentia; quoad dependentiam autem a primo agente, non sunt sine potentia.”
Quanto à composição de matéria e forma, são sem potência; quanto à dependência do primeiro agente, não são sem potência.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que nas substâncias separadas não há potência passiva natural, mas há potência de obediência e de recepção do influxo divino.

Para compreender isso, é necessário distinguir entre potentia naturalis e potentia obedientialis.

  1. A potência natural é aquela que pertence à ordem da natureza e que se refere a um ato natural possível — como a madeira que pode ser queimada, ou o corpo que pode mover-se.
    Essa potência implica composição de matéria e forma, e portanto não existe em substâncias imateriais.
  2. A potência de obediência (potentia obedientialis) é a capacidade de ser movido ou receber algo não por natureza, mas por dom ou influxo superior, isto é, pela ação de Deus.
    Essa potência não nasce de composição, mas da limitação do ser criado: o finito é capaz de ser elevado pelo Infinito.

Diz Alberto:
“In substantiis separatis est potentia obedientialis, quia non possunt per se attingere omnia quae sunt in potentia divina.”
Nas substâncias separadas há potência obediencial, porque não podem, por si mesmas, alcançar tudo o que está na potência divina.

Assim, um anjo, sendo forma pura, não tem potência passiva para receber nova forma substancial, mas tem potência para ser iluminado por Deus ou determinado a uma nova operação.
Sua receptividade não é física, mas metafísica e hierárquica, pois depende da ordem divina e da gradação entre as inteligências.

Alberto explica:
“Substantiae separatae recipiunt lumen et ordinem a Deo et a superioribus; et in hoc habent aliquid passive.”
As substâncias separadas recebem luz e ordem de Deus e das superiores; e nisso têm algo de passivo.

Portanto, nelas não há potência passiva que implique mudança substancial, mas há passividade quanto à recepção da influência e da direção divina, o que as mantém finitas e ordenadas.

Em Deus, ao contrário, não há nenhuma potência, nem natural nem obediencial, porque Ele não é movido por nada nem depende de outro.

Por isso, diz Alberto:
“Solus Deus est actus purus; in omnibus aliis est aliquid receptivum.”
Somente Deus é ato puro; em todos os outros há algo de receptivo.

Logo, embora as substâncias separadas sejam imateriais, nelas subsiste certa potência passiva, não enquanto natureza, mas enquanto participação finita do ser divino.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que toda dependência de Deus implica potência obediencial, mas não potência natural. Portanto, as substâncias separadas têm potência apenas quanto à obediência ao primeiro motor.
  2. À segunda, responde-se que a iluminação e a influência de Deus nas substâncias separadas não as muda substancialmente, mas apenas quanto à operação. Por isso, tal receptividade pertence à ordem da potência obediencial.
  3. À terceira, deve-se dizer que Deus é imutável absolutamente; as substâncias separadas são imutáveis quanto à essência, mas mutáveis quanto à operação. Logo, nelas há potência quanto à operação, mas não quanto ao ser substancial.
  4. À quarta, responde-se que a gradação entre os anjos manifesta diferentes modos de participação do ser; e toda participação é receptiva, mas segundo o modo próprio da forma. Assim, a potência nas substâncias separadas é formal, não material.

Conclusão.

Nas substâncias separadas não há potência passiva natural, pois são formas puras e incorpóreas.
Mas há nelas potência obediencial, enquanto dependem de Deus e podem receber Dele influxos novos quanto à operação ou à iluminação.

Diz Alberto:
“In substantiis separatis potentia est secundum dependentiam, non secundum compositionem.”
Nas substâncias separadas, a potência existe segundo a dependência, não segundo a composição.

Assim, são atos perfeitos quanto à essência, mas receptivos quanto ao modo de participação no Ato Puro.

Quaestio VII — Utrum potentia activa sit in omnibus entibus

(Se a potência ativa está em todos os entes)


Objeções.

  1. Parece que a potência ativa não está em todos os entes, pois há entes puramente passivos, como a matéria prima, que não possuem forma própria para agir. Logo, não há potência ativa em tudo o que existe.
  2. Além disso, a potência ativa pertence à forma, enquanto princípio de operação. Ora, a matéria carece de forma própria, e os acidentes, por si, não agem. Logo, não é verdade que em todos os entes exista potência ativa.
  3. Ademais, há entes que são apenas possíveis e nunca se atualizam por si, mas apenas por outro — como os entes potenciais da natureza e os entes de razão. Ora, o que não pode agir por si não possui potência ativa. Logo, não há potência ativa em todos os entes.
  4. Ainda, se toda criatura tivesse potência ativa, então toda criatura seria agente em alguma medida. Mas algumas criaturas — como corpos inanimados — apenas sofrem ação e não agem. Portanto, a potência ativa não é universal a todos os entes.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma no Livro IX da Metafísica:
“Omne ens est principium alicuius operationis.”
Todo ente é princípio de alguma operação.

E Alberto comenta:
“Nihil est quod non moveat aut per se aut per accidens, quia esse est quaedam actio.”
Nada existe que não mova, seja por si, seja por acidente, porque o ser é uma certa ação.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que em todo ente há potência ativa, mas não do mesmo modo nem na mesma ordem.

A razão é que o ser (esse) é ato, e todo ato tem em si virtude de comunicar o ser ou de manifestar sua perfeição a outro.
Logo, tudo o que é, enquanto é, tem capacidade de agir de algum modo — ainda que não fisicamente, ao menos metafisicamente.

Diz Alberto:
“Omne ens agit secundum quod est in actu, et inquantum participat esse, in tantum participat virtutem agendi.”
Todo ente age na medida em que está em ato, e conforme participa do ser, participa também da virtude de agir.

A potência ativa, portanto, se funda na forma, e como toda criatura possui alguma forma, dela procede também algum modo de atividade.
Mesmo o ser mais imperfeito — como uma pedra — exerce causalidade: pesa, move, resiste, influi em outros pela sua natureza.
A pedra não é puro paciente; ela age conforme seu modo de ser.

Por isso, Alberto distingue três níveis de potência ativa:

  1. Potentia activa naturalis, que pertence aos corpos segundo suas qualidades e inclinações próprias (por exemplo, o fogo aquece, o peso move para baixo).
  2. Potentia activa intellectualis, que pertence às substâncias espirituais e aos seres racionais, como o intelecto que age produzindo formas inteligíveis.
  3. Potentia activa divina, que pertence somente a Deus como causa primeira e universal, de quem todas as outras derivam.

Diz ainda Alberto:
“Sicut omne quod est in potentia passiva, ordinatur ad agens, ita omne quod est in actu, habet aliquid activum.”
Assim como tudo o que está em potência passiva é ordenado ao agente, também tudo o que está em ato possui algo de ativo.

Logo, mesmo a matéria prima, embora não aja por si, participa da potência ativa per accidens, enquanto é princípio do composto que age pela forma recebida.
Do mesmo modo, os acidentes agem enquanto inerem à substância — o calor aquece, o peso move, a cor ilumina —, não por si, mas pelo sujeito em que subsistem.

Assim, a universalidade da potência ativa deriva da universalidade do ato do ser: tudo o que existe é de algum modo difusivo de seu próprio ser.
Por isso, Deus é ato puríssimo e atividade absoluta; e as criaturas, sendo participações do ato divino, são também participações da atividade.

Diz Alberto de modo sublime:
“Esse est diffusivum sui: unde omne ens, secundum quod est, est activum.”
O ser é difusivo de si mesmo; por isso, todo ente, enquanto é, é ativo.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a matéria prima, considerada em si, é pura potência e não possui potência ativa própria; mas, enquanto unida à forma, participa da atividade do composto. Logo, em sentido derivado, há nela potência ativa.
  2. À segunda, responde-se que, embora a potência ativa pertença formalmente à forma, todo ser que tem forma — mesmo acidentalmente — participa dessa virtude. Assim, os acidentes agem por meio da substância que os sustenta.
  3. À terceira, deve-se dizer que os entes apenas possíveis não têm potência ativa em ato, mas em potência. No entanto, toda realidade que existe em ato possui alguma capacidade de agir, proporcional ao seu ser.
  4. À quarta, responde-se que até os corpos inanimados agem, mas segundo seu modo natural: movem, resistem, atraem, refletem, iluminam. Assim, a potência ativa neles é natural, não intelectual.

Conclusão.

A potência ativa está em todos os entes, porque todo ente, enquanto participa do ser, participa também do poder de agir segundo o modo de seu ser.
Nada existe que seja totalmente passivo, pois o ser é por si mesmo ato e difusivo de ato.

Assim conclui Alberto:
“In Deo est potentia activa per essentiam; in creaturis per participationem.”
Em Deus há potência ativa por essência; nas criaturas, por participação.

E, portanto, o universo inteiro é uma hierarquia de atividades, em que cada ser comunica algo de seu ato, conforme sua forma e perfeição.

Quaestio VIII — Utrum potentia activa et passiva se habeant ut agens et patiens

(Se as potências ativa e passiva se relacionam como agente e paciente)


Objeções.

  1. Parece que a potência ativa e a potência passiva não se relacionam como agente e paciente, pois o agente e o paciente são contrários, enquanto as potências são correlativas e ordenadas. Ora, contrariedade e correlação não são o mesmo. Logo, não há entre elas relação de agente e paciente.
  2. Além disso, o agente e o paciente devem ser de naturezas diferentes — um que dá forma, outro que a recebe. Ora, a potência ativa e a passiva, por pertencerem ao mesmo ente, não são distintas por natureza, mas por modo. Logo, não se relacionam como agente e paciente.
  3. Ademais, o agente e o paciente estão em ato e em potência respectivamente; mas a potência ativa e a potência passiva, ambas, ainda são potenciais. Logo, não podem ser correlatas como agente e paciente, pois nenhuma delas é ato.
  4. Ainda, o agente move o paciente até o ato, mas a potência ativa, enquanto potência, não age, e a passiva não padece. Logo, enquanto potências, não têm relação de agente e paciente, mas apenas enquanto atualizadas.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma no Livro IX da Metafísica:
“Potentia activa et passiva ordinantur ad invicem sicut agens et patiens.”
A potência ativa e a passiva ordenam-se mutuamente como agente e paciente.

E Alberto comenta:
“Non dicuntur agens et patiens secundum actum, sed secundum ordinem ad actum.”
Não se dizem agente e paciente segundo o ato, mas segundo a ordenação ao ato.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que a potência ativa e a potência passiva se relacionam entre si como agente e paciente, não quanto ao exercício atual da ação e da paixão, mas quanto à sua mútua ordenação natural.

A potência ativa é princípio de ação; a potência passiva é princípio de recepção.
Ambas se correspondem por natureza, porque toda ação tende a um sujeito capaz de recebê-la, e toda passividade tende a um princípio capaz de movê-la.

Diz Alberto:
“Activa et passiva se respiciunt sicut termini unius motus.”
A potência ativa e a passiva se relacionam como os dois termos de um mesmo movimento.

Portanto, há entre ambas uma relação transcendental de causalidade e complementação:

  • a potência ativa contém virtualmente o ato que comunica;
  • a potência passiva contém potencialmente o ato que recebe.

Ambas são proporcionais e mutuamente exigentes, pois nada pode agir sem algo capaz de receber, e nada pode receber sem algo apto a agir.

Assim, o universo é estruturado por uma ordem de correspondências entre potências ativas e passivas — da causa primeira até a matéria última.

Alberto descreve essa hierarquia de modo admirável:
“Deus est prima potentia activa; materia prima est ultima potentia passiva; inter haec ordinantur omnia media secundum proportionem activi et passivi.”
Deus é a primeira potência ativa; a matéria prima é a última potência passiva; entre ambos se ordenam todos os intermediários segundo a proporção de ativo e passivo.

Logo, a relação entre potência ativa e passiva é real e natural, e funda toda a dinâmica do ser: é pela tensão entre o que dá e o que recebe que o movimento e a geração são possíveis.

Entretanto, essa relação não é de contrariedade, como entre quente e frio, mas de complementaridade ontológica.
O agente não destrói o paciente, mas o aperfeiçoa.
O ativo não exclui o passivo, mas o atualiza.

Por isso, diz Alberto:
“Actio est perfectio patientis, non corruptio; et propter hoc agens et patiens ordinantur ad unum finem.”
A ação é perfeição do paciente, não sua corrupção; e por isso o agente e o paciente se ordenam a um só fim.

Assim, a potência ativa e a passiva, embora distintas quanto ao modo de ser, convergem quanto à finalidade: o ato.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o agente e o paciente são contrários quanto à operação atual, mas correlativos quanto à ordenação natural. As potências não são contrárias, mas proporcionais — uma tende a agir, a outra a receber.
  2. À segunda, responde-se que, embora as potências pertençam ao mesmo ente composto, distinguem-se realmente segundo seus princípios: a ativa provém da forma, a passiva da matéria. Por isso, estão em um mesmo ser, mas não no mesmo sujeito sob o mesmo aspecto.
  3. À terceira, deve-se dizer que a potência ativa, enquanto potência, ainda não age, mas é princípio ordenado à ação; e a passiva, enquanto potência, é princípio ordenado à recepção. Logo, mesmo antes do ato, há entre elas uma relação natural e proporcional.
  4. À quarta, responde-se que o agente e o paciente em ato são os extremos do movimento; as potências ativa e passiva são os fundamentos da possibilidade desse movimento. Por isso, sua relação é ontológica, não apenas dinâmica.

Conclusão.

A potência ativa e a potência passiva se relacionam entre si como agente e paciente, não pelo ato atual de agir e padecer, mas pela ordem essencial que as dispõe mutuamente à ação e à recepção.

Diz Alberto:
“Activa et passiva sunt duo principia unius motus: unum dat esse in actu, aliud recipit actum.”
A ativa e a passiva são dois princípios de um só movimento: um dá o ser em ato, o outro recebe o ato.

Assim, toda causalidade natural, toda geração e todo movimento procedem da harmonia profunda entre essas duas potências, que são o eixo do dinamismo universal do ser.

Quaestio IX — Utrum actus sit prior potentia secundum naturam

(Se o ato é anterior à potência segundo a natureza)


Objeções.

  1. Parece que a potência é anterior ao ato segundo a natureza, pois aquilo de que algo procede é naturalmente anterior. Ora, o ato procede da potência, como o aquecido do aquecível. Logo, a potência é naturalmente anterior ao ato.
  2. Além disso, a potência é causa do ato, porque é a disposição necessária para que o ato seja possível. Ora, a causa é naturalmente anterior ao efeito. Logo, a potência é anterior ao ato.
  3. Ademais, o ato é aquilo para o qual a potência se ordena. Ora, a ordenação pressupõe a potência antes do ato, pois o que tende a algo deve existir antes daquilo a que tende. Logo, a potência é anterior.
  4. Ainda, na geração das coisas, vemos que a potência precede: primeiro há a semente capaz de gerar, depois o ser gerado em ato. Portanto, a potência é naturalmente anterior ao ato.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma no Livro IX da Metafísica:
“Actus est prior potentia secundum naturam.”
O ato é anterior à potência segundo a natureza.

E Alberto comenta:
“Prior est actus, quia potentia non est nisi per ordinem ad actum.”
O ato é anterior, porque a potência só existe em ordem ao ato.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o ato é naturalmente anterior à potência, embora esta seja anterior quanto à geração e ao conhecimento humano.

A prioridade natural do ato se prova de três modos principais, segundo Alberto e Aristóteles: pela definição, pela perfeição e pela causalidade.


1. Pela definição

A potência é definida em relação ao ato:
“Potentia est principium actus nondum habentis.”
A potência é o princípio de um ato ainda não possuído.

Logo, o ato entra na própria definição de potência, e aquilo que é incluído na definição é naturalmente anterior.
Portanto, o ato é anterior pela razão e pela natureza, pois é a medida e o termo da potência.


2. Pela perfeição

O ato é perfeição, a potência é imperfeição.
O que é perfeito é naturalmente anterior ao imperfeito, assim como o ser completo é anterior ao incompleto.

Diz Alberto:
“Actus est perfectio entis; potentia est in via ad perfectionem.”
O ato é a perfeição do ente; a potência é o caminho para a perfeição.

Assim, a forma é anterior à matéria, o ser é anterior ao poder ser, a luz é anterior à claridade possível.
A potência é apenas ordenação ao ato, e, sem ele, é nada de determinado.


3. Pela causalidade

Todo agente age enquanto está em ato; e nada que esteja apenas em potência pode reduzir algo ao ato.
Portanto, o ato é causa eficiente e final da potência.
A potência não existiria, nem seria inteligível, sem a preexistência do ato que a move e a cumpre.

Alberto resume essa ideia:
“Actus dat esse potentiae; quia potentia ordinatur ad actum, et per actum habet rationem entis.”
O ato dá o ser à potência; pois a potência se ordena ao ato, e por ele tem razão de ser.


Portanto, na ordem da natureza e da metafísica, o ato é anterior, porque o ser em ato é o fundamento de toda possibilidade.
Mas na ordem da geração temporal, a potência é anterior: primeiro algo é capaz de ser, depois é efetivamente.

Essa distinção é expressa por Aristóteles e confirmada por Alberto:
“Potentia est prior tempore, actus autem natura et perfectione.”
A potência é anterior no tempo, mas o ato é anterior na natureza e na perfeição.

Logo, Deus, sendo Ato Puro, é o princípio de todo ser e de toda potência, pois em tudo o que pode ser, o poder deriva do ser que é.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o ato procede da potência quanto ao exercício, mas a potência depende do ato quanto à essência. A semente não teria potência de germinar se não existisse o ser vivo que lhe confere essa virtude.
  2. À segunda, responde-se que a potência não é causa do ato, mas disposição para ele. O verdadeiro princípio é o ato do agente, que move a potência à atualização.
  3. À terceira, deve-se dizer que a potência tende ao ato, mas essa ordenação só é possível porque o ato existe e a atrai. Assim, a potência depende do ato como o potencial depende da perfeição.
  4. À quarta, responde-se que na geração, a potência é anterior no tempo, mas não na natureza. Pois, se não houvesse ato anterior, nada poderia atualizar a potência. Assim, toda geração supõe um ser em ato anterior que age.

Conclusão.

O ato é anterior à potência segundo a natureza, porque esta não tem sentido senão em relação àquele.
O ato é princípio, perfeição e causa da potência; e sem ato, nenhuma potência existiria ou seria concebível.

Diz Alberto:
“Actus est primum et ultimum: primum quia dat esse, ultimum quia complet esse.”
O ato é o primeiro e o último: primeiro porque dá o ser, último porque o completa.

E assim, a ordem do universo é fundada no primado do ato, cuja plenitude culmina em Deus — actus purus, o princípio sem potência, causa e fim de tudo o que é em potência.

Quaestio X — Utrum potentia sit prior actu secundum ordinem generationis

(Se a potência é anterior ao ato segundo a ordem da geração)


Objeções.

  1. Parece que a potência não é anterior ao ato nem mesmo segundo a geração, pois nada pode agir se antes não estiver em ato. Ora, a geração é efeito da ação. Logo, o ato, e não a potência, é primeiro também na geração.
  2. Além disso, toda geração provém de um agente que é em ato, e o agente precede o paciente. Portanto, a potência — enquanto paciente — não pode ser anterior ao ato sequer temporalmente.
  3. Ademais, na ordem da natureza, o ato é perfeição e causa do ser. Mas o que é causa não pode ser posterior nem na geração, pois o efeito depende dele. Logo, o ato é anterior também nesse aspecto.
  4. Ainda, a potência não se torna ato por si mesma, mas por outro. Se o ato não preexistisse em outro, nenhuma potência se atualizaria. Portanto, o ato é anterior em todo sentido, inclusive na geração.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma:
“Potentia est prior actu secundum generationem.”
A potência é anterior ao ato segundo a geração.

E Alberto comenta:
“In fieri semper potentia praecedit actum, quia actus terminus est motus.”
No vir-a-ser, sempre a potência precede o ato, porque o ato é o termo do movimento.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que a potência é anterior ao ato segundo a geração, não absolutamente, mas quanto ao sujeito que se atualiza.

A razão é que toda geração é uma passagem da potência ao ato, e o termo inicial do movimento é sempre aquilo que ainda não é em ato, mas pode vir a sê-lo.
Logo, na consideração do processo gerativo, a potência deve ser primeira, porque o ato é precisamente o fim do movimento.

Diz Alberto:
“Generatio est motus de potentia ad actum; unde, in fieri, potentia est prius.”
A geração é o movimento da potência ao ato; por isso, no vir-a-ser, a potência é primeiro.

No entanto, é preciso distinguir entre três ordens:

  1. Ordo naturae (ordem da natureza) — o ato é primeiro, pois a potência depende dele para ser compreendida.
  2. Ordo generationis (ordem da geração) — a potência é primeira, porque o movimento começa nela.
  3. Ordo perfectionis (ordem da plenitude) — o ato é último, pois é o termo e a consumação da potência.

Assim, enquanto algo está sendo feito (in fieri), ele é potencial antes de ser atual; mas, para que esse processo exista, deve haver um ser em ato anterior que o cause.
Por isso, o ato é anterior como princípio, e a potência é anterior como sujeito.

Alberto formula essa síntese com precisão escolástica:
“Actus est prior ut movens, potentia ut mota; et in generatione, quod movetur prius est quam motus.”
O ato é primeiro como movente, a potência como movida; e na geração, o que é movido é anterior ao movimento.

Portanto, há uma dupla prioridade:

  • Do ato, enquanto princípio eficiente;
  • Da potência, enquanto termo inicial da transformação.

Assim, o ser que se torna homem é primeiro homem em potência, depois homem em ato.
Mas a potência só se atualiza porque existe antes um ato — o gerador humano — que comunica a forma.

Por isso, Aristóteles diz:
“Omne quod generatur, generatur ab aliquo ente in actu.”
Tudo o que é gerado, é gerado por algo que está em ato.

Logo, a potência é anterior quanto à recepção, mas o ato é anterior quanto à produção.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a geração depende do agente em ato, mas começa no paciente em potência. Assim, o ato é primeiro como causa, mas a potência é primeira como sujeito do vir-a-ser.
  2. À segunda, responde-se que o agente é anterior ao paciente, mas, na geração do paciente, este é primeiro em potência antes de receber a forma.
  3. À terceira, deve-se dizer que o ato é causa da perfeição, não do início do movimento. O início pertence à potência, o término ao ato.
  4. À quarta, responde-se que é verdade que nenhuma potência se atualiza sem um ato anterior; porém, no mesmo sujeito que se gera, a potência é anterior ao ato segundo a ordem do tempo e do movimento.

Conclusão.

A potência é anterior ao ato segundo a geração, porque toda geração começa a partir daquilo que ainda não é, mas pode ser; porém, o ato é anterior segundo a natureza, porque é causa da atualização e fim do movimento.

Diz Alberto:
“In ordine fieri, potentia praeexigit actum moventem; sed in ipso mobili, potentia antecedit actum receptum.”
Na ordem do vir-a-ser, a potência pressupõe o ato do motor; mas no próprio móvel, a potência antecede o ato recebido.

E, portanto, há uma harmonia circular entre ambos:
a potência prepara, o ato realiza;
o ato move, a potência recebe;
e o universo, assim, respira entre o ser em potência e o ser em ato — uma tensão eterna que só se resolve em Deus, actus purus, onde potência e vir-a-ser cessam absolutamente.

Quaestio XI — Utrum actus sit nobilior potentia

(Se o ato é mais nobre que a potência)


Objeções.

  1. Parece que a potência é mais nobre que o ato, pois o que é princípio parece mais digno que o que depende dele. Ora, a potência é o princípio do ato, como aquilo que pode é princípio daquilo que faz. Logo, a potência é mais nobre.
  2. Além disso, a potência pertence àquilo que é indeterminado e universal, enquanto o ato limita e determina. Ora, o universal é mais nobre que o particular. Logo, a potência, por conter várias possibilidades, é mais excelente que o ato, que contém uma só.
  3. Ademais, o ato é consumação da potência e, portanto, seu fim. Mas aquilo que é fim é posterior e depende do anterior. Logo, o ato é inferior por depender da potência para existir.
  4. Ainda, no homem, a potência de conhecer é mais ampla que qualquer conhecimento atual, pois a mente em potência pode conhecer infinitas coisas, mas em ato conhece poucas. Logo, a potência é mais nobre por amplitude.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma no Livro IX da Metafísica:
“Actus nobilior est potentia, sicut perfectum imperfecto.”
O ato é mais nobre que a potência, assim como o perfeito é mais nobre que o imperfeito.

E Alberto comenta:
“Actus est ratio perfectionis, potentia vero defectus.”
O ato é razão de perfeição, a potência é razão de deficiência.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o ato é absolutamente mais nobre que a potência, porque toda nobreza e perfeição se medem pelo grau de atualidade do ser.

O ser em ato é o ser completo, determinado e perfeito; o ser em potência é o ser incompleto, indeterminado e ordenado a outro.
Logo, a dignidade do ente está na medida em que ele é atual, e sua imperfeição, na medida em que é potencial.

Diz Alberto:
“Nobilitas rei mensuratur secundum actum; nam esse est in actu, non in potentia.”
A nobreza da coisa se mede pelo ato, pois o ser consiste no ato, não na potência.

Assim, a forma é mais nobre que a matéria, pois é ato da matéria;
a alma é mais nobre que o corpo, pois é ato do corpo;
e Deus, sendo Ato Puro, é a mais nobre de todas as realidades.


1. Pela razão de perfeição

A perfeição é o ato da potência.
Tudo o que é perfeito está em ato; o que é imperfeito, está em potência.
Logo, o ato, enquanto perfeição, é naturalmente superior ao que é apenas capacidade.

Aristóteles ensina:
“Perfectum est finis potentiae, et finis est melior eo quod est propter finem.”
O perfeito é o fim da potência, e o fim é melhor do que aquilo que é por causa do fim.

Assim, o ato não apenas supera a potência, mas lhe dá o ser, o sentido e a finalidade.


2. Pela razão de causalidade

Toda causa eficiente age enquanto está em ato, e toda causa final move enquanto é ato desejado.
Portanto, todo ser em potência depende de um ser em ato para tornar-se aquilo que pode ser.
Logo, o ato é mais nobre, pois é causa e medida da potência.

Diz Alberto:
“Actus dat esse potentiae, et sine actu potentia nec intelligitur nec est.”
O ato dá o ser à potência, e sem o ato, a potência nem é inteligível nem existe.


3. Pela razão de hierarquia do ser

Em toda a cadeia do ser, a nobreza aumenta conforme cresce a atualidade:

  • nos corpos, o fogo é mais nobre que a terra, porque é mais atual e formal;
  • nas almas, a intelectiva é mais nobre que a sensitiva;
  • nos seres espirituais, o anjo é mais nobre que o homem, e Deus é o ápice da atualidade.

A potência, por sua vez, é sempre dependência, disposição e expectativa — é algo “para outro”.
O ato, ao contrário, é algo “em si e por si”.

Portanto, o ato é nobre por si mesmo, e a potência, por ordenação ao ato.


4. Pela razão de similitude divina

Deus é Ato Puro, sem mistura de potência.
Tudo o que participa mais do ser em ato participa mais da semelhança divina.
Logo, quanto mais atual é algo, mais próximo está de Deus, e, portanto, mais nobre.

Alberto expressa com clareza:
“Actus est imago Dei, potentia imago nihili.”
O ato é imagem de Deus; a potência, imagem do nada.

Assim, a potência é nobre somente enquanto tende ao ato; fora disso, é pura possibilidade, quase sombra do ser.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a potência é princípio do ato apenas secundum quid, não simpliciter. O verdadeiro princípio é o ato que move e atualiza.
  2. À segunda, responde-se que o universal é mais nobre apenas no modo de conhecer, não no modo de ser. O ato, embora determinado, é mais real; a potência, embora ampla, é menos efetiva.
  3. À terceira, deve-se dizer que o fim é posterior no tempo, mas superior na dignidade. Assim, o ato, sendo fim da potência, é posterior como termo, mas anterior como perfeição.
  4. À quarta, responde-se que a potência cognitiva é mais ampla quanto à possibilidade, mas o ato de conhecer é mais nobre quanto à realidade. Pois conhecer em ato é mais perfeito que poder conhecer infinitamente sem o fazer.

Conclusão.

O ato é mais nobre que a potência, porque o ser e toda perfeição residem no ato, e a potência nada é senão a ordenação a ele.
A potência participa da nobreza do ato como a lua participa da luz do sol — por reflexo e dependência.

Diz Alberto, concluindo com vigor metafísico:
“Actus est esse rei; potentia est in via ad esse. Quapropter actus est simpliciter nobilior.”
O ato é o ser da coisa; a potência é o caminho para o ser. Por isso, o ato é absolutamente mais nobre.

E assim, o universo inteiro tende do possível ao atual, da obscuridade da potência à claridade do ato — movimento que se resolve e repousa no Ato Puro, que é Deus, fim e forma de toda nobreza ontológica.

Quaestio XII — Utrum aliquid possit esse simul actu et potentia respectu eiusdem

(Se algo pode estar simultaneamente em ato e em potência sob o mesmo aspecto)


Objeções.

  1. Parece que algo pode estar ao mesmo tempo em ato e em potência quanto ao mesmo, pois vemos que o mesmo ser é, de certo modo, em ato e em potência. Por exemplo, o homem que aprende é homem em ato, mas cientista em potência; logo, há uma simultaneidade de ato e potência no mesmo sujeito.
  2. Além disso, Aristóteles diz que o movimento é o ato do ente em potência, enquanto tal. Ora, se o movimento é ato e pertence a algo ainda em potência, então o mesmo sujeito é simultaneamente em ato e em potência.
  3. Ademais, tudo o que muda, enquanto muda, possui algo de atual e algo de potencial. Pois se fosse apenas potência, nada se moveria; se fosse apenas ato, nada se transformaria. Logo, é necessário que o mesmo seja, sob certo aspecto, em ato e em potência.
  4. Ainda, a forma e a matéria constituem uma única substância, e a forma é ato, a matéria, potência. Logo, o mesmo composto é simultaneamente ato e potência, e assim algo pode ser ambos ao mesmo tempo.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles ensina no Livro IX da Metafísica:
“Nihil est simul in actu et potentia secundum idem et ad idem.”
Nada pode estar ao mesmo tempo em ato e em potência segundo o mesmo e sob o mesmo aspecto.

E Alberto comenta:
“Contradictoria non possunt simul convenire; actus et potentia sunt secundum oppositas rationes.”
Os contraditórios não podem coexistir; e o ato e a potência são opostos segundo sua razão própria.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que é impossível que algo esteja simultaneamente em ato e em potência segundo o mesmo e sob o mesmo aspecto, embora o mesmo sujeito possa sê-lo sob aspectos diversos.

A razão é que ato e potência são contradições relativas — um implica perfeição e atualização; o outro, imperfeição e ordenação ao ato.
Assim, o que é em ato quanto a uma forma não pode, ao mesmo tempo, ser em potência para essa mesma forma; seria afirmar e negar o mesmo do mesmo, o que é impossível.

Diz Alberto:
“Esse in actu est esse completum; esse in potentia est esse incompletum. Non potest ergo idem esse completum et incompletum eodem modo.”
Estar em ato é estar completo; estar em potência é estar incompleto. Portanto, o mesmo não pode ser completo e incompleto do mesmo modo.


1. Distinção de aspectos

O mesmo sujeito pode ser em ato sob um aspecto e em potência sob outro.
Por exemplo, o homem que sabe gramática é em ato gramático, mas em potência músico.
Aqui não há contradição, porque os aspectos diferem.

Aristóteles ensina:
“Idem secundum aliud et aliud potest esse actu et potentia, non autem secundum idem.”
O mesmo pode ser em ato e em potência quanto a coisas diversas, mas não quanto à mesma.


2. O caso do movimento

O movimento parece ser meio-termo entre ato e potência, mas não é propriamente mistura deles.
O movimento é ato do ente em potência enquanto tal, isto é, é a atualização progressiva da potência, não a coincidência de ato e potência.

Diz Alberto:
“Motus est actus imperfectus; est medium inter potentiam et actum perfectum.”
O movimento é um ato imperfeito; é o meio entre a potência e o ato perfeito.

Assim, durante o movimento, o sujeito ainda não é plenamente em ato, mas já não é pura potência.
Contudo, ele nunca é ambos sob o mesmo aspecto: é em ato quanto ao passo dado, e em potência quanto ao passo futuro.


3. A composição de forma e matéria

A substância composta é simultaneamente ato e potência, mas não sob o mesmo aspecto.
A forma é ato; a matéria é potência.
O mesmo composto participa de ambos, mas o mesmo princípio que é forma não é potência, e o mesmo que é matéria não é ato.

Diz Alberto:
“Compositum est ex actu et potentia, sed secundum diversa principia; materia est potentia, forma est actus.”


4. Consequência metafísica

Se algo pudesse ser simultaneamente em ato e em potência quanto ao mesmo, destruir-se-ia a distinção entre ser e vir-a-ser.
Nada poderia mudar, pois o ato não teria sentido de termo, nem a potência de origem.
O universo seria uma contradição em ato.

Assim, a ordem do ser se mantém porque ato e potência se alternam segundo proporção e sucessão, nunca por confusão.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o homem que aprende é em ato homem, e em potência sábio; não é em potência e em ato quanto ao mesmo, mas quanto a coisas diversas.
  2. À segunda, responde-se que o movimento é ato do ente em potência, não porque seja simultaneamente ato e potência, mas porque está entre ambos — ato imperfeito, ainda não consumado.
  3. À terceira, deve-se dizer que o ser que muda tem algo de ato (o movimento já iniciado) e algo de potência (o que falta), mas não o mesmo em ambos.
  4. À quarta, responde-se que o composto é ato e potência apenas segundo partes distintas — forma e matéria — e, portanto, não há simultaneidade no mesmo princípio.

Conclusão.

Nada pode estar simultaneamente em ato e em potência sob o mesmo aspecto, pois isso implicaria contradição direta.
O ato exclui a potência quanto ao mesmo; a potência cede ao ato quando este se realiza.

Diz Alberto:
“Actus et potentia ordinantur, non confunduntur: alter est finis, alter via.”
Ato e potência se ordenam, não se confundem: um é o fim, o outro o caminho.

E, por isso, toda realidade criada é tensão entre ambos — o ato como luz, a potência como sombra que a acolhe —, mas nunca fusão simultânea do mesmo e do seu contrário.
Somente em Deus, onde não há potência alguma, o ser é puro e indiviso, repousando no ato absoluto que move todas as potências sem se mover.

Quaestio XIII — Utrum potentia sit principium defectus

(Se a potência é princípio do defeito)


Objeções.

  1. Parece que a potência não é princípio do defeito, pois todo princípio de defeito parece conter algo de mal. Ora, a potência é princípio natural das coisas, ordenada ao ato, e o que é natural não é causa do mal. Logo, a potência não pode ser princípio do defeito.
  2. Além disso, a potência, enquanto tal, é capacidade para o ser, não para o não-ser. Mas o defeito se refere ao não-ser. Portanto, a potência não é princípio de defeito, mas de perfeição.
  3. Ademais, todo defeito é privação. Ora, a privação só existe em algo que é em potência; mas ela não procede da potência, senão de uma causa deficiente que a introduz. Logo, o defeito vem do agente, não da potência.
  4. Ainda, Deus criou toda natureza boa, e a potência é parte essencial dessa natureza. Se a potência fosse princípio de defeito, Deus seria causa do mal. Portanto, é absurdo afirmar que a potência é princípio de defeito.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles ensina no Livro IX da Metafísica:
“Defectus consequitur materiam et potentiam.”
O defeito acompanha a matéria e a potência.

E Alberto comenta:
“Ubi potentia est sine actu completo, ibi est possibilitas defectus.”
Onde há potência sem ato completo, há possibilidade de defeito.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que a potência é princípio de defeito não por si, mas por concomitância, isto é, enquanto é potência imperfeita, sem plena atualização.

A potência, em sua natureza própria, é ordenada ao ato e, portanto, boa; mas, justamente porque não é ato, deixa espaço para a ausência de perfeição — e essa ausência é o defeito.

Diz Alberto:
“Potentia est radix boni et mali: boni, inquantum est susceptiva perfectionis; mali, inquantum est susceptiva privationis.”
A potência é raiz do bem e do mal: do bem, enquanto recebe a perfeição; do mal, enquanto pode receber a privação.


1. A causa remota do defeito

O defeito, metafisicamente, não tem causa eficiente direta.
É uma privatio — uma carência de forma ou ato devido à limitação do sujeito.
Ora, essa limitação é própria da potência, pois a potência é o “ainda não”.

Assim, onde há potência, há possibilidade de não-ser em ato, e, por isso, possibilidade de falhar, de perder, de carecer.
Logo, a potência é princípio de possibilidade do defeito, não de sua produção.

Alberto distingue:
“Non est potentia causa defectus effective, sed dispositive.”
A potência não é causa do defeito de modo eficiente, mas apenas dispositiva.


2. O vínculo entre matéria e corrupção

Como a matéria é pura potência para a forma, tudo o que é material está sujeito à corrupção, porque pode perder a forma que possui.
Essa passividade da matéria é o fundamento de toda imperfeição e mutabilidade.

Diz Alberto:
“Materiae competit corrumpi, quia est in potentia ad contrariam formam.”
Compete à matéria corromper-se, porque está em potência para a forma contrária.

Logo, todo defeito físico e toda corrupção natural têm sua raiz na potência da matéria — que, por não ser plenitude de ato, admite a possibilidade de privação.


3. A potência e o mal moral

No âmbito da vontade, também o defeito nasce da potência:
o homem pode errar porque sua vontade é potência para o bem, mas não ato puro do bem.
Deus, sendo ato puro, não pode querer o mal; o homem, sendo potência, pode desviar-se.

Assim, a possibilidade do mal moral é consequência da imperfeição da potência racional.
Alberto afirma:
“Voluntas est bona in actu; mala autem, in quantum deficit ab actu boni.”
A vontade é boa quando está em ato; má, quando falha no ato do bem.


4. A distinção final: potência como condição, não como culpa

A potência não é causa culpável do defeito, mas condição ontológica que o torna possível.
O defeito procede formalmente da ausência de ato; materialmente, da potência que o suporta; e ocasionalmente, de causas que falham em atualizar o que poderiam.

Portanto, dizer que a potência é princípio do defeito significa apenas que ela é o lugar possível do defeito, não sua fonte intencional.

Diz Alberto, sintetizando:
“Potentia non efficit defectum, sed patitur; est subiectum in quo defectus contingit.”
A potência não produz o defeito, mas o padece; é o sujeito em que o defeito acontece.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a potência é boa em si mesma, mas, por ser incompleta, é suscetível de ausência de bem. Portanto, é princípio de defeito per accidens, não per se.
  2. À segunda, responde-se que a potência é ordenada ao ser, mas o defeito se dá quando essa ordenação não alcança o ato devido. Assim, a potência é princípio remoto do defeito, não do não-ser absoluto.
  3. À terceira, deve-se dizer que o defeito nasce da falha do agente em atualizar a potência. No entanto, essa falha é possível porque há potência passiva receptiva do defeito.
  4. À quarta, responde-se que Deus é causa da potência enquanto boa e ordenada ao ato; o defeito nasce da finitude dessa potência criada, não da vontade divina.

Conclusão.

A potência é princípio de defeito, não como causa eficiente, mas como condição passiva da imperfeição.
Pois onde há potência, há possibilidade de privação; e onde há privação, há espaço para o defeito.

Diz Alberto:
“Ubi est potentia, ibi est via ad perfectionem vel defectum: quod deficit, deficit in potentia, non in actu.”
Onde há potência, há caminho para a perfeição ou para o defeito: o que falha, falha na potência, não no ato.

E assim se mostra que todo mal e toda corrupção são sinais do ser em potência, isto é, do ser incompleto, que somente no Ato Puro, em Deus, se torna incapaz de qualquer falha ou defeito.

Quaestio XIV — Utrum actus sit plenitudo entis

(Se o ato é a plenitude do ente)


Objeções.

  1. Parece que o ato não é a plenitude do ente, pois o ato é algo acrescentado à potência. Ora, o que é acrescentado não é a plenitude, mas uma parte. Logo, o ato é parte do ser, não sua plenitude.
  2. Além disso, a plenitude implica perfeição absoluta. Mas nenhum ato criado é perfeito absolutamente, pois todo ato finito é limitado. Logo, o ato não é plenitude do ser, a menos que se fale do Ato Puro, que é Deus.
  3. Ademais, a essência de uma coisa é distinta do seu ato de ser (esse). Ora, se o ato fosse a plenitude do ente, ele coincidiria com a essência, o que é falso nas criaturas. Portanto, o ato não é plenitude, mas uma de suas dimensões.
  4. Ainda, a plenitude parece indicar algo imóvel e consumado. Mas o ato, em muitos casos, é transitório e mutável, como o ato de mover ou de entender. Logo, o ato não é plenitude, mas operação incompleta.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma no Livro IX da Metafísica:
“Actus est perfectio entis.”
O ato é a perfeição do ente.

E Alberto comenta:
“Actus est completio potentiae et plenitudo essendi.”
O ato é a completude da potência e a plenitude do ser.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o ato é a plenitude do ente, porque é nele que o ser se consuma e atinge sua determinação última.

A potência, por si só, não é ente plenamente, mas capacidade de sê-lo; o ato é o que dá realidade àquilo que é possível.
Por isso, toda plenitude de ser consiste em ato — seja ele forma, operação ou subsistência.

Diz Alberto:
“Esse non est nisi in actu; unde plenitudo entis est actus.”
O ser não existe senão em ato; por isso, a plenitude do ente é o ato.


1. Pela relação entre potência e ato

A potência é ordenada ao ato como o inacabado ao acabado.
Enquanto a potência tende ao ato, o ser está em via; quando alcança o ato, está em termo e plenitude.
Assim, o ato não é apenas parte, mas consumação da potência.

Alberto explica:
“Actus non additur potentiae quasi pars, sed quasi perfectio ipsius.”
O ato não é acrescentado à potência como parte, mas como perfeição dela.

Logo, toda a realidade, enquanto plena, é atual; e o que carece de ato carece de plenitude ontológica.


2. Pela analogia das formas

A forma é o primeiro ato do ser natural: dá ser à matéria.
A operação é o segundo ato: manifesta o ser perfeito em ato.
Em ambos os casos, o ato é plenitude — no primeiro, do existir; no segundo, do agir.

Por isso, Aristóteles distingue:

  • Actus primus, que é o ser essencial;
  • Actus secundus, que é o exercício da potência.

Ambos completam a realidade, o segundo manifestando a plenitude do primeiro.


3. Pela causalidade do ser

Todo ser é mais real na medida em que está em ato.
O ato, sendo atualização da essência, é o que faz algo ser plenamente aquilo que é.
Sem ato, o ente não é completo, mas apenas virtual.

Assim, o ato é a plenitude porque contém em si o fundamento da perfeição e da inteligibilidade.

Alberto afirma:
“In actu est totum esse rei; potentia habet esse inchoatum.”
No ato está todo o ser da coisa; na potência, o ser é apenas iniciado.


4. Pela similitude divina

Deus é chamado actus purus, porque em Nele o ser é plenitude absoluta, sem mistura de potência.
Tudo o que participa do ser o faz pela comunicação do ato divino, que é plenitude em si e fonte de toda atualização.

Logo, quanto mais um ente participa do ato, mais pleno e mais semelhante a Deus ele é.

Diz Alberto:
“Actus purus est plenitudo simpliciter; actus participatus est plenitudo secundum modum recipientis.”
O Ato Puro é plenitude de modo absoluto; o ato participado é plenitude segundo a medida do recipiente.


5. A plenitude do ser e a verdade

O ente é verdadeiro enquanto está em ato, pois o ato é o que manifesta o ser inteligível.
A verdade, a bondade e a perfeição são, portanto, conversíveis com o ato.
Por isso, a plenitude do ser é também plenitude da verdade e do bem.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o ato não é parte da potência, mas sua consumação. Assim como a forma não é parte da matéria, mas o que a torna algo, o ato não é parte, mas termo e plenitude.
  2. À segunda, responde-se que o ato criado não é plenitude absoluta, mas plenitude segundo o grau do ente. Cada coisa é plena conforme o modo de sua atualidade.
  3. À terceira, deve-se dizer que o ato de ser (esse) é plenitude da essência, mas não se identifica com ela nas criaturas, porque nelas há composição. Em Deus, ao contrário, essência e ser são um só ato, e, portanto, plenitude simpliciter.
  4. À quarta, responde-se que o ato de mover ou de entender é perfeito no gênero da operação; se parece transitório, é porque pertence a um ser finito. Em Deus, ato e operação são imutáveis e eternos.

Conclusão.

O ato é a plenitude do ente, porque nele se consuma toda a possibilidade e se realiza o ser em sua determinação plena.
A potência é o caminho, o ato é o termo; a potência é o início, o ato é a consumação.

Diz Alberto:
“Actus est plenitudo entis, sicut lux est plenitudo coloris.”
O ato é a plenitude do ser, como a luz é a plenitude da cor.

E assim, em cada grau do universo, o ser é pleno na medida em que é atual, e imperfeito na medida em que é apenas possível.
A culminação dessa plenitude é Deus — actus purus et plenitudo essendi, no qual toda potência se resolve e todo ser encontra sua consumação.

Quaestio XV — Utrum Deus sit actus purus

(Se Deus é ato puro)


Objeções.

  1. Parece que Deus não é ato puro, pois todo ato parece ser determinado e finito. Ora, Deus é infinito e ilimitado. Logo, se o ato é determinação, Deus não pode ser ato puro, mas deve conter também potência infinita.
  2. Além disso, toda operação supõe uma potência correspondente. Se Deus conhece e age, como afirmam os filósofos, deve haver n’Ele potência cognoscitiva e potência operativa. Portanto, não é puro ato.
  3. Ademais, o ato implica passagem da potência à perfeição. Ora, em Deus não há passagem, nem sucessão, nem mudança. Logo, não se pode dizer que Ele é ato, mas antes essência imóvel, acima de toda operação.
  4. Ainda, se Deus fosse puro ato, nada poderia proceder d’Ele, pois o ato puro é consumação. Ora, Deus é causa de todas as coisas. Logo, Ele deve ter algo de potência para poder produzir o que ainda não é.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma no Livro XII da Metafísica:
“Deus est actus purus, immotus et aeternus.”
Deus é ato puro, imóvel e eterno.

E Alberto comenta:
“Deus est actus sine potentia, quia in ipso esse est idem quod posse et operari.”
Deus é ato sem potência, porque n’Ele o ser é o mesmo que o poder e o operar.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que Deus é ato puro, sem mistura alguma de potência, porque n’Ele o ser é absolutamente perfeito e indivisível.

A potência é princípio de mutabilidade e imperfeição; o ato é perfeição consumada.
Ora, Deus é o primeiro ser e a primeira causa, em quem não há imperfeição nem mutabilidade.
Logo, n’Ele não há potência — nem passiva, porque não pode ser movido por outro; nem ativa distinta do ato, porque Sua operação é idêntica ao Seu ser.

Diz Alberto:
“In Deo esse est actus primus, et operari actus secundus; sed uterque idem est secundum rem.”
Em Deus, o ser é ato primeiro, e o operar é ato segundo; mas ambos são o mesmo segundo a realidade.


1. Pela simplicidade divina

Deus é absolutamente simples.
Em todo composto, há potência e ato: matéria e forma, essência e existência, sujeito e acidente.
Mas em Deus nada é composto: Ele é sua própria forma, sua própria essência e seu próprio ser.

Logo, onde não há composição, não há potência.
Assim, Deus é ato puro porque n’Ele não há potencialidade para ser algo mais do que é.

Alberto expressa:
“Simplicitas divina excludit potentiam, quia omnis potentia est ordinis ad aliud.”
A simplicidade divina exclui a potência, porque toda potência é ordenação a outro.


2. Pela imutabilidade

O que está em potência pode mudar, pois pode ser outro do que é.
Mas Deus é absolutamente imutável — incommutabilis secundum esse et operationem.
Logo, não há n’Ele potência alguma, pois toda potência é raiz do movimento.

Diz Alberto:
“Quod movetur, est in potentia; quod non movetur, est in actu perfecto.”
O que se move está em potência; o que não se move está em ato perfeito.

Portanto, Deus, sendo o primeiro imóvel, é ato puríssimo, sem qualquer vestígio de potência passiva.


3. Pela infinitude e plenitude

A potência é limitada, porque depende do ato para ser algo.
O ato é ilimitado quando é plenitude do ser, isto é, quando não há nada fora dele a ser recebido.

Deus é o ser em sua totalidade, a plenitude absoluta — plenitudo essendi.
Nada há fora d’Ele que possa ser acrescentado; nada dentro d’Ele que possa ser atualizado.
Por isso, Ele é ato puro e infinito.

Alberto formula:
“Actus purus est infinitus, quia nihil est in eo quod sit in potentia.”
O ato puro é infinito, porque nada há nele que esteja em potência.


4. Pela causalidade

Deus é causa primeira de tudo. Ora, todo agente age enquanto está em ato.
Logo, se Deus é causa de todos os seres, Ele deve ser ato por essência.

Mas como Sua ação é eterna e imutável, o ato n’Ele não é transitório, mas subsistente.
Assim, Ele é actus essendi, o próprio ser em ato que comunica o ser a tudo.

Diz Alberto:
“Deus est actus essendi per essentiam; alia vero sunt actus per participationem.”
Deus é ato de ser por essência; os demais são atos por participação.


5. Pela ausência de potência ativa distinta

Alguns antigos afirmaram que Deus tem potência ativa, mas isso é falso se entendida como princípio distinto do ato.
Pois o poder divino não é faculdade diferente do ser, mas o próprio ser enquanto causa.

Assim, a potência em Deus é idêntica ao ato; não é potência para o ser, mas potência de comunicar o ser — isto é, a onipotência.

Alberto distingue:
“Potentia Dei non est possibilitas, sed virtus actus eterni.”
A potência de Deus não é possibilidade, mas a força do ato eterno.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o ato não é limitação senão nas criaturas. No Criador, o ato é plenitude sem limite, porque é ser absoluto.
  2. À segunda, responde-se que em Deus não há potência cognoscitiva distinta do ato de conhecer, pois conhecer é o próprio ser divino.
  3. À terceira, deve-se dizer que o ato em Deus não implica passagem, mas perfeição subsistente. Ele é ato, não de vir-a-ser, mas de ser eternamente.
  4. À quarta, responde-se que o ato puro não impede a produção das coisas, pois a causalidade divina é difusiva do ser.
    O ato supremo é, por natureza, comunicativo, não por necessidade, mas por perfeição.

Conclusão.

Deus é ato puro, porque n’Ele não há potência alguma — nem passiva, porque nada pode movê-Lo; nem ativa distinta do ser, porque Sua operação é o próprio ser.
Ele é simplicidade absoluta, plenitude do ser e fonte de todo ato criado.

Diz Alberto, encerrando com rigor escolástico:
“In Deo esse, vivere, intelligere, velle, operari unum sunt, quia actus est purus et idem in omnibus.”
Em Deus, ser, viver, inteligir, querer e operar são uma só coisa, porque Ele é ato puro e o mesmo em tudo.

Assim, o que nas criaturas é dividido — essência e ato, potência e operação — em Deus é uno, eterno e sem sombra de vir-a-ser: o Ato Puro, motor imóvel, fim de todo movimento, causa de toda realidade.

Quaestio XVI — Utrum in Deo sit potentia aliqua

(Se há em Deus alguma potência)


Objeções.

  1. Parece que há em Deus alguma potência, pois Ele é chamado onipotente. Ora, o nome potentia deriva de posse. Logo, se Deus é onipotente, deve possuir potência — e potência infinita.
  2. Além disso, em toda substância viva há potência operativa. Ora, Deus é vivo e age; portanto, há n’Ele potência de agir e de operar.
  3. Ademais, a potência segue-se ao poder de causar. Mas Deus é causa de todas as coisas e, portanto, deve conter em Si potência universal.
  4. Ainda, o poder de fazer algo novo supõe potência. Ora, Deus criou o mundo ex nihilo, o que requer máxima potência. Logo, há em Deus potência criadora.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma no Livro XII da Metafísica:
“In Deo nulla est potentia, sed actus purus.”
Em Deus não há potência, mas ato puro.

E Alberto comenta:
“Deus non habet potentiam passivam nec activam distinctam ab actu, quia eius posse est ipsum esse.”
Deus não possui potência passiva nem ativa distinta do ato, porque o Seu poder é o próprio ser.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que em Deus não há potência alguma, nem passiva, nem ativa, tomada como princípio distinto do ato; contudo, há virtus infinita, que os teólogos chamam de potentia Dei, não por composição, mas por excelência do ato.

Explica-se assim:

  1. Potentia passiva é aquilo que pode ser movido ou atualizado por outro; essa é inteiramente excluída de Deus, pois Ele é imutável e não pode receber nada.
  2. Potentia activa, se tomada como faculdade distinta do ser, também é excluída; mas se tomada como virtus operativa identificada com o próprio ser, então convém a Deus eminentemente.

Diz Alberto:
“In Deo potentia est idem quod actus; non est possibilitas, sed plenitudo agendi.”
Em Deus, a potência é o mesmo que o ato; não é possibilidade, mas plenitude de agir.


1. Distinção entre potência e virtude

A confusão nasce porque o termo potentia é dito em muitos sentidos.
Nos seres criados, potência significa capacidade distinta do ato.
Em Deus, significa virtude ou poder (virtus agendi), que é ato puríssimo.

Assim, o poder de Deus não é potencialidade, mas eficácia do ser.

Aristóteles já afirmara:
“In Deo potentia est secundum actum, non secundum privationem.”
Em Deus, a potência é segundo o ato, não segundo a privação.


2. Exclusão da potência passiva

Nada em Deus pode ser movido, recebido ou alterado.
A potência passiva supõe receptividade, e onde há receptividade, há limitação.
Mas Deus é ilimitado, perfeito e simples.

Diz Alberto:
“Potentia passiva est materiae, non formae purae. Deus autem est forma pura.”
A potência passiva pertence à matéria, não à forma pura. Ora, Deus é forma puríssima.

Logo, é impossível que haja n’Ele potência de receber algo.


3. A operação divina é ato subsistente

Deus opera não como quem passa do poder ao ato, mas como aquele cujo ser é operação eterna.
A potência de agir n’Ele não é princípio anterior à ação, mas a própria ação enquanto eterna e fontal.

Por isso, diz Alberto:
“In Deo agere est esse; et ideo potentia operativa est ipsum esse divinum.”
Em Deus, agir é ser; e, portanto, a potência operativa é o próprio ser divino.

Assim, o que em nós é sucessão — poder, depois ato —, em Deus é identidade perfeita: poder é ato, ato é ser.


4. A onipotência divina reinterpretada

Quando dizemos que Deus é onipotente, falamos por analogia:
não porque Ele tenha potência em sentido de possibilidade,
mas porque Seu ato é tão pleno que pode produzir todo o possível.

A onipotência é, pois, a amplitude do ato, não o vestígio de uma potência.
Deus é onipotente porque Seu ato é causa universal, e nada lhe resiste.

Alberto define com precisão:
“Omnipotentia Dei est infinitas virtus actus, non potentia possibilis.”
A onipotência de Deus é a virtude infinita do ato, não a potência do possível.


5. Consequência metafísica

Se houvesse em Deus potência distinta do ato, Ele dependeria de algo — do ato que a atualizasse —, e, portanto, não seria causa primeira nem ser necessário.
Toda composição supõe dependência; mas Deus é absolutamente simples.

Logo, o conceito mesmo de potência, enquanto princípio ordenado a outro, é incompatível com a natureza divina.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a onipotência de Deus não implica potência em sentido passivo, mas virtude ativa idêntica ao ser. Ele é onipotente porque nada há fora do alcance de Seu ato.
  2. À segunda, responde-se que em Deus não há potência operativa distinta do ato de operar, pois Seu viver e agir são o próprio ser eterno.
  3. À terceira, deve-se dizer que Deus é causa de todas as coisas por ato puro; não age a partir de potência, mas pela superabundância de Sua atualidade.
  4. À quarta, responde-se que criar ex nihilo não requer potência possível, mas virtude atual infinita; pois somente o ato pleno pode comunicar o ser ao nada.

Conclusão.

Em Deus não há potência alguma, nem como possibilidade, nem como faculdade distinta do ato; mas há virtus infinita, que é o próprio ser eterno em sua capacidade de causar.
A potência é excluída, mas o poder é afirmado.

Diz Alberto, com clareza teológica:
“In Deo potentia et actus unum sunt; sed dicitur potens, quia actus eius ad omnia se extendit.”
Em Deus, potência e ato são uma só coisa; mas diz-se potente, porque Seu ato se estende a todas as coisas.

E assim, Deus é ato puríssimo e onipotente — não porque contenha potência, mas porque nenhuma potência o contém.
Toda força, todo ser e todo ato procedem de Seu ser indiviso, que é poder em ato, eternidade em operação e essência sem possibilidade.

Quaestio XVII — Utrum in creaturis sit compositio actus et potentiae

(Se nas criaturas há composição de ato e potência)


Objeções.

  1. Parece que nas criaturas não há composição de ato e potência, pois toda composição supõe distinção real entre os componentes. Ora, o ser é simples, e o que é uno segundo o ser não pode conter partes realmente distintas. Logo, nas criaturas não há composição de ato e potência, mas apenas distinção de razão.
  2. Além disso, o ato e a potência são princípios transcendentais que se dizem de todo ente. Ora, o transcendente não se compõe de si mesmo. Logo, o ente não se compõe de ato e potência, mas é uma só realidade considerada sob dois aspectos.
  3. Ademais, toda composição requer um composto distinto de seus princípios. Ora, se nas criaturas o ato é o ser e a potência é a essência, o composto seria algo além de ambos — o que levaria a regressão infinita. Logo, não há verdadeira composição.
  4. Ainda, em muitos seres criados, como as formas espirituais e os anjos, não há matéria nem potencialidade corporal. Logo, neles, ao menos, não há composição de ato e potência.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles ensina no Livro IX da Metafísica:
“Omne quod movetur, compositum est ex potentia et actu.”
Tudo o que se move é composto de potência e ato.

E Alberto comenta:
“In creaturis omnis perfectio est recepta; receptio autem est ex potentia et actu.”
Em todas as criaturas, toda perfeição é recebida; e toda recepção supõe potência e ato.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que em toda criatura há composição de ato e potência, embora não do mesmo modo em todos os níveis do ser.
Essa composição é a marca universal da contingência e da finitude, e distingue o Criador das criaturas.

A razão é a seguinte:
O ser em ato puro é absolutamente simples — esse é o caso de Deus.
Mas todo o que é criado participa do ser, e o que participa é misto: recebe o ato e o limita pela potência.

Logo, a essência criada é potência em relação ao ato de ser, e o ato de ser é a atualização dessa essência.

Diz Alberto:
“In omni creatura est potentia ad esse et actus essendi; et haec duo componuntur in uno ente.”
Em toda criatura há potência para o ser e ato de ser; e esses dois se compõem num mesmo ente.


1. A composição essencial

Nas substâncias corpóreas, essa composição manifesta-se duplamente:

  • pela matéria e forma, que são potência e ato no nível físico;
  • pela essência e o ser, que são potência e ato no nível metafísico.

Assim, o corpo é composto de matéria (potência) e forma (ato), e a substância mesma, por sua vez, é potência em relação ao ser que a atualiza.

Alberto distingue com clareza:
“Materia et forma sunt potentia et actus in genere substantiae; essentia et esse sunt potentia et actus in ordine entis.”
Matéria e forma são potência e ato no gênero da substância; essência e ser são potência e ato na ordem do ente.


2. Nas substâncias espirituais

Mesmo os anjos e as almas, que não têm matéria, têm potência — não material, mas essencial.
Pois sua essência não é o próprio ser, mas algo que pode participar do ser.
Logo, ainda neles há composição: a essência é potência, o ser é ato.

Diz Alberto:
“Etiam substantiae separatae sunt compositae ex potentia et actu, quia esse earum non est essentia earum.”
Mesmo as substâncias separadas são compostas de potência e ato, porque o seu ser não é a sua essência.


3. Consequência metafísica

A composição de ato e potência é o fundamento da distinção entre o necessário e o contingente:

  • O ser necessário é aquele em que ato e potência são idênticos (Deus).
  • O ser contingente é aquele em que o ato é recebido na potência (criatura).

Assim, a limitação de todo ente criado nasce da potência que restringe o ato segundo sua capacidade de receber.

Por isso, o ser da criatura é sempre “participado” — nunca pleno em si.

Alberto formula o princípio com precisão:
“Actus determinatur per potentiam recipientem; unde omnis creatura est finita.”
O ato é determinado pela potência que o recebe; por isso, toda criatura é finita.


4. A relação com a causalidade divina

Deus, sendo ato puro, é causa universal de toda composição.
Ele comunica o ser, que é ato, às essências que são potência.
Assim, a criação é o influxo do ato divino na potência do nada — a passagem do não-ser ao ser.

E como cada criatura recebe o ser segundo o modo de sua potência, o universo é hierarquia de graus de ato e potência.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o ser criado é simples apenas quanto à unidade da substância, mas composto quanto aos princípios metafísicos. A distinção entre ato e potência não divide, mas constitui o ser.
  2. À segunda, responde-se que ato e potência são princípios transcendentais, mas não como gêneros; são modos universais do ente, cuja composição dá origem a toda realidade.
  3. À terceira, deve-se dizer que o composto não é algo além de ato e potência, mas a unidade resultante de sua conjunção. Não há regressão, porque o composto é o próprio ente participado.
  4. À quarta, responde-se que, embora os anjos não tenham matéria, têm potência essencial, porque sua essência não é seu ser. Assim, permanecem compostos metafisicamente, embora simples fisicamente.

Conclusão.

Em toda criatura há composição de ato e potência, porque nenhuma possui o ser por si mesma.
A essência é potência para o ser, e o ser é o ato que a realiza.
Essa dualidade é o sinal da dependência do Criador e o fundamento da hierarquia do ente.

Diz Alberto, com elegância metafísica:
“In creatura esse non est de essentia, sed superadditum; et ideo omnis creatura habet compositionem actus et potentiae.”
Na criatura, o ser não pertence à essência, mas é-lhe acrescentado; por isso, toda criatura tem composição de ato e potência.

Assim, só Deus é ato puro, e todas as criaturas — das mais materiais às mais espirituais — são vestígios do Ser primeiro, na medida em que participam de Seu ato eterno e o refletem segundo sua própria potência limitada.

Quaestio XVIII — Utrum creaturae participent actum divinum

(Se as criaturas participam do ato divino)


Objeções.

  1. Parece que as criaturas não participam do ato divino, pois aquilo que é participado é dividido, e o ato divino é simples e indivisível. Logo, se fosse participado, deixaria de ser absolutamente uno.
  2. Além disso, o ato divino é infinito e eterno, mas toda criatura é finita e temporal. Ora, o finito não pode conter o infinito nem o temporal o eterno. Logo, é impossível que as criaturas participem do ato divino.
  3. Ademais, a participação implica semelhança de natureza entre o participante e o participado. Ora, entre o ser criado e o ser divino há diferença essencial, não apenas de grau. Logo, as criaturas não participam do ato divino, mas apenas o imitam segundo analogia.
  4. Ainda, a operação divina é imutável, e a criatura é mutável. Se a criatura participasse realmente do ato divino, seria também imutável, o que é falso.

Em contrário (Sed contra).

Diz o Apóstolo:
“In ipso enim vivimus, movemur et sumus.”At 17,28
“Porque n’Ele vivemos, nos movemos e existimos.”

E Alberto comenta:
“Omne ens creatum participat actum divinum, inquantum habet esse ab ipso.”
Todo ser criado participa do ato divino, enquanto tem o ser proveniente d’Ele.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que todas as criaturas participam do ato divino, mas de modo limitado e analógico, segundo o grau de perfeição que cada uma recebe.

O ato divino é o próprio esse subsistens, o ser por essência.
Ora, toda criatura tem o ser não por si, mas por participação.
Portanto, o ser criado nada mais é do que a participação finita do ser divino — ato que se difunde sem se dividir, comunicando-se a tudo sem perder a unidade.

Diz Alberto:
“Esse creatum est actus participatus ab actu primo, qui est Deus.”
O ser criado é ato participado do ato primeiro, que é Deus.


1. Pela causalidade do ser

Deus é a causa primeira do ser de tudo.
Mas o ser é ato; logo, Deus comunica o seu próprio ato às criaturas, não como parte, mas como efluxo de semelhança.

Assim como o sol ilumina sem perder sua luz, o Ato Puro comunica o ser sem diminuir sua plenitude.
O ato divino permanece inteiro em si, e o ser criado é a semelhança limitada desse ato.

Alberto exprime:
“Participare est recipere similitudinem alicuius secundum modum recipientis.”
Participar é receber a semelhança de algo segundo o modo do recipiente.

Logo, as criaturas não possuem o ato divino como ele é em si, mas segundo a medida de sua própria potência.


2. Pela analogia do ser

O ser é dito de modo analógico entre Deus e as criaturas.
Deus é esse per essentiam — o Ser em Si;
a criatura é esse per participationem — o ser recebido.

Assim, o mesmo ato é participado em diversos graus:

  • nas substâncias espirituais, mais puramente;
  • nas corpóreas, mais materialmente;
  • e em cada uma, segundo a proporção de sua natureza.

Diz Alberto:
“Actus divinus est unus et simplex, sed recipitur multipliciter secundum proportionem creaturae.”
O ato divino é um e simples, mas é recebido de muitos modos, conforme a proporção da criatura.


3. Pela relação entre o Criador e o criado

A participação é o vínculo metafísico entre o Criador e as criaturas.
O ser das criaturas é “efluxo ordenado” do ser divino, e toda realidade criada é vestígio (vestigium) ou imagem (imago) de Deus.

Assim, o universo é o reflexo graduado do Ato divino, que se espelha nas formas inferiores conforme sua capacidade de receber.

Por isso, Alberto afirma:
“Creaturae sunt quasi radii actus divini, per quos manifestatur plenitudo essendi.”
As criaturas são como raios do ato divino, pelos quais se manifesta a plenitude do ser.


4. Pela distinção entre essência e operação

Não se deve entender que as criaturas participem da essência divina, pois isso seria identidade substancial.
Elas participam do ato de ser, não do ser divino em si mesmo.
Isto é, têm o ser como efeito da causalidade divina, não como comunicação essencial.

Por isso, Alberto distingue:
“Participatio actus est per similitudinem effectus, non per identitatem naturae.”
A participação do ato se dá por semelhança de efeito, não por identidade de natureza.


5. A hierarquia da participação

Há graus de participação conforme a nobreza do sujeito:

  • nas substâncias espirituais, o ser é mais intenso, mais atual;
  • nas corporais, é mais limitado e condicionado pela matéria;
  • nas formas inferiores, é apenas vestígio longínquo da vida divina.

Assim, toda ordem da criação é escala de participação do ato divino — uma hierarquia ontológica fundada na proporção entre potência e ato.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o ato divino é participado sem divisão, porque é comunicável segundo semelhança e não segundo parte. O que é participado permanece uno em si.
  2. À segunda, responde-se que o finito não contém o infinito, mas o reflete. O ser criado é efeito finito do ato infinito, sem que este se limite.
  3. À terceira, deve-se dizer que há dessemelhança essencial, mas semelhança analógica. A participação é por analogia de ser, não por identidade de essência.
  4. À quarta, responde-se que a mutabilidade da criatura não destrói a participação, mas mostra sua limitação: participa do ser eterno, mas de modo contingente e temporal.

Conclusão.

As criaturas participam do ato divino, porque o seu ser é ato recebido do Ato Puro, e toda realidade criada é um reflexo limitado da operação divina.
Essa participação é analógica, segundo a proporção da potência receptiva de cada ente.

Diz Alberto, com linguagem luminosa:
“Deus est actus per essentiam; creaturae sunt actus per participationem. Unde totum esse creatum est lumen actus divini.”
Deus é ato por essência; as criaturas são ato por participação. Por isso, todo ser criado é luz do ato divino.

Assim, o mundo inteiro é uma teofania — manifestação gradual da plenitude do ser divino, que se difunde sem se dividir, permanece inteiro em Si mesmo e se espelha em tudo o que é, enquanto tudo o que é só é porque participa d’Ele.

Quaestio XIX — Utrum potentia sit causa imperfectionis entis

(Se a potência é causa da imperfeição do ente)


Objeções.

  1. Parece que a potência não é causa da imperfeição do ente, pois o que é princípio de perfeição não pode ser causa de imperfeição. Ora, a potência é ordenada ao ato, que é perfeição. Logo, a potência não causa imperfeição, mas tende à perfeição.
  2. Além disso, a imperfeição implica carência de ser. Ora, a potência é princípio do ser, não do não-ser. Portanto, a potência não é causa de imperfeição, mas fundamento da possibilidade do ser.
  3. Ademais, nas substâncias espirituais também há potência, e, no entanto, nelas há perfeição superior às substâncias corpóreas. Logo, a potência não é necessariamente princípio de imperfeição.
  4. Ainda, se a potência fosse causa da imperfeição, quanto maior a potência, maior a imperfeição. Ora, em Deus, dizemos haver potência infinita (segundo o poder de agir). Portanto, Ele seria o mais imperfeito — o que é absurdo.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma no Livro IX da Metafísica:
“Actus est perfectio, potentia autem imperfectio.”
O ato é perfeição, e a potência, imperfeição.

E Alberto comenta:
“Quod est in potentia, est imperfectum; et ideo omnis imperfectio radicatur in potentia.”
Aquilo que está em potência é imperfeito; e, por isso, toda imperfeição tem sua raiz na potência.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que a potência é causa da imperfeição do ente, não por si, mas por privação do ato, isto é, enquanto a potência é o ser incompleto e ainda não atualizado.

A potência é o princípio da possibilidade do ser, mas justamente por ser possibilidade e não ato, é também princípio da imperfeição.
Assim como a matéria, por não possuir forma plenamente, é imperfeita até recebê-la, toda potência é imperfeita até ser atualizada.

Diz Alberto:
“Potentia est principium esse imperfecti, sicut actus est principium esse perfecti.”
A potência é princípio do ser imperfeito, assim como o ato é princípio do ser perfeito.


1. A dupla relação da potência com o ato

A potência se ordena ao ato de dois modos:

  • como sujeito que espera, o que é sinal de incompletude;
  • como disposição para a perfeição, o que é sinal de ordenação ao bem.

Portanto, enquanto capacidade, a potência é boa; enquanto carente de ato, é imperfeita.

Alberto explica:
“Potentia habet bonitatem ex ordine ad actum, imperfectionem ex defectu actus.”
A potência tem bondade enquanto ordenada ao ato, e imperfeição enquanto carece dele.


2. A matéria como paradigma da imperfeição

Entre todos os entes, a matéria é o exemplo mais claro da imperfeição proveniente da potência.
Ela não possui ser em si, mas apenas enquanto é informada por outro.
Sem forma, é pura potência e, portanto, puro imperfeito.

Assim, o grau de imperfeição de uma coisa se mede pela proporção de potência não atualizada que contém.

Diz Alberto:
“Quanto magis aliquid est in potentia, tanto minus est perfectum.”
Quanto mais algo está em potência, tanto menos é perfeito.


3. A hierarquia da perfeição

Toda ordem de perfeição no universo nasce da proporção entre ato e potência:

  • Nos seres puramente materiais, a potência domina, e por isso são mais imperfeitos.
  • Nos seres vivos, o ato da forma prevalece, e por isso são mais perfeitos.
  • Nos seres intelectuais, o ato do espírito supera a matéria, e por isso se aproximam da perfeição.
  • Em Deus, não há potência alguma, e por isso Ele é perfeição absoluta.

Alberto resume:
“Gradus perfectionis in creaturis mensurantur secundum proportionem actus ad potentiam.”
Os graus de perfeição nas criaturas medem-se segundo a proporção do ato em relação à potência.


4. A potência como raiz da mutabilidade

A potência, enquanto princípio de receptividade, é também princípio de mudança.
Tudo o que pode ser, pode também deixar de ser; e tudo o que pode receber, pode perder.
Logo, a potência é o fundamento não só da geração, mas também da corrupção.

Por isso, toda criatura, enquanto composta de potência e ato, é corruptível segundo o aspecto em que permanece potencial.

Diz Alberto:
“Corruptibile est, quia habet potentiam ad non esse.”
O que é corruptível é assim porque tem potência para o não-ser.


5. Distinção teológica: em Deus, potência não é imperfeição

Em Deus, dizemos potentia apenas por analogia de virtude, não de possibilidade.
A potência divina é ato infinito — portanto, perfeição máxima.
Nas criaturas, a potência é distinta do ato e, por isso, princípio de limitação.

Assim, a imperfeição é inseparável da potência enquanto distinta do ato, mas não enquanto sinônima de virtude.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a potência é boa enquanto ordenada ao ato, mas imperfeita enquanto dele carece. A ordenação é princípio de perfeição; a falta, de imperfeição.
  2. À segunda, responde-se que a potência é princípio do ser incompleto, não do não-ser absoluto. Sua imperfeição é relativa, não privação total.
  3. À terceira, deve-se dizer que as substâncias espirituais são mais perfeitas porque têm menos potência em proporção ao ato. Assim, nelas a potência não é abolida, mas quase totalmente atualizada.
  4. À quarta, responde-se que a potência de Deus é ato, não capacidade. Por isso, a objeção não procede: potentia activa infinita em Deus é a mesma coisa que actus infinitus.

Conclusão.

A potência é causa da imperfeição do ente, porque onde há potência, há ainda incompletude e possibilidade de privação.
O ser é perfeito na medida em que é atual e imperfeito na medida em que é potencial.

Diz Alberto, sintetizando:
“Potentia est principium imperfecti; actus est perfectio totius entis.”
A potência é princípio do imperfeito; o ato é a perfeição de todo ser.

Assim, toda criatura traz em si a marca da potência — isto é, da finitude e da dependência.
Somente o Ato Puro, sendo sem potência, é perfeição absoluta e fonte de toda plenitude.

Quaestio XX — Utrum actus sit mensura omnis perfectionis

(Se o ato é a medida de toda perfeição)


Objeções.

  1. Parece que o ato não é a medida de toda perfeição, pois há perfeições que se encontram também na potência, como a capacidade de conhecer antes de conhecer de fato. Portanto, a perfeição não parece depender apenas do ato.
  2. Além disso, a medida é sempre algo fixo e imóvel, enquanto o ato, sendo atualidade, supõe movimento e atualização. Logo, o ato não pode ser a medida universal de toda perfeição.
  3. Ademais, o ato se ordena à potência como término; mas a perfeição consiste na harmonia entre potência e ato. Logo, o ato, isoladamente, não é a medida de toda perfeição, mas apenas parte dela.
  4. Ainda, há atos que são desordenados, como o ato pecaminoso ou o ato contra a razão. Ora, tais atos são imperfeitos. Logo, o ato em si não é sempre medida de perfeição.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles diz no Livro IX da Metafísica:
“Actus est perfectio entis.”
O ato é a perfeição do ente.

E Alberto comenta:
“Mensura omnis perfectionis est actus, quia per ipsum determinatur ens et fit completum.”
A medida de toda perfeição é o ato, porque por ele o ente é determinado e se torna completo.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o ato é a medida de toda perfeição, porque a perfeição de qualquer coisa consiste na atualização plena daquilo que antes estava em potência.
O ato é, portanto, o termo e a norma da realização ontológica do ente.

A potência, enquanto tal, é indeterminação; o ato, ao contrário, é determinação.
A perfeição se dá quando o ente alcança sua forma determinada segundo sua essência.

Diz Alberto:
“Actus est terminus potentiae, et per ipsum res attingit perfectionem suam propriam.”
O ato é o termo da potência, e por ele a coisa alcança sua própria perfeição.


1. O ato como norma metafísica do ser

O ato mede a perfeição porque é a expressão plena da essência realizada.
Assim como o ser mede o não-ser, o ato mede a potência, porque a potência só é compreensível pela referência ao ato que a atualiza.

Toda perfeição real é um modo de ato — e a intensidade da perfeição de um ente é proporcional ao grau de atualidade que ele possui.

Por isso, Alberto ensina:
“Gradus perfectionis mensuratur secundum propinquitatem ad actum purum.”
O grau de perfeição mede-se segundo a proximidade do ato puro.


2. A hierarquia dos atos

No universo criado, há gradação de atos:

  • o ato substancial, que dá o ser;
  • o ato vital, que dá a operação própria dos vivos;
  • o ato intelectual, que dá a imitação da vida divina.

Cada um desses níveis é medida da perfeição correspondente.
Assim, o ser é mais perfeito que o não-ser, o viver mais perfeito que o mero existir, e o inteligir mais perfeito que o viver.

Diz Alberto:
“In ordine entium, actus altioris ordinis est mensura inferioris, sicut intellectus est mensura vitae, et vita est mensura esse.”
Na ordem dos entes, o ato de ordem superior é medida do inferior, assim como o intelecto é medida da vida, e a vida é medida do ser.


3. O ato como plenitude formal

A perfeição é sempre forma: a forma é ato; e o ato é o que dá unidade e limite à coisa.
Tudo o que é determinado é mais perfeito que o indeterminado.
Logo, a perfeição não está no aumento da potência, mas na plenitude do ato.

A potência é como o horizonte do possível; o ato é o sol que o ilumina.
Por isso, Alberto afirma poeticamente:
“Per actum omnia clarescunt; in potentia vero omnia latent.”
Pelo ato, todas as coisas se tornam claras; na potência, todas permanecem ocultas.


4. O ato divino como medida suprema

O ato divino, sendo actus purus, é a medida absoluta de toda perfeição.
Em Deus, o ato e o ser coincidem — ipsum esse subsistens.
Tudo o que é perfeito o é na medida em que se aproxima, por participação, do Ato divino.

Por isso, toda escala de perfeição é medida pela distância metafísica em relação a Deus, como Ato puro e simples.

Diz Alberto:
“Deus est mensura omnium perfectionum, quia est actus purus et simplex, in quo nihil de potentia remanet.”
Deus é a medida de todas as perfeições, porque é ato puro e simples, em que nada de potência permanece.


5. A relação entre ato e bem

A perfeição e o bem são correlatos: o que é perfeito é bom.
Ora, o bem é definido como o ato da forma naquilo que é capaz de recebê-la.
Logo, a bondade e a perfeição coincidem no grau de atualização.

Assim, o ato não apenas mede o ser, mas também o bem.
Quanto mais algo é em ato, tanto mais é bom e perfeito.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a potência tem certa bondade enquanto ordenada ao ato, mas não é perfeição senão quando atualizada. A perfeição virtual não é plenitude real.
  2. À segunda, responde-se que o ato é medida, não por imobilidade, mas por completude. O movimento é ordenado ao ato como à sua medida final.
  3. À terceira, deve-se dizer que a perfeição exige harmonia entre potência e ato, mas essa harmonia se realiza quando a potência é totalmente determinada pelo ato. Logo, o ato é o critério dessa harmonia.
  4. À quarta, responde-se que o ato é medida de perfeição segundo a ordem natural, não moral. O ato desordenado é falho porque priva a ordem do ato perfeito, não porque o ato em si deixe de ser perfeição.

Conclusão.

O ato é a medida de toda perfeição, porque todo ser é tanto mais perfeito quanto mais atual é.
O ato é o termo da potência, o cumprimento da essência e o reflexo mais puro do Ser divino.

Alberto encerra esta quaestio com uma fórmula lapidar:
“Actus est mensura entis et perfectionis eius, sicut lumen est mensura claritatis.”
O ato é a medida do ser e de sua perfeição, assim como a luz é a medida do brilho.

Assim, toda a metafísica do ente culmina nesta equivalência:
Ser é ato; ato é perfeição; perfeição é participação do Ato divino.
E assim, o universo inteiro é ordenado segundo graus de luz, que vão do brilho difuso da potência ao fulgor absoluto do Ato Puro, que é Deus.

ALBERTI MAGNI — SUPER LIBROS METAPHYSICORUM ARISTOTELIS

Liber Decimus – De uno et multiplici

(Livro Décimo — Sobre o uno e o múltiplo)


Quaestio I — Utrum unum et ens convertantur.
Se o uno e o ente se convertem reciprocamente.

Quaestio II — Utrum unum addat aliquid supra ens.
Se o uno acrescenta algo além do ser.

Quaestio III — Utrum unum sit principium numeri.
Se o uno é o princípio do número.

Quaestio IV — Utrum unum sit indivisum secundum essentiam aut secundum quantitatem.
Se o uno é indiviso segundo a essência ou segundo a quantidade.

Quaestio V — Utrum unum sit antecedens vel consequens ente.
Se o uno é anterior ou consequente ao ente.

Quaestio VI — Utrum unum sit transcendens praedicamenta.
Se o uno transcende as categorias.

Quaestio VII — Utrum unum dicatur univoce de Deo et creaturis.
Se o uno se diz univocamente de Deus e das criaturas.

Quaestio VIII — Utrum unum dicatur analogice de Deo et rebus.
Se o uno se diz analogicamente de Deus e das coisas.

Quaestio IX — Utrum unum sit proprie Dei nomen.
Se “Uno” é propriamente um nome de Deus.

Quaestio X — Utrum unum sit principium omnis ordinationis.
Se o uno é o princípio de toda ordem.

Quaestio XI — Utrum unum sit causa multiplicitatis.
Se o uno é causa da multiplicidade.

Quaestio XII — Utrum multiplicitas sit ex uno per participationem.
Se a multiplicidade procede do uno por participação.

Quaestio XIII — Utrum unum et multiplex sint contraria aut correlativa.
Se o uno e o múltiplo são contrários ou correlativos.

Quaestio XIV — Utrum unum et bonum convertantur.
Se o uno e o bem se convertem.

Quaestio XV — Utrum unum sit mensura entium.
Se o uno é a medida dos entes.

Quaestio XVI — Utrum in uno sit ordo secundum naturam vel rationem tantum.
Se há ordem no uno segundo a natureza ou apenas segundo a razão.

Quaestio XVII — Utrum unum in Deo sit identicum cum essentia.
Se o uno em Deus é idêntico à essência divina.

Quaestio XVIII — Utrum unitas creata sit participatio unitatis divinae.
Se a unidade criada é participação da unidade divina.

Quaestio XIX — Utrum unum sit causa omnis ordinationis in rebus.
Se o uno é causa de toda a ordenação nas coisas.

Quaestio XX — Utrum unum sit principium intelligendi et amandi.
Se o uno é princípio do inteligir e do amar.

Quaestio I — Utrum unum et ens convertantur

(Se o uno e o ente se convertem reciprocamente)


Objeções.

  1. Parece que o uno e o ente não se convertem, pois o uno indica negação da divisão, enquanto o ente indica afirmação do ser. Ora, negação e afirmação não são coextensivas. Logo, o uno e o ente não são convertíveis.
  2. Além disso, o ente é predicado segundo todos os modos do ser — substância, qualidade, quantidade, relação etc. — enquanto o uno é dito somente sob o aspecto de unidade numérica ou de indivisão. Portanto, o ente é mais universal que o uno.
  3. Ademais, pode haver unidade sem ser, como na unidade do conceito mental ou do número abstrato. Logo, o uno pode ser sem o ente.
  4. Ainda, o uno se diz também das noções lógicas, como “unidade de definição” ou “unidade de espécie”, que não são entes reais. Portanto, o uno não se converte com o ente.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles, no Livro X da Metafísica, afirma:
“Unum et ens convertuntur, quia quod est unum, est ens, et quod est ens, est unum.”
O uno e o ente se convertem, porque o que é uno é ente, e o que é ente é uno.

E Alberto comenta:
“Unum sequitur ens sicut indivisum sequitur id quod est.”
O uno segue o ente, assim como o indiviso segue aquilo que é.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno e o ente se convertem, mas não quanto à noção formal, e sim quanto à extensão real.
Pois tudo o que é, é uno — e tudo o que é uno, é ente.

O ente exprime o ser segundo a afirmação da existência; o uno exprime o ser segundo a negação da divisão.
Assim, são dois aspectos do mesmo princípio: o ente segundo esse positivum, o uno segundo negatio divisionis.

Alberto define:
“Ens significat id quod habet esse; unum vero significat id quod est indivisum.”
O ente significa aquilo que tem ser; o uno significa aquilo que é indiviso.

Portanto, o uno nada acrescenta ao ente na realidade, mas apenas na razão.
Enquanto o ente é afirmado positivamente, o uno é afirmado negativamente — ou melhor, privativamente — da multiplicidade.


1. A ordem de conversão

A conversão entre o uno e o ente é perfeita em extensão:

  • tudo o que é, é uno, pois o ser implica unidade;
  • e tudo o que é uno, é, pois nada pode ser uno sem existir.

Contudo, em razão de compreensão (secundum rationem), o ente é anterior ao uno, porque a indivisão só é concebida sobre o que já é.

Alberto diz:
“Ens est prius secundum rationem, unum autem consequitur ens.”
O ente é anterior segundo a razão; o uno o segue.


2. A unidade como negação da divisão

O uno se opõe à divisão como o ser ao não-ser.
Mas essa oposição é lógica, não real: a unidade não é uma nova realidade, mas a ausência de divisão naquilo que é.

Por isso, o uno é dito transcendental, isto é, além de toda categoria, porque se aplica a tudo o que é — substâncias, acidentes e até entes de razão.


3. A raiz metafísica da unidade

A unidade procede do ser enquanto ato.
O que é plenamente em ato é uno em si mesmo, pois toda multiplicidade provém da potencialidade.

Assim, o ato é princípio de unidade, e a potência é princípio de multiplicidade.
Por isso, Deus, sendo ato puro, é o Uno absoluto.

Diz Alberto:
“Actus est causa unitatis; potentia est radix multitudinis.”
O ato é causa da unidade; a potência é raiz da multiplicidade.


4. A unidade e as categorias

O uno, como o ente, se diz segundo as categorias, mas não se limita a elas.
Há unidade substancial, como a do homem;
unidade acidental, como a de uma cor;
unidade de ordem, como a de um exército;
e unidade de razão, como a de uma definição.

Todas essas unidades derivam de uma só fonte: a indivisão do ser enquanto tal.


5. A participação do Uno divino

Todo ente participa do Uno divino, que é a unidade absoluta e sem composição.
Deus é uno não porque seja indiviso de outro, mas porque é indiviso em si mesmo — simplicidade pura, sem distinção de ato e potência.

Por isso, diz Alberto:
“In Deo unum et ens sunt idem, quia essentia eius est ipsum esse.”
Em Deus, o uno e o ente são o mesmo, porque sua essência é o próprio ser.

Nas criaturas, o uno e o ente são distintos em razão, porque nelas há composição de essência e ato de ser.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a negação da divisão é concomitante à afirmação do ser; não são contrárias, mas complementares. O uno é o ser enquanto indiviso.
  2. À segunda, responde-se que o uno e o ente são iguais em extensão, embora diferentes na razão formal. O ente não é mais universal que o uno, pois ambos transcendem as categorias.
  3. À terceira, deve-se dizer que a unidade de número ou de conceito não existe sem algum fundamento no ser: ainda que abstrato, procede do ser enquanto pensado.
  4. À quarta, responde-se que as unidades lógicas têm sua raiz na unidade real, pois o intelecto não pode conceber unidade sem referência ao ser. Logo, o uno e o ente permanecem convertíveis, mesmo nas abstrações.

Conclusão.

O uno e o ente se convertem, porque ambos exprimem o mesmo fundamento real — o ser.
Diferem apenas segundo a razão:

  • o ente, enquanto afirma o ser;
  • o uno, enquanto nega a divisão.

Assim, o uno é o ser indiviso; o ente é o uno existente.
E toda a multiplicidade, toda a diferença e toda a distinção são derivadas da potência, enquanto o uno e o ser procedem do ato.

Por isso, Alberto encerra:
“Unum et ens convertuntur in re, distinguuntur in ratione; et in primo principio unum et ens sunt idem simpliciter.”
O uno e o ente se convertem na realidade, distinguem-se na razão; e no primeiro princípio, o uno e o ente são absolutamente idênticos.

Quaestio II — Utrum unum addat aliquid supra ens

(Se o uno acrescenta algo além do ser)


Objeções.

  1. Parece que o uno acrescenta algo além do ser, pois o ser significa aquilo que é, enquanto o uno significa o ser indiviso. Ora, a indivisão é uma forma de determinação, e toda determinação acrescenta algo. Logo, o uno acrescenta algo sobre o ser.
  2. Além disso, o ser é comum a todos, inclusive àquilo que é dividido; o uno, porém, exclui a divisão. Portanto, o uno contém uma negação especial que o distingue do ser.
  3. Ademais, o uno se diz também em relação ao múltiplo, como princípio da contagem. Ora, o número não se contém no conceito de ser. Logo, o uno acrescenta algo além do ser.
  4. Ainda, a noção de unidade pertence à categoria da quantidade, como princípio de número. Portanto, o uno, ao menos enquanto número, acrescenta uma determinação particular sobre o ser.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma no Livro X da Metafísica:
“Unum non addit aliquid supra ens.”
O uno não acrescenta nada além do ser.

E Alberto comenta:
“Unum nihil addit nisi negationem divisionis, quae non est aliquid positivum supra ens.”
O uno nada acrescenta senão a negação da divisão, que não é algo positivo além do ser.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno não acrescenta nada de positivo além do ser, mas apenas uma negação — a negação da divisão.
Portanto, o uno não é uma natureza distinta do ente, mas uma condição inseparável dele, como o ser indiviso.

O ente significa quod habet esse (aquilo que tem ser);
o uno significa quod est indivisum in se et divisum ab aliis (aquilo que é indiviso em si e distinto dos outros).

Logo, a unidade não é algo acrescido ao ser, mas o próprio ser considerado sob o aspecto da indivisão.


1. Distinção de razão, não de realidade

A distinção entre ens e unum é apenas secundum rationem, isto é, segundo o modo de conceber, e não secundum rem, isto é, segundo a realidade.
Pois o que é uno não é algo além do que é.

O intelecto, ao conceber o ser, pode considerá-lo sob dois aspectos:

  • como aquilo que existe (esse affirmativum),
  • e como aquilo que não é dividido (negatio divisionis).

Esses dois aspectos são complementares e coexistentes.

Diz Alberto:
“Ens et unum non distinguuntur re, sed ratione tantum; unum enim est ens cum negatione divisionis.”
O ente e o uno não se distinguem na realidade, mas apenas na razão; pois o uno é o ser com a negação da divisão.


2. A indivisão como nota transcendental

A indivisão que caracteriza o uno não é acidente, nem pertence a uma categoria determinada, mas é transcendental, como o próprio ser.
Por isso, o uno é dito de tudo o que é: do corpo, da alma, da substância, do acidente, da relação, e até das noções lógicas.

Essa indivisão não é uma propriedade física, mas uma condição metafísica do ser enquanto ato determinado.


3. A relação entre unidade e multiplicidade

O uno é correlato ao múltiplo, não por oposição real, mas lógica.
Pois a multiplicidade não é algo distinto do ser, mas a repetição do uno.
Assim, o uno é o fundamento do número, mas não acrescenta natureza nova: apenas exprime a presença do ser sem divisão.

Por isso, diz Alberto:
“Numerus non constituitur nisi ex repetitione unius; sed unum non importat naturam numeri.”
O número só se constitui pela repetição do uno; mas o uno não implica a natureza do número.


4. O uno em relação à essência e à operação

A unidade acompanha tanto a essência quanto o ato.
Na essência, ela significa a indivisão interior;
na operação, a ordem e coesão do agir.

Mas em ambos os casos, o uno não é um novo ser, mas a consistência do mesmo ser.
A unidade não cria a substância; exprime sua coesão.


5. A unidade e o bem

Embora o uno e o bem se convertam com o ser, diferem segundo a razão:

  • o uno nega a divisão,
  • o bem nega a privação.

Ambos, porém, nada acrescentam de positivo ao ente.
São expressões de sua integridade e perfeição.

Diz Alberto:
“Bonum et unum differunt ratione; sed neutrum addit rem supra ens, nisi negationem defectus.”
O bem e o uno diferem pela razão, mas nenhum acrescenta algo real sobre o ser, exceto a negação da deficiência.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a indivisão não é uma determinação positiva, mas privação da divisão. Assim, o uno não acrescenta forma nova, mas apenas exclui a separação.
  2. À segunda, responde-se que a exclusão da divisão não é algo que o ser não contenha, pois o ser, enquanto ato, é necessariamente indiviso.
  3. À terceira, deve-se dizer que o número procede do uno, mas o uno, enquanto princípio do número, é concebido logicamente, não metafisicamente. O uno transcendental é fundamento do uno numérico, não o contrário.
  4. À quarta, responde-se que o uno enquanto categoria pertence à quantidade, mas o uno transcendental está acima das categorias. O primeiro é conceito físico; o segundo, metafísico.

Conclusão.

O uno não acrescenta nada além do ser, senão a negação da divisão, que é modo de conceber, não de existir.
Portanto, o uno e o ente são idênticos na realidade, distintos apenas na razão.

O ser é indiviso em si, e por isso é uno;
o uno é aquilo que é, e por isso é ser.

Alberto conclui esta questão com clareza lapidar:
“Unum non est aliud quam ens indivisum; nec addit aliquid supra ens nisi negationem divisionis.”
O uno não é outra coisa senão o ser indiviso; e nada acrescenta ao ser senão a negação da divisão.

Assim, toda unidade é expressão da indivisão do ser, e todo ser é, por isso mesmo, unidade em ato.

Quaestio III — Utrum unum sit principium numeri

(Se o uno é o princípio do número)


Objeções.

  1. Parece que o uno não é o princípio do número, pois o número parece depender da multiplicidade e da diferença. Ora, o uno exclui a multiplicidade. Logo, o uno não pode ser princípio do número, que é justamente a multiplicidade do uno.
  2. Além disso, o número é uma quantidade discreta. Mas o uno, enquanto transcendental, não pertence à quantidade, e sim ao ser. Portanto, o uno transcendental não é princípio do número matemático.
  3. Ademais, o número nasce da contagem, que é ato do intelecto. Ora, o uno, enquanto transcendental, precede o intelecto e toda abstração. Logo, o uno não é princípio do número, mas o intelecto que o aplica à multiplicidade.
  4. Ainda, se o uno fosse princípio do número, então o número seria tão universal quanto o ser, pois o uno e o ente se convertem. Mas isso é falso, pois o número não se aplica a todas as coisas. Logo, o uno não é princípio do número.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles, no Livro X da Metafísica, ensina:
“Unum est principium numeri.”
O uno é o princípio do número.

E Alberto comenta:
“Numerus est multitudo ex uno constituta; unde unum est radix numeri.”
O número é a multiplicidade constituída a partir do uno; por isso, o uno é a raiz do número.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno é o princípio do número, mas não enquanto transcendental, e sim enquanto numérico.
Pois há uma distinção entre o unum transcendens e o unum numerale.

O unum transcendens é idêntico ao ser e acompanha tudo o que existe.
O unum numerale é abstraído da quantidade e indica uma unidade medida, apta a ser repetida e comparada.

Assim, o uno numérico é princípio do número, enquanto o uno transcendental é princípio do ser.


1. Diferença entre unidade transcendental e numérica

A unidade transcendental é indivisibilidade segundo o ser;
a unidade numérica é indivisibilidade segundo a quantidade.

A primeira é metafísica; a segunda, matemática.
A primeira é inseparável do ente; a segunda, produzida pela abstração do intelecto.

Diz Alberto:
“Unum transcendens est idem cum ente; unum numerale est mensura quantitatis discretae.”
O uno transcendental é o mesmo que o ente; o uno numérico é a medida da quantidade discreta.


2. O modo de constituição do número

O número nasce da repetição do uno sob distinção.
Não basta a repetição; é necessário que os unos sejam distintos entre si pela posição ou pela relação.

Por isso, diz Aristóteles:
“Numerus est multitudo ex unitatibus distinctis.”
O número é a multiplicidade composta de unidades distintas.

Essa distinção, porém, é lógica, não real, pois todas as unidades, enquanto tais, são indivisas.

Alberto explica:
“Numerus non constituitur nisi ex unitatibus distinctis positione vel intellectu.”
O número só se constitui a partir de unidades distintas pela posição ou pelo intelecto.


3. A causalidade do uno no número

O uno é princípio formal do número, porque dá a ele a noção de unidade — sem a qual não há número.
É também princípio material, pois o número é composto de unidades.
Logo, o uno é causa formal e material do número, embora não seja sua causa eficiente (que é o intelecto que conta).

Diz Alberto:
“Unum est principium formale numeri, quia dat rationem unitatis; est etiam materiale, quia numerus componitur ex unitatibus.”
O uno é princípio formal do número, porque dá a razão de unidade; e também material, porque o número é composto de unidades.


4. O número como analogia da multiplicidade do ser

Assim como o número nasce da repetição do uno, o universo nasce da multiplicação do ser.
Mas há diferença essencial: no número, a multiplicidade é apenas mental; no ser, é real.

Deus, como Uno absoluto, é origem de toda pluralidade — não por composição, mas por comunicação do ser.

Por isso, Alberto aplica a analogia teológica:
“Sicut numerus nascitur ex unitate multiplicata in intellectu, sic creaturae oriuntur ex uno Deo per communicationem esse.”
Assim como o número nasce da unidade multiplicada no intelecto, assim as criaturas procedem do Uno divino pela comunicação do ser.


5. O papel do intelecto na produção do número

Embora o uno seja o fundamento ontológico, é o intelecto que distingue e repete as unidades.
O número, portanto, é produto da mente, mas tem fundamento no real — na unidade das coisas que o intelecto abstrai.

Assim, o uno é o princípio, e o intelecto, o ordenante.

Alberto resume:
“Unum est radix numeri in re; intellectus est efficiens numeri in ratione.”
O uno é a raiz do número na realidade; o intelecto é a causa eficiente do número no pensamento.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o uno, embora exclua a multiplicidade enquanto tal, é o fundamento da multiplicidade numérica, porque é aquilo cuja repetição constitui o número.
  2. À segunda, responde-se que o uno transcendental não pertence à quantidade, mas o uno numérico sim; e é deste que o número depende.
  3. À terceira, deve-se dizer que o intelecto é causa do número quanto à distinção das unidades, mas não quanto à noção de unidade, que vem do ser.
  4. À quarta, responde-se que o número não é tão universal quanto o ser, porque o uno numérico é conceito abstrato; o uno transcendental, porém, é tão universal quanto o ente.

Conclusão.

O uno é princípio do número, não segundo sua transcendência, mas segundo sua abstração.
O número é a multiplicidade do uno distinto; o uno é a raiz e a medida dessa multiplicidade.

Assim, o uno é ao número o que o ser é ao ente particular:
fundamento, origem e limite.

Alberto encerra esta questão com formulação precisa:
“Unum est principium numeri, quia sine uno non est multitudo numerabilis; sed unum non est numerus, sed radix numeri.”
O uno é o princípio do número, porque sem o uno não há multiplicidade numerável; mas o uno não é número, e sim raiz do número.

E assim, do mesmo modo que o Uno divino dá origem a todas as coisas sem se multiplicar, o uno dá origem a todo número sem deixar de ser um.

Quaestio IV — Utrum unum sit indivisum secundum essentiam aut secundum quantitatem

(Se o uno é indiviso segundo a essência ou segundo a quantidade)


Objeções.

  1. Parece que o uno é indiviso apenas segundo a quantidade, pois a essência pode ser comum a muitos, como a natureza humana em vários indivíduos. Assim, segundo a essência há multiplicidade, e apenas a quantidade confere unidade.
  2. Além disso, aquilo que é indiviso segundo a essência seria absolutamente simples. Ora, só Deus é simplicidade pura. Logo, o uno criado não é indiviso segundo a essência, mas apenas segundo a quantidade.
  3. Ademais, a unidade essencial parece ser uma noção lógica, pois a essência, enquanto espécie, é una no intelecto, não nas coisas. Portanto, o uno real não é essencial, mas quantitativo.
  4. Ainda, a unidade essencial não é suficiente para excluir toda divisão, pois nas coisas compostas a essência mesma é composta de forma e matéria. Logo, a indivisão pertence mais à quantidade do que à essência.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma no Livro X da Metafísica:
“Unum dicitur quod est indivisum secundum essentiam, non solum secundum quantitatem.”
Diz-se uno aquilo que é indiviso segundo a essência, e não apenas segundo a quantidade.

E Alberto comenta:
“Unum dicitur in quantum ens est indivisum secundum id quod est, non secundum mensuram quantitatis.”
O uno se diz enquanto o ente é indiviso segundo aquilo que é, e não segundo a medida da quantidade.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno é propriamente indiviso segundo a essência, e acidentalmente segundo a quantidade.
Pois a unidade essencial é anterior e mais fundamental do que a unidade quantitativa.

O que é uno segundo a essência é indiviso em seu ser formal; o que é uno segundo a quantidade é indiviso apenas em extensão.
Logo, a unidade essencial é a unidade do ser; a quantitativa é a unidade do mensurado.

Diz Alberto:
“Unum dicitur essentialiter, quia ens est indivisum secundum esse; dicitur quantitative, quia corpus est indivisum secundum magnitudinem.”
Diz-se uno essencialmente porque o ente é indiviso segundo o ser; diz-se uno quantitativamente porque o corpo é indiviso segundo a magnitude.


1. O fundamento da unidade essencial

Toda unidade real procede do ser.
O ser, enquanto ato, é indiviso: não pode ser dividido em si mesmo sem deixar de ser.
Por isso, a indivisão essencial é inseparável do próprio ato de ser.

Já a quantidade, sendo acidente, introduz divisibilidade.
Logo, a indivisão quantitativa é imperfeita e posterior à indivisão essencial.

Diz Alberto:
“Ens est indivisum essentialiter, quantitas vero est principium divisionis.”
O ente é indiviso essencialmente, mas a quantidade é princípio de divisão.


2. A unidade dos compostos

Mesmo nas substâncias compostas de matéria e forma, há unidade essencial, pois a forma unifica a matéria em um só ser.
Assim, ainda que haja composição, há também unidade — não de partes quantitativas, mas de princípios substanciais.

A forma é causa de unidade na substância composta, e o ato é causa de unidade no ente em geral.


3. A distinção entre unidade essencial e numérica

A unidade essencial é de natureza formal e metafísica;
a unidade numérica é de natureza quantitativa e física.

Por exemplo:

  • todos os homens são um na essência (unum essentialiter),
  • mas muitos na quantidade (multa secundum numerum).

O intelecto capta a unidade essencial abstraindo da multiplicidade numérica.

Diz Alberto:
“Unum essentiale est idem in multis secundum formam; unum numerale est idem in se secundum materiam.”
O uno essencial é o mesmo em muitos segundo a forma; o uno numérico é o mesmo em si segundo a matéria.


4. A unidade absoluta em Deus

Em Deus, a unidade é puramente essencial, porque Sua essência é o próprio ser.
Não há nele distinção de forma e matéria, nem de essência e ato de ser.
Por isso, Deus é unidade simples, não apenas segundo a essência, mas segundo toda realidade.

Nas criaturas, porém, há unidade essencial participada — isto é, derivada de uma forma que unifica a composição.

Alberto afirma:
“Deus est unum simpliciter, creaturae vero unitae per participationem formae.”
Deus é uno de modo absoluto, mas as criaturas são unas por participação da forma.


5. Consequência teológica e ontológica

A unidade essencial é fundamento da identidade; a quantitativa é fundamento da individuação.
Por isso, a unidade essencial pertence à ordem da natureza; a quantitativa, à ordem do indivíduo.

O homem é uno essencialmente pela natureza humana;
Sócrates é uno numericamente pela matéria individuada.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a essência, ainda que seja comum a muitos, é una em si mesma; a multiplicidade resulta da matéria individuante, não da essência.
  2. À segunda, responde-se que apenas Deus é unidade essencial sem composição; mas também nas criaturas há unidade essencial por participação da forma.
  3. À terceira, deve-se dizer que a unidade essencial não é apenas lógica, mas tem fundamento real na forma, que é princípio de indivisão no ser.
  4. À quarta, responde-se que, embora nas coisas compostas haja distinção de partes, a forma constitui a essência como um todo indiviso. A unidade essencial é do composto enquanto um só ser, não de suas partes materiais.

Conclusão.

O uno é indiviso segundo a essência, e apenas secundariamente segundo a quantidade.
Pois a unidade essencial nasce do ser enquanto ato indiviso;
a unidade quantitativa, do corpo enquanto não dividido em partes.

Assim, há três graus de unidade:

  1. A unidade divina, absolutamente essencial e simples;
  2. A unidade substancial, que unifica matéria e forma;
  3. A unidade quantitativa, que impede a separação de partes corpóreas.

Alberto encerra a questão com esta fórmula precisa:
“Unum dicitur essentialiter propter indivisionem secundum esse, quantitative vero propter indivisionem secundum mensuram; primum est perfectius, secundum imperfectius.”
O uno se diz essencialmente pela indivisão segundo o ser, e quantitativamente pela indivisão segundo a medida; o primeiro é mais perfeito, o segundo, menos.

Assim, toda unidade quantitativa depende da unidade essencial, e toda unidade essencial deriva, em última instância, do Uno absoluto que é Deus.

Quaestio V — Utrum unum sit antecedens vel consequens ente

(Se o uno é anterior ou consequente ao ente)


Objeções.

  1. Parece que o uno é anterior ao ente, pois o que é indiviso é mais simples do que o que é composto. Ora, o ser implica composição de ato e potência, ao passo que o uno exclui toda divisão. Logo, o uno é anterior ao ente, como o simples é anterior ao composto.
  2. Além disso, o uno é princípio de toda ordem e de toda identidade. Mas o ser supõe já a distinção de um ente em relação a outro. Logo, o uno, enquanto raiz da identidade, é anterior ao ser, que admite multiplicidade.
  3. Ademais, a unidade é princípio formal de tudo o que é. Pois nada pode existir senão sendo uno. Logo, a unidade é anterior, porque é condição do ser.
  4. Ainda, segundo os neoplatônicos, o Uno é superior ao Ser e é sua fonte. Assim, se o Uno é causa do Ser, é necessário que seja anterior a ele.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles afirma no Livro X da Metafísica:
“Ens est prius quam unum.”
O ser é anterior ao uno.

E Alberto comenta:
“Unum consequitur ens, sicut indivisio sequitur id quod est.”
O uno segue o ente, assim como a indivisão segue aquilo que é.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno é consequente ao ente, não anterior a ele.
Pois o ente é concebido como aquilo que tem ser; o uno, como aquilo que é indiviso no ser.
Logo, a noção de ser é primeira; a de unidade, segunda — porque depende da afirmação prévia da existência.

O uno não é causa do ser, mas propriedade inseparável dele.
O ser pode ser concebido sem a noção de unidade, mas a unidade não pode ser concebida sem o ser.

Alberto formula:
“Ens est fundamentum unius; unum est proprietas entis.”
O ser é fundamento do uno; o uno é propriedade do ser.


1. A anterioridade lógica do ente

O ser é afirmativo, o uno é privativo: o ser afirma existência; o uno nega divisão.
O que afirma é logicamente primeiro em relação ao que nega.
Assim, o ente é anterior segundo a razão, e o uno o segue como consequência necessária.

Diz Alberto:
“Ens importat positionem; unum autem negationem divisionis; ideo ens est prius, unum consequens.”
O ente implica posição; o uno, negação da divisão; portanto, o ente é anterior, e o uno, consequente.


2. A relação metafísica entre ser e unidade

A unidade não é causa eficiente do ser, mas sinal de sua indivisão.
Por isso, todo ente é uno, não porque a unidade o produza, mas porque o ser, enquanto é, não se divide.

A indivisão é efeito do ser em ato.
Onde há ser perfeito, há unidade; onde há privação de ser, há divisão e multiplicidade.


3. A precedência real do Uno divino

Deve-se distinguir entre o Uno transcendental (convertido com o ser) e o Uno absoluto (Deus).
Enquanto transcendental, o uno é consequente ao ser.
Enquanto absoluto, o Uno divino é anterior a todo ser criado, pois é sua causa.

Assim, o uno é posterior em ordem lógica, mas anterior em ordem causal.

Alberto explica:
“In ordine entium, ens est prius uno; in ordine causarum, Deus, qui est unum simpliciter, est prius omnibus entibus.”
Na ordem dos entes, o ser é anterior ao uno; na ordem das causas, Deus, que é o Uno absoluto, é anterior a todos os entes.


4. O erro dos platônicos

Os platônicos e neoplatônicos, ao colocar o Uno acima do Ser, entendiam-no como princípio inefável, fonte da inteligibilidade e do próprio ser.
Mas Aristóteles, e Alberto com ele, corrigem: o uno não é algo acima do ser, mas o próprio ser considerado sob aspecto de indivisão.

Assim, o Uno de Plotino é Deus como causa do ser; mas o uno transcendental de Aristóteles é apenas o ser indiviso, não sua causa.

Alberto sintetiza:
“Platonici posuerunt unum ante ens; Aristoteles autem unum ponit cum ente, quia utrumque est idem in re.”
Os platônicos colocaram o uno antes do ser; Aristóteles o coloca com o ser, porque ambos são o mesmo na realidade.


5. A ordem da compreensão e da realidade

Na ordem da compreensão (secundum rationem), o ser é primeiro;
na ordem da realidade (secundum rem), ambos são simultâneos;
na ordem da causalidade divina, o Uno é o primeiro princípio de tudo.

Logo, a anterioridade do uno é apenas causal e metafísica, não conceitual.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o ser é mais simples que o uno, pois o ser é afirmativo e o uno é derivativo. O ser é ato; o uno, consequência do ato.
  2. À segunda, responde-se que a identidade pertence à noção de ser tanto quanto à de uno. O uno exprime apenas a ausência de divisão, não uma realidade mais simples.
  3. À terceira, deve-se dizer que nada pode existir sem unidade, mas a unidade não é princípio distinto do ser — é o ser considerado enquanto indiviso.
  4. À quarta, responde-se que o Uno de que falam os neoplatônicos é Deus como causa do ser; mas o uno transcendental de que fala Aristóteles é propriedade do ente, e portanto consequente, não anterior.

Conclusão.

O uno é consequente ao ente, e não anterior.
O ser é fundamento, o uno é sua inseparável propriedade.
Enquanto o ser afirma, o uno nega divisão; e essa negação só se compreende sobre o ser afirmado.

No entanto, na ordem da causa primeira, o Uno absoluto — Deus — é anterior a todo ser criado, porque é sua origem e medida.

Alberto encerra esta quaestio com uma fórmula lapidar:
“Unum consequitur ens; sed Deus, qui est unum sine divisione, est prius omni ente, quia est causa ipsius esse.”
O uno segue o ente; mas Deus, que é uno sem divisão, é anterior a todo ente, porque é causa do próprio ser.

Quaestio VI — Utrum unum sit transcendens praedicamenta

(Se o uno transcende as categorias)


Objeções.

  1. Parece que o uno não transcende as categorias, pois o uno se encontra como gênero em cada uma delas. Há, com efeito, unidade de substância, unidade de qualidade, unidade de quantidade, e assim nos demais gêneros. Logo, o uno está contido nas categorias, e não as transcende.
  2. Além disso, toda noção transcendente é predicada de modo análogo e universal. Ora, o uno é dito de modo múltiplo e particular em cada categoria. Portanto, o uno não é transcendental, mas categórico.
  3. Ademais, o uno se opõe à multiplicidade numérica, que é acidente da quantidade. Logo, parece pertencer à categoria da quantidade, e não estar acima de todas.
  4. Ainda, se o uno fosse transcendental, seria o mesmo em toda coisa. Mas o uno da substância não é o mesmo que o uno da cor ou o uno do lugar. Logo, o uno varia conforme a categoria e não a ultrapassa.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles, no Livro X da Metafísica, ensina:
“Unum non est in genere, sed est commune omnibus generibus.”
O uno não está em gênero, mas é comum a todos os gêneros.

E Alberto comenta:
“Unum est transcendens, quia sequitur ens, quod est praeter genera.”
O uno é transcendental, porque segue o ser, que está além dos gêneros.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno transcende as categorias, porque ele acompanha o ser enquanto tal, e o ser, como ens commune, não pertence a nenhum gênero.
Portanto, o uno é dito de todas as coisas, mas não segundo uma natureza específica, e sim segundo uma razão de indivisão que se aplica analogicamente a tudo o que é.

Diz Alberto:
“Unum dicitur de omnibus entibus, non sicut genus de speciebus, sed sicut proprietas convertibilis cum ente.”
O uno se diz de todos os entes, não como gênero das espécies, mas como propriedade convertível com o ente.


1. O fundamento da transcendência

O fundamento da transcendência do uno está na sua identidade com o ser.
Tudo o que é, é uno; mas o ser, enquanto tal, não é gênero, pois tudo o que está em gênero é dito de modo unívoco.
Ora, o ser se diz de modo analógico. Logo, o uno, enquanto acompanha o ser, é também analógico e transcendente.

Assim, o uno pertence à ordem das noções que se dizem de omni ente, como o verum, o bonum e o res.


2. O modo de predicação do uno

O uno não é predicado de modo unívoco, porque não significa a mesma unidade em todas as categorias.
Em substância, significa indivisão de essência;
em quantidade, indivisão de extensão;
em qualidade, indivisão de forma;
em relação, indivisão de proporção.

Portanto, o uno é dito de modo analógico, isto é, conforme diversas ordens de ser, mas com uma razão comum — a indivisão.

Diz Alberto:
“Unum dicitur secundum analogiam ad ens, sicut et alia transcendentia.”
O uno se diz por analogia ao ser, como os demais transcendentais.


3. O uno e as categorias

O uno não pertence a nenhuma categoria determinada, mas se comunica com todas, enquanto cada uma delas participa do ser e, portanto, da indivisão.
Por isso, há unidade em toda categoria, mas o princípio da unidade está fora delas.

Assim como o ser é dito de todas as categorias, o uno é o modo indiviso segundo o qual o ser se afirma nelas.

Alberto escreve:
“Sicut ens est praedicatum commune secundum esse, ita unum est commune secundum indivisionem.”
Assim como o ser é predicado comum segundo o existir, assim o uno é comum segundo a indivisão.


4. A relação entre o uno e a quantidade

O uno enquanto número pertence à quantidade;
mas o uno enquanto transcendental é anterior à quantidade e fundamento dela.
Pois o número pressupõe unidade, e a unidade, por sua vez, é condição de todo ente, corpóreo ou incorpóreo.

Diz Alberto:
“Unum in quantitate est numerabile, sed unum transcendens est principium numeri.”
O uno, na quantidade, é numerável; mas o uno transcendental é o princípio do número.


5. A transcendência teológica do Uno

A máxima transcendência do uno manifesta-se em Deus, que é o Uno por essência, simples e indiviso em si mesmo.
Toda outra unidade é derivada da Sua simplicidade, por participação.

Por isso, o uno, enquanto transcendental, é também nome divino, pois exprime a simplicidade absoluta do Ser primeiro.

Alberto escreve:
“In Deo unum et ens sunt idem, quia essentia et esse unum sunt; in creaturis vero unum est participatum.”
Em Deus, o uno e o ser são o mesmo, porque essência e ser são um só; nas criaturas, o uno é participado.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o uno se encontra em cada categoria, mas não como parte dela: está em todas por analogia, não por inclusão.
  2. À segunda, responde-se que o uno é múltiplo apenas por aplicação, não por essência: é dito de muitas coisas por semelhança, não por diversidade de natureza.
  3. À terceira, deve-se dizer que o uno numérico pertence à quantidade; mas o uno transcendental, fundamento do numérico, está acima da quantidade.
  4. À quarta, responde-se que o uno se diz diversamente nas categorias por analogia, mas o princípio de unidade — a indivisão do ser — é o mesmo em todas.

Conclusão.

O uno transcende as categorias, porque é propriedade convertível com o ser, que também está acima delas.
Ele se aplica a todos os entes, não como gênero ou espécie, mas como condição metafísica do existir — a indivisão.

Logo, o uno é transcendental: acompanha o ser em toda parte, mas não pertence a nenhuma natureza categorial.

Alberto encerra com uma definição lapidar:
“Unum est transcendens, quia est indivisio entis, quod non est in genere sed est communissimum omnium.”
O uno é transcendental, porque é a indivisão do ser, que não está em gênero, mas é o mais comum de todos.

Assim, o uno é a forma da unidade de tudo o que é — em Deus, simplicidade absoluta; nas criaturas, participação do indiviso; no intelecto, noção universal do ser sem divisão.

Quaestio VII — Utrum unum dicatur univoce de Deo et creaturis

(Se o uno se diz univocamente de Deus e das criaturas)


Objeções.

  1. Parece que o uno se diz univocamente de Deus e das criaturas, pois ambos são ditos entes e unos. Ora, se o uno e o ente se convertem, e se o ente é dito de Deus e das criaturas de modo comum, também o uno o será.
  2. Além disso, os nomes unívocos não implicam igualdade de natureza, mas apenas identidade de conceito. Ora, a noção de unidade, enquanto exclusão da divisão, parece igualmente aplicável a Deus e à criatura. Logo, o uno é dito univocamente.
  3. Ademais, se o uno se dissesse apenas analogicamente, haveria equívoco no discurso teológico, e não poderíamos predicar unidade de Deus sem ambiguidade. Mas a teologia fala de “um só Deus” com verdade. Logo, o uno é dito univocamente.
  4. Ainda, o uno é fundamento de toda ciência e de toda demonstração, pois sem unidade não há identidade de conceito. Se o uno se dissesse de Deus e da criatura apenas analogicamente, não haveria ciência teológica.

Em contrário (Sed contra).

Aristóteles ensina no Livro X da Metafísica:
“Unum dicitur multipliciter.”
O uno é dito de muitos modos.

E Alberto comenta:
“De Deo et creaturis unum non dicitur univoce, sed analogice; quia in Deo est simplicitas absoluta, in creaturis autem unitas participata.”
Do uno, não se diz univocamente de Deus e das criaturas, mas analogicamente; pois em Deus há simplicidade absoluta, nas criaturas unidade participada.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno não se diz univocamente de Deus e das criaturas, mas analogicamente.
Pois a unidade em Deus é essencial e absoluta; nas criaturas, é participada e dependente.

A univocidade supõe igualdade de razão e proporção formal — o que não ocorre entre o Criador e o criado.
A analogia, ao contrário, conserva uma semelhança de proporção, sem igualdade.

Assim, o nome unum exprime a mesma noção geral — a indivisão —, mas de modo diverso: em Deus, como simplicidade essencial; nas criaturas, como ausência de divisão acidental.


1. Diferença entre univocidade, equívoco e analogia

Há três modos de predicação:

  • equívoca, quando o nome é comum por mero som, como “canis” (animal ou constelação);
  • unívoca, quando é comum por conceito igual, como “animal” de homem e boi;
  • analógica, quando é comum por proporção, como “saudável” dito de corpo e de remédio.

O termo unum se aplica a Deus e às criaturas por analogia de atribuição:
Deus é uno por essência; as criaturas, unas por participação n’Ele.

Diz Alberto:
“Unum dicitur de Deo per essentiam, de creaturis per participationem; unde non est univocum, sed analogum.”
O uno se diz de Deus por essência, das criaturas por participação; por isso, não é unívoco, mas análogo.


2. Unidade essencial e unidade participada

A unidade divina é idêntica ao próprio ser de Deus — ipsum esse subsistens.
Não há nela composição, nem distinção entre essência e ato de ser.
Portanto, a unidade em Deus é absoluta e indivisível por natureza.

Nas criaturas, ao contrário, há composição de ato e potência, essência e existência; logo, sua unidade é limitada, derivada e acidental.

Assim, a diferença entre as duas unidades é de modo e não apenas de grau:
Deus é unidade por natureza; as criaturas, por dependência.


3. Fundamento da analogia

A unidade criada é imagem e vestígio da unidade divina.
Tudo o que é uno o é porque participa, de algum modo, da simplicidade primeira.
Mas a participação é proporcional: cada coisa é una segundo a medida de seu ser.

Por isso, há uma proporção entre o uno divino e o uno criado — não igualdade.
A analogia é, portanto, o modo necessário de predicar unum entre Deus e o mundo.

Diz Alberto:
“Sicut omnis bonitas est ex bono primo, sic omnis unitas est ex uno primo.”
Assim como toda bondade vem do bem primeiro, assim toda unidade procede do uno primeiro.


4. A necessidade teológica da analogia

Se o unum fosse dito univocamente, Deus seria reduzido ao gênero das criaturas — o que é falso e herético.
Se fosse dito equivocamente, nada poderíamos afirmar de Deus.
Portanto, deve ser dito analogicamente, para que conserve a semelhança proporcional sem confundir natureza.

A teologia escolástica, seguindo Dionísio e Aristóteles, adota essa via média:
unidade verdadeira, mas analógica, entre Criador e criatura.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o ente e o uno se convertem, mas não se dizem univocamente entre Deus e criatura. A conversão é de extensão, não de modo de significação.
  2. À segunda, responde-se que a indivisão se aplica a ambos, mas de maneira diversa: em Deus, por natureza e simplicidade; na criatura, por participação e dependência.
  3. À terceira, deve-se dizer que a verdade do discurso teológico não exige univocidade, mas analogia suficiente para significar proporcionalmente.
  4. À quarta, responde-se que a ciência teológica se baseia na analogia do ser, não na univocidade. Por isso, há ciência de Deus a partir das criaturas, embora por via proporcional.

Conclusão.

O uno não se diz univocamente de Deus e das criaturas, mas analogicamente.
Pois a unidade divina é absoluta e essencial;
a unidade criada é derivada e participada.

Há, portanto, proporção de semelhança, mas não igualdade de conceito.
Deus é o Uno por essência; as criaturas são unas por Ele.

Alberto encerra com uma fórmula definitiva:
“Unum de Deo dicitur per essentiam, de creaturis per participationem; unde non est univocum, sed analogum secundum proportionem causae et causati.”
O uno se diz de Deus por essência, das criaturas por participação; portanto, não é unívoco, mas análogo, segundo a proporção de causa e causado.

Assim, a unidade divina é a fonte e medida de toda unidade criada;
e toda criatura é una apenas porque reflete, em grau, a simplicidade do Uno absoluto.

Quaestio VIII — Utrum unum dicatur analogice de Deo et rebus

(Se o uno se diz analogicamente de Deus e das coisas)


Objeções.

  1. Parece que o uno não se diz analogicamente de Deus e das coisas, pois o análogo é o que se aplica segundo proporção de muitos a um, como “saudável” de corpo e de remédio. Ora, Deus e as criaturas não têm proporção de ordem comum, já que Deus é infinito e a criatura finita. Logo, o uno não se diz analogicamente.
  2. Além disso, se o uno se diz analogicamente, o nome não significará o mesmo, nem haverá ciência verdadeira de Deus, mas apenas semelhança imperfeita. Ora, a fé professa “unum Deum verum”. Logo, o uno deve se dizer propriamente e não analogicamente.
  3. Ademais, toda analogia supõe uma relação de semelhança entre diversos modos de um mesmo conceito. Mas o uno em Deus é simplicidade absoluta; nas criaturas, unidade composta. Não há, portanto, proporcionalidade real.
  4. Ainda, a analogia se dá quando uma noção é predicada de muitos em razão de uma terceira coisa que é comum. Ora, entre Deus e as criaturas não há um gênero comum. Logo, o uno não se predica analogicamente.

Em contrário (Sed contra).

Diz Dionísio Areopagita, no De Divinis Nominibus:
“Omnis unitas et omnis modus unius ex prima unitate est.”
Toda unidade e todo modo de unidade vêm da primeira unidade.

E Alberto comenta:
“Unum dicitur de Deo et creaturis analogice, sicut causa et causatum participant idem nomen secundum proportionem.”
O uno se diz de Deus e das criaturas analogicamente, assim como a causa e o causado participam de um mesmo nome segundo proporção.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno se diz analogicamente de Deus e das coisas, e não univocamente nem equivocamente.

Pois entre Deus e as criaturas há semelhança de proporção, não de igualdade nem de pura dissonância.
O uno se aplica a ambos, mas de modo diverso: em Deus, como fonte e plenitude da unidade; nas criaturas, como participação e semelhança derivada.

Assim, há uma analogia de atribuição e de proporção:

  • de atribuição, porque toda unidade criada se refere à unidade divina como causa;
  • de proporção, porque cada criatura é una conforme o modo de seu ser.

1. Natureza da analogia entre Deus e as criaturas

A analogia exprime uma semelhança proporcional, não uma igualdade de essência.
Dizemos que o calor do fogo e o calor do sol são análogos, porque cada um é causa ou participação da mesma perfeição em grau diverso.

Assim também, o uno se diz de Deus e das criaturas:
Deus é unum per essentiam (uno por essência),
a criatura é unum per participationem (una por participação).

Diz Alberto:
“Analogum est, in quo nomen unum convenit multis secundum proportionem causae et causati.”
O análogo é aquilo em que um mesmo nome convém a muitos segundo a proporção de causa e causado.


2. O fundamento da analogia no ser

O uno é convertível com o ser. Ora, o ser é dito de Deus e das criaturas analogicamente.
Logo, também o uno o é.

A razão é que toda perfeição do ser se encontra em Deus de modo eminente e em nós de modo participado.
Por isso, o uno é dito de ambos, mas com diversidade de modo — plenitude em Deus, derivação nas criaturas.

Diz Alberto:
“Sicut ens analogice dicitur de Deo et creaturis, ita et unum, quia utrumque est transcendens.”
Assim como o ser se diz analogicamente de Deus e das criaturas, assim também o uno, porque ambos são transcendentais.


3. A analogia da unidade segundo os modos de ser

Há graus de unidade conforme os modos de ser:

  • Em Deus, unidade simpliciter absoluta, sem composição nem distinção;
  • Nos anjos, unidade spiritualis, segundo a forma simples, mas finita;
  • Nos corpos, unidade composita, de matéria e forma;
  • Nas multidões ordenadas, unidade per ordinem, que é apenas relação.

Todas, porém, participam da Primeira Unidade, que é Deus.

Assim, o uno se diz em todos esses graus por proporção de perfeição ao Uno primeiro, e não por igualdade de natureza.


4. A analogia e a linguagem teológica

Se o uno fosse dito univocamente, colocaríamos Deus sob o mesmo gênero que as criaturas.
Se fosse dito equivocamente, nada saberíamos d’Ele.
A analogia, portanto, é o único meio de significar proporcionalmente a realidade divina, salvando tanto a transcendência quanto a inteligibilidade.

Por isso, Alberto segue Dionísio e o Pseudo-Aristóteles:
“Deus est unitas unitatis; ab ipso omnis numerus et ordo derivantur.”
Deus é a Unidade da unidade; d’Ele derivam todo número e toda ordem.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a analogia entre Deus e criatura não exige proporção de grandeza, mas de relação causal. Deus é causa da unidade nas coisas; logo, a proporção é causal, não quantitativa.
  2. À segunda, responde-se que a analogia não destrói a verdade, mas a conserva: o nome “uno” é dito verdadeiramente de Deus e das criaturas, embora de modo diverso.
  3. À terceira, deve-se dizer que há semelhança proporcional: assim como Deus é indivisível absolutamente, a criatura é indivisível segundo o modo de seu ser.
  4. À quarta, responde-se que não é necessário haver um gênero comum, mas apenas uma ordem causal e proporcionalidade de perfeição — o que há entre o Criador e o criado.

Conclusão.

O uno se diz analogicamente de Deus e das criaturas, segundo proporção de causa e participação.
Em Deus, há unidade essencial e absoluta;
nas criaturas, unidade participada e derivada.

Não é univocidade (pois Deus e criatura não partilham um gênero comum),
nem equívoco (pois há semelhança real),
mas analogia, pela qual o mesmo nome se aplica proporcionalmente a ambos.

Alberto conclui esta quaestio com frase lapidar:
“Unum de Deo et creaturis dicitur analogice, quia idem nomen convenit utrisque secundum proportionem causae et causati, plenitudinis et participationis.”
O uno se diz de Deus e das criaturas analogicamente, porque o mesmo nome convém a ambos segundo a proporção de causa e causado, de plenitude e participação.

Quaestio IX — Utrum unum sit proprie Dei nomen

(Se “Uno” é propriamente um nome de Deus)


Objeções.

  1. Parece que “Uno” não é propriamente um nome de Deus, pois toda denominação de Deus deve significar perfeição positiva. Mas “uno” apenas nega a divisão e a multiplicidade; logo, parece nome negativo, e não próprio de Deus.
  2. Além disso, o nome de Deus deve significar aquilo que Lhe convém de modo exclusivo. Ora, também as criaturas são unas. Logo, “uno” não é nome próprio de Deus, mas comum a todos os entes.
  3. Ademais, segundo Dionísio, “os nomes divinos exprimem modos de perfeição que emanam de Deus”. Ora, o “uno” parece apenas um modo lógico de ser, e não uma perfeição real. Logo, não é nome divino.
  4. Ainda, “uno” se converte com o “ente”; e o “ente” não é nome próprio de Deus, mas comum a tudo o que existe. Logo, “uno” também não é nome próprio.

Em contrário (Sed contra).

Diz Dionísio Areopagita no De Divinis Nominibus, cap. XIII:
“Deus dicitur Unus, quia omnem unitatem continet et antecedit.”
Deus é chamado Uno, porque contém e precede toda unidade.

E Santo Agostinho afirma no De Trinitate:
“Deus vere unus est, in quo nulla est compositio nec diversitas.”
Deus é verdadeiramente uno, em quem não há composição nem diversidade.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que “Uno” é propriamente nome de Deus, não apenas por negação da divisão, mas por afirmação da simplicidade absoluta que pertence à Sua essência.

Pois o “uno” se diz de duas maneiras:

  • negativamente, enquanto exclui toda divisão;
  • positivamente, enquanto significa perfeição indivisa e simplicidade plena.

Neste segundo sentido, é nome próprio de Deus, porque n’Ele a unidade é essencial, perfeita, fontal — causa de toda unidade nas criaturas.


1. A unidade divina é essencial, não acidental

Em todas as criaturas, a unidade é acidental e limitada: o homem é uno por composição ordenada de partes, o anjo por simplicidade formal.
Mas em Deus não há composição alguma — nem de forma e matéria, nem de essência e existência.

Logo, a unidade divina é essencial, idêntica ao próprio ser.

Diz Alberto:
“In Deo unum est idem quod ens; quia quod est, est simpliciter indivisum.”
Em Deus, o uno é o mesmo que o ser, pois aquilo que é, é absolutamente indiviso.


2. O “Uno” como nome afirmativo e não apenas negativo

Ainda que o “uno” exclua a divisão, ele o faz de modo afirmativo, significando a plenitude indivisa do ser.
Por isso, não é mera negação, mas expressão de perfeição.

Como o “infinito” é dito de Deus por negação de limite, mas significando plenitude sem medida, assim o “uno” é dito por negação de divisão, mas afirmando simplicidade infinita.

Assim, Alberto ensina:
“Unum, cum dicitur de Deo, est nomen affirmativum perfectionis simplicis, non negationis tantum.”
O termo “Uno”, dito de Deus, é nome afirmativo de perfeição simples, não apenas de negação.


3. O “Uno” como fonte da unidade criada

Deus é chamado “Uno” propriamente porque é causa de toda unidade fora d’Ele.
Tudo o que é uno o é pela participação na simplicidade divina.
Portanto, o nome “Uno” designa não apenas a ausência de multiplicidade, mas a origem de toda unificação.

Assim, o Uno é dito de Deus não por abstração, mas por causalidade.
Como o Sol é chamado luminoso porque é fonte de toda luz, Deus é chamado Uno porque é fonte de toda unidade.

Diz Alberto:
“Deus est unus per essentiam, et omne unum est tale per participationem unius primi.”
Deus é Uno por essência, e tudo o que é uno o é por participação do Uno primeiro.


4. O “Uno” e os outros nomes divinos

Entre os nomes divinos, o “Uno” ocupa lugar supremo, porque exprime a simplicidade que fundamenta todos os outros atributos.
Pois onde há unidade perfeita, há também verdade, bondade e ser perfeitíssimos.

A unidade é o selo de toda perfeição.
Por isso, Dionísio coloca o nome “Uno” acima do “Bem” e do “Ser”, dizendo:
“Omnia unum desiderant, quia desiderant esse et bonum.”
Todas as coisas desejam o uno, porque desejam o ser e o bem.

Assim, o “Uno” é nome divino próprio, significando a simplicidade essencial de Deus como princípio e fim de toda unidade.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o “uno” não é nome puramente negativo, pois, embora exclua a divisão, o faz por afirmar a plenitude indivisa do ser.
  2. À segunda, responde-se que, embora o “uno” se diga também das criaturas, só Deus é uno por essência; as criaturas são unas por participação. Logo, é nome próprio de Deus por excelência.
  3. À terceira, deve-se dizer que o “uno” exprime perfeição real — a simplicidade —, e, portanto, é verdadeiramente um dos nomes divinos afirmativos, como o “bom” e o “verdadeiro”.
  4. À quarta, responde-se que, ainda que “uno” se converta com “ente”, o modo de significar é diverso: o ser exprime existência; o uno, indivisão dessa existência. Por isso, o “uno” exprime de modo mais próprio a perfeição absoluta da essência divina.

Conclusão.

O nome “Uno” é propriamente de Deus,
pois exprime a simplicidade essencial, absoluta e fontal do Ser primeiro.
Em Deus, a unidade é essência;
nas criaturas, participação.

Por conseguinte, Deus é Uno de modo próprio, absoluto e eminente,
não por negação apenas, mas por perfeição plena.

Alberto conclui:
“Unum est nomen proprium Dei, significans ipsam simplicem et fontalem essentiam, a qua omnis unitas in rebus derivatur.”
“Uno” é nome próprio de Deus, significando a essência simples e fontal, da qual toda unidade nas coisas deriva.

Assim, o Uno é o selo da divindade: o princípio sem divisão, a simplicidade sem mistura, a raiz de todo ser e de toda ordem.

Quaestio X — Utrum unum sit principium omnis ordinationis

(Se o uno é o princípio de toda ordem)


Objeções.

  1. Parece que o uno não é o princípio de toda ordem, pois a ordem resulta da pluralidade e da relação entre muitos. Ora, o uno, enquanto exclui a multiplicidade, parece contrário à ordem.
  2. Além disso, a ordem pertence à categoria da relação. Mas o uno é transcendental e se converte com o ser; portanto, não pode ser princípio próprio da ordem, que é um acidente do ente.
  3. Ademais, a ordem exige diversidade de partes e proporção entre elas. Ora, onde há unidade absoluta, não há partes nem diversidade. Logo, o uno não é princípio da ordem.
  4. Ainda, se o uno fosse o princípio da ordem, a desordem não seria possível, pois tudo o que é deriva do uno. Mas há desordem no mundo. Logo, o uno não é causa ou princípio da ordem.

Em contrário (Sed contra).

Diz Santo Agostinho, no De Natura Boni:
“Omnis ordo ex uno bono est.”
Toda ordem vem do único bem.

E Dionísio, no De Divinis Nominibus:
“Unum est principium omnis ordinis et concordiae.”
O uno é o princípio de toda ordem e concórdia.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno é o princípio de toda ordem, porque toda ordenação nasce da unidade — seja no ser, seja na finalidade, seja na causa.
Pois onde há divisão e contrariedade sem unidade, há confusão e caos; onde há unidade, há proporção e harmonia.

A ordem nada mais é do que a disposição das coisas segundo uma unidade final ou formal, e, portanto, tem o uno como seu princípio essencial.


1. O uno como princípio formal da ordem

A ordem implica relação entre diversos sob um princípio comum.
Ora, o princípio comum que unifica os diversos é o uno.

Assim como o número deriva do uno pela multiplicação regulada, a ordem deriva do uno pela disposição proporcionada.
O uno é, pois, a forma da ordem, aquilo que dá coerência à pluralidade.

Alberto afirma:
“Ordo est multiplicium ad unum relatio; unde ordo non est nisi per unum.”
A ordem é a relação dos múltiplos a um; por isso, não há ordem senão pelo uno.


2. O uno como princípio final da ordem

Toda ordem visa a um fim, e o fim é uno.
O bem é aquilo para o qual tudo tende, e o bem, como ensina Dionísio, é idêntico ao uno.
Portanto, toda ordem, seja natural, seja moral, é movida pela unidade do fim.

Nas coisas naturais, o fim é a conservação da espécie; nas intelectuais, é a verdade; nas morais, o bem.
Em todos os casos, a ordem é perfeita quando todas as partes convergem para um único princípio final.

Logo, o uno é o fim de toda ordem, tanto quanto sua forma.


3. O uno como princípio eficiente da ordem

Tudo o que ordena é, por natureza, uno.
O múltiplo dispersa; o uno reúne.
Por isso, a causa ordenadora deve ser una e simples.

Deus, Uno absoluto, é também o primeiro ordenador do universo.
Por Sua simplicidade, Ele imprime unidade de proporção em toda a criação.
Assim, de um Uno procede o cosmos ordenado, e de uma pluralidade sem uno procede o caos.

Diz Alberto:
“Deus, quia est unus, est principium ordinis universi; et omnis ordo inferioris causae exemplatur in ipso.”
Deus, por ser uno, é o princípio da ordem do universo, e toda ordem das causas inferiores é exemplada n’Ele.


4. A relação entre unidade e harmonia

A unidade é a raiz da harmonia; e a harmonia é a expressão sensível da ordem.
A pluralidade sem proporção é ruído; a pluralidade unida é música.
O mesmo ocorre na natureza e na alma: onde há unidade de intenção, há paz; onde há divisão, há guerra interior e desordem.

Assim, toda ordem participa do Uno primeiro, e toda desordem nasce da deficiência da unidade.


5. O uno como princípio universal da inteligibilidade

Nada pode ser conhecido senão sob alguma unidade.
O múltiplo sem um não é cognoscível.
Portanto, o uno é também o princípio da ordem do intelecto: ordenar é unificar os diversos no conceito de um.

Assim, a unidade é o fundamento tanto da ordem ontológica quanto da ordem lógica e moral.
Por isso, Alberto conclui que o Uno é o principium ordinis universalis, abrangendo todos os modos de ser e de conhecimento.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que, embora a ordem pressuponha pluralidade, esta só é ordenada pela unidade que a governa. O uno não exclui a multiplicidade, mas a regula.
  2. À segunda, responde-se que, embora o uno transcenda as categorias, ele é causa da ordem acidental e substancial. Tudo o que é ordenado participa do uno como causa exemplar.
  3. À terceira, deve-se dizer que a unidade absoluta não destrói a ordem, mas é o seu princípio formal. A multiplicidade, sem o uno, não é ordem, mas confusão.
  4. À quarta, responde-se que a desordem é privação de unidade, não negação de sua causalidade. O Uno permanece princípio, mesmo quando a criatura se afasta da ordem.

Conclusão.

O Uno é o princípio de toda ordem,
pois a ordem é a conversão da multiplicidade à unidade.
Ele é causa formal, final e eficiente da harmonia universal.

De Deus, Uno por essência, procede toda disposição do ser, da verdade e do bem.
Onde o Uno é amado, há ordem;
onde é esquecido, reina a dissolução.

Alberto encerra com fórmula magistral:
“Unum est principium omnis ordinis, quia omnis ordo est ad unum et ex uno; et ideo Deus, qui est simpliciter Unus, est ordo universorum.”
O Uno é o princípio de toda ordem, porque toda ordem é para o uno e procede do uno; por isso, Deus, que é absolutamente Uno, é a própria ordem dos universos.

Quaestio XI — Utrum unum sit causa multiplicitatis

(Se o uno é causa da multiplicidade)


Objeções.

  1. Parece que o uno não é causa da multiplicidade, pois os contrários não são causa um do outro. Ora, o uno e o múltiplo são contrários. Logo, o uno não é causa da multiplicidade.
  2. Além disso, a multiplicidade supõe divisão, enquanto o uno exclui toda divisão. Ora, o que exclui não pode causar aquilo que exclui. Logo, o uno não é causa do múltiplo.
  3. Ademais, o múltiplo parece derivar do não-uno, isto é, da privação de unidade. Ora, a privação não procede da forma, mas da matéria. Logo, a multiplicidade não procede do uno, mas da potência material.
  4. Ainda, segundo Aristóteles, “a unidade é princípio do número”. Mas o número é efeito da multiplicação do uno, não da sua causalidade. Portanto, a multiplicidade não procede do uno como de causa, mas como de elemento repetido.

Em contrário (Sed contra).

Diz Dionísio Areopagita, no De Divinis Nominibus:
“Ex uno bono est omnis multiplicitas.”
De um só bem procede toda multiplicidade.

E o Filósofo afirma no Livro X da Metafísica:
“Unum est causa numeri, et omnis numerus ab uno.”
O uno é causa do número, e todo número vem do uno.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno é causa da multiplicidade, não por contrariedade ou divisão, mas por difusão de perfeição.
Pois o uno, enquanto é plenitude de ser, tem virtude de comunicar-se; e da comunicação do ser procede a multiplicidade das coisas.

Assim, o uno é causa da multiplicidade por via de emanação, não de oposição.


1. O princípio metafísico: “bonum est diffusivum sui”

Todo bem tende a difundir-se, e todo uno é bem.
Deus, Uno e Bem supremo, comunica Sua perfeição criando muitos seres que participam de Seu ser.
Logo, a multiplicidade não nasce da deficiência do uno, mas de sua fecundidade.

Diz Alberto:
“Unum non causat multitudinem per divisionem, sed per abundantiam; quia unum est principium bonitatis, et bonum est diffusivum sui.”
O uno não causa a multiplicidade por divisão, mas por abundância; porque o uno é princípio do bem, e o bem é difusivo de si.


2. O uno como causa exemplar e eficiente da multiplicidade

O uno é causa exemplar da multiplicidade, pois todas as coisas imitam, à sua maneira, a unidade divina.
É também causa eficiente, pois de Deus Uno procede toda criação ordenada.

Da unidade essencial divina emana a pluralidade das formas; e da simplicidade da causa procede a variedade dos efeitos.

Assim como da luz una nascem múltiplas cores conforme a disposição dos corpos, da Unidade divina procede a multiplicidade das naturezas segundo a capacidade dos entes.


3. A multiplicidade como imagem do uno

A multiplicidade não é contrária à unidade, mas sua expressão em graus.
Cada ser é uma participação limitada do Uno, e todos, em conjunto, refletem a plenitude que n’Ele é simples.

Por isso, a criação é uma “imitação expandida” da simplicidade divina.
O múltiplo manifesta o uno, como a multiplicidade das estrelas manifesta a luz única do sol.

Diz Alberto:
“Multitudo non opponitur unitati nisi secundum defectum; sed secundum participationem est vestigium unius primi.”
A multiplicidade não se opõe à unidade senão segundo o defeito; mas, segundo a participação, é vestígio do uno primeiro.


4. Unidade e hierarquia da criação

A multiplicidade das coisas não destrói a unidade do universo, mas a constitui.
Pois o universo é ordenado pela proporção dos muitos ao Um.
Cada coisa conserva sua unidade particular, e todas, juntas, formam a unidade do todo.

Assim, o uno é princípio da multiplicidade e também da harmonia que dela resulta.
Sem o uno, haveria dispersão; sem multiplicidade, não haveria manifestação do bem.


5. O Uno e a analogia da participação

As criaturas participam do uno segundo modos diversos, e dessa diversidade nasce a multiplicidade.
A unidade é comunicada, não dividida: o que é uno permanece uno ao comunicar-se.

Como o fogo acende muitos outros sem diminuir sua chama, assim o Uno primeiro gera a multiplicidade sem perder sua simplicidade.

Por isso, Alberto diz:
“Unum manet simplex in se, licet in creaturis multiplicetur secundum participationes.”
O Uno permanece simples em si mesmo, embora se multiplique nas criaturas segundo participações.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o uno e o múltiplo não são contrários por natureza, mas por deficiência. O múltiplo desordenado é contrário ao uno; o múltiplo ordenado, porém, procede dele.
  2. À segunda, responde-se que o uno exclui a divisão em si, mas não a difusão de sua perfeição nos outros. A exclusão é de oposição, não de comunicação.
  3. À terceira, deve-se dizer que, embora a matéria seja princípio de divisão, a causa da multiplicidade é formal e eficiente, isto é, o Uno, que dá ser às coisas diversas.
  4. À quarta, responde-se que o número vem do uno por repetição lógica, mas no ser real a multiplicidade procede do uno pela causalidade. Assim, o uno é causa real, não apenas elemento numérico.

Conclusão.

O Uno é causa da multiplicidade,
não por contrariedade, mas por superabundância de perfeição.
A multiplicidade é vestígio do Uno,
expressão difusa de Sua unidade.

Deus, Uno absoluto,
é o princípio fecundo do múltiplo,
a fonte da variedade que reflete a simplicidade da causa primeira.

Alberto encerra esta questão com clareza luminosa:
“Unum est causa multitudinis per modum boni et effluxus; quia per se est simplex et communicabile, et omne ens multiplicatur secundum participationem illius unitatis.”
O Uno é causa da multiplicidade pelo modo do bem e da emanação; porque em si é simples e comunicável, e todo ente se multiplica segundo a participação daquela unidade.

Quaestio XII — Utrum multiplicitas sit ex uno per participationem

(Se a multiplicidade procede do uno por participação)


Objeções.

  1. Parece que a multiplicidade não procede do uno por participação, pois o que participa é inferior àquilo de que participa. Ora, a multiplicidade é contrária à unidade. Logo, não pode participar do uno, mas deve provir de outro princípio.
  2. Além disso, a participação supõe semelhança de natureza. Ora, entre o uno absoluto e o múltiplo composto não há proporção de semelhança, mas oposição. Logo, o múltiplo não pode proceder do uno por participação.
  3. Ademais, aquilo que participa, participa de algo comum; mas o uno, sendo indiviso, não é comum. Logo, não pode ser participado.
  4. Ainda, o múltiplo parece proceder da matéria, que é princípio de divisão, e não da unidade, que exclui divisão. Logo, a multiplicidade é da matéria, não da participação do uno.

Em contrário (Sed contra).

Diz Dionísio Areopagita, no De Divinis Nominibus:
“Omnis multiplicitas unitatis participatio est.”
Toda multiplicidade é participação da unidade.

E Agostinho afirma no De Trinitate:
“Omnia quae sunt, in quantum sunt, unum sunt.”
Tudo o que existe, na medida em que existe, é uno.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que a multiplicidade procede do uno por participação, porque toda criatura é uno apenas enquanto recebe, de modo limitado, a unidade primeira.

O uno absoluto, que é Deus, não se multiplica em si, mas comunica sua unidade às coisas.
Cada ente participa da unidade segundo o modo de seu ser, e dessa participação variada nasce a multiplicidade do universo.


1. A participação como modo de dependência ontológica

Participar é “receber de outro o que nele existe essencialmente”.
Assim, as criaturas participam da unidade divina porque têm unidade não por essência, mas por concessão.

A unidade é em Deus essentia, em nós donum.
Por isso, o múltiplo não se opõe ao uno, mas é sua expressão diminuída.

Diz Alberto:
“Multiplicitas non est contraria unitati, sed deficiens participatio eius.”
A multiplicidade não é contrária à unidade, mas participação deficiente dela.


2. O Uno permanece simples enquanto é participado

O uno não se divide ao comunicar-se; permanece íntegro em si mesmo.
Assim como a luz ilumina múltiplos corpos sem dividir-se, o Uno comunica-se a muitos sem perder sua simplicidade.

O ato de participar é da parte do recebido, não do doador.
Deus é, portanto, Uno e simples; as criaturas, múltiplas e compostas, mas unas segundo a medida da participação.


3. A diversidade das participações gera a multiplicidade das naturezas

Cada criatura reflete o Uno de modo distinto:
no mineral, como estabilidade;
na planta, como vida;
no animal, como sensibilidade;
no homem, como intelecto;
no anjo, como pureza espiritual.

Essas múltiplas expressões da unidade divina constituem a ordem hierárquica do ser.
A multiplicidade é, assim, o espelho graduado da Unidade.

Diz Alberto:
“Unum communicatur secundum diversas participationes; et ex hoc provenit multitudo ordinis et graduum.”
O Uno é comunicado segundo diversas participações; e daí provém a multiplicidade das ordens e dos graus.


4. Unidade e dependência ontológica

Toda criatura é una enquanto permanece dependente do Uno.
Quando se afasta d’Ele — pela corrupção, pelo erro, pela desordem —, decai na divisão e na multiplicidade desarmônica.

Portanto, a unidade participada é também o vínculo do ser.
Participar do Uno é existir; afastar-se d’Ele é tender à dissolução.

Assim, a multiplicidade ordenada é imagem do Uno;
a multiplicidade desordenada, sua sombra.


5. A estrutura causal da participação

A participação supõe quatro aspectos correlatos:

  • o uno essencial (Deus), causa exemplar e formal;
  • o participante (as criaturas), que recebe a unidade;
  • o modo de participação, conforme a capacidade do recipiente;
  • e o efeito múltiplo, que resulta da diversidade dos modos.

A multiplicidade, portanto, é resultado direto da diferença de receptividade, não de oposição à unidade.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a multiplicidade não é contrária ao uno, mas dele depende; e sua diferença é de grau, não de contrariedade.
  2. À segunda, responde-se que há semelhança proporcional, não essencial: a criatura é una proporcionalmente ao Uno, segundo sua capacidade.
  3. À terceira, deve-se dizer que o uno é participável, não enquanto indiviso absolutamente, mas enquanto é princípio comunicável de unidade. Assim, o uno é participado eminenter, não formaliter.
  4. À quarta, responde-se que a matéria é causa próxima da divisão, mas não da multiplicidade essencial; esta vem do Uno como causa primeira, e da matéria como causa secundária.

Conclusão.

A multiplicidade procede do Uno por participação,
pois toda criatura é una enquanto recebe, segundo sua capacidade, a unidade divina.
O Uno não se divide ao comunicar-se,
mas permanece inteiro, enquanto o múltiplo é o reflexo graduado de sua simplicidade.

Deus, Uno e fonte de ser,
é a raiz da variedade ordenada do universo.

Alberto encerra esta questão com uma fórmula perfeita:
“Multiplicitas est ex uno per participationem, quia unum manens indivisum communicat se multis secundum proportionem capacitatis eorum.”
A multiplicidade é do Uno por participação, porque o Uno, permanecendo indiviso, comunica-se a muitos segundo a proporção de sua capacidade.

Quaestio XIII — Utrum unum et multiplex sint contraria aut correlativa

(Se o uno e o múltiplo são contrários ou correlativos)


Objeções.

  1. Parece que o uno e o múltiplo são contrários, pois são opostos por definição: o uno é indivisível, o múltiplo é dividido. Ora, a contrariedade consiste na oposição de afirmação e negação dentro do mesmo gênero. Logo, o uno e o múltiplo são contrários.
  2. Além disso, o Filósofo diz no Livro X da Metafísica que “do uno e do múltiplo nascem as contrariedades”. Ora, o que gera contrários é, de certo modo, contrário. Logo, o uno e o múltiplo são contrários.
  3. Ademais, toda correlação supõe reciprocidade; mas o uno é causa do múltiplo, e a causa não se correlaciona com seu efeito. Logo, o uno e o múltiplo não são correlativos, mas contrários.
  4. Ainda, os contrários não coexistem no mesmo sujeito; ora, onde há unidade, não há multiplicidade. Logo, o uno e o múltiplo são opostos por contrariedade.

Em contrário (Sed contra).

Diz Dionísio Areopagita, no De Divinis Nominibus:
“Unum et multiplex non sunt contraria, sed correlativa; quia unum est principium, multiplex processio.”
O uno e o múltiplo não são contrários, mas correlativos, pois o uno é o princípio, e o múltiplo é sua processão.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno e o múltiplo não são contrários, mas correlativos, porque o múltiplo não se opõe ao uno senão por privação, e não por essência.
A contrariedade implica oposição perfeita, em que um termo exclui o outro sob o mesmo aspecto; mas a correlação implica dependência, em que um termo existe em relação ao outro.

Ora, o múltiplo depende do uno, pois é múltiplo segundo a medida da unidade.

Assim como o igual se refere ao mesmo e o maior ao menor, também o múltiplo se refere ao uno como ao seu fundamento.


1. O uno e o múltiplo enquanto termos correlativos

Toda relação de proporção requer dois extremos: um que mede e outro que é medido.
O uno é o termo que mede; o múltiplo, o que é medido.

Diz Alberto:
“Multiplex dicitur per respectum ad unum, sicut numerus ad unitatem; et ideo non opponuntur, sed habent habitudinem relativam.”
O múltiplo se diz em relação ao uno, como o número à unidade; por isso, não se opõem, mas têm relação correlativa.


2. A contrariedade pertence à matéria; a correlação, à forma

Os contrários residem na matéria, porque implicam potência para extremos diversos.
Mas a unidade e a multiplicidade pertencem à ordem formal do ser — uma como princípio, outra como derivação.

Portanto, não há contrariedade, mas hierarquia de dependência.
O uno é origem formal; o múltiplo, expressão material dessa origem.


3. O fundamento lógico da correlação

O uno e o múltiplo são correlativos porque um não pode ser inteligido sem o outro.
O conceito de “múltiplo” só é compreendido à luz do uno que o mede;
e o conceito de “uno” se manifesta no contraste com o múltiplo que dele procede.

Assim, há entre ambos uma relação de razão (relatio rationis), não de oposição física.


4. A analogia da luz e das cores

Assim como a luz única se manifesta em múltiplas cores sem deixar de ser una,
também o Uno primeiro se reflete em múltiplas formas de ser sem perder sua simplicidade.
A multiplicidade é, pois, o modo de aparecer da unidade;
o uno, o princípio invisível da multiplicidade.

Por isso, são correlativos: um revela o outro por manifestação e participação.


5. O Uno como princípio da harmonia entre os muitos

A multiplicidade sem unidade é confusão;
a unidade sem multiplicidade é estéril manifestação.
Na criação, o uno e o múltiplo se implicam:
o uno dá ser e medida; o múltiplo dá expressão e ordem.

Alberto conclui que o universo é uma harmonia de ambos:
“In universo unum et multa sunt ordinata, quia per unum omnia cohaerent, et per multitudinem manifestantur.”
No universo, o uno e o múltiplo são ordenados,
pois pelo uno tudo coere, e pela multiplicidade tudo se manifesta.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o uno e o múltiplo não são contrários, mas correlativos; a oposição é apenas segundo a negação, não segundo a forma.
  2. À segunda, responde-se que do uno e do múltiplo nascem as contrariedades, não porque sejam contrários, mas porque são princípios dos contrários, assim como o ato e a potência.
  3. À terceira, deve-se dizer que a causa e o efeito podem ser correlativos segundo a razão, embora não segundo o ser. Assim, o múltiplo é correlativo do uno enquanto o exprime.
  4. À quarta, responde-se que o uno e o múltiplo não coexistem no mesmo sujeito sob o mesmo aspecto, mas coexistem por participação e ordem: o mesmo ser é uno em si e múltiplo em suas potências.

Conclusão.

O uno e o múltiplo
não são contrários, mas correlativos.
O múltiplo se refere ao uno como ao seu princípio e medida;
e o uno se manifesta no múltiplo como em seu espelho participativo.

Deus, Uno absoluto, é princípio de toda multiplicidade ordenada;
e o múltiplo, em sua variedade, é a vestígio e glória do Uno.

Alberto encerra a questão com esta fórmula lapidar:
“Unum et multiplex non sunt contraria, sed relativa: unum enim est causa mensurae, multiplex vero mensuratum; et ideo in Deo est perfectio utriusque sine oppositione.”
O uno e o múltiplo não são contrários, mas relativos: o uno é causa e medida, o múltiplo é o mensurado; e por isso, em Deus há a perfeição de ambos sem oposição.

Quaestio XIV — Utrum unum et bonum convertantur

(Se o uno e o bem se convertem)


Objeções.

  1. Parece que o uno e o bem não se convertem, pois a unidade pertence à ordem da essência, enquanto o bem pertence à ordem do fim. Ora, essência e fim diferem de razão e categoria. Logo, o uno e o bem não se convertem.
  2. Além disso, o bem implica apetibilidade e perfeição; mas algo pode ser uno sem ser perfeito — como um corpo enfermo, que é uno em substância, mas mau em condição. Logo, o uno e o bem não são conversíveis.
  3. Ademais, o bem tem razão de causa final; o uno, de causa formal. Ora, a forma e o fim não são idênticos. Logo, o uno e o bem não se convertem.
  4. Ainda, o Filósofo diz no Ética que “há bens múltiplos e incomensuráveis”. Mas o uno é indivisível e sem multiplicidade. Logo, o bem não se identifica com o uno.

Em contrário (Sed contra).

Diz Dionísio Areopagita, no De Divinis Nominibus:
“Bonum et unum sunt idem secundum rem, sed differunt secundum rationem.”
O bem e o uno são o mesmo segundo a realidade, mas diferem segundo a razão.

E Agostinho, no De Natura Boni:
“Omne quod est, in quantum est unum, bonum est.”
Tudo o que existe, na medida em que é uno, é bom.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno e o bem se convertem quanto ao sujeito, mas diferem quanto à razão.
Ambos seguem o ser (ens): o uno, enquanto exclui a divisão; o bem, enquanto o ser é desejável e perfeito.

Assim, tudo o que é uno é bom, porque a unidade é condição da perfeição; e tudo o que é bom é uno, porque o bem supõe integridade e ausência de divisão.


1. O uno e o bem como propriedades transcendentais do ente

O ente, o uno, o verdadeiro e o bom são convertíveis entre si enquanto transcendentais.
Cada um exprime uma razão diversa do mesmo ser:

  • o ente designa o ser como atualidade;
  • o uno, como indivisão;
  • o verdadeiro, como conformidade ao intelecto;
  • o bom, como conformidade ao apetite.

O uno e o bem, portanto, se convertem no mesmo sujeito, pois onde há ser indiviso há também perfeição e apetibilidade.


2. A unidade como fundamento do bem

A bondade é desejada porque implica integridade, isto é, unidade sem ruptura.
Toda corrupção ou mal consiste em divisão, seja da substância, seja da forma, seja da ordem.

Diz Alberto:
“Omnis privatio boni fit per divisionem unitatis.”
Toda privação do bem ocorre por divisão da unidade.

Assim, o uno é a raiz do bem, e o bem é a manifestação do uno.


3. Distinção de razão entre o uno e o bem

Embora convertíveis, diferem segundo o modo de significar:

  • o uno diz respeito à natureza do ser;
  • o bem, à sua ordenação para o fim.

O uno indica integridade formal; o bem, completude final.
Ambos, contudo, convergem na perfeição.

Assim como a luz e o brilho são inseparáveis — a luz é essência, o brilho é irradiação —, também o uno é essência indivisa, e o bem, sua difusão.


4. A causalidade final da unidade

O bem é causa final de todos os seres;
mas o fim só move enquanto é uno e perfeito.
Logo, a unidade é condição da causalidade do bem.

Sem unidade não há ordem; sem ordem, não há bondade.
Por isso, o universo é bom na medida em que é uno, e uno na medida em que tende ao bem.

Diz Alberto:
“In bono et uno est mutua conversio, quia perfectio unitatis est bonitas, et perfectio bonitatis est unitas.”
No bem e no uno há conversão mútua, porque a perfeição da unidade é bondade, e a perfeição da bondade é unidade.


5. A identidade em Deus

Em Deus, o uno e o bem são absolutamente idênticos, porque n’Ele não há distinção de essência e perfeição.
Ele é unum per essentiam, bonum per diffusionem — uno por essência, bom por comunicação.

Diz Dionísio:
“Divina bonitas est ipsa unitas, quae omnia ad se convertit et in se colligit.”
A bondade divina é a própria unidade, que tudo converte e recolhe em si.

Por isso, Deus é o Uno que é Bem, e o Bem que é Uno.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o uno e o bem diferem de razão, mas não de sujeito. O uno é formal, o bem é final; ambos, porém, implicam perfeição do ser.
  2. À segunda, responde-se que o corpo enfermo é uno quanto à substância, mas não quanto à integridade da forma; logo, não é perfeitamente bom. O bem se mede pela unidade perfeita, não pela mera indivisão material.
  3. À terceira, deve-se dizer que a forma e o fim se distinguem na criatura, mas se identificam em Deus. Por isso, no plano criado, a unidade formal é princípio do bem final.
  4. À quarta, responde-se que há multiplicidade de bens secundum participationem, não secundum essentiam. Todos participam do Bem uno, que é medida e origem dos múltiplos bens particulares.

Conclusão.

O uno e o bem se convertem,
porque tudo o que é uno é bom, e tudo o que é bom é uno.
Distinguem-se apenas segundo a razão:
o uno quanto à indivisão, o bem quanto à perfeição e apetibilidade.

No ser criado, o bem é o esplendor da unidade;
em Deus, o Bem e o Uno são idênticos.

Alberto encerra a questão com esta sentença:
“Unum et bonum convertuntur in ente; in Deo vero sunt idem, quia ibi unitas est ipsa bonitas.”
O uno e o bem se convertem no ente; mas em Deus são o mesmo, porque ali a unidade é a própria bondade.

Quaestio XV — Utrum unum sit mensura entium

(Se o uno é a medida dos entes)


Objeções.

  1. Parece que o uno não é a medida dos entes, pois a medida pertence ao gênero da quantidade, enquanto o uno é transcendental e comum a todos os gêneros. Logo, o uno não pode medir os entes.
  2. Além disso, a medida requer proporção e comparação, mas o uno é indivisível e sem relação. Logo, o uno não pode ser medida de outros.
  3. Ademais, as coisas se medem pelo número, e não pela unidade em si. Logo, o número é a medida dos entes, e não o uno.
  4. Ainda, toda medida é menor do que o medido; mas o uno, sendo o princípio de tudo, é superior a todos os entes. Logo, não pode ser sua medida.

Em contrário (Sed contra).

O Filósofo diz no Livro X da Metafísica:
“Unum est mensura omnium entium, sicut unitas numeri.”
O uno é a medida de todos os entes, assim como a unidade é a medida do número.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno é, de fato, a medida dos entes, mas de modo analógico e transcendental, não quantitativo.
A medida, em sentido próprio, é aquilo segundo o qual algo é conhecido como mais, menos ou igual.
Ora, o uno, sendo o princípio da indivisão e da identidade, é aquilo segundo o qual todo ente é determinado como algo distinto do não-ser e de outros entes.

Portanto, o uno mede o ser enquanto lhe confere determinação e limite.


1. O uno como raiz da determinação do ente

Medir é delimitar.
O uno, por ser indiviso, dá a cada ente sua consistência ontológica.
Enquanto o ser em si é difusivo e universal, o uno o torna definido e determinado.

Diz Alberto:
“Mensura entis est unum, in quantum determinat esse contra nihil et contra aliud.”
A medida do ente é o uno, na medida em que o determina contra o nada e contra o outro.

Sem o uno, o ser seria informe, indeterminado e infinito em confusão.


2. A analogia com a unidade numérica

Assim como a unidade é medida de todos os números — pois cada número é quantidade de unidades —, também o uno é a medida de todos os entes, pois cada ente é determinado grau de unidade.

Todo ser é uno segundo sua natureza:
mais uno quanto mais simples, menos uno quanto mais composto.

A gradação dos entes é, pois, mensuração da unidade neles participada.


3. A relação entre unidade e verdade

A medida não apenas delimita, mas também torna cognoscível.
Por isso, o uno é princípio de conhecimento:
conhecer algo é distingui-lo — e distinguir é medir pela unidade.

Diz Alberto:
“Cognitio fit per mensuram unitatis; ideo unum est mensura entium secundum intellectum.”
O conhecimento se dá pela medida da unidade; por isso, o uno é a medida dos entes segundo o intelecto.

Assim, o uno mede o ser tanto quanto o torna inteligível.


4. O Uno divino como medida suprema

O Uno absoluto, que é Deus, é medida de todos os entes por excelência,
porque n’Ele não há mistura, nem limite, nem desigualdade.
Ele é a mensura sine mensurante, medida que não é medida por outra.

Diz Dionísio:
“Divina unitas est mensura omnium, quia in se continet omnia secundum simplicem perfectionem.”
A unidade divina é a medida de todas as coisas,
porque contém em si todas segundo uma perfeição simples.


5. O Uno como norma da ordem e da harmonia

Todo o universo é ordenado segundo o Uno.
A medida do ente é a proporção que o reconduz à simplicidade do seu princípio.

O uno é, portanto, norma da ordem, raiz da forma e princípio da medida.
Por ele, cada ser ocupa seu lugar na hierarquia do real.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o uno não mede como quantidade, mas como forma e determinação; é medida metafísica, não quantitativa.
  2. À segunda, responde-se que, embora o uno seja indivisível, pode ser relação de medida por analogia de perfeição: cada ente é uno por participação.
  3. À terceira, deve-se dizer que o número mede as quantidades, mas o uno mede o ser; logo, é causa exemplar e não apenas aritmética.
  4. À quarta, responde-se que a medida é superior em ordem de natureza, mas não de quantidade; por isso, o uno, sendo superior, mede os inferiores.

Conclusão.

O uno é a medida de todos os entes,
porque determina, limita e torna inteligível o ser.
Cada ente é tanto quanto é uno,
e o grau de sua unidade é o grau de sua perfeição.

Deus, Uno absoluto, é a medida suprema,
em quem todas as medidas criadas encontram fundamento e termo.

Alberto encerra com uma fórmula lapidar:
“Unum est mensura entium, quia per ipsum determinantur esse, cognosci et ordinari.”
O uno é a medida dos entes,
porque por ele são determinados, conhecidos e ordenados.

Quaestio XVI — Utrum in uno sit ordo secundum naturam vel rationem tantum

(Se há ordem no uno segundo a natureza ou apenas segundo a razão)


Objeções.

  1. Parece que há ordem natural no uno, pois o uno é princípio de todo o ser, e em todo princípio há certa prioridade e posterioridade. Ora, prioridade e posterioridade implicam ordem. Logo, há ordem no uno segundo a natureza.
  2. Além disso, o Filósofo diz no Livro X da Metafísica que “o uno é o primeiro entre os entes”. Ora, o primeiro implica o segundo e o terceiro, o que supõe ordem natural. Logo, no uno há ordem por natureza.
  3. Ademais, as coisas que procedem do uno são ordenadas segundo ele; portanto, ou há ordem no uno, ou nada pode ser ordenado a partir dele.
  4. Ainda, toda medida envolve proporção, e toda proporção implica ordem. Ora, o uno é medida de todos os entes. Logo, há nele ordem natural.

Em contrário (Sed contra).

Agostinho diz no De Trinitate (lib. VI):
“In uno nulla est ordo nisi secundum intellectum nostrum.”
No uno não há ordem senão segundo nosso entendimento.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que no uno não há ordem segundo a natureza, mas apenas segundo a razão.
A ordem implica distinção de partes, graus ou princípios correlativos; o uno, porém, é por essência indiviso e sem composição.

Assim, o uno, enquanto uno, exclui toda diversidade interna, e por isso não pode conter ordem natural em si.
Contudo, a razão humana pode conceber no uno certa ordem de prioridade lógica, não real.


1. A distinção entre ordem natural e ordem de razão

A ordem natural existe quando há pluralidade real de partes ou causas.
A ordem de razão surge quando o intelecto considera sucessivamente aspectos diversos de um mesmo sujeito.

No uno, como não há pluralidade real, só pode haver ordem de razão — isto é, conforme o modo como o intelecto o concebe: primeiro como indiviso, depois como medida, depois como causa.

Diz Alberto:
“In uno non est ordo secundum esse, sed secundum considerationem rationis; quia ratio nostra prius considerat unum ut simplicem, deinde ut mensuram, postea ut causam.”
No uno não há ordem segundo o ser, mas segundo a consideração da razão;
pois nossa razão o considera primeiro como simples, depois como medida e finalmente como causa.


2. A analogia com o intelecto divino

Assim como no intelecto divino não há sucessão de raciocínios, mas somente distinção de razão em nossa compreensão,
também no uno não há ordem ontológica, mas apenas lógica.

O uno é ato puro de simplicidade; toda noção de ordem é projeção de nossa mente sobre ele.
A razão humana, que pensa por distinções, vê ordem onde há apenas unidade absoluta.


3. O uno como princípio da ordem sem ser ordenado

O uno não contém ordem, mas produz a ordem.
Tudo o que é ordenado participa do uno, porque a ordem é modo da unidade participada.

Assim, as coisas são ordenadas a partir do uno, não dentro do uno.

Diz Alberto:
“Ordo est effectus unitatis, non proprietas ipsius.”
A ordem é efeito da unidade, não sua propriedade.

Logo, o uno é causa da ordem, não sujeito dela.


4. O papel do intelecto humano na distinção de ordens

A razão distingue no uno três modos conceituais:

  1. O uno essencial, enquanto exclui divisão;
  2. O uno exemplar, enquanto é medida de todas as coisas;
  3. O uno causal, enquanto é origem e fim da ordem universal.

Essas distinções não são reais, mas mentais — fundadas em nosso modo de conhecer o que no uno é simples e indiviso.


5. O Uno divino e a ordem do universo

Em Deus, Uno absoluto, não há ordem interna, pois n’Ele não há antes nem depois, nem parte nem composição.
Mas há ordem na processão das criaturas, que Dele recebem ser, medida e finalidade.

Por isso, Deus é chamado “Ordem das ordens”, não porque seja ordenado,
mas porque tudo o mais é ordenado por Ele e em direção a Ele.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a prioridade no uno é de razão, não de natureza;
    pois o uno é princípio de todas as ordens sem ser ele mesmo ordenado.
  2. À segunda, responde-se que o Filósofo chama o uno de primeiro não por haver nele ordem, mas porque é princípio de toda ordem.
  3. À terceira, deve-se dizer que as coisas são ordenadas pelo uno, não porque a ordem esteja nele formalmente, mas porque ele é causa da proporção que toda ordem requer.
  4. À quarta, responde-se que a medida envolve ordem nas coisas medidas, não na própria medida. O uno é medida sem proporção interna, mas princípio de toda proporção.

Conclusão.

No uno não há ordem natural,
pois a ordem supõe pluralidade e sucessão,
enquanto o uno é pura indivisão.

Entretanto, há nele ordem segundo a razão,
enquanto o intelecto humano o considera sob diversos aspectos.

O uno é causa da ordem,
mas não ordenado em si.

Alberto encerra a questão com a fórmula:
“In uno non est ordo secundum naturam, sed secundum rationem; in ipso tamen fundatur omnis ordo naturae et intellectus.”
No uno não há ordem segundo a natureza, mas segundo a razão;
todavia, nele se funda toda a ordem da natureza e do intelecto.

Quaestio XVII — Utrum unum in Deo sit identicum cum essentia

(Se o uno em Deus é idêntico à essência divina)


Objeções.

  1. Parece que o uno em Deus não é idêntico à essência, pois a unidade é atributo e a essência é substância. Ora, o atributo se diz do sujeito e não é idêntico a ele. Logo, o uno em Deus não é a essência divina.
  2. Além disso, o uno é propriedade comum a todos os entes, enquanto a essência divina é absolutamente singular. Ora, o que é comum não se identifica com o que é próprio. Logo, o uno não é idêntico à essência em Deus.
  3. Ademais, a unidade supõe relação de exclusão à multiplicidade. Ora, a essência divina é anterior a toda relação e exclusão. Logo, o uno é posterior à essência, e, portanto, não idêntico a ela.
  4. Ainda, o nome “uno” exprime negação de divisão, enquanto o nome “essência” exprime afirmação do ser. Ora, o que se diz por negação não é idêntico ao que se diz por afirmação.

Em contrário (Sed contra).

Diz Agostinho, no De Trinitate, livro VI:
“Deus est vere unus, quia est ipsa simplicitas essentiae.”
Deus é verdadeiramente uno, porque é a própria simplicidade da essência.

E Dionísio afirma:
“In divinis unum et essentia sunt idem, quia ibi simplicitas excedit omnem compositionem.”
Nas realidades divinas, o uno e a essência são o mesmo, porque ali a simplicidade excede toda composição.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno em Deus é absolutamente idêntico à essência, sem distinção real, lógica ou modal.
Em todas as criaturas, o uno é um atributo derivado — a unidade é recebida na essência composta;
em Deus, porém, a unidade é a própria essência, porque n’Ele não há composição de forma e matéria, nem de essência e existência.


1. O uno como expressão da simplicidade divina

A unidade, em sentido metafísico, significa indivisão.
Ora, a essência divina é indivisível em todos os modos possíveis:

  • não é dividida em partes materiais;
  • não é dividida em forma e sujeito;
  • não é dividida em potência e ato;
  • não é dividida em essência e ser.

Logo, a unidade não se acrescenta à essência em Deus, mas é sua própria natureza.

Diz Alberto:
“In Deo unum non addit essentiae aliquid, sed est ipsa essentia secundum quod est indivisa.”
Em Deus, o uno não acrescenta nada à essência, mas é a própria essência enquanto indivisa.


2. Distinção entre unidade participada e unidade essencial

Nas criaturas, a unidade é participada;
isto é, o ser criado é uno por participação da simplicidade divina.
Por isso, nelas a unidade é atributo.

Mas em Deus, o ser é simplicidade subsistente.
Logo, o uno e o ser são idênticos — e ambos idênticos à essência.

“Quod est in Deo unum, est ipsum esse suum, et ideo eadem est unitas, essentia et existentia.”
O que em Deus é uno, é o próprio ser Dele;
por isso, unidade, essência e existência são a mesma realidade.


3. A relação entre unidade e perfeição

Toda multiplicidade implica limitação;
a simplicidade é plenitude.
Deus, sendo ato puro e sem potencialidade, é perfeitamente uno porque é perfeitamente ser.

Assim, a unidade divina é plenitude, não privação.
O uno em Deus não é exclusão, mas superabundância de identidade.

Diz Alberto:
“Divina unitas non est negatio, sed plenitudo entitatis simplicis.”
A unidade divina não é negação, mas plenitude do ser simples.


4. O Uno e a Essência no intelecto humano

O intelecto humano distingue entre o “uno” e a “essência” apenas por abstração.
Podemos conceber Deus como ser, como uno, como verdadeiro, como bom — mas em realidade, todos esses nomes designam o mesmo princípio simples.

A distinção está na razão do significar, não na coisa significada.


5. Consequência teológica: o fundamento da Trindade

A unidade essencial de Deus é o fundamento da distinção pessoal.
A essência é una e indivisa; as pessoas são distintas por relações.
Assim, a unidade divina, sendo idêntica à essência, é incomunicável à criatura e comum às Pessoas.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o uno é atributo apenas nas criaturas; em Deus, é essência. Por isso, não se distingue como acidente de substância.
  2. À segunda, responde-se que o uno é comum quanto ao nome, mas próprio quanto ao modo de ser: em Deus, é por essência; nas criaturas, por participação.
  3. À terceira, deve-se dizer que o uno, enquanto exclui multiplicidade, exprime a mesma essência segundo a razão de simplicidade; não é posterior, mas idêntico ao ser.
  4. À quarta, responde-se que, embora “uno” exprima negação de divisão, essa negação é fundada em perfeição, não em privação; por isso, é afirmativa em Deus.

Conclusão.

O uno em Deus é idêntico à essência divina,
pois a unidade é a expressão da simplicidade absoluta do ser divino.

Em Deus, ser, essência, unidade, verdade e bondade são um só e mesmo ato de ser.
Toda distinção é do intelecto, não da realidade.

Alberto encerra a questão com esta fórmula:
“In Deo unum et essentia sunt idem, quia ibi simplicitas est ipsa entitas; et inde sequitur quod in ipso sit summa unitas sine compositione.”
Em Deus, o uno e a essência são o mesmo, porque ali a simplicidade é o próprio ser;
e, por isso, n’Ele há suma unidade sem composição.

Quaestio XVIII — Utrum unitas creata sit participatio unitatis divinae

(Se a unidade criada é participação da unidade divina)


Objeções.

  1. Parece que a unidade criada não é participação da unidade divina, pois nada criado pode participar do que é absolutamente simples. Ora, a unidade divina é simplicidade puríssima. Logo, nada criado, sendo composto, pode participar dela.
  2. Além disso, o que é participado é limitado segundo a capacidade do participante. Ora, a unidade divina é infinita; se fosse participada, haveria uma unidade infinita nas criaturas — o que é impossível.
  3. Ademais, as criaturas participam do ser divino segundo analogia do ser, não segundo unidade formal. Logo, a unidade criada não é participação direta da unidade divina.
  4. Ainda, a unidade é predicado comum a todo ente, inclusive aos entes materiais. Mas o que é comum não procede por participação de algo absolutamente separado.

Em contrário (Sed contra).

Diz Dionísio no De Divinis Nominibus, cap. V:
“Omnis unitas est a divina unitate, et quodcumque est unum, participat eam secundum modum suum.”
Toda unidade procede da unidade divina, e tudo o que é uno participa dela segundo o seu modo.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que toda unidade criada é, de fato, participação da unidade divina,
pois Deus é o princípio de toda unidade, assim como é princípio de todo ser e de toda bondade.
Mas essa participação se dá segundo analogia, não por identidade formal.

A unidade divina é sua própria essência;
a unidade criada é imagem e vestígio dessa essência nas coisas múltiplas.


1. Fundamento metafísico da participação

Participar é receber de outro segundo certa semelhança.
Ora, tudo o que é uno nas criaturas o é por certa semelhança com a simplicidade divina,
pela qual tudo o que existe é constituído em ser.

Diz Alberto:
“Omne unum creatum est secundum participationem illius unitatis quae est prima et simplex.”
Todo uno criado o é segundo participação daquela unidade que é primeira e simples.

Assim, a unidade criada é limitada, múltipla e dependente,
enquanto a unidade divina é ilimitada, absoluta e subsistente.


2. A diferença entre unidade essencial e unidade participada

A unidade divina é essência,
porque em Deus o ser e o uno são o mesmo.

A unidade criada é propriedade,
porque se acrescenta ao ser recebido na multiplicidade.

Assim como o ser criado participa do esse divinum,
também o uno criado participa da unitas divina,
mas não no mesmo grau: a unidade participada é finita, a divina é infinita.


3. O modo de participação segundo as ordens do ser

Há três modos de participação da unidade divina:

  1. Nas substâncias espirituais, onde a unidade é mais perfeita, porque há menor composição;
  2. Nos corpos, onde a unidade é dividida pela matéria e pela quantidade;
  3. Nas formas acidentais, onde a unidade é mínima, reduzida a mera proporção.

Em cada ordem, a unidade criada exprime o influxo da unidade divina de modo proporcional.


4. A analogia entre o Uno e o múltiplo

O múltiplo é possível somente pela participação do Uno,
pois todo composto é uno pela unidade que o reúne.

Diz Alberto:
“Unitas creaturae est vestigium unitatis divinae, sicut lumen radii est participatio luminis solis.”
A unidade da criatura é vestígio da unidade divina,
assim como a luz do raio é participação da luz do sol.

Portanto, tudo o que é uno nas criaturas o é por influxo do Uno absoluto.


5. Consequência teológica: a ordem do universo

A unidade divina é a medida e causa exemplar de toda unidade criada.
Por ela, o universo é ordenado como um todo uno.

As criaturas não apenas derivam da unidade divina,
mas são reconduzidas a ela como ao seu fim.

“Ex uno omnia procedunt et in unum omnia redeunt.”
De um tudo procede, e a um tudo retorna.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que, embora a unidade divina seja simplicíssima,
    nada impede que seja participada segundo semelhança, não segundo composição.
    Assim como o sol é luz pura e participa-se dele sem que o sol se divida.
  2. À segunda, responde-se que a infinitude da unidade divina não é comunicada integralmente,
    mas proporcionalmente à capacidade da criatura.
  3. À terceira, deve-se dizer que o ser e o uno são convertíveis;
    por isso, a participação no ser implica participação na unidade.
  4. À quarta, responde-se que o comum na criatura é imagem do absoluto no Criador;
    assim, o uno, ainda que comum, tem sua origem na unidade primeira.

Conclusão.

A unidade criada é participação da unidade divina,
porque toda unidade finita é vestígio da simplicidade infinita de Deus.

Assim como o ser procede do Ser,
também o uno procede do Uno.

A diferença está no modo de recepção:
em Deus, a unidade é essência;
na criatura, é participação.

Alberto encerra com sua fórmula final:
“Unum creatum est participatio unitatis divinae, secundum proportionem essendi et ordinandi ad principium unitatis.”
O uno criado é participação da unidade divina,
segundo a proporção de seu ser e de sua ordenação ao princípio da unidade.

Quaestio XIX — Utrum unum sit causa omnis ordinationis in rebus

(Se o uno é causa de toda a ordenação nas coisas)


Objeções.

  1. Parece que o uno não é causa de toda a ordem, pois a ordem se refere à multiplicidade, e o uno é o oposto do múltiplo. Assim, sendo contrários, o uno não pode ser causa daquilo que se define pela pluralidade.
  2. Além disso, a ordem parece provir da sabedoria divina, que dispõe todas as coisas segundo causa final e exemplar. Ora, a sabedoria não se identifica formalmente com a unidade. Logo, o uno não é causa da ordem.
  3. Ademais, a ordem se encontra também entre os maus, os quais se afastam da unidade divina; se o uno fosse causa de toda a ordem, nenhum desvio seria possível.
  4. Ainda, a ordem implica graus, proporções e relações, que pertencem antes à categoria da relação do que à unidade.

Em contrário (Sed contra).

Diz Dionísio no De Divinis Nominibus, cap. IV:
“Divina unitas est causa omnium ordinum, quia in se habet omnem concordiam et proportionem.”
A unidade divina é causa de todas as ordens, porque em si contém toda a concórdia e proporção.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno é, por essência, causa de toda a ordenação nas coisas,
não como princípio extrínseco de relação, mas como fonte intrínseca de coesão e proporção.

A ordem nada mais é que a disposição conveniente das partes em relação a um todo.
Ora, essa conveniência exige unidade — pois sem unidade, não há proporção nem conjunto.

Assim, o uno é a causa formal da ordem enquanto dá coesão ao múltiplo.


1. A unidade como raiz da harmonia

Toda ordem é uma forma de concordância;
a concordância é uma forma de unidade.

Por isso, toda ordem deriva do uno enquanto princípio de coesão.
As coisas se ordenam porque, sendo múltiplas, aspiram à unidade que lhes falta.

Diz Alberto:
“Ordo non est nisi unitas proportionata in multis; ideo unum est causa omnis ordinis.”
A ordem nada mais é do que unidade proporcionada em muitos;
por isso, o uno é causa de toda ordem.


2. O Uno como causa exemplar da ordem universal

Deus, enquanto Uno absoluto, é modelo e medida de toda ordem.
Nele, tudo está ordenado de modo eterno e simples;
nas criaturas, a ordem é imagem dessa unidade.

A sabedoria divina não é distinta da unidade,
mas é a unidade divina enquanto conhecida e comunicada.

Assim, Deus ordena todas as coisas porque é Uno —
e porque o Uno é o princípio da harmonia entre os seres.


3. A ordem nas criaturas

Nas criaturas, a ordem manifesta-se em três níveis:

  1. Na substância, pela unidade de forma e matéria;
  2. Na alma, pela unidade entre intelecto, vontade e memória;
  3. No universo, pela unidade do todo sobre as partes.

Em todos esses níveis, o uno é o fundamento da proporção,
e a proporção é o fundamento da ordem.

Logo, toda ordem é efeito da unidade.


4. O mal e a desordem como privação da unidade

A desordem é a dissolução do vínculo do uno.
Assim, o mal não tem natureza própria, mas é ausência de unidade.

Mesmo entre os maus há certa ordem,
porque ainda conservam algum vestígio da unidade do ser.
Essa ordem, porém, é imperfeita e acidental,
dependente da unidade essencial que subsiste em Deus.


5. Consequência teológica: o Uno como fim da ordem

Toda ordem tende ao uno como ao seu fim.
A multiplicidade é movimento; o uno é repouso.
Assim, o universo inteiro se move para o uno,
e o uno o atrai como o bem atrai a todas as coisas.

“Unum est finis ordinis sicut bonum, quia idem est unum et bonum in re.”
O uno é fim da ordem como o bem,
porque o uno e o bem são o mesmo na realidade.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o uno e o múltiplo não são contrários em tudo:
    o múltiplo, enquanto ordenado, participa do uno;
    é apenas o múltiplo desordenado que se opõe a ele.
  2. À segunda, responde-se que a sabedoria é causa exemplar da ordem,
    mas a unidade é sua causa formal e fundante —
    pois toda sabedoria divina é una e simples.
  3. À terceira, deve-se dizer que mesmo os maus, enquanto entes, conservam certa ordem natural,
    porque toda criatura participa da unidade do ser, mesmo que moralmente dela se afaste.
  4. À quarta, responde-se que a relação e a proporção dependem do uno como sua raiz,
    pois não há relação sem medida, nem medida sem unidade.

Conclusão.

O uno é causa de toda a ordem nas coisas,
porque tudo o que é ordenado o é por participação na unidade.

A unidade dá medida, proporção e fim às criaturas,
de modo que todo o cosmos é imagem da unidade divina.

Alberto encerra com esta fórmula:
“Unum est causa omnis ordinationis in rebus, quia per ipsum multitudo habet proportionem, et per proportionem ordinem.”
O uno é causa de toda a ordenação nas coisas,
porque por ele a multiplicidade tem proporção, e pela proporção, ordem.

Quaestio XX — Utrum unum sit principium intelligendi et amandi

(Se o uno é princípio do inteligir e do amar)


Objeções.

  1. Parece que o uno não é princípio do inteligir nem do amar,
    pois o inteligir se refere à verdade e o amar ao bem; logo,
    a verdade e o bem — e não o uno — são os princípios respectivos do intelecto e da vontade.
  2. Além disso, a unidade pertence antes à ordem da essência do ente do que à das potências da alma.
    Mas o inteligir e o amar pertencem à alma. Logo, o uno não pode ser seu princípio formal.
  3. Ademais, o inteligir implica distinção, e o amar, dualidade de sujeito e objeto.
    Ora, o uno exclui toda dualidade. Logo, não pode ser princípio de operações que requerem distinção.

Em contrário (Sed contra).

Diz Dionísio no De Divinis Nominibus, cap. IV:
“Omnia desiderant unum, et per unum cognoscunt et amant.”
Todas as coisas desejam o uno, e por meio do uno conhecem e amam.

E Agostinho, no De Trinitate, livro IX:
“Intelligere et amare non essent nisi esset unitas mentis.”
Não haveria inteligir e amar se não houvesse unidade da mente.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o uno é, de modo transcendental, princípio do inteligir e do amar,
porque toda operação da alma pressupõe unidade no sujeito e proporção entre sujeito e objeto.

Sem unidade, não há ato, e sem ato não há conhecimento nem amor.


1. O Uno como condição do conhecimento

O ato de inteligir requer identidade do intelecto com o inteligido.
Ora, a identidade é efeito da unidade.
Logo, o uno é princípio do conhecimento, porque somente o uno pode unir o conhecente e o conhecido.

Diz Alberto:
“Unum est fundamentum omnis cognitionis, quia cognitio fit per assimilationem, et assimilatio est effectus unitatis.”
O uno é o fundamento de todo conhecimento,
porque o conhecer se dá pela assimilação,
e a assimilação é efeito da unidade.

Assim, quanto mais o intelecto é uno,
mais perfeitamente conhece — porque mais perfeitamente se identifica com a verdade.


2. O Uno como princípio do amor

O amor é tendência à união.
Mas toda união tem por causa o uno, que é raiz de toda comunhão.

Assim, o uno é causa formal do amor,
porque o amor é movimento do múltiplo para o uno.

“Amor est appetitus unitatis.”
O amor é o apetite da unidade.

Logo, o uno é o princípio e o fim do amor.


3. O Uno como fonte da intelecção e da afeição divinas

Em Deus, o inteligir e o amar são um só ato —
porque n’Ele não há distinção real entre intelecto, vontade e ser.

Por isso, Deus conhece e ama tudo em sua unidade,
e toda multiplicidade de seus efeitos é reconduzida a esse ato uno.

Assim, no Uno divino, o inteligir e o amar são eternos e inseparáveis.


4. O reflexo dessa verdade na alma humana

Na alma humana, a unidade é a raiz de todas as potências.
A mente, enquanto una, apreende o verdadeiro e tende ao bem.

Quando a alma se dispersa na multiplicidade das coisas, perde sua força cognitiva e amorosa.
Quando retorna à unidade, reencontra a luz do intelecto e a chama da caridade.

Por isso, Alberto conclui que a unificação da alma é condição para a sabedoria e para o amor divino.


5. Consequência metafísica: unidade, verdade e bondade são convertíveis

O uno é princípio do inteligir e do amar,
porque a verdade e o bem são, em última análise, modos do uno:
a verdade é uno na intelecção, e o bem é uno na apetição.

Assim, o uno é raiz dos transcendentais:
ser, verdade, bondade e beleza são expressões diversas da mesma unidade do ser.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o bem e o verdadeiro são modos do uno,
    e, portanto, dependem dele como de seu princípio.
  2. À segunda, responde-se que o uno, embora pertença à essência, é participado nas potências;
    assim, o intelecto e a vontade operam enquanto permanecem unos.
  3. À terceira, deve-se dizer que o uno não exclui distinção relacional,
    mas somente divisão essencial;
    por isso, pode ser princípio de união cognoscitiva e amorosa sem anular a dualidade de termos.

Conclusão.

O uno é princípio do inteligir e do amar,
porque toda operação do intelecto e da vontade se funda na unidade.

O conhecer é unificação com o objeto conhecido,
e o amar é unificação com o objeto desejado.

Deus, Uno absoluto, é a fonte de ambos,
porque n’Ele conhecer e amar são um só ato.

Alberto encerra com a fórmula:
“Unum est principium intelligendi et amandi, quia per unitatem intellectus cognoscit et voluntas unitur amato.”
O uno é princípio do inteligir e do amar,
porque pela unidade o intelecto conhece e a vontade se une ao amado.

ALBERTI MAGNI — SUPER LIBROS METAPHYSICORUM ARISTOTELIS

LIBER UNDECIMUS — DE INTELLECTU DIVINO ET INTELLIGENTIA MOTRICE

(Livro Décimo Primeiro — Sobre o intelecto divino e a inteligência motriz)


Quaestio I — Utrum Deus habeat intellectum
Se Deus possui intelecto.

Quaestio II — Utrum intellectus divinus sit sua essentia
Se o intelecto divino é sua própria essência.

Quaestio III — Utrum intellectus divinus sit semper in actu
Se o intelecto divino está sempre em ato.

Quaestio IV — Utrum Deus intelligat se ipsum
Se Deus entende a si mesmo.

Quaestio V — Utrum Deus intelligat alia a se
Se Deus entende outras coisas além de si mesmo.

Quaestio VI — Utrum intellectus divinus cognoscat singularia
Se o intelecto divino conhece os singulares.

Quaestio VII — Utrum intellectus divinus cognoscat futura contingentia
Se o intelecto divino conhece os futuros contingentes.

Quaestio VIII — Utrum intellectus divinus cognoscat omnia in seipso
Se o intelecto divino conhece todas as coisas em si mesmo.

Quaestio IX — Utrum intellectus divinus sit causa rerum
Se o intelecto divino é causa das coisas.

Quaestio X — Utrum intellectus divinus sit causa per modum artis
Se o intelecto divino é causa à maneira de uma arte.

Quaestio XI — Utrum Deus habeat ideam omnium rerum
Se Deus tem a ideia de todas as coisas.

Quaestio XII — Utrum ideae sint plures in Deo
Se as ideias são múltiplas em Deus.

Quaestio XIII — Utrum ideae sint causae rerum
Se as ideias são causas das coisas.

Quaestio XIV — Utrum intelligentiae moveant corpora caelestia
Se as inteligências movem os corpos celestes.

Quaestio XV — Utrum intelligentiae moveant per intellectum vel per appetitum
Se as inteligências movem por intelecto ou por apetite.

Quaestio XVI — Utrum una intelligentia moveat unum corpus
Se uma inteligência move um único corpo.

Quaestio XVII — Utrum intelligentiae ordinentur secundum hierarchiam
Se as inteligências são ordenadas segundo hierarquia.

Quaestio XVIII — Utrum intelligentiae inferiores illuminentur a superioribus
Se as inteligências inferiores são iluminadas pelas superiores.

Quaestio XIX — Utrum intelligentiae cognoscant singula inferiorum ordinum
Se as inteligências conhecem os singulares dos ordens inferiores.

Quaestio XX — Utrum providentia Dei extendatur ad omnia
Se a providência de Deus se estende a todas as coisas.

Quaestio I — Utrum Deus habeat intellectum

(Se Deus possui intelecto)


Objeções.

  1. Parece que Deus não possui intelecto, pois o intelecto implica potencialidade para o inteligível. Mas em Deus não há potência, senão puro ato. Logo, Deus não possui intelecto.
  2. Além disso, toda operação intelectual supõe composição e distinção entre sujeito, ato e objeto. Ora, em Deus não há distinção real alguma, mas perfeita simplicidade. Logo, o intelecto não pode ser atribuído a Ele.
  3. Ademais, o intelecto é faculdade do ser vivente e animado, conforme o Filósofo em De Anima. Mas Deus não é vivente por alma, nem animado. Logo, não tem intelecto.
  4. Ainda, o intelecto implica recepção de espécies inteligíveis. Mas em Deus não há recepção, pois nada lhe vem de fora. Logo, não possui intelecto.

Em contrário (Sed contra).

Diz Aristóteles, Metaphysica, livro XII:
“Deus est intellectus intelligens se ipsum.”
Deus é intelecto que entende a si mesmo.

E Agostinho:
“In Deo vivere est intelligere.”
Em Deus, viver é entender.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que Deus possui intelecto, não como potência recebendo,
mas como ato puríssimo, no qual o inteligido, o intelecto e o ato de entender são uma só e mesma coisa.

Em todos os entes compostos, o intelecto é potência que se atualiza ao receber o inteligível.
Mas em Deus, que é ato puro e simplicidade absoluta,
o intelecto é a própria essência em ato —
sem distinção entre sujeito que entende, operação e objeto entendido.


1. O intelecto em ato puro

O intelecto, em sua perfeição, é imaterial e separado.
Ora, o que é puramente imaterial é também puro ato.

Assim, Deus é intelecto em grau máximo,
pois n’Ele não há matéria, nem potencialidade, nem composição alguma.

Diz Alberto:
“In Deo non est intellectus potentialis, sed intellectus purus, quia est ipsa forma intelligendi.”
Em Deus não há intelecto potencial, mas intelecto puro,
porque Ele é a própria forma do inteligir.


2. A unidade entre o intelecto e o inteligido

Em nós, o intelecto é uma coisa e o inteligido outra;
o ato de entender é relação entre ambos.
Mas em Deus, essas três realidades coincidem absolutamente.

Assim, o intelecto divino é idêntico à essência divina,
e o inteligido é o próprio Deus.

Logo, Deus entende a Si mesmo,
e esse ato é a plenitude do ser e da vida divina.


3. O intelecto como forma da vida divina

Toda vida perfeita consiste em atividade imaterial.
Ora, o ato de entender é a mais alta das atividades imateriais.
Por isso, em Deus, viver e entender são a mesma coisa.

Assim, a vida divina é o próprio ato do intelecto,
sempre atual, simples e infinito.


4. O intelecto divino e a causalidade universal

Deus conhece todas as coisas em si mesmo,
porque conhece perfeitamente sua essência,
e nela estão contidas, como efeitos em sua causa,
todas as formas e razões de ser das criaturas.

Diz Alberto:
“Cognoscendo se ipsum, Deus cognoscit omnia, quia est forma omnium.”
Conhecendo a si mesmo, Deus conhece todas as coisas,
porque é a forma de todas.

Logo, o intelecto divino é também causa exemplar e ordenadora do universo.


5. A diferença entre o intelecto divino e o humano

No homem, o intelecto é potência; em Deus, é substância.
No homem, o inteligir se dá por abstração; em Deus, por identidade.
No homem, há sucessão de atos; em Deus, ato eterno e uno.

Por isso, Deus é chamado de intelecto puro, subsistente e imóvel.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que, embora o intelecto criado seja potência,
    em Deus é ato puro e essência, sem qualquer passividade.
  2. À segunda, responde-se que em Deus não há distinção real entre intelecto, inteligido e ato,
    mas apenas distinção de razão em nossa maneira de concebê-lo.
  3. À terceira, deve-se dizer que o intelecto não é apenas faculdade da alma,
    mas modo de ser espiritual; logo, aplica-se a Deus em grau sumo.
  4. À quarta, responde-se que em Deus não há recepção extrínseca,
    mas emanação inteligível interna: Ele é luz que se conhece sem intermediário.

Conclusão.

Deus possui intelecto,
mas não por modo de potência, nem de recepção,
e sim como ato puro e simplicíssimo,
em que o inteligir, o ser e a essência coincidem.

Alberto encerra esta questão com a fórmula:
“In Deo esse, vivere et intelligere unum et idem sunt.”
Em Deus, ser, viver e entender são uma e a mesma coisa.

Quaestio II — Utrum intellectus divinus sit sua essentia

(Se o intelecto divino é sua própria essência)


Objeções.

  1. Parece que o intelecto divino não é sua própria essência,
    pois o intelecto é potência e a essência é substância.
    Mas potência e substância se distinguem em natureza. Logo, não são idênticas em Deus.
  2. Além disso, o intelecto implica relação ao inteligido;
    ora, toda relação supõe distinção.
    Logo, o intelecto não pode ser idêntico à essência, que é absolutamente simples.
  3. Ademais, se o intelecto fosse idêntico à essência,
    Deus não conheceria outra coisa além de Si mesmo,
    pois não haveria distinção entre conhecer e ser.
  4. Ainda, a essência é aquilo pelo qual algo é;
    o intelecto é aquilo pelo qual algo conhece.
    Mas o ser e o conhecer diferem de razão.
    Logo, o intelecto divino não é sua essência.

Em contrário (Sed contra).

Diz Aristóteles, Metaphysica, livro XII:
“Intellectus divinus est ipsa intelligentia in actu.”
O intelecto divino é a própria inteligência em ato.

E Boécio afirma:
“In Deo idem est esse et intelligere.”
Em Deus, o ser e o entender são a mesma coisa.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o intelecto divino é sua própria essência,
porque em Deus tudo o que é é absolutamente simples e idêntico a seu ser.

No homem, o intelecto é uma potência distinta da essência,
pois o homem é composto e potencial;
em Deus, porém, ser, essência e intelecto coincidem,
pois Ele é ato puro e simplicidade perfeita.


1. O princípio da simplicidade divina

Tudo o que é composto tem distinção entre essência e ato, entre potência e forma.
Ora, Deus é absolutamente simples; n’Ele não há nada de potencial nem de acidental.

Logo, o intelecto divino não é algo que se acrescente à essência,
mas é a própria essência considerada segundo o modo de inteligir.

Diz Alberto:
“In Deo non est aliud intellectus et essentia, quia si esset, non esset simplicissimus.”
Em Deus, o intelecto não é outra coisa que a essência,
porque, se o fosse, Ele não seria o mais simples dos seres.


2. A identidade entre ser e inteligir em Deus

O ser divino é ato puríssimo;
ora, o inteligir é o mais nobre dos atos espirituais.
Por isso, o inteligir divino é o próprio ser divino exercendo-se em modo de conhecimento.

Assim, Deus é o próprio ato de conhecer,
e seu intelecto é a expressão perfeita de seu ser.

“Intelligere Dei est esse ipsius, et esse est intelligere.”
O entender de Deus é o seu próprio ser, e o ser é o entender.


3. O inteligir sem distinção entre sujeito e objeto

Em nós, o intelecto conhece mediante espécie recebida,
por isso distingue-se entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido.

Mas em Deus não há espécie intermediária,
porque Ele é a própria forma inteligível subsistente.

Assim, o intelecto divino e o inteligido são o mesmo ato eterno,
sem distinção real entre quem conhece e o que é conhecido.


4. A consequência teológica: o intelecto divino é infinito

Sendo a essência divina infinita,
também o intelecto divino é infinito,
porque conhece a si mesmo perfeitamente —
e n’Ele está contido todo o ser possível.

Por isso, o intelecto divino é causa de todo o conhecimento e de toda a ordem das coisas,
pois conhecer a si é conhecer o fundamento de tudo o que é.


5. A analogia com o intelecto criado

No homem, o intelecto é potência ordenada à verdade.
Em Deus, é ato subsistente e verdade mesma.
A diferença é, portanto, de ser, não apenas de grau.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o intelecto é potência apenas nos entes compostos;
    em Deus, é ato idêntico à substância.
  2. À segunda, responde-se que a relação entre intelecto e inteligido em Deus
    não introduz distinção real, mas apenas de razão;
    pois Ele é simultaneamente conhecente e conhecido.
  3. À terceira, deve-se dizer que Deus conhece outras coisas além de Si
    porque conhece a si mesmo como causa universal,
    e, portanto, conhece virtualmente tudo o que Dele procede.
  4. À quarta, responde-se que o ser e o conhecer são distintos na razão apenas;
    na realidade divina, coincidem num só ato de perfeição simples.

Conclusão.

O intelecto divino é a própria essência de Deus,
porque em Deus não há distinção entre ser, essência e inteligir.

Assim, Ele é intellectus per essentiam, non per participationem,
intelecto por essência, não por participação.

Alberto encerra a questão com sua fórmula:
“In Deo intellectus est ipsa essentia, quia est ipsum intelligere subsistens.”
Em Deus, o intelecto é a própria essência,
porque é o próprio inteligir subsistente.

Quaestio III — Utrum intellectus divinus sit semper in actu

(Se o intelecto divino está sempre em ato)


Objeções.

  1. Parece que o intelecto divino não está sempre em ato,
    pois o ato do intelecto consiste em inteligir algo determinado.
    Mas Deus, sendo infinito, não pode ser determinado a um objeto único.
    Logo, o intelecto divino não está em ato permanente,
    mas em potência a muitos inteligíveis.
  2. Além disso, o ato intelectual requer a presença do inteligível no intelecto;
    mas nada é presente eternamente, senão Deus mesmo.
    Logo, o intelecto divino só está em ato enquanto entende a si,
    não enquanto entende as criaturas, que são mutáveis.
  3. Ademais, o ato supõe movimento,
    e todo movimento implica sucessão e tempo;
    ora, em Deus não há tempo nem movimento.
    Logo, o intelecto divino não pode estar em ato.

Em contrário (Sed contra).

Diz Aristóteles, Metaphysica, livro XII:
“Divinus intellectus est actus perpetuus et perfectus.”
O intelecto divino é ato perpétuo e perfeito.

E Agostinho:
“In Deo nihil est potentiale, sed totum actu.”
Em Deus nada há de potencial, mas tudo é ato.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que o intelecto divino está sempre em ato,
porque em Deus não há sucessão, nem potência, nem interrupção de operação.

Em todas as criaturas, o ato intelectual é temporal e sucessivo:
ora se entende, ora não.
Mas em Deus, o inteligir é ato eterno e idêntico ao ser divino.

Logo, o intelecto divino é sempre em ato,
não por multiplicação de inteligíveis, mas por unidade perfeita com o inteligido.


1. O princípio metafísico: o intelecto puro é ato puro

Tudo o que é puramente imaterial é também puramente atual.
Ora, o intelecto divino é o mais imaterial e separado de todos.

Assim, Deus é intelecto em ato puro,
porque n’Ele o inteligir não começa, não termina e não muda.

Diz Alberto:
“Intellectus divinus est semper intelligens, quia est actus purus et immobilis.”
O intelecto divino está sempre entendendo,
porque é ato puro e imóvel.


2. A eternidade do ato intelectual divino

O inteligir divino não tem antes nem depois,
porque o ato de Deus é simultaneamente total e simples.
Deus não passa de não entender a entender,
nem de um objeto a outro,
mas conhece todas as coisas num só olhar eterno.

Por isso, o intelecto divino é sem começo e sem sucessão,
mas sempre no mesmo ato de autoconhecimento.


3. O intelecto divino como ato de felicidade

O intelecto divino é o mesmo que a bem-aventurança divina.
Pois o ato de entender a Si mesmo é o gozo da perfeição absoluta.

Assim, Deus é felicidade subsistente,
porque seu inteligir é um repouso ativo,
sem mutação, sem carência, sem interrupção.

“Intelligere Dei est suum esse beatum.”
O entender de Deus é seu próprio ser bem-aventurado.


4. A diferença entre o intelecto divino e o humano

O intelecto humano é alternadamente em potência e em ato;
o divino, eternamente em ato.

O nosso conhecimento se move do ignorado ao conhecido;
o de Deus é ato único, total e simples,
no qual o conhecer e o conhecido são um só ser.

Assim, o intelecto divino não “passa” de objeto a objeto,
mas compreende tudo no mesmo ato indivisível de verdade.


5. Consequência teológica: a eternidade da ciência divina

Se o intelecto divino estivesse por vezes em potência,
Deus seria mutável — o que é impossível.
Logo, sua ciência é eterna, atual e sem sucessão,
abrangendo de uma só vez todas as coisas passadas, presentes e futuras.

Diz Alberto:
“Deus intelligit omnia simul, quia in eo non est prius et posterius, sed totum simul.”
Deus entende tudo simultaneamente,
porque n’Ele não há antes e depois, mas tudo ao mesmo tempo.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o intelecto divino é infinito,
    mas não por potência a muitos, e sim por ato único que contém todos os inteligíveis.
  2. À segunda, responde-se que Deus entende as criaturas em Si mesmo,
    não por espécies diversas, mas pela unidade de sua essência,
    na qual estão contidas exemplarmente todas as coisas.
  3. À terceira, deve-se dizer que o ato divino não é movimento,
    mas ato puro sem mudança — eternidade, não tempo.

Conclusão.

O intelecto divino está sempre em ato,
porque é idêntico ao ser e à essência divina,
sem começo, sem fim, sem sucessão.

Em Deus, o inteligir é ser,
e o ser é intelecto eterno em ato perfeito.

Alberto encerra a questão com a fórmula:
“Intellectus divinus est semper actu, quia est idem quod suum esse et sua operatio sempiterna.”
O intelecto divino está sempre em ato,
porque é o mesmo que seu ser e sua operação eterna.

Quaestio IV — Utrum Deus intelligat se ipsum

(Se Deus entende a Si mesmo)


Objeções.

  1. Parece que Deus não entende a Si mesmo,
    pois entender requer distinção entre quem entende e o que é entendido.
    Mas em Deus não há distinção real entre sujeito e objeto,
    porque Ele é simplicíssimo. Logo, não pode entender a Si mesmo.
  2. Além disso, todo intelecto que entende a Si mesmo se torna inteligível a si por reflexão.
    Ora, a reflexão supõe dualidade e retorno de um termo a outro.
    Mas em Deus não há dualidade nem sucessão.
    Logo, Deus não entende a Si mesmo.
  3. Ademais, entender é ato de perfeição em potência para o inteligível.
    Mas em Deus não há potência, senão ato puro.
    Logo, não há nele ato de entendimento sobre si mesmo.

Em contrário (Sed contra).

Diz Aristóteles, Metaphysica, livro XII:
“Deus est intellectus intelligens se ipsum.”
Deus é o intelecto que entende a Si mesmo.

E Agostinho, no De Trinitate, livro XV:
“Deus se novit et amat perfecte.”
Deus conhece e ama a Si mesmo perfeitamente.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que Deus entende a Si mesmo por essência,
porque Ele é ao mesmo tempo intelecto, inteligível e inteligir,
sem distinção de sujeito e objeto,
e sem qualquer relação de potência.

Nos seres criados, o entendimento de si requer reflexão —
pois o intelecto não é idêntico ao ato de conhecer.
Mas em Deus, o intelecto e o ato de conhecer são uma só e mesma realidade:
seu inteligir é sua essência.


1. O princípio metafísico da identidade divina

Em nós, entender a si mesmo é movimento de retorno:
a mente se conhece por imagem ou por ato refletido.

Em Deus, não há imagem nem reflexão,
mas identidade absoluta entre o ser e o conhecer.

Diz Alberto:
“Deus intelligit se ipsum non per similitudinem, sed per essentiam suam.”
Deus entende a Si mesmo, não por semelhança,
mas por sua própria essência.

Assim, Ele é o próprio inteligível em ato,
e o ato de entender é sua própria substância.


2. O inteligir divino como ato simples e perfeito

O intelecto divino, sendo puro ato,
não passa do ignorar ao conhecer,
nem de um objeto a outro,
mas conhece eternamente a Si mesmo em uma só operação simples e infinita.

Esse ato é sem princípio, sem meio e sem fim,
porque é idêntico ao próprio ser divino.

Por isso, Deus é a inteligência perfeita —
não inteligência “em potência”, mas intellectus subsistens.


3. A inteligibilidade de Deus em Si mesmo

Deus é inteligível a Si mesmo,
porque é luz puríssima, que não precisa de outra luz para se tornar visível.

Nos entes criados, o inteligível é algo recebido e limitado;
em Deus, o inteligível é a própria essência infinita,
que se manifesta a Si mesma sem intermediários.

Por isso, Ele é intellectus intelligens se ipsum per se et ab aeterno
intelecto que entende a Si mesmo por Si e desde toda a eternidade.


4. A perfeição absoluta do autoconhecimento divino

Conhecer-se a Si mesmo é o mais alto grau de perfeição intelectual.
E como a perfeição divina é infinita,
o conhecimento que Deus tem de Si é infinito e plenamente atual.

Nesse ato, Deus contempla toda a plenitude do ser,
porque sua essência contém todas as razões de inteligibilidade.

Assim, ao entender-se, Deus entende virtualmente todas as coisas.


5. Consequência teológica: o inteligir de Si é a beatitude eterna

O ato de Deus entender-se é a beatitude divina,
pois n’Ele o conhecimento não é distinto do gozo.

Entender-se é gozar-se,
e esse gozo é eterno, imutável e perfeito.

Diz Alberto:
“In hoc quod Deus intelligit se ipsum, beatus est; quia intelligere suum est gaudium infinitum.”
Nisto, que Deus entende a Si mesmo, é bem-aventurado;
pois o seu entender é sua alegria infinita.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a distinção entre intelecto e inteligido é necessária nos compostos,
    mas em Deus há apenas distinção de razão, não de realidade.
  2. À segunda, responde-se que a reflexão supõe dualidade apenas em nós;
    em Deus, não há reflexão, mas identidade imediata entre o conhecer e o conhecido.
  3. À terceira, deve-se dizer que o ato de entender não implica potência em Deus,
    mas é ato puro, idêntico ao seu ser eterno.

Conclusão.

Deus entende a Si mesmo
não por imagem, nem por reflexão,
mas por sua própria essência,
que é luz inteligível infinita e ato puro.

Seu conhecer-se é eterno, imutável e beatificante.

Alberto encerra a questão com a fórmula:
“Deus intelligit se ipsum per essentiam, et hoc est eius beatitudo sempiterna.”
Deus entende a Si mesmo por essência,
e nisto consiste sua bem-aventurança eterna.

Quaestio V — Utrum Deus intelligat alia a se

(Se Deus entende outras coisas além de Si mesmo)


Objeções.

  1. Parece que Deus não entende outras coisas além de Si,
    pois o objeto do intelecto divino é a sua própria essência,
    que é infinita e suficiente para sua perfeição.
    Logo, não necessita de outro objeto.
  2. Ademais, se Deus entendesse outras coisas além de Si,
    seria afetado por multiplicidade de espécies inteligíveis.
    Mas isso destruiria a simplicidade divina.
    Logo, Ele entende apenas a Si mesmo.
  3. Além disso, o inteligir supõe uma relação com o inteligível;
    se houvesse em Deus relação a outros seres,
    seguir-se-ia mudança ou dependência.
    Mas em Deus nada muda.
    Logo, Ele não entende outras coisas.

Em contrário (Sed contra).

Diz Aristóteles, Metaphysica, livro XII:
“Deus est causa intelligens et intelligibilis omnium.”
Deus é causa inteligente e inteligível de todas as coisas.

E Agostinho, De Trinitate, livro XV:
“Deus omnia novit in se, quia ipse est exemplar omnium.”
Deus conhece todas as coisas em Si mesmo,
porque Ele é o exemplar de tudo.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que Deus entende outras coisas além de Si,
não por meio de espécies diversas,
mas por meio de sua própria essência,
na qual estão contidas exemplarmente todas as razões das coisas.

Assim como o artífice conhece suas obras na forma que tem na mente,
assim Deus conhece todas as criaturas em Si mesmo,
porque Ele é a causa de todas segundo o modo do intelecto.


1. O princípio metafísico da exemplaridade

A essência divina é causa e medida de todos os entes.
Logo, ao conhecer a Si, Deus conhece as participações possíveis de seu ser.

“In seipso Deus omnia cognoscit, quia sua essentia est ratio omnium entium.”
Em Si mesmo Deus conhece todas as coisas,
porque sua essência é a razão de todos os entes.

Portanto, conhecer as criaturas não introduz multiplicidade em Deus,
mas é um só ato simples e infinito de autoconhecimento.


2. A unidade do ato intelectual divino

O intelecto divino não tem necessidade de novas formas para conhecer outros objetos,
pois tudo o que é pode ser conhecido enquanto é participação do ser divino.

Logo, o mesmo ato pelo qual Deus entende a Si
é aquele pelo qual entende todas as coisas.

Não há, portanto, pluralidade de inteligíveis,
mas unidade absoluta de essência e operação.

Diz Alberto:
“In Deo intelligere alia a se non est aliud intelligere, sed idem quod intelligere se ipsum.”
Em Deus, entender outras coisas além de Si
não é outro entender, mas o mesmo que entender a Si mesmo.


3. A causa formal do conhecimento divino das criaturas

Tudo o que é criado procede de Deus segundo uma certa razão exemplar.
Essas razões — chamadas ideae — não são distintas realiter em Deus,
mas apenas ratione, segundo o modo de concepção do intelecto humano.

Assim, o que em nós seria multiplicidade de conceitos,
em Deus é uma única essência infinitamente inteligível.

Portanto, Ele conhece tudo por Si,
como causa universal conhece suas consequências.


4. A extensão do conhecimento divino

Deus conhece tanto o que existe como o que pode existir,
pois seu intelecto abarca não só os entes atuais,
mas também os possíveis, enquanto participações de seu poder criador.

Por isso, o conhecimento divino é dito comprehensivus et eminens,
abrangente e eminente,
pois contém virtualmente toda a verdade das criaturas.

“Deus cognoscit non solum quae sunt, sed quae esse possunt, quia potentia eius infinita est.”
Deus conhece não apenas o que é, mas também o que pode ser,
porque sua potência é infinita.


5. Consequência teológica: a ciência divina é exemplar e causal

O conhecimento divino não é apenas especulativo, mas efetivo.
Deus conhece as criaturas enquanto as produz,
e as produz enquanto as conhece.

Por isso, a ciência divina é causa das coisas,
não recebida delas, mas anterior a elas.

“Scientia Dei est causa rerum, quia est ratio et exemplar eorum.”
A ciência de Deus é causa das coisas,
porque é sua razão e seu exemplar.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que a essência divina é suficiente para a perfeição de Deus,
    mas conhecer as criaturas nela não é acréscimo,
    e sim expressão necessária da plenitude do conhecimento divino.
  2. À segunda, responde-se que não há multiplicidade de espécies em Deus,
    mas unidade essencial contendo todas as formas em modo eminente.
  3. À terceira, deve-se dizer que não há relação real entre Deus e as criaturas,
    mas apenas relação das criaturas a Ele.
    Logo, o conhecimento das criaturas não introduz mudança em Deus.

Conclusão.

Deus entende outras coisas além de Si,
não por multiplicidade de espécies,
mas por sua essência única,
na qual todas as coisas são contidas como em sua causa exemplar e inteligível.

Seu conhecimento é uno, eterno, causal e perfeito.

Alberto encerra a questão com a fórmula:
“Deus cognoscit alia a se in seipso, quia ipse est forma et ratio omnium.”
Deus conhece outras coisas além de Si em Si mesmo,
porque Ele é a forma e a razão de todas as coisas.

Quaestio VI — Utrum intellectus divinus cognoscat singularia

(Se o intelecto divino conhece os singulares)


Objeções.

  1. Parece que o intelecto divino não conhece os singulares,
    porque os singulares são conhecidos pelos sentidos, não pelo intelecto.
    Mas em Deus não há sentido, nem potência sensitiva.
    Logo, Ele não conhece os singulares.
  2. Além disso, o singular, sendo material e contingente,
    não pode ser conhecido universalmente sem perder sua particularidade.
    Mas Deus conhece todas as coisas universalmente.
    Logo, não conhece os singulares enquanto singulares.
  3. Ademais, o conhecimento dos singulares requer variedade e sucessão,
    pois cada singular surge e perece no tempo.
    Mas o intelecto divino é eterno, imutável e sem sucessão.
    Logo, não conhece as coisas que mudam e passam.

Em contrário (Sed contra).

Diz o salmista:
“Omnia cognovit Deus, et nihil est absconditum ab eo.” (Salmo 138)
Deus conhece todas as coisas, e nada lhe está oculto.

E Agostinho:
“Qui fecit omnia, novit omnia, etiam minutissima.”
Aquele que fez todas as coisas conhece todas, até as mais mínimas.


Respondeo dicendum quod.

Deve-se dizer que Deus conhece perfeitamente os singulares,
não por meio de imagens sensíveis ou espécies materiais,
mas por sua essência simples e infinita,
na qual estão contidas exemplarmente todas as determinações da realidade.

Com efeito, tudo o que há de ser ou de acontecer nos singulares
procede da ordem da providência divina,
que é idêntica ao intelecto divino.

Assim, Deus conhece os singulares não porque os recebe,
mas porque os produz.


1. O princípio causal do conhecimento dos singulares

Nosso intelecto conhece os universais porque abstrai da matéria;
mas o intelecto divino, sendo causa da matéria e da forma,
conhece tudo o que delas resulta — inclusive o singular.

“Deus cognoscit singularia in seipso, quia est causa et ordo eorum.”
Deus conhece os singulares em Si mesmo,
porque Ele é sua causa e sua ordem.

O conhecimento divino, portanto, abrange o que há de material,
sem se tornar material,
e o que há de temporal,
sem se tornar temporal.


2. O modo da ciência divina: o singular no universal

Em nós, o universal e o singular se distinguem segundo modos de apreensão;
em Deus, não há tal distinção,
pois sua ciência é simples e compreende ambos.

O universal é conhecido em razão da essência comum,
e o singular em razão da determinação dessa essência na matéria.
Mas como a essência e a matéria procedem ambas de Deus,
Ele conhece ambas pela mesma visão simples de Si.

Logo, Deus conhece o singular no universal,
não por abstração, mas por participação causal.


3. A eternidade do conhecimento divino e a mutabilidade das criaturas

O intelecto divino é eterno,
mas conhece os eventos temporais como presentes ao seu olhar eterno.

Não há sucessão no ato de conhecer de Deus,
mas há sucessão nas coisas conhecidas.
Assim, o conhecimento divino não muda,
ainda que os objetos mudem.

“In Deo non est novitas cognitionis, sed in rebus novitas essendi.”
Em Deus não há novidade de conhecimento,
mas nas coisas, novidade de ser.

Portanto, Ele conhece os nascimentos e corrupções,
as ações e paixões,
as disposições e acidentes de cada ser singular,
sem que seu intelecto se altere.


4. Consequência teológica: o conhecimento divino é providencial e penetrante

Deus conhece os singulares para governá-los,
pois nada pode ser ordenado sem ser conhecido.

A ciência divina, portanto, é providencial,
penetrando cada criatura até seus movimentos mais ocultos.

Ela é intuitiva, não discursiva;
simples, não sucessiva;
eterna, não temporal.

Assim, o singular é presente a Deus
como um pensamento é presente à mente que o produz.


Respostas às objeções.

  1. À primeira, deve-se dizer que o intelecto divino não necessita de sentidos,
    porque n’Ele o conhecimento não vem das coisas,
    mas as coisas vêm do conhecimento.
  2. À segunda, responde-se que o universal e o singular não são opostos em Deus,
    pois sua essência contém ambos em unidade perfeita.
    Ele conhece o universal como causa e o singular como efeito.
  3. À terceira, deve-se dizer que o conhecimento divino é eterno e imutável,
    mas sua eternidade contém em ato todas as mudanças do tempo,
    sem mudança própria.

Conclusão.

Deus conhece perfeitamente os singulares,
não por espécies sensíveis,
mas por sua essência infinita,
na qual estão todas as formas e ordens das coisas.

Seu conhecimento é simultaneamente universal e singular,
imutável e abrangente,
causal e providente.

Alberto encerra a questão com a fórmula:
“Deus cognoscit singularia, quia est causa eorum, et in seipso continet ordinem totius creationis.”
Deus conhece os singulares,
porque é sua causa e contém em Si mesmo a ordem de toda a criação.

Quaestio VII — Utrum intellectus divinus cognoscat futura contingentia

(Se o intelecto divino conhece os futuros contingentes)


Objeções

  1. Parece que Deus não conhece os futuros contingentes,
    pois o que é contingente não tem ainda ser determinado,
    mas pode tanto ser como não ser.
    Ora, o conhecimento certo exige determinação do objeto.
    Logo, os futuros contingentes não podem ser conhecidos com certeza.
  2. Além disso, o conhecimento dos futuros contingentes
    implicaria mudança no intelecto de Deus,
    pois, à medida que o evento ocorre, o conhecimento se atualizaria.
    Mas Deus é imutável.
    Logo, Ele não conhece os futuros contingentes.
  3. Ademais, se Deus conhece os futuros contingentes de modo necessário,
    então tais coisas ocorrerão necessariamente,
    e não contingentemente — o que destrói a liberdade das causas segundas.

Em contrário (Sed contra)

Diz Aristóteles em Metaphysica, XII:
“Deus est intellectus in quo omnia sunt intelligibiliter.”
Deus é o intelecto em que todas as coisas estão inteligivelmente.

E Agostinho, De Civitate Dei, V:
“Praescientia Dei non tollit liberum arbitrium, sed ordinat.”
A presciência de Deus não destrói o livre-arbítrio, mas o ordena.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que Deus conhece infalivelmente os futuros contingentes,
não porque estes sejam necessários em si,
mas porque a ciência divina é eterna, simples e abrange todos os tempos em um só olhar.

O erro nasce quando se mede o conhecimento divino
segundo a sucessão temporal das criaturas;
mas em Deus não há antes nem depois,
de modo que o que para nós ainda é futuro,
para Ele está presente em ato.

Assim, Deus conhece os futuros contingentes
na medida em que estão presentes à eternidade de seu intelecto.


1. O conhecimento divino não depende do tempo

O futuro é contingente apenas para nós,
que vivemos no fluxo temporal e vemos as coisas sucedendo-se;
para Deus, que habita a eternidade,
tudo está simultaneamente presente.

Por isso Alberto diz:
“In Deo non est futurum aut praeteritum, sed simplex praesentia aeternitatis.”
Em Deus não há futuro nem passado,
mas a simples presença da eternidade.

O que para nós ainda não aconteceu
já está visto e compreendido na visão eterna de Deus.


2. A compatibilidade entre presciência e contingência

O fato de Deus conhecer um evento futuro
não o torna necessário em sua causa próxima,
mas apenas certo segundo a causa suprema.

Há distinção entre a necessidade da consequência
e a necessidade do consequente:
se Deus sabe que algo acontecerá,
segue-se necessariamente que acontecerá;
mas o evento em si continua contingente em sua natureza própria.

Assim, a certeza da ciência divina não anula a contingência da coisa,
mas a contém ordenadamente.


3. A relação entre o intelecto divino e as causas segundas

Deus conhece os futuros contingentes
porque conhece as causas de onde eles procedem,
tanto as necessárias como as livres.

Conhecendo-as na totalidade de sua ordem,
sabe o que cada uma produzirá
segundo o modo próprio de sua natureza.

Logo, conhece também as ações livres,
não como forçadas, mas como livres,
porque conhece as vontades e os fins a que tendem.

“Deus cognoscit contingentia ut contingentia, et tamen infallibiliter.”
Deus conhece os contingentes como contingentes,
e, contudo, infalivelmente.


4. A eternidade como simultaneidade total

A eternidade de Deus é como um ponto imóvel
no qual todos os tempos estão contidos.

Portanto, o que é futuro em relação a nós
é presente para Ele,
assim como o que é passado permanece igualmente diante de seu olhar.

Dessa maneira, a ciência divina não é previsora, mas visionária:
não prevê o que virá,
mas vê eternamente o que é em todos os tempos.


5. A consequência teológica: providência sem fatalismo

A presciência divina não é imposição,
mas ordem do ser segundo a sabedoria suprema.

Deus conhece os futuros livres sem os coagir,
pois sua causalidade é universal e inclui também o livre-arbítrio como modo de agir.

Assim, sua ciência eterna funda a liberdade,
porque dá realidade e inteligibilidade a todos os modos do ser,
inclusive o contingente.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    Deus conhece os contingentes não segundo seu modo mutável,
    mas segundo o modo imutável de sua ciência.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    a mudança está nas coisas, não no conhecer divino;
    Deus não passa de uma visão a outra,
    mas contempla tudo em ato simples.
  3. À terceira, responde-se que
    a necessidade da ciência divina não faz necessária a coisa conhecida;
    a coisa é livre, mas o conhecimento de Deus é infalível.

Conclusão

Deus conhece os futuros contingentes
porque sua ciência é eterna, simples e total.
Para Ele, nada é futuro, tudo é presente;
e por essa eternidade simultânea
Ele vê, sem mudar, o que para nós muda.

Alberto encerra a questão com a fórmula:
“Scientia Dei est aeternitas rerum, non praevisio.”
A ciência de Deus é a eternidade das coisas,
não uma previsão.

Quaestio VIII — Utrum intellectus divinus cognoscat omnia in seipso

(Se o intelecto divino conhece todas as coisas em Si mesmo)


Objeções

  1. Parece que Deus não conhece todas as coisas em Si mesmo,
    pois conhecer algo em si mesmo é conhecer sua própria essência;
    mas a essência de Deus é distinta das essências criadas.
    Logo, não pode conhecer as coisas em Si,
    mas somente fora de Si, enquanto causas.
  2. Além disso, se Deus conhece todas as coisas em Si mesmo,
    então as coisas existiriam em Deus realmente e não apenas segundo razão,
    o que destruiria a distinção entre Criador e criatura.
  3. Ademais, o conhecimento das criaturas em Deus
    parece implicar diversidade de formas na mente divina.
    Mas Deus é absolutamente simples.
    Logo, Ele não pode conhecer a multiplicidade das coisas em Si mesmo.

Em contrário (Sed contra)

Agostinho, De Trinitate, XV:
“In Deo sunt rationes omnium creaturarum, et in eis Deus omnia cognoscit.”
Em Deus estão as razões de todas as criaturas,
e por elas Ele conhece tudo.

E Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. VII:
“Deus omnia cognoscit in seipso sicut causa exemplaris omnium.”
Deus conhece todas as coisas em Si mesmo,
como causa exemplar de todas.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que Deus conhece todas as coisas em Si mesmo,
porque sua essência é o exemplar e a razão de todo o ser criado.

O intelecto divino não necessita de espécies diversas,
pois em sua essência estão contidas exemplarmente
todas as formas das coisas que podem existir.

Assim como a arte está toda na mente do artífice,
assim toda a criação está no intelecto de Deus,
não por pluralidade de espécies,
mas por unidade da causa universal.


1. A essência divina como razão formal de todos os entes

A essência de Deus é ser absoluto,
e tudo o que é, é por participação desse ser.

Logo, ao conhecer a Si mesmo,
Deus conhece toda forma de participação possível,
isto é, todas as criaturas,
segundo o modo pelo qual podem derivar de sua plenitude.

“In cognitione sui, Deus cognoscit omnia quae esse possunt per participationem sui.”
Na ciência de Si, Deus conhece tudo o que pode ser
por participação de Si.

Não há, portanto, multiplicidade real no intelecto divino,
mas apenas a plenitude de inteligibilidade.


2. A exemplaridade como modo de conhecimento

Deus conhece as criaturas não como presentes fora d’Ele,
mas como presentes em sua essência,
que é a causa exemplar e formal de todas.

Assim como o arquiteto vê o edifício na forma do plano,
assim Deus vê todo o universo em sua própria essência.

Essa visão é eminentemente unificadora,
pois o múltiplo é contido no Uno como no princípio.


3. Unidade e multiplicidade no intelecto divino

A unidade de Deus não exclui a multiplicidade de razões,
mas as contém de modo eminente e indistinto.

Alberto diz:
“In Deo est multitudo rationum non realis, sed virtualis.”
Em Deus há multiplicidade de razões,
não real, mas virtual.

Ou seja, tudo o que na criatura é distinção,
em Deus é potência inteligível una e infinita.


4. A correspondência entre conhecer e criar

O conhecimento de Deus é causal,
não meramente contemplativo.

Ele conhece as coisas em Si
enquanto as faz ser.
Por isso, sua ciência e sua vontade coincidem,
sendo o conhecimento a causa do ser das coisas.

O ato de conhecer é o mesmo ato pelo qual o mundo é mantido no ser.

“In Deo idem est intelligere et facere.”
Em Deus, entender e fazer são o mesmo.


5. A totalidade das coisas em Deus

Tudo o que é — real, possível, ou inteligível —
está em Deus por modo de razão,
isto é, segundo a possibilidade de ser derivado Dele.

Assim, Ele conhece:

  • as essências, enquanto participa delas como forma universal;
  • os atos, enquanto são efeitos de sua vontade;
  • os possíveis, enquanto são modos contingentes de participar do ser.

Por isso Alberto conclui:
“Deus cognoscit omnia in seipso, quia omnia sunt ab ipso et in ipso.”
Deus conhece tudo em Si mesmo,
porque tudo procede Dele e subsiste Nele.


Respostas às objeções

  1. À primeira, deve-se dizer que
    Deus conhece as coisas não segundo suas essências próprias,
    mas segundo a essência divina,
    que é a razão exemplar de todas.
  2. À segunda, responde-se que
    as coisas estão em Deus não realmente, mas exemplarmente;
    são razões e formas inteligíveis, não existências separadas.
  3. À terceira, deve-se dizer que
    a diversidade das criaturas não implica diversidade em Deus,
    mas perfeição de unidade que contém todas as diferenças virtualmente.

Conclusão

Deus conhece todas as coisas em Si mesmo,
porque sua essência é razão, forma e causa de tudo.

Não há em seu intelecto distinção real de objetos,
mas unidade infinita que abarca todas as diferenças possíveis.

Assim, a ciência divina é total, simples e exemplar,
fundamento de todo ser e toda verdade.

Alberto encerra a questão com a fórmula:
“Deus cognoscit omnia in seipso, quia ipse est exemplum et ordo totius entitatis.”
Deus conhece todas as coisas em Si mesmo,
porque Ele é o exemplo e a ordem de toda a entidade.

Quaestio IX — Utrum intellectus divinus sit causa rerum

(Se o intelecto divino é causa das coisas)


Objeções

  1. Parece que o intelecto divino não é causa das coisas,
    pois a causa primeira das coisas é a vontade divina,
    segundo está escrito: “Omnia quaecumque voluit, fecit.” (Salmo 134,6).
    Logo, não o intelecto, mas a vontade, é a causa das coisas.
  2. Além disso, o intelecto é causa apenas segundo a ordem do conhecimento,
    não segundo a ordem do ser.
    Mas as coisas têm o ser, não o conhecimento.
    Logo, o intelecto divino não é causa das coisas.
  3. Ademais, se o intelecto divino fosse causa,
    as coisas seriam necessárias como o seu conhecimento,
    pois o efeito não pode ser diverso da causa no modo de proceder.
    Mas há contingência e mutabilidade nas coisas.
    Logo, não provêm do intelecto, que é imutável.

Em contrário (Sed contra)

Agostinho, De Diversis Quaestionibus:
“Deus fecit omnia in numero, pondere et mensura.”
Ora, “mensura” se refere à razão inteligível.
Logo, Deus, pela medida de seu intelecto, é causa das coisas.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que o intelecto divino é causa das coisas,
não por necessidade natural, mas por liberdade de vontade.

Com efeito, em Deus a ciência e a vontade são uma mesma realidade,
e o que o intelecto concebe como bom, a vontade escolhe produzir.

Assim, o intelecto é causa exemplar,
e a vontade é causa eficiente do universo.

O intelecto divino é causa segundo a razão de forma e modelo,
pois toda a ordem e distinção das coisas
procede da razão inteligível existente em Deus.


1. A prioridade do intelecto sobre a vontade na ordem da razão

Ainda que a vontade seja a causa motora,
o intelecto é anterior em razão,
porque a vontade não tende senão ao que o intelecto propõe como bem.

Por isso, Alberto diz:
“Intellectus est regula voluntatis in Deo, quia vult Deus secundum quod intelligit.”
O intelecto é a regra da vontade em Deus,
porque Deus quer conforme entende.

Assim, o intelecto contém exemplarmente
o número, a medida e a forma de todas as coisas criadas.


2. A dupla causalidade em Deus: exemplar e eficiente

Há em Deus uma dupla causalidade:
a exemplar, que pertence ao intelecto;
e a eficiente, que pertence à vontade.

Mas a exemplar é a causa primária em razão,
porque é a regra da eficiência.

A arte produz a obra pela vontade do artífice,
mas segundo o modelo existente no intelecto.
Do mesmo modo, Deus produz o mundo pela vontade,
segundo a forma do intelecto.


3. A inteligibilidade do ser como fundamento da criação

Tudo o que é, é verdadeiro enquanto é inteligível.
Logo, o ser procede de uma razão inteligível.

O intelecto divino, sendo a Verdade mesma,
é o princípio de toda inteligibilidade,
e, por conseguinte, de todo o ser.

Assim, dizer que Deus é causa por seu intelecto
é dizer que a origem do ser é a verdade.


4. A contingência das coisas e a liberdade da causa

Embora o intelecto divino seja causa exemplar,
as coisas não são necessárias por isso,
porque a execução do modelo depende da vontade livre.

Assim como o artífice pode ou não realizar o que concebe,
Deus conhece infinitas possibilidades,
mas só cria aquelas que quer.

Portanto, a contingência das criaturas
procede da liberdade da vontade,
não da ignorância do intelecto.


5. O intelecto divino como causa formal e exemplar do universo

Todas as coisas criadas participam de algum modo da razão divina.
Na mente de Deus,
existem os arquétipos eternos (ideae) de todas as criaturas,
pelos quais o intelecto ordena e mede o ser de cada uma.

Logo, o intelecto é causa formal universal,
como a luz é causa da visibilidade de todas as cores.

O mundo é, portanto, uma expressão inteligível do pensamento divino,
uma “manifestatio intellectus aeterni”.


Respostas às objeções

  1. À primeira, deve-se dizer que
    a vontade é causa eficiente, mas o intelecto é causa exemplar;
    e ainda que sejam distintos por razão,
    em Deus são uma só e mesma essência.
  2. À segunda, responde-se que
    o intelecto não é causa formal no sentido de comunicar conhecimento,
    mas de comunicar ser, pois em Deus
    a verdade e o ser são idênticos.
  3. À terceira, deve-se dizer que
    a imutabilidade do intelecto divino
    não exclui a mutabilidade das criaturas,
    porque o efeito contingente pode proceder de uma causa imutável
    pela mediação da vontade livre.

Conclusão

O intelecto divino é verdadeiramente causa das coisas,
não como agente separado da vontade,
mas como princípio de ordem, forma e exemplaridade.

Por Ele, todas as coisas são medidas,
ordenadas e determinadas em seu modo de ser.

Assim, o universo inteiro é como um espelho
em que resplandece a sabedoria de Deus.

Alberto encerra a questão com a fórmula:
“Intellectus divinus est causa rerum, inquantum est ratio et forma universalis entium.”
O intelecto divino é causa das coisas,
enquanto é a razão e a forma universal dos entes.

Quaestio X — Utrum intellectus divinus sit causa per modum artis

(Se o intelecto divino é causa à maneira de uma arte)


Objeções

  1. Parece que o intelecto divino não é causa à maneira de uma arte,
    pois a arte é própria do homem, que aprende e imita;
    mas Deus é princípio de tudo, não imitador de nada.
    Logo, não se pode dizer que Ele cause como artista.
  2. Além disso, o artífice trabalha sobre matéria pré-existente,
    enquanto Deus cria o ser a partir do nada (ex nihilo).
    Logo, não causa à maneira de arte, mas por poder absoluto.
  3. Ademais, a arte depende de raciocínio discursivo e de deliberação,
    enquanto em Deus não há deliberação nem raciocínio.
    Logo, não age como arte, mas como natureza eterna e simples.

Em contrário (Sed contra)

Agostinho, De Trinitate, VI:
“Ars qua facta sunt omnia est ipsa Sapientia Dei.”
A arte pela qual todas as coisas foram feitas é a própria Sabedoria de Deus.

E no Livro da Sabedoria (8,6):
“Omnia disposuisti suaviter, Domine, sapientia tua.”
“Tudo dispusestes com suavidade, Senhor, pela vossa sabedoria.”

Logo, Deus é causa à maneira de arte, e sua sabedoria é o modelo de todas as coisas.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que o intelecto divino é causa à maneira de uma arte,
não porque raciocine ou delibere como o homem,
mas porque contém em si as razões exemplares de todas as criaturas,
segundo as quais tudo é ordenado, medido e produzido.

A diferença entre a arte humana e a arte divina
é que na primeira o modelo é exterior ao ser do artífice,
enquanto na segunda o modelo é idêntico à própria essência do artífice.

Assim, Deus é Artifex universalis,
que não imita nada fora de Si,
mas cria tudo conforme a ciência que é Ele mesmo.


1. A arte divina e a produção do ser

A arte é propriamente uma razão de operar existente no intelecto.
Logo, onde há intelecto que ordena o ser,
há também arte em sentido eminente.

Ora, em Deus a razão de todas as formas
está contida na unidade de sua sabedoria,
e, por essa razão, Ele produz as coisas
segundo o modelo inteligível de Si mesmo.

Por isso Alberto escreve:
“In Deo ars est ipsa essentia, quae est ratio omnium.”
Em Deus, a arte é a própria essência, que é a razão de todas as coisas.


2. A criação e a exemplaridade

Embora Deus crie ex nihilo,
essa criação não é cega nem desordenada,
mas procede segundo razões formais eternas
existentes no intelecto divino.

Essas razões são chamadas por Agostinho de rationes seminales
sementes do ser que estão em Deus,
não como potências, mas como inteligibilidades perfeitas.

Assim, a arte divina não depende da matéria,
mas contém a ordem mesma pela qual a matéria será disposta.


3. Diferença entre a arte humana e a divina

A arte humana é limitada:
ela parte de uma forma já conhecida e a impõe à matéria exterior.
A arte divina, porém, é criadora e comunicante do ser.

O artífice humano age secundum participationem rationis divinæ,
enquanto Deus age secundum plenitudinem ipsius rationis.

Por isso, toda arte humana é imagem da arte divina,
e, como diz Alberto:
“Ars humana est imitatio artis divinae in materia.”
A arte humana é imitação da arte divina na matéria.


4. A ordem do universo como obra de arte

O universo inteiro é como uma grande obra
que reflete a sabedoria de seu artífice.

Os graus dos seres, suas causas e finalidades,
são dispostos como partes de uma harmonia total,
de modo que nada é fortuito,
mas tudo tem medida e proporção.

Assim, Deus é o Artista do ser,
e a criação é o espelho de sua inteligência ordenadora.

“Deus fecit omnia in numero, pondere et mensura.” (Sb 11,21)
Esses três termos — número, peso e medida —
são, segundo Alberto, as notas da arte divina universal.


5. O modo de causalidade artística em Deus

Deus é causa à maneira de arte em três aspectos:

  1. Como exemplar, pois o modelo está em Si mesmo.
  2. Como causa formal, pois confere forma segundo esse modelo.
  3. Como causa final, pois tudo tende à beleza do artífice supremo.

Dessa forma, a arte divina contém e supera todas as outras artes,
porque é causa do ser, da ordem e do fim.

“Ars divina est causa essendi, ordinis et bonitatis in rebus.”
A arte divina é causa do ser, da ordem e da bondade nas coisas.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    Deus não imita nada fora de Si,
    mas é chamado artífice porque produz com sabedoria e medida,
    não por cópia, mas por exemplaridade absoluta.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    embora não haja matéria pré-existente,
    há o modelo inteligível eterno no intelecto divino,
    que desempenha na criação o papel da arte no artífice.
  3. À terceira, responde-se que
    Deus não raciocina, mas conhece de modo simples e intuitivo;
    portanto, sua arte não é discursiva,
    mas plenitude de forma inteligível eterna.

Conclusão

O intelecto divino é causa à maneira de arte,
porque tudo o que existe procede dele como de um modelo perfeito.

Sua arte é eterna, sua ciência é criadora,
e seu ato é idêntico à sua essência.

Por isso, Alberto encerra a questão com esta fórmula:
“Ars divina non est acquisita nec factiva, sed ipsa ratio vivens rerum.”
A arte divina não é adquirida nem fabricada,
mas é a razão viva das coisas.

Quaestio XI — Utrum Deus habeat ideam omnium rerum

(Se Deus tem a ideia de todas as coisas)


Objeções

  1. Parece que Deus não tem ideia de todas as coisas,
    pois a ideia é uma semelhança ou modelo segundo o qual algo é feito.
    Ora, Deus não recebe semelhança de coisa alguma,
    mas é a causa primeira e pura simplicidade.
    Logo, não há em Deus ideias múltiplas de todas as coisas.
  2. Além disso, as ideias são muitas,
    mas em Deus não há multiplicidade nem distinção real.
    Logo, se houvesse ideias, haveria pluralidade em Deus,
    o que é contrário à unidade divina.
  3. Ademais, a ideia parece pertencer ao intelecto que discorre e compõe,
    mas o intelecto divino é simples e intuitivo, não discursivo.
    Logo, não se pode dizer que haja ideias em Deus como em nós.

Em contrário (Sed contra)

Agostinho, De Ideis:
“Ideae sunt principales formae quaedam, in mente divina existentes.”
“Ideias são certas formas principais, existentes na mente divina.”

E também diz:
“Deus est auctor omnium rerum per ideam.”
“Deus é autor de todas as coisas segundo a ideia.”

Logo, há ideias em Deus, pelas quais todas as coisas são feitas e conhecidas.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que em Deus existem as ideias de todas as coisas criadas,
não como realidades distintas d’Ele,
mas como razões exemplares contidas em sua essência.

A palavra “ideia” (idea) significa a forma inteligível pela qual algo é conhecido e produzido.
Assim, no intelecto humano, a ideia é adquirida por abstração das coisas;
mas em Deus, ao contrário, as coisas são produzidas conforme as ideias eternas que n’Ele preexistem.

Por isso, Alberto escreve:
“Ideae sunt rationes rerum in intellectu divino existentes.”
As ideias são as razões das coisas existentes no intelecto divino.


1. A origem do conceito de ideia

Platão ensinou que as ideias são substâncias separadas e eternas,
segundo as quais as coisas sensíveis participam da forma.
Aristóteles, porém, negou sua existência separada,
reconhecendo-as apenas como inteligíveis no intelecto.

Alberto, unindo ambas as posições, afirma:
as ideias não são coisas fora de Deus,
mas estão n’Ele como razões exemplares eternas.

Assim, Deus contém em Si as formas perfeitas de todas as criaturas,
não como multiplicidade real,
mas como unidade fecunda da razão divina.


2. A multiplicidade das ideias e a simplicidade divina

A multiplicidade das ideias não introduz composição em Deus,
porque a distinção está nas coisas conhecidas, não no intelecto que conhece.

O intelecto divino, conhecendo-se a Si mesmo como causa,
conhece também todas as possibilidades do ser que podem proceder d’Ele.

Logo, há multiplicidade de razão (secundum rationem),
não de essência (secundum rem).

“In Deo idem est intelligere et esse; unde ideas habet per identitatem, non per compositionem.”
Em Deus, o entender e o ser são idênticos;
por isso, Ele tem ideias por identidade, não por composição.


3. As ideias como causas exemplares da criação

Toda causa agente produz segundo um modelo,
e esse modelo é o que chamamos de ideia.
Mas Deus é causa de todas as coisas;
portanto, há n’Ele ideias de todas as coisas,
pelas quais cria, ordena e conserva o universo.

Cada criatura é, portanto, uma participação finita de uma razão divina,
uma imago intellectus aeterni.

Assim, o mundo é múltiplo por participação,
mas uno em seu princípio exemplar.


4. A extensão das ideias

As ideias divinas abrangem:

  • as coisas presentes, passadas e futuras;
  • as possíveis, que Deus poderia criar;
  • as reais, que de fato criou;
  • e também as ordens e finalidades das criaturas.

Nada escapa ao intelecto divino,
pois Ele conhece não só os entes, mas também o não-ser enquanto possível.

Por isso, as ideias em Deus são infinitas em potência,
embora sejam uma só na essência,
porque Ele se conhece como capaz de infinitas produções.


5. A relação das ideias com a providência

As ideias são também fundamento da providência,
pois Deus governa todas as coisas
segundo o plano eterno impresso em sua sabedoria.

Assim, a criação, a conservação e a ordem do universo
provinham de uma só fonte: o intelecto divino,
que contém em Si o modelo de todas as coisas.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    a ideia não é algo recebido em Deus,
    mas algo que d’Ele procede por modo de exemplaridade.
    Não há, portanto, composição ou passividade em Deus,
    mas apenas plenitude ativa da razão criadora.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    as ideias são múltiplas por relação às criaturas,
    não em si mesmas;
    em Deus, são uma só realidade — a essência divina,
    considerada sob diversos modos de imitabilidade.
  3. À terceira, responde-se que
    embora o intelecto divino não discorra,
    Ele contém as formas de todas as coisas
    num só ato simples e eterno de conhecimento.
    Logo, as ideias não implicam discurso, mas plenitude de visão.

Conclusão

Portanto, Deus tem verdadeiramente as ideias de todas as coisas,
pois conhece a si mesmo como causa de tudo o que pode existir.

Essas ideias não são realidades distintas,
mas o próprio Deus enquanto inteligido como imitado pelas criaturas.

Assim, Alberto encerra a questão dizendo:
“Ideae in Deo sunt ipsius divinae essentiae rationes, secundum quas omnia facta sunt.”
As ideias em Deus são as razões da própria essência divina,
segundo as quais todas as coisas foram feitas.

Quaestio XII — Utrum ideae sint plures in Deo

(Se as ideias são múltiplas em Deus)


Objeções

  1. Parece que as ideias não são múltiplas em Deus,
    pois a pluralidade implica distinção real.
    Mas em Deus nada há de distinto,
    porque Ele é ato puríssimo e simplicidade absoluta.
    Logo, não pode haver multiplicidade de ideias em Deus.
  2. Além disso, as ideias correspondem às criaturas.
    Ora, as criaturas são múltiplas e compostas,
    mas Deus é simples e indiviso.
    Logo, não há em Deus multiplicidade de ideias,
    mas apenas unidade exemplar.
  3. Ademais, a ideia, sendo forma inteligível,
    se multiplica pela diversidade de objetos conhecidos.
    Mas o intelecto divino conhece tudo por uma única essência.
    Logo, há apenas uma ideia, não várias.

Em contrário (Sed contra)

Agostinho, De Ideis, cap. 2:
“Ideae plures sunt in Deo, non secundum essentiam, sed secundum respectum ad ea quae fiunt.”
“As ideias são múltiplas em Deus, não segundo a essência,
mas segundo a relação às coisas que são feitas.”

E Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. V:
“In Deo est unitas quae in se multa continet.”
“Em Deus há uma unidade que contém em si a multiplicidade.”


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que as ideias são múltiplas em Deus,
não por distinção real,
mas por relação à multiplicidade das criaturas.

A pluralidade não se refere ao ser de Deus,
mas ao modo pelo qual as coisas participam de seu ser.

Assim, em Deus há unidade essencial,
mas pluralidade de razão exemplar.

Alberto define:
“Ideae sunt plures in Deo ratione, una tamen essentia.”
As ideias são múltiplas em Deus segundo a razão,
mas uma só na essência.


1. O fundamento metafísico da multiplicidade ideal

Toda criatura participa da essência divina de modo finito e determinado.
Ora, a essência divina, enquanto conhecida como imitável sob modos diversos,
dá origem a múltiplas razões exemplares.

Portanto, há tantas ideias quantos modos de participação do ser são possíveis.

Deus, ao conhecer-se como imitável nesta ou naquela forma,
conhece também a razão exemplar de cada criatura.

Assim, as ideias são múltiplas secundum modum imitabilitatis
segundo os diversos modos de imitação do ser divino.


2. A distinção entre unidade de essência e pluralidade de razão

A essência divina é simples e indivisível,
mas a razão segundo a qual pode ser imitada é múltipla.

Alberto escreve:
“Multiplicitas idearum est in Deo ut in causa universali, in qua distinctio est secundum rationes, non secundum res.”
A multiplicidade das ideias está em Deus como na causa universal,
na qual há distinção segundo as razões, não segundo as coisas.

Assim, o intelecto divino contempla em sua essência
todas as possibilidades de ser —
e cada possibilidade constitui uma “ideia” em sentido exemplar.


3. A analogia com a arte e o arquétipo

Assim como o arquiteto, conhecendo um único plano,
vê nele diversas formas de construção possíveis,
Deus, conhecendo a Si mesmo,
vê infinitas possibilidades de participação do ser.

Essas diversas possibilidades são as ideias.
Logo, elas são muitas quanto ao efeito,
mas uma quanto à causa.


4. A extensão da multiplicidade ideal

A pluralidade das ideias divinas abrange não apenas
as formas substanciais e acidentais,
mas também as ordens, proporções e finalidades das coisas.

Deus conhece:

  • as espécies e gêneros;
  • os indivíduos e suas disposições;
  • as relações e as leis universais da criação.

Nada, por mais pequeno ou contingente,
existe sem que tenha em Deus uma razão exemplar.

Por isso, Alberto afirma:
“Nulla res est tam parva, quin habeat in Deo ideam propriam.”
Não há coisa tão pequena que não tenha em Deus sua ideia própria.


5. Consequência teológica: unidade e plenitude na multiplicidade

A multiplicidade das ideias não divide Deus,
mas manifesta sua plenitude inteligível.

Quanto mais uma causa é perfeita,
mais modos de ser pode produzir sem perder sua unidade.

Assim, a multiplicidade das ideias é sinal da infinita fecundidade da essência divina,
não de composição.

Em Deus, o múltiplo não é dispersão,
mas espelho da riqueza do Uno.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    a pluralidade das ideias não implica distinção real,
    mas apenas conceitual, conforme as relações às criaturas.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    as criaturas são múltiplas por imitação da essência una,
    e essa multiplicidade tem sua origem exemplar na unidade divina.
  3. À terceira, responde-se que
    o intelecto divino conhece por uma só essência,
    mas essa essência contém múltiplas razões de imitabilidade.
    Logo, há uma só forma de conhecer, mas várias razões conhecidas.

Conclusão

Portanto, as ideias são múltiplas em Deus,
não quanto ao ser, mas quanto à razão de relação às criaturas.

Elas são una na essência, mas plures secundum rationes exemplares,
e essa pluralidade não diminui, mas glorifica a simplicidade divina.

Alberto encerra a questão com a fórmula:
“In Deo sunt plures ideae secundum respectum ad creaturas, una tamen secundum essentiam divinam.”
Em Deus há múltiplas ideias segundo a relação às criaturas,
mas uma só segundo a essência divina.

Quaestio XIII — Utrum ideae sint causae rerum

(Se as ideias são causas das coisas)


Objeções

  1. Parece que as ideias não são causas das coisas,
    pois causa é aquilo de que procede realmente o efeito.
    Mas as ideias estão no intelecto divino,
    e as coisas não procedem do intelecto por necessidade natural,
    mas pela vontade.
    Logo, as ideias não são causas reais, mas apenas noções do intelecto.
  2. Ademais, entre causa e causado deve haver proporção;
    ora, entre as ideias eternas e as coisas temporais não há proporção,
    pois o eterno e o temporal são de naturezas distintas.
    Logo, as ideias não são causas das coisas.
  3. Além disso, as ideias são formas inteligíveis,
    mas as coisas são compostas de matéria e forma sensível;
    portanto, as ideias não são causas suficientes,
    pois o que é puramente inteligível não produz o material.

Em contrário (Sed contra)

Agostinho, De Ideis, cap. 2:
“Ideae sunt causae omnium rerum.”
“As ideias são as causas de todas as coisas.”

E Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. V:
“In causis intellectualibus praeexistunt rationes effectuum.”
“Nas causas intelectuais preexistem as razões dos efeitos.”

Logo, as ideias em Deus são verdadeiramente causas.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que as ideias são causas das coisas,
não por uma causalidade eficiente separada da vontade divina,
mas enquanto constituem as razões exemplares
segundo as quais Deus produz e ordena o universo.

A causa exemplar (causa exemplaris) é aquela
segundo cuja forma algo é produzido.
Assim, o arquiteto é causa da casa
porque a forma da casa preexiste em sua mente.

De modo análogo, as ideias em Deus
são as formas pelas quais Ele conhece e cria as coisas.


1. As ideias como causas exemplares

Alberto define:
“Ideae sunt causae exemplares, non efficientes neque materiales.”
As ideias são causas exemplares, não eficientes nem materiais.

Deus é causa eficiente pelo seu poder,
causa final por sua bondade,
e causa exemplar por suas ideias.

Assim, as ideias são a razão inteligível da criação;
por elas, Deus conhece o modo de cada ser e o ordena em sua sabedoria.


2. O modo da causalidade exemplar

A causalidade exemplar não exige que o exemplar se transforme em outro,
mas que sirva como modelo para a produção.

Deus, ao contemplar-se a Si mesmo,
vê em sua essência os modos de ser que as criaturas podem ter,
e conforme esses modos, confere existência às coisas.

Logo, as ideias são causas secundum modum cognitionis,
isto é, enquanto contêm em si o motivo de cada ente criado.

“Deus facit omnia per ideam, sicut artifex per artem.”
Deus faz todas as coisas segundo a ideia,
assim como o artífice segundo sua arte.


3. A relação entre ideia, vontade e poder

Embora as ideias pertençam ao intelecto,
a produção das coisas pertence à vontade divina.
Contudo, a vontade age ordenada pela sabedoria,
e essa sabedoria consiste nas ideias.

Portanto, as ideias são causas mediadoras,
pois apresentam à vontade o que deve ser produzido.

Alberto escreve:
“Ideae non operantur per se, sed per voluntatem Dei.”
As ideias não operam por si mesmas, mas pela vontade de Deus.

Elas são, portanto, causas exemplares subordinadas à causa eficiente,
a saber, o próprio Deus enquanto agente.


4. A distinção entre as causas e a unidade divina

Em Deus, o intelecto, a vontade e o poder não são distintos realmente,
mas apenas segundo a razão.

Assim, dizer que Deus cria segundo as ideias
não introduz multiplicidade real em Deus,
mas expressa o modo inteligível de sua causalidade.

“Ideae sunt modus intelligendi Dei ad operandum.”
As ideias são o modo segundo o qual Deus entende ao operar.


5. A universalidade da causalidade ideal

As ideias abrangem todas as ordens do ser:
substâncias, acidentes, relações e movimentos.

Nada é produzido sem uma razão exemplar,
pois, como diz Alberto,
“Omne ens ordinatum ad finem habet ideam proportionatam.”
Todo ente ordenado a um fim tem sua ideia proporcionada.

Mesmo o acaso e o contingente,
ainda que não sejam previstos em sua singularidade,
estão compreendidos sob a ordem geral das ideias divinas.


6. Conciliação com Aristóteles e Platão

Platão dizia que as ideias eram substâncias separadas;
Aristóteles negava a existência delas fora das coisas.

Alberto, seguindo Dionísio e Agostinho,
ensina que ambas as posições contêm parte da verdade:
as ideias existem realmente, mas não fora de Deus;
e são causas reais, mas não segundo a matéria,
e sim segundo a forma e a ordem do ser.

Assim, ele reconcilia o platonismo e o aristotelismo
na síntese escolástica:
as ideias são formas eternas na mente divina,
eficazes exemplarmente na produção do mundo.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    as ideias são causas não por necessidade natural,
    mas segundo a livre determinação da vontade divina;
    contudo, são verdadeiras causas,
    porque sem elas a produção não teria forma nem ordem.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    a falta de proporção entre o eterno e o temporal
    é suprida pela dependência exemplar:
    as coisas temporais participam das ideias eternas
    sem que estas mudem.
  3. À terceira, responde-se que
    o inteligível é mais universal que o sensível;
    por isso, a forma inteligível pode ser causa do material,
    assim como o artífice mentalmente concebe
    a figura antes de plasmá-la na matéria.

Conclusão

Portanto, as ideias em Deus são verdadeiras causas das coisas,
não como agentes separados,
mas como razões eternas exemplares
segundo as quais Deus conhece, ordena e produz tudo o que existe.

Alberto conclui a questão com esta fórmula:
“Ideae sunt causae rerum exemplares, in mente divina existentes, secundum quas universa formantur et gubernantur.”
As ideias são causas exemplares das coisas, existentes na mente divina,
segundo as quais todas as coisas são formadas e governadas.

Quaestio XIV — Utrum intelligentiae moveant corpora caelestia

(Se as inteligências movem os corpos celestes)


Objeções

  1. Parece que as inteligências não movem os corpos celestes,
    pois o movimento requer contato ou aplicação de força,
    e nenhuma substância incorpórea pode tocar um corpo.
    Logo, sendo as inteligências imateriais,
    não podem mover os céus.
  2. Ademais, todo movimento provém de uma potência ativa unida ao sujeito móvel;
    mas as inteligências são separadas e distintas dos orbes.
    Logo, o movimento celeste não procede delas,
    mas de uma virtude impressa na substância do próprio céu.
  3. Além disso, o movimento dos céus é natural e contínuo;
    ora, o que é natural não procede de uma causa extrínseca,
    mas do princípio interno de movimento.
    Logo, os céus movem-se por natureza, não por inteligências.

Em contrário (Sed contra)

Aristóteles, Metaphysica, XII, cap. 8:
“Omoventur corpora caelestia ab intelligentiis.”
“Os corpos celestes são movidos pelas inteligências.”

E Dionísio, De Coelesti Hierarchia, cap. IV:
“Ordo caelestis regitur per mentes puras et divinas.”
“A ordem celeste é regida por mentes puras e divinas.”

Logo, é pelas inteligências que os céus se movem.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que as inteligências são as causas primeiras do movimento dos corpos celestes,
não por contato físico,
mas por uma virtude motriz espiritual e final,
isto é, por intelecto e amor.

O céu é animado, segundo a doutrina dos antigos filósofos e teólogos,
por uma alma celeste que recebe o influxo de uma inteligência superior,
a qual move o orbe como fim amado e princípio ordenador.


1. O fundamento metafísico: forma e motor

Aristóteles ensina que todo movimento supõe dois princípios:
o motor e o móvel,
ou seja, a forma que deseja o ato e o ente que é movido.

Nos corpos celestes, o motor é a intelligentia motrix,
que move por amor do primeiro bem,
e o móvel é o corpus caeleste,
cujo apetite natural é imitar a perfeição divina por movimento circular.

Assim, o movimento do céu é ato da alma celeste
subordinada à inteligência que a governa.


2. A dupla causalidade: eficiente e final

A inteligência move o céu eficienter et finaliter
como causa eficiente, porque imprime ordem e direção;
como causa final, porque o céu se move em desejo de imitar o bem.

A causalidade é, portanto, espiritual:
a inteligência não empurra o céu, mas o atrai.

Alberto escreve:
“Motus caelestium est amoris, non impulsionis.”
O movimento dos céus é de amor, não de impulso.


3. O modo da moção celeste

A moção celeste é contínua e uniforme
porque procede de uma causa incorruptível e simples.

Enquanto nos corpos sublunares o movimento é causado por potências mistas,
nos corpos celestes a causa é pura,
e por isso o movimento é sem interrupção e sem contrariedade.

Assim, a inteligência move o céu
como o intelecto move a vontade no homem —
por representação do bem amado.

“Sicut intellectus humanus movet appetitum, ita intelligentia movet orbem.”


4. Ordem hierárquica das inteligências motrizes

Segundo a tradição de Aristóteles e Dionísio,
cada esfera celeste possui sua inteligência própria,
ordenada hierarquicamente sob o domínio da primeira inteligência,
a qual é imediatamente movida por Deus.

Desse modo:

  • a inteligência do primeiro céu move o orbe supremo;
  • as inteligências inferiores regem os movimentos das esferas subordinadas;
  • e todas cooperam na harmonia universal.

Alberto afirma:
“Una intelligentia movet unum caelum; omnes autem moventur a primo motore.”
Uma inteligência move um céu; todas, porém, são movidas pelo primeiro motor.


5. Analogias e função cosmológica

Assim como a alma move o corpo humano por amor à vida,
as inteligências movem os céus por amor ao primeiro bem.

O movimento circular é símbolo desse amor:
não tem princípio nem fim,
representando a eternidade e a constância da ordem divina.

A cada instante, o orbe celeste retorna sobre si mesmo,
como quem jamais se afasta do amado.


6. Implicações teológicas

As inteligências celestes são, portanto,
instrumentos da providência divina,
responsáveis pela mediação entre o mundo incorpóreo e o corporal.

Por meio de seus movimentos,
transmitem à matéria inferior
os influxos e disposições que sustentam a vida e a geração.

“Per motum caelestium corporum dispensantur virtutes naturales inferioribus.”
Pelo movimento dos corpos celestes,
as virtudes naturais são distribuídas aos inferiores.

Assim, o cosmos é um organismo animado,
em que o divino se reflete por meio da ordem inteligível das esferas.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    o movimento das inteligências não é físico, mas intencional e final.
    Elas não tocam os corpos, mas os movem por presença e influxo espiritual,
    como o intelecto move a vontade.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    embora a inteligência seja separada,
    atua sobre o orbe pela alma celeste, que é o vínculo entre ambos.
    Assim, há união de ordem e subordinação, não de composição.
  3. À terceira, responde-se que
    o movimento natural do céu é tal
    porque a natureza do céu é animada e ordenada pela inteligência.
    Portanto, o movimento é natural quanto ao sujeito,
    mas inteligível quanto à causa.

Conclusão

Portanto, as inteligências movem verdadeiramente os corpos celestes,
não por contato ou força física,
mas por intelecto e amor,
como causas exemplares e finais,
ordenando o movimento das esferas segundo a harmonia divina.

Alberto encerra a questão com a sentença:
“Intelligentiae sunt motores caelorum, moventes per desiderium boni primi et ordinem sapientiae aeternae.”
As inteligências são os motores dos céus,
movendo-os pelo desejo do primeiro bem e pela ordem da sabedoria eterna.

Quaestio XV — Utrum intelligentiae moveant per intellectum vel per appetitum

(Se as inteligências movem por intelecto ou por apetite)


Objeções

  1. Parece que as inteligências movem por intelecto,
    pois o intelecto é o princípio superior do movimento espiritual,
    enquanto o apetite é potência inferior.
    Ora, as inteligências são puramente espirituais e separadas.
    Logo, movem apenas segundo o intelecto, não por apetite.
  2. Além disso, o apetite implica desejo e carência,
    mas nas substâncias separadas não há carência,
    pois são perfeitas e sempre em ato.
    Logo, não podem mover por apetite, mas apenas por conhecimento.
  3. Ademais, o apetite está ordenado à vontade,
    e vontade supõe liberdade de escolha.
    Mas nas inteligências que movem os céus o movimento é necessário e uniforme.
    Logo, não se origina de apetite voluntário,
    mas de intelecto necessário.

Em contrário (Sed contra)

Aristóteles, Metaphysica, XII, cap. 7:
“Movet sicut amatum.”
“O motor move como o amado.”

E Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. IV:
“Amor divinus est causa motus omnium.”
“O amor divino é causa do movimento de todas as coisas.”

Logo, as inteligências movem por amor,
isto é, por apetite, e não apenas por intelecto.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que as inteligências movem tanto por intelecto quanto por apetite,
mas principaliter per appetitum,
porque o movimento que elas causam é efeito do amor do bem conhecido.

O intelecto apresenta o bem;
o apetite deseja e tende a ele;
e é esta tendência amorosa que imprime movimento no céu.


1. Ordem entre intelecto e apetite nas substâncias separadas

Nas substâncias racionais — tanto nas almas humanas quanto nas inteligências —
o intelecto precede o apetite quanto à razão de conhecer,
mas o apetite é primeiro quanto ao mover.

Pois conhecer não causa movimento,
a não ser enquanto desperta o amor e a inclinação.

Assim, o intelecto é o princípio formal,
e o apetite o princípio eficiente da moção.

Alberto escreve:
“Intellectus dat formam motus, appetitus vero dat actum.”
O intelecto dá a forma do movimento, o apetite dá o ato.


2. O apetite nas inteligências não é paixão, mas ato de perfeição

Nas substâncias separadas não há desejo como carência,
mas como complacência do perfeito no perfeito.

O apetite angélico não é necessidade, mas amor ordenado,
ou melhor, imitação do primeiro amor,
pelo qual o ser finito tende eternamente ao infinito.

Assim, o apetite das inteligências é uma operação espiritual,
pela qual se voltam para Deus como para o sumo bem.


3. O modo como o apetite move o céu

Cada inteligência move seu orbe celeste
segundo o amor que tem pelo primeiro motor.

Ela conhece o bem e o imita em ato;
ao desejar sua perfeição,
move o orbe circularmente,
porque esse movimento é a expressão visível de sua conversão ao bem.

O movimento circular é, portanto,
o sinal sensível de um ato espiritual contínuo —
um amor sem cessar que jamais se consuma.


4. Intelecto e apetite: distinção e conciliação

Deus move os céus como objeto amado,
as inteligências os movem como amantes.

O intelecto concebe o bem divino;
o apetite se inflama por ele;
e é desse influxo que nasce a moção.

O primeiro motor não se move, mas é amado;
as inteligências movem porque amam;
os céus movem-se porque participam desse amor.

Assim, há tríplice ordem de causalidade:

  1. Deus, como bem amado;
  2. Intelligentia, como amante;
  3. Orbis, como instrumento movido.

5. A perfeição do amor inteligível

O amor das inteligências é puro, sem mudança nem alternância.
Não é amor de concupiscência, mas de complacência;
não de posse, mas de adesão eterna.

Esse amor é, pois, ato constante de perfeição,
sem início nem fim,
e sua perpetuidade é o que mantém o movimento celeste sem interrupção.

Alberto exprime:
“Amor intelligentiarum est motus aeternus conversionis in bonum.”
O amor das inteligências é o movimento eterno de conversão ao bem.


6. O papel do intelecto como causa formal

O intelecto apresenta ao apetite o objeto amado.
Sem o intelecto, o apetite seria cego;
sem o apetite, o intelecto seria imóvel.

Por isso, ambos concorrem:
o intelecto como causa formal,
o apetite como causa eficiente do movimento.

Em Deus, ambos são idênticos;
nas inteligências, distintos apenas por modo de operação.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    o intelecto é causa do movimento apenas per modum finis,
    pois mostra o bem que deve ser amado,
    mas o ato próprio de mover pertence ao apetite,
    que faz tender o céu ao bem conhecido.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    nas inteligências não há apetite por carência,
    mas por perfeição — uma conversão amorosa e eterna ao bem supremo.
  3. À terceira, responde-se que
    embora o movimento das inteligências seja necessário quanto ao efeito,
    ele procede de um amor livre quanto à causa.
    A necessidade está no modo, não na origem.

Conclusão

Portanto, as inteligências movem os céus tanto por intelecto quanto por apetite,
mas o princípio propriamente motor é o apetite,
porque é o amor ao bem conhecido que põe em ato o movimento circular.

Alberto encerra a questão com a fórmula:
“Intelligentiae movent per appetitum ordinatum a lumine intellectus, et hic motus est amor ordinatus in Deum.”
As inteligências movem por um apetite ordenado pela luz do intelecto,
e este movimento é amor ordenado para Deus.

Quaestio XVI — Utrum una intelligentia moveat unum corpus

(Se uma inteligência move um único corpo)


Objeções

  1. Parece que uma inteligência pode mover vários corpos,
    pois uma só causa universal pode ter múltiplos efeitos,
    assim como o sol ilumina muitos objetos.
    Logo, se a inteligência é superior ao corpo,
    nada impede que mova mais de um.
  2. Ademais, a unidade da causa não exclui
    a multiplicidade dos efeitos subordinados;
    pelo contrário, quanto mais simples é a causa,
    tanto mais universal é sua virtude.
    Portanto, sendo a inteligência simples,
    parece poder mover muitos corpos.
  3. Além disso, o movimento dos corpos celestes
    é harmônico e ordenado em um todo.
    Mas o que é ordenado a um todo procede de um princípio único.
    Logo, uma só inteligência moveria todos os corpos
    como uma alma move as partes do corpo humano.

Em contrário (Sed contra)

Aristóteles, Metaphysica, XII, cap. 8:
“Sicut ordo motuum est, sic est ordo motorum.”
“Assim como é a ordem dos movimentos, assim é a ordem dos motores.”

Ora, os movimentos dos céus são distintos e específicos.
Logo, os motores também são múltiplos,
e cada inteligência move um único corpo.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que uma inteligência move um só corpo,
não por impotência, mas por ordem da sabedoria divina.

Pois a ordem do universo requer
que cada corpo celeste tenha o seu próprio princípio motor,
para que a harmonia dos movimentos
corresponda à hierarquia das inteligências.

A pluralidade das inteligências reflete
a multiplicidade das perfeições divinas,
e o movimento distinto dos orbes
é expressão visível dessa ordem invisível.


1. A razão formal da unidade entre motor e corpo

Toda forma ordena a matéria segundo uma proporção determinada;
e assim também toda inteligência
move o corpo que lhe é proporcional por natureza.

O motor e o móvel devem estar em correspondência
quanto à virtude e quanto ao fim.
Por isso, como cada orbe tem uma forma própria,
tem também uma inteligência própria que o move.

Alberto escreve:
“Unus motus requirit unum principium formaliter correspondens.”
Um movimento único requer um princípio formalmente correspondente.


2. A impossibilidade de multiplicidade de corpos sob uma só inteligência

Se uma mesma inteligência movesse vários corpos,
sua ação seria indiferente a todos,
e, portanto, o movimento resultaria confuso e sem ordem.

Ora, o universo é ordenado segundo a máxima distinção de causas.
Logo, não pode haver confusão na causalidade motora,
mas correspondência singular entre o motor e o movido.


3. A unidade da ação intelectual

A inteligência move não por contato,
mas por intenção e forma.

Assim como a alma não toca o corpo por meio físico,
mas o informa,
assim a inteligência move o céu por sua virtude.

Mas essa virtude é determinada a um corpo único,
pois a proporção da luz à transparência
é um para um — a mesma do intelecto ao orbe.


4. A imagem trinitária no cosmos

Deus é o primeiro motor imóvel;
as inteligências, motores moventes;
os céus, corpos movidos.

A unidade do todo se mantém pela distinção de funções:
a causalidade do Pai, a mediação do Verbo,
e a operação do Espírito —
imagem que o universo reflete em sua tripla hierarquia:
Deus — Inteligência — Orbe.

Cada inteligência, portanto,
é um elo entre o Primeiro e o corpo que lhe é confiado.


5. A harmonia dos motores segundo Dionísio

Dionísio, De Caelesti Hierarchia, cap. VII:
“Divina sapientia ordinavit ut singula virtus regatur a propria luce.”
“A sabedoria divina ordenou que cada virtude seja regida por sua própria luz.”

Assim, cada esfera luminosa é guiada
por uma inteligência correspondente,
e todas juntas se convertem em adoração ao Uno.

A multiplicidade dos movimentos não divide o cosmos,
mas o unifica na convergência amorosa para o bem supremo.


6. Analogias cosmológicas

Como o mestre instrui um discípulo,
e cada discípulo apreende segundo sua capacidade,
assim Deus comunica a forma motora
a cada inteligência segundo a medida de seu ser.

E como o discípulo transmite ao próximo
o que recebeu do mestre,
assim também as inteligências inferiores
movem os corpos inferiores pela iluminação das superiores.

Desse modo, há uma hierarquia de influxos,
mas não uma confusão de funções.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    embora uma causa universal possa produzir muitos efeitos,
    isso ocorre no mesmo gênero de causalidade,
    não em movimentos distintos.
    A inteligência, sendo forma determinada,
    tem ação específica sobre um corpo correspondente.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    a simplicidade da causa não exige multiplicidade de efeitos,
    mas perfeição na produção de um efeito único e ordenado.
    A unidade da inteligência é tanto mais perfeita
    quanto mais perfeitamente move seu corpo próprio.
  3. À terceira, responde-se que
    a harmonia dos movimentos celestes não procede de um só motor,
    mas da unidade do primeiro motor que as inteligências imitam.
    Assim, há unidade na causa primeira,
    mas distinção nos motores segundos.

Conclusão

Portanto, cada inteligência move um único corpo,
segundo a ordem da providência divina,
para que a distinção dos orbes
exprima a diversidade das perfeições espirituais.

E Alberto encerra a questão com esta fórmula:
“Ordo motorum respondet ordini motuum; et sic una intelligentia movet unum corpus secundum proportionem naturae et finis.”
A ordem dos motores corresponde à ordem dos movimentos;
e assim, uma inteligência move um corpo,
segundo a proporção de sua natureza e de seu fim.

Quaestio XVII — Utrum intelligentiae ordinentur secundum hierarchiam

(Se as inteligências são ordenadas segundo hierarquia)


Objeções

  1. Parece que as inteligências não se ordenam segundo hierarquia,
    pois toda hierarquia implica superioridade e inferioridade,
    mas nas substâncias separadas não há desigualdade de natureza,
    já que todas são incorruptíveis e simples.
    Logo, nelas não há hierarquia, mas igualdade de ser.
  2. Ademais, o superior na hierarquia deve iluminar o inferior;
    mas se as inteligências são formas puras e completas,
    não carecem de iluminação,
    pois cada uma vê a Deus imediatamente segundo sua essência.
    Logo, não há hierarquia entre elas.
  3. Além disso, a hierarquia pressupõe subordinação em ordem de comando,
    como entre príncipe e súdito;
    mas nas inteligências não há imperium,
    pois todas dependem imediatamente de Deus.
    Logo, não há hierarquia.

Em contrário (Sed contra)

Dionísio Areopagita, De Caelesti Hierarchia, cap. III:
“Omnis divina dispositio hierarchice ordinatur.”
“Toda disposição divina é ordenada hierarquicamente.”

E Aristóteles, Metaphysica, XII, cap. 10:
“Sicut in ordine motorum est superior et inferior.”
“Assim como na ordem dos motores há superior e inferior.”

Logo, também entre as inteligências há hierarquia.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que as inteligências estão ordenadas hierarquicamente,
não por desigualdade de substância,
mas por diferença de perfeição, de luz e de proximidade a Deus.

A hierarquia é uma ordem sagrada (ordo sacer),
pela qual os seres participam do bem divino
segundo graus de iluminação e causalidade.

Dessa forma, entre as inteligências
há um influxo ordenado:
as superiores iluminam as inferiores,
e todas se voltam ao primeiro princípio.


1. A definição de hierarquia

Dionísio define a hierarquia como:
“Ordo ad Deum secundum illuminationem et actionem.”
Ordem para Deus segundo a iluminação e a ação.

Logo, onde há influxo de luz de uma mente a outra,
aí há hierarquia.
Ora, nas inteligências, a superior comunica à inferior
a luz que recebe de Deus de modo mais pleno.

Por isso, o universo espiritual é hierárquico,
assim como o sensível é graduado em perfeição.


2. A analogia com a luz

Assim como a luz se difunde do sol aos corpos
segundo a pureza do meio que a recebe,
assim também o bem divino se difunde às inteligências
segundo a pureza de sua potência receptiva.

A mais alta é aquela cuja luz é mais imediata,
a mediana participa de modo reflexo,
e a inferior apenas pela sombra da iluminação superior.

Alberto escreve:
“Superior illuminat inferiorem, et ex lumine illo fit motus ordinatus universi.”
A superior ilumina a inferior,
e dessa luz nasce o movimento ordenado do universo.


3. Fundamento metafísico da hierarquia

Toda hierarquia se funda na relação de ato e potência.
A inteligência superior está em maior ato,
pois recebe o ser mais plenamente.
A inferior participa menos, e portanto é mais potencial.

Ora, Deus é ato puro e princípio de toda perfeição;
quanto mais próximo dele,
tanto mais elevado é o grau da inteligência.

Assim, há gradação não de natureza,
mas de participação no ato primeiro.


4. A hierarquia como estrutura do cosmos

A ordem celeste reflete a ordem inteligível.
Cada esfera é movida por uma inteligência,
e a disposição dos céus manifesta a ordem dos espíritos.

O orbe superior move o inferior,
assim como a inteligência superior influi na inferior.

Há, pois, correspondência entre o cosmos físico e o cosmos espiritual,
ambos hierarquizados segundo o influxo do Uno.


5. As três hierarquias dionisianas

Alberto segue Dionísio e distingue três ordens principais:

  1. A suprema, que contempla Deus imediatamente — Serafins, Querubins, Tronos.
  2. A média, que governa o mundo superior — Dominações, Virtudes, Potestades.
  3. A inferior, que executa as ordens divinas no mundo — Principados, Arcanjos e Anjos.

Cada uma destas hierarquias possui três ordens internas,
conforme a tríplice relação com Deus:
purificação, iluminação e perfeição.

Assim, há uma harmonia tripla,
imagem da Trindade no mundo espiritual.


6. Hierarquia e amor

O amor é o princípio vivente da hierarquia.
O superior ama mais e, por isso, comunica mais;
o inferior recebe e ascende pelo amor.

A hierarquia é, portanto, escala amoris,
escada do amor que conduz do múltiplo ao Uno.

Alberto resume:
“In ordine intelligentiarum est scala amoris, per quam totus mundus reducitur in Deum.”
Na ordem das inteligências há uma escada do amor,
pela qual todo o mundo é reconduzido a Deus.


7. A harmonia hierárquica como condição da providência

Sem hierarquia, não haveria ordem providencial.
Pois a providência opera por mediações,
e cada inteligência é ministro do governo divino
segundo o grau que ocupa.

Assim, o universo é simultaneamente uno e múltiplo:
uno pela origem, múltiplo pela ordem dos ministros.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    a igualdade de substância não exclui a desigualdade de perfeição.
    Todas as inteligências são simples,
    mas nem todas participam igualmente do ato divino.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    embora cada inteligência veja a Deus,
    não o compreende de modo igual.
    A luz divina é uma;
    a participação, porém, é diversa.
  3. À terceira, responde-se que
    a hierarquia não implica dominação por poder,
    mas subordinação por amor e luz.
    O superior não comanda, mas ilumina;
    não impera, mas eleva.

Conclusão

Portanto, as inteligências estão ordenadas hierarquicamente,
de modo que as superiores iluminam as inferiores,
e todas se voltam para Deus como princípio e fim.

E Alberto encerra a questão com estas palavras:
“Hierarchia est ordo intelligentiarum secundum lumen et amorem, per quem universum spirituale in Deum unitur.”
A hierarquia é a ordem das inteligências segundo a luz e o amor,
pela qual o universo espiritual se une a Deus.

Quaestio XVIII — Utrum intelligentiae inferiores illuminentur a superioribus

(Se as inteligências inferiores são iluminadas pelas superiores)


Objeções

  1. Parece que as inteligências inferiores não são iluminadas pelas superiores,
    pois a iluminação implica recepção de luz,
    e a luz inteligível é indivisível e simples.
    Ora, cada inteligência possui a luz de Deus imediatamente,
    como participação direta do primeiro intelecto.
    Logo, não há necessidade de mediação iluminante.
  2. Ademais, o influxo de uma para outra
    seria redundância de causalidade,
    pois todas recebem do mesmo princípio — Deus.
    Mas a natureza divina não age por redundância,
    mas por ordem simples e imediata.
    Logo, as inteligências não se iluminam mutuamente.
  3. Além disso, a iluminação supõe desigualdade de perfeição,
    mas entre as substâncias separadas há paridade quanto à simplicidade do ser.
    Logo, nenhuma pode ser dita superior ou inferior quanto à luz,
    mas todas iguais segundo a essência.

Em contrário (Sed contra)

Dionísio, De Caelesti Hierarchia, cap. IV:
“Divinae irradiationes per medias hierarchias inferioribus ministrantur.”
“As irradiações divinas são ministradas às inferiores por mediações hierárquicas.”

Logo, há iluminação das inferiores pelas superiores.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que as inteligências inferiores são iluminadas pelas superiores,
não por necessidade natural,
mas por ordem da sabedoria divina,
para que na multiplicidade dos seres
resplandeça a unidade da causa primeira.

A luz inteligível de Deus é una e infinita,
mas é participada segundo graus proporcionais
à capacidade de cada inteligência.

As superiores, mais próximas da fonte,
recebem mais abundantemente;
as inferiores, menos intensamente,
e, por isso, são iluminadas pelas que as precedem.


1. A razão metafísica da iluminação

A iluminação é uma participação secundária da luz primeira,
pela qual a inteligência superior comunica à inferior
a forma do inteligir que nela é mais perfeita.

A luz divina, difundindo-se hierarquicamente,
não se multiplica em essência,
mas em modo de recepção.

Assim como um espelho reflete a luz que recebeu,
sem possuir outra natureza senão a transparência,
assim a inteligência superior reflete em outra
a claridade que dela mesma recebeu de Deus.


2. A analogia da luz sensível e da luz intelectual

Na luz sensível, a fonte primeira — o sol —
ilumina os corpos superiores (os astros) mais intensamente,
os intermediários de modo médio,
e os inferiores mais tenuemente.

De modo semelhante,
Deus é o sol inteligível que ilumina as inteligências;
as mais elevadas brilham por si mesmas,
as médias refletem,
e as inferiores recebem em transparência mediada.

Alberto diz:
“Lux divina per ordinem intellectualem in inferiora descendit, sicut lux solis per aethera.”
A luz divina desce aos inferiores pela ordem intelectual,
como a luz do sol através do éter.


3. O modo da iluminação: por influxo e por exemplo

As inteligências superiores iluminam de dois modos:

  • por influxo, quando comunicam o modo do inteligir,
    isto é, a forma da ciência;
  • por exemplo, quando oferecem à inferior
    a imagem da contemplação divina.

Assim, a luz é simultaneamente ativa e exemplar:
ativa, enquanto move a inteligência inferior à intelecção;
exemplar, enquanto manifesta o modo de inteligir divino.


4. A finalidade da iluminação

O fim da iluminação é a unificação do universo espiritual,
pois, pela comunicação da luz,
todas as inteligências se ordenam harmonicamente
em um só movimento de retorno ao Uno.

A superior ilumina não para dominar,
mas para elevar;
a inferior recebe não por indigência,
mas para participar da comunhão luminosa do bem.


5. A continuidade do influxo divino

Deus ilumina todas as inteligências simultaneamente,
mas, pela ordem do universo,
dispôs que o influxo fosse mediado,
a fim de que houvesse na multiplicidade um espelho da unidade.

Alberto explica:
“Ordo illuminationum est manifestatio ordinis amoris et sapientiae in Deo.”
A ordem das iluminações é a manifestação da ordem do amor e da sabedoria em Deus.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    a luz divina é una, mas as potências que a recebem são múltiplas.
    Não há multiplicação da luz, mas da participação.
    Portanto, a mediação não é redundância, mas harmonia da ordem.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    a causalidade de Deus é imediata quanto à origem,
    mas ordenada quanto à execução.
    Assim, o influxo passa pelas inteligências
    como raios graduados do mesmo sol.
  3. À terceira, responde-se que
    todas as inteligências são simples,
    mas diferem em grau de perfeição participada.
    A hierarquia não destrói a simplicidade,
    mas manifesta a gradação do ser.

Conclusão

Portanto, as inteligências inferiores são iluminadas pelas superiores,
segundo a disposição da providência divina,
para que o influxo da luz increada
seja comunicado em ordem e medida.

E Alberto encerra a questão com estas palavras:
“Inferiores illuminantur a superioribus, ut per ordinem lucis totus ordo creaturarum intellectualium reducatur in Deum, qui est lumen lucidissimum.”
As inferiores são iluminadas pelas superiores,
para que, pela ordem da luz,
toda a hierarquia das criaturas intelectuais
seja reconduzida a Deus, que é a luz mais luminosa.

Quaestio XIX — Utrum intelligentiae cognoscant singula inferiorum ordinum

(Se as inteligências conhecem os singulares das ordens inferiores)


Objeções

  1. Parece que as inteligências não conhecem os singulares das ordens inferiores,
    pois o singular é conhecido pelos sentidos e pela imaginação,
    e não pelo intelecto puro.
    Ora, as inteligências não possuem sentidos nem imaginação,
    mas somente intelecto.
    Logo, não conhecem os singulares.
  2. Além disso, o singular está sujeito à matéria e à mudança,
    enquanto a inteligência é forma separada, imutável e universal.
    O conhecimento do singular exigiria uma potência material,
    o que contraria a natureza espiritual da inteligência.
  3. Ademais, conhecer o singular é conhecer o contingente,
    mas o intelecto das inteligências é necessário e eterno.
    Logo, o necessário não pode compreender o contingente,
    nem o eterno apreender o temporal.

Em contrário (Sed contra)

Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. VII:
“Omnis intellectualis virtus etiam minima providet singulis inferiorum.”
“Toda virtude intelectual, ainda a mínima, provê também os singulares dos inferiores.”

E Aristóteles, De Anima, III:
“Intellectus cognoscit universalia et singularia in suo modo.”
“O intelecto conhece tanto os universais quanto os singulares, cada um segundo o seu modo.”


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que as inteligências conhecem os singulares dos ordens inferiores,
não de modo material e sensível,
mas de modo inteligível e causal,
isto é, naquilo pelo qual eles são e se movem.

O singular é conhecido de dois modos:

  1. em si, enquanto existe na matéria;
  2. em sua causa, enquanto procede de um princípio universal.

Ora, as inteligências conhecem todas as coisas em suas causas,
e, portanto, conhecem também os singulares,
não como presentes nos sentidos,
mas como contidos nas razões e formas que os produzem.


1. O modo superior de conhecimento

As inteligências superiores não apreendem as coisas por imagens,
mas por razões universais.

Porém, no universal está contido virtualmente o singular,
assim como o número contém suas partes.

Logo, conhecem os singulares não segundo a dispersão da matéria,
mas segundo a unidade da forma.

Alberto escreve:
“Intelligentia cognoscit singulare in ratione universali, sicut causa cognoscit effectum in virtute.”
A inteligência conhece o singular na razão universal,
assim como a causa conhece o efeito em sua virtude.


2. Conhecimento causal e não sensível

A inteligência não vê o singular enquanto “Pedro” ou “Paulo”,
mas enquanto este indivíduo é participante da forma humana,
em tal lugar, tempo e ordem da natureza.

Ela conhece a razão pela qual este singular é produzido,
mantido e ordenado ao fim.

Assim, seu conhecimento é superior ao nosso:
nós conhecemos o singular por experiência sensível;
as inteligências, por compreensão das causas.


3. A relação entre conhecimento e providência

Como as inteligências são ministros da providência,
devem necessariamente conhecer os singulares
para reger os efeitos que lhes são confiados.

Não haveria governo do mundo
se as inteligências conhecessem apenas os universais,
pois o governo se exerce sobre indivíduos e atos concretos.

Portanto, o conhecimento dos singulares
é condição para a administração do cosmos.


4. O conhecimento angélico e o humano

A diferença entre o conhecimento humano e o angélico
não está no objeto, mas no modo.

O homem conhece do singular ao universal;
o anjo, do universal ao singular.

Em nós, o sensível precede o inteligível;
nas inteligências, o inteligível contém o sensível.

Assim, ambos conhecem os singulares,
mas por caminhos inversos —
um ascendente, outro descendente.


5. A visão das formas em Deus

As inteligências veem as razões dos singulares em Deus,
em cuja sabedoria estão contidos todos os modos do ser.

Deus é o espelho de todas as formas,
e as inteligências, como luzes derivadas,
vêm nele o que depois refletem nas ordens inferiores.

Por isso, o conhecimento das inteligências
é uma participação da ciência divina,
que abarca universal e singular em unidade perfeita.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    embora o singular, enquanto sensível, exija sentidos,
    pode ser conhecido intelectualmente enquanto forma individualizada.
    A inteligência não apreende a matéria,
    mas a essência do indivíduo segundo a causa que o determina.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    a imutabilidade da inteligência não impede
    o conhecimento do mutável,
    pois ela conhece o mutável na sua razão imutável,
    isto é, segundo a forma que o produz.
  3. À terceira, responde-se que
    o necessário conhece o contingente,
    não enquanto contingente,
    mas enquanto contido em ordem necessária de causas.
    Assim, o eterno compreende o temporal
    como o arquiteto compreende a casa antes de ser construída.

Conclusão

Portanto, as inteligências conhecem os singulares das ordens inferiores,
não pela sensação, mas pela compreensão das causas e formas,
e em última instância pela visão em Deus,
em quem todos os singulares são eternamente presentes.

E Alberto encerra a questão com esta sentença:
“Intelligentiae cognoscunt singula, non per sensum sed per lumen intellectuale, in quo continentur omnes rationes particularium sub ordine providentiae.”
As inteligências conhecem os singulares,
não pelo sentido, mas pela luz intelectual,
na qual estão contidas todas as razões dos particulares
sob a ordem da providência divina.

Quaestio XX — Utrum providentia Dei extendatur ad omnia

(Se a providência de Deus se estende a todas as coisas)


Objeções

  1. Parece que a providência de Deus não se estende a todas as coisas,
    pois aquilo que é universal em perfeição não pode descer até os ínfimos em particularidade.
    Mas Deus é ato puríssimo e simplicíssimo;
    logo, não se ocupa com as coisas baixas e mutáveis.
  2. Além disso, as coisas corruptíveis e contingentes
    não parecem dignas da atenção divina,
    que é eterna, imutável e necessária.
    Logo, a providência de Deus não se aplica às coisas temporais.
  3. Ademais, há desordem e mal no mundo.
    Ora, onde há mal, parece faltar providência.
    Logo, ou Deus não é providente,
    ou sua providência não alcança todas as coisas.

Em contrário (Sed contra)

Diz a Escritura, Sapientia, cap. VIII:
“Attingit a fine usque ad finem fortiter et disponit omnia suaviter.”
“Ela (a sabedoria divina) atinge de uma extremidade a outra fortemente e dispõe todas as coisas suavemente.”

E Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. IV:
“Providentia Dei est causa ordinis omnium quae sunt.”
“A providência de Deus é a causa da ordem de todas as coisas que existem.”

Logo, ela se estende a tudo.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que a providência de Deus se estende a todas as coisas,
não apenas às universais, mas também às singulares;
não apenas às incorruptíveis, mas igualmente às corruptíveis;
pois nada existe fora da ordem do primeiro intelecto,
que é causa e fim de todas as coisas.


1. A noção de providência

A providência (providentia)
é a razão da ordem das coisas para o fim,
existente na mente divina.

Deus conhece de modo simultâneo
todas as coisas que são, foram e serão,
e ordena cada uma segundo sua causa e finalidade.

O que chamamos “governo divino” (gubernatio divina)
é o cumprimento temporal da providência eterna.

Assim, a providência é ao governo o que a arte é à execução.


2. O alcance universal da providência

Como o intelecto de Deus é causa universal do ser,
assim também sua providência é universalmente difusiva.

Nada escapa à sua ciência e à sua vontade,
porque tudo o que existe participa do ser
segundo medida, número e ordem,
os quais procedem da sabedoria divina.

Logo, excluir algo da providência
seria negar que Deus é causa de todo ser —
o que é impossível.


3. A providência e as causas segundas

Deus não governa o mundo por ação imediata em cada detalhe,
mas por meio das causas segundas,
que são os instrumentos de sua ordem.

Assim como o artífice move a obra por instrumentos,
Deus move o universo pelas inteligências e pelas causas naturais,
de modo que a providência se estende a tudo,
ainda que nem tudo dependa de ação direta.

Portanto, há uma hierarquia de providência:
a primeira, em Deus;
a segunda, nas inteligências;
a terceira, nas causas naturais.


4. O problema do mal e da desordem

O mal não destrói, mas manifesta a ordem da providência.
Pois o mal é permitido para a produção de um bem maior,
assim como a sombra ressalta a forma da luz.

Alberto escreve:
“Malum non est extra providentiam, sed sub ea, ut in ordine totius bonum augeatur.”
O mal não está fora da providência,
mas sob ela, para que no todo o bem se aumente.

Logo, a presença do mal confirma, e não nega, a providência.


5. A providência sobre os singulares e os ínfimos

Nada é tão pequeno que não tenha lugar na ordem universal.
A formiga, o grão de areia, o movimento do átomo —
tudo é medido e previsto pelo olhar divino.

Pois a bondade infinita de Deus
se comunica até os limites da criação,
e a ordem do menor contribui para a harmonia do todo.

Assim, o particular é provido por causa do universal,
e o universal é belo por causa da justa proporção dos particulares.


6. A distinção entre conhecimento e cuidado

Deus conhece todas as coisas sem mudar,
e as governa sem fadiga.
Sua providência não implica atenção sucessiva,
mas presença eterna.

Tudo o que ocorre, ocorre na eternidade divina como presente;
por isso, a providência não se perturba pelo tempo,
mas o envolve como o círculo envolve o ponto.


7. A finalidade última da providência

O fim da providência é a manifestação da bondade divina.
Por isso, todas as coisas são ordenadas
segundo graus de participação no bem.

O universo é perfeito porque contém
ordens diversas, contrárias e complementares,
e todas, mesmo as mais baixas,
servem ao fim supremo: a glória de Deus.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    Deus não é diminuído ao prover o ínfimo,
    assim como o sol não se contamina ao iluminar o lodo.
    Sua pureza é tal que tudo o que toca é elevado, não rebaixado.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    as coisas contingentes não escapam à ciência divina,
    pois Deus as conhece na necessidade de suas causas
    e na liberdade de sua execução.
    Assim, conhece o mutável de modo imutável.
  3. À terceira, responde-se que
    o mal não destrói a ordem, mas a serve,
    como parte subordinada do todo.
    O mal da pena corrige;
    o mal da culpa é permitido para maior bem.

Logo, mesmo o mal está sujeito à providência.


Conclusão

Portanto, a providência de Deus se estende a todas as coisas,
a universais e a singulares,
a incorruptíveis e corruptíveis,
a boas e más,
não por necessidade de sua essência,
mas por liberdade de seu amor.

E Alberto encerra a questão com estas palavras:

“Providentia Dei est sicut lumen, quod pertingit a summis ad ima, et nihil relinquit extra ordinem sapientiae, quia in omnibus Deus est causa et finis.”
A providência de Deus é como uma luz
que alcança do mais alto ao mais baixo
e nada deixa fora da ordem da sabedoria,
porque em tudo Deus é causa e fim.

ALBERTI MAGNI — SUPER LIBROS METAPHYSICORUM ARISTOTELIS

Liber Duodecimus – De fine universi et summo bono

(Livro Décimo Segundo — Sobre o fim do universo e o sumo bem)


Quaestio I — Utrum omne agens agat propter finem.
Se todo agente age por causa de um fim.

Quaestio II — Utrum finis sit causa causarum.
Se o fim é a causa das causas.

Quaestio III — Utrum finis omnium sit bonum.
Se o fim de todas as coisas é o bem.

Quaestio IV — Utrum bonum et finis convertantur.
Se o bem e o fim se convertem.

Quaestio V — Utrum omne bonum ordinetur ad summum bonum.
Se todo bem se ordena ao bem supremo.

Quaestio VI — Utrum summum bonum sit unum tantum.
Se o bem supremo é um só.

Quaestio VII — Utrum summum bonum sit Deus.
Se o bem supremo é Deus.

Quaestio VIII — Utrum omnia tendant in Deum sicut in finem.
Se todas as coisas tendem para Deus como para seu fim.

Quaestio IX — Utrum in omnibus sit appetitus naturalis finis ultimi.
Se em todas as coisas há um apetite natural pelo fim último.

Quaestio X — Utrum hominis finis ultimus sit in cognitione Dei.
Se o fim último do homem está no conhecimento de Deus.

Quaestio XI — Utrum hominis beatitudo sit in actu intellectus vel voluntatis.
Se a bem-aventurança do homem consiste no ato do intelecto ou da vontade.

Quaestio XII — Utrum beatitudo hominis sit in hoc saeculo vel in futuro.
Se a bem-aventurança do homem está neste século ou no futuro.

Quaestio XIII — Utrum beatitudo perfecta sit per gratiam vel per naturam.
Se a bem-aventurança perfeita se alcança pela graça ou pela natureza.

Quaestio XIV — Utrum omnes creaturae rationales ordinentur ad idem finem.
Se todas as criaturas racionais se ordenam ao mesmo fim.

Quaestio XV — Utrum providentia divina dirigat omnia ad finem ultimum.
Se a providência divina dirige todas as coisas ao fim último.

Quaestio XVI — Utrum finis universi sit gloria Dei.
Se o fim do universo é a glória de Deus.

Quaestio XVII — Utrum universum redeat ad Deum per ordinem causarum.
Se o universo retorna a Deus por meio da ordem das causas.

Quaestio XVIII — Utrum finis universi sit essentialiter idem cum principio.
Se o fim do universo é essencialmente o mesmo que o princípio.

Quaestio XIX — Utrum Deus sit finis sibi ipsi.
Se Deus é fim para si mesmo.

Quaestio XX — Utrum in Deo sit gaudium de se ipso.
Se há em Deus gozo de si mesmo.

Liber Duodecimus – De fine universi et summo bono

Quaestio I — Utrum omne agens agat propter finem

(Se todo agente age por causa de um fim)


Objectiones

  1. Parece que nem todo agente age por causa de um fim,
    pois o fim é aquilo que o agente propõe como intenção;
    mas muitos agentes naturais, como o fogo ou a pedra,
    não possuem intenção nem conhecimento do fim.
    Logo, nem todo agente age por causa de um fim.
  2. Além disso, aquilo que age por necessidade da natureza,
    age sem deliberação e sem eleição.
    Mas o fim requer intenção e deliberação,
    pois só o que conhece pode tender ao fim como a algo a ser atingido.
    Logo, os agentes naturais não agem por um fim.
  3. Ademais, se todo agente agisse por causa de um fim,
    seguir-se-ia que o fim seria anterior à ação e à causa eficiente.
    Ora, muitas vezes a causa eficiente precede o fim no ser,
    como quando a semente existe antes da árvore.
    Logo, nem toda ação procede por causa do fim.

Sed contra

Aristóteles, no Metaphysicorum, XII:
“Omne quod movetur, movetur propter finem.”
“Tudo o que se move, move-se por causa de um fim.”

E no Physicorum, II:
“Finis est id propter quod agens agit.”
“O fim é aquilo por causa do qual o agente age.”

Logo, todo agente, de qualquer modo que atue,
atua em vista de algum fim.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que todo agente, seja natural, seja voluntário, age por causa de um fim.
Pois o fim é a razão do agir, e toda ação ordenada possui uma razão de ser.

Há, entretanto, dois modos de se entender o “agir por causa do fim”:

  • um segundo o conhecimento do fim,
    e esse modo pertence apenas aos agentes racionais e voluntários;
  • outro segundo a ordenação natural ao fim,
    e esse modo pertence a todos os agentes, inclusive aos naturais.

Assim, mesmo as causas que não têm conhecimento do fim,
agem por um fim enquanto movidas e ordenadas
por uma causa superior que conhece.


1. Da ordem do fim nas causas naturais

Em todos os agentes há uma dupla causalidade:
a causa eficiente, que é princípio do movimento,
e o fim, que é o termo do movimento.

A natureza, ao agir, imita a razão —
pois, como diz Aristóteles, “natura agit sicut ars, licet absque ratione deliberativa.”
A natureza age como a arte, ainda que sem deliberação racional.

Logo, o fim é o termo fixado por aquele que instituiu a natureza,
isto é, por Deus, o primeiro motor e o primeiro intelecto.

Assim, as coisas naturais agem por um fim,
não porque o conheçam,
mas porque são ordenadas ao fim
por aquele que as criou com razão e medida.


2. Do fim como causa universal

Entre todas as causas, a causa final tem primazia,
porque é ela que move a causa eficiente a agir.
Com efeito, nada se move senão em vista de algo desejado.

Por isso Aristóteles diz no De Anima, III:
“Intellectus et appetitus movent quia finis movet.”
“O intelecto e o apetite movem porque o fim move.”

Assim, o fim é, em certo modo, a causa das causas,
pois é em razão dele que a causa eficiente opera,
que a formal se determina,
e que a material é movida à recepção da forma.


3. Dos graus de ordenação ao fim

Há, portanto, uma hierarquia de agentes:

  • O intelectual, que conhece o fim e age por deliberação.
  • O natural, que não conhece o fim, mas é movido por uma inteligência.
  • O instrumental, que age por dependência do principal.

Assim, o fogo que aquece, a planta que cresce,
e o animal que busca o alimento,
agem todos por causa de um fim,
embora de modos diversos:
uns por conhecimento, outros por instinto, outros por inclinação natural.


4. Da relação entre o fim e o princípio do movimento

O fim é o primeiro no pensamento,
mas o último na execução.
Pois o artífice concebe primeiro o fim da obra,
e somente depois move as causas para produzi-la.

Assim também na natureza:
o fim é o primeiro na intenção do primeiro agente,
mas o último na consecução da obra.

Por isso, ainda que a semente preceda a árvore no tempo,
a forma da árvore preexiste na intenção da natureza,
que age em vista dela como termo final.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    os agentes naturais não conhecem o fim,
    mas são ordenados a ele por quem conhece.
    Assim como a flecha não vê o alvo,
    mas é dirigida pelo arqueiro,
    assim também o fogo sobe e aquece
    porque a natureza o ordena ao lugar e ao ato que lhe convêm.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    o agir por deliberação pertence apenas ao agente racional,
    mas o agir por ordenação ao fim pertence a todo agente natural,
    pois a própria natureza é um instrumento da sabedoria divina.
  3. À terceira, responde-se que
    o fim é anterior segundo a razão e a intenção,
    não segundo o tempo.
    Assim, ainda que a semente preceda a árvore no existir,
    a forma da árvore é o fim que determina a semente a agir.

Conclusão

Portanto, todo agente age por causa de um fim,
ou por conhecimento e intenção,
como o intelecto e a vontade,
ou por inclinação natural e ordenação divina,
como os agentes físicos e inanimados.

E Alberto encerra a questão nestas palavras:
“Nihil agit nisi propter finem, sive illum cognoscat, sive ab alio in illum ordinetur: quia finis est primus in intentione et ultimus in executione.”
Nada age senão por um fim,
quer o conheça, quer seja ordenado a ele por outro,
pois o fim é o primeiro na intenção e o último na execução.

Quaestio II — Utrum finis sit causa causarum

(Se o fim é a causa das causas)


Objectiones

  1. Parece que o fim não é a causa das causas,
    pois o fim é o último na execução,
    enquanto a causa eficiente é a primeira.
    Ora, o primeiro não depende do último,
    mas o último procede do primeiro.
    Logo, o fim não é causa das causas.
  2. Além disso, o fim muitas vezes não existe ainda quando a causa eficiente age;
    assim, a saúde é fim da medicina,
    mas não existe antes que o médico opere.
    Logo, o que não existe ainda não pode ser causa do que existe.
  3. Ademais, a causa final move apenas pelo desejo ou pela intenção do agente.
    Mas nas causas naturais não há desejo nem intenção,
    pois são destituídas de conhecimento.
    Logo, nas causas naturais o fim não é causa das causas.

Sed contra

Aristóteles, Physicorum II:
“Finis est causa causarum et eorum quod causatur.”
“O fim é a causa das causas e daquilo que é causado.”

E Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. IV:
“Bonum est diffusivum sui et causa omnium.”
“O bem é difusivo de si e causa de todas as coisas.”

Logo, o fim, que é o bem desejado,
é o primeiro princípio de toda causalidade.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que o fim é causa das causas,
porque é o primeiro na intenção
e o último na execução,
ordenando todas as causas
como o princípio pelo qual e para o qual elas operam.

O fim é aquilo por causa de que o agente age,
a forma é aquilo segundo o qual age,
a matéria é aquilo em que age,
e a causa eficiente é aquilo pelo qual age.
Mas o “por causa de que” é superior ao “por meio de que”.

Logo, o fim é a primeira e suprema causa,
da qual todas as outras recebem a razão de causalidade.


1. Da prioridade do fim

O fim é o primeiro no intelecto do agente,
pois nenhum ser age senão visando algo.

Mesmo nas ações naturais,
a ordenação ao fim está impressa pela sabedoria do primeiro agente,
que é Deus.

Assim, ainda que o fim não exista no ser atual,
ele existe na intenção daquele que ordena a causa eficiente.

E por isso Aristóteles diz que
“o fim move o agente como o amado move o amante” —
não por contato físico, mas por razão de perfeição desejada.


2. Como o fim causa as outras causas

O fim move a causa eficiente a agir;
a causa eficiente produz a forma;
a forma determina a matéria;
e, por consequência, a matéria recebe o ser.

Assim, o fim é causa da causa eficiente,
pois lhe confere o impulso de agir;
é causa da causa formal,
pois é em vista do fim que a forma é escolhida;
e é causa da causa material,
pois esta é disposta conforme o que a forma requer para atingir o fim.

Portanto, o fim é, em certo modo,
a causa de todas as causas e de todo o causado.


3. Do modo de causalidade do fim

O fim não causa por produção,
mas por atração e perfeição.

Cada coisa tende naturalmente àquilo que é bom para ela,
e o bem é o objeto do apetite universal.

Ora, o fim é o bem em razão de desejabilidade,
e o bem é o fim em razão de causalidade.

Logo, toda ação é movida por uma noção de bem,
seja verdadeiro, seja aparente.


4. Do fim em Deus e nas criaturas

Em Deus, o fim coincide com a causa eficiente,
pois Ele é o mesmo ser que move e atrai,
criador e termo de toda perfeição.

Nas criaturas, porém, o fim é distinto,
pois elas são movidas a algo fora delas.

Assim, em Deus, o fim é eficiente em si mesmo,
enquanto nas criaturas é participado e ordenado.

E porque Deus é o bem supremo,
segue-se que todas as causas criadas
agem e existem em vista d’Ele
como de seu último e universal fim.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    a causa eficiente é primeira na ordem da execução,
    mas o fim é primeiro na ordem da intenção,
    e a intenção é anterior à execução segundo a razão.
    Logo, o fim é causa do princípio operativo.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    ainda que o fim não exista atualmente no ser,
    existe intencionalmente no intelecto ou na natureza ordenante.
    Assim, a saúde não existe no doente,
    mas na intenção do médico que age por ela.
  3. À terceira, responde-se que
    o fim move o natural por inclinação impressa,
    assim como move o voluntário por deliberação.
    A natureza é o instrumento do intelecto divino,
    e, portanto, age por um fim,
    embora não o conheça como fim.

Conclusão

Portanto, o fim é a causa das causas,
pois é a razão pela qual as causas agem,
a medida pela qual se ordenam,
e o termo em que repousam.

E Alberto conclui:
“Finis est causa causarum, quia ex eo causae habent quod sint causae; nam propter ipsum efficiunt, formant et movent.”
O fim é a causa das causas,
porque dele as causas recebem o ser de causas;
é por ele que produzem, formam e movem.

Quaestio III — Utrum finis omnium sit bonum

(Se o fim de todas as coisas é o bem)


Objectiones

  1. Parece que o fim de todas as coisas não é o bem,
    pois há agentes que operam contra o bem, como os demônios e os pecadores.
    Ora, quem age contra o bem, não age por ele como por fim.
    Logo, nem todo agente se ordena ao bem.
  2. Além disso, há muitos males e corrupções no universo,
    e a corrupção é a privação do bem.
    Mas aquilo que é fim de todas as coisas deve ser universal e positivo,
    não privativo.
    Logo, o fim das coisas não é o bem.
  3. Ademais, o bem e o ser são convertíveis.
    Se, portanto, o bem é o fim de todas as coisas,
    também o ser o seria.
    Mas muitas coisas tendem à corrupção,
    isto é, à perda do ser.
    Logo, não é o bem o fim de todas as coisas.

Sed contra

Aristóteles, Ethicorum I:
“Bonum est id quod omnia appetunt.”
“O bem é aquilo que todas as coisas desejam.”

E Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. IV:
“Bonum est causa omnium, quia omnia propter bonum sunt et ad ipsum tendunt.”
“O bem é a causa de todas as coisas,
pois tudo existe por causa do bem e tende a ele.”

Logo, o bem é o fim universal de todas as coisas.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que o bem é o fim de todas as coisas,
pois o fim é aquilo que move o agente e o atrai à operação,
e nada move senão sob a razão de bem.

Com efeito, cada coisa deseja sua própria perfeição,
e a perfeição é o bem próprio de cada natureza.

Portanto, assim como todas as coisas procedem do primeiro bem enquanto causa eficiente,
assim também tendem a Ele como a causa final.


1. O bem como razão universal de fim

O fim é desejável, e o desejável é o bem.
Ora, tudo o que age, age por algo desejado,
e, portanto, por algo considerado bom.

Mesmo aquele que busca o mal o faz sob aparência de bem,
como quem busca o prazer desordenado
porque o imagina como bem para si.

Por isso, Aristóteles diz no De Anima III:
“Finis movet sicut appetibile.”
“O fim move como o que é apetecível.”

Logo, o bem é o princípio formal da causalidade final.


2. O bem enquanto causa do ser e do movimento

Tudo o que é, é em razão do bem.
Pois, como afirma Dionísio, Bonum est diffusivum sui
o bem é difusivo de si mesmo.

Assim, o ser procede do bem e se ordena ao bem,
porque o bem é aquilo em que o ser se aperfeiçoa.

O bem é o que todas as coisas procuram conservar,
como o fogo tende para cima para alcançar seu lugar natural,
e o intelecto tende à verdade para satisfazer sua própria forma.

Logo, tanto o movimento quanto o repouso
se ordenam a alguma perfeição que é o bem.


3. Do bem em diferentes ordens

Há três ordens do bem:

  • o bem útil, que é o fim dos meios;
  • o bem honesto, que é o fim por si mesmo;
  • e o bem deleitável, que é o repouso no fim atingido.

No universo, o bem útil corresponde à ordem dos meios naturais,
o bem honesto, à perfeição das formas,
e o bem deleitável, à fruição de Deus pelos espíritos bem-aventurados.

Assim, toda a escala do ser — da pedra ao anjo —
participa do bem, cada qual segundo seu grau e modo.


4. O mal e sua relação com o bem

O mal não é fim, mas defeito de ordenação ao fim.
Nenhum agente busca o mal enquanto mal,
mas o faz por erro no juízo ou por corrupção na inclinação.

Mesmo os demônios e os maus, ao escolherem o mal,
fazem-no porque percebem nele algum bem aparente —
domínio, prazer, liberdade —
e, portanto, mesmo errando,
ainda tendem sob a razão de bem.

Assim, o mal é acidental na ordem do fim,
e o bem é essencial.


5. O bem supremo e os bens inferiores

Todo bem particular é ordenado a um bem mais alto,
até chegar ao bem supremo, que é Deus.

O bem natural é ordenado ao bem vital,
o bem vital ao intelectual,
e o bem intelectual ao bem divino,
que é o princípio e o termo de toda perfeição.

Assim, o universo é uma hierarquia do bem:
os seres inferiores participam do bem em potência,
os superiores em ato,
e Deus em plenitude.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    ninguém age contra o bem universal,
    mas apenas contra algum bem particular,
    e sob aparência de outro bem.
    Logo, mesmo quem age mal o faz em vista de algo que lhe parece bom.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    a corrupção é um mal particular,
    mas serve à perfeição do bem universal.
    Pois, como ensina Aristóteles,
    a corrupção de uma coisa é a geração de outra.
    Logo, o mal acidental confirma o bem essencial.
  3. À terceira, responde-se que
    tender à corrupção é tender a uma forma mais perfeita segundo a ordem do todo.
    Assim, o ser que perece neste grau participa de outro modo do ser total do universo,
    que é bom por inteiro.
    Logo, mesmo o perecimento é ordenado ao bem.

Conclusão

Portanto, o bem é o fim de todas as coisas,
porque tudo deseja sua própria perfeição,
e toda perfeição é bem;
e como o primeiro princípio de todas as coisas é o Bem subsistente,
assim também o último fim de todas as coisas é o mesmo Bem subsistente.

E Alberto encerra:
“Bonum est finis omnium, quia ex eo omnia procedunt et in ipsum tendunt, sicut a primo principio in ultimum terminum.”
O bem é o fim de todas as coisas,
porque de Deus todas procedem
e para Ele todas tendem,
como do primeiro princípio ao último termo.

Quaestio IV — Utrum bonum et finis convertantur

(Se o bem e o fim se convertem)


Objectiones

  1. Parece que o bem e o fim não se convertem,
    pois o bem é aquilo que agrada à vontade,
    enquanto o fim é aquilo que completa a operação.
    Ora, nem tudo o que agrada à vontade é fim,
    pois há prazeres que não ordenam a nenhuma perfeição,
    mas apenas distraem a potência apetitiva.
    Logo, o bem e o fim não são a mesma coisa.
  2. Além disso, o bem é encontrado em todas as categorias,
    como o bem verdadeiro, o bem útil, o bem deleitável,
    ao passo que o fim pertence apenas à ordem da operação.
    Logo, o bem é mais universal que o fim,
    e o que é mais universal não se converte com o menos.
  3. Ademais, o fim é o termo da operação,
    mas o bem é o princípio do apetite.
    Ora, o termo e o princípio não se convertem,
    pois um encerra e o outro inicia o movimento.
    Logo, o bem e o fim não se convertem.

Sed contra

Aristóteles, Ethicorum I:
“Bonum est finis.”
“O bem é o fim.”

E Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. IV:
“Omnia propter bonum sunt et in finem boni tendunt.”
“Todas as coisas existem por causa do bem e tendem ao fim do bem.”

Logo, o bem e o fim se identificam segundo a razão formal.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que o bem e o fim se convertem,
não segundo toda a razão de seus nomes,
mas segundo o que significam formalmente,
pois ambos designam o mesmo sob aspectos diversos.

Com efeito, o fim designa aquilo que é ultimo in intentione et executione,
o último na intenção e na execução;
e o bem designa aquilo que é desiderabile et perfectivum,
isto é, o desejável e o que confere perfeição.

Ora, tudo o que é desejável e perfeitivo é fim,
e tudo o que é fim é desejável e perfeitivo.
Logo, bem e fim se convertem na ordem real,
ainda que se distingam segundo o modo de concepção.


1. O bem como razão do fim

Todo fim move por razão de bem,
pois nada é buscado senão sob aparência de bem.

Mesmo o que é em si mau é buscado como bem aparente,
isto é, enquanto representa algum bem particular
— como o prazer, o lucro, a honra, ou a utilidade.

Portanto, o bem é o que confere inteligibilidade e força ao fim.
Sem a noção de bem, o fim não moveria a vontade nem a natureza.


2. O fim como razão do bem

Por outro lado, o bem se torna inteligível como fim,
pois é próprio do bem completar e aperfeiçoar a potência em ato.

O bem não é apenas algo agradável,
mas aquilo que realiza o poder da coisa,
conduzindo-a de sua potência ao seu ato perfeito.

Assim, o bem é o fim enquanto causa de perfeição,
e o fim é o bem enquanto objeto de apetite.


3. Da distinção lógica e da identidade ontológica

A distinção entre bem e fim é segundo a razão, não segundo o ser.

O bem é dito segundo o apetite e a perfeição;
o fim, segundo a ordem e a consecução.
Mas o que é último na consecução é necessariamente perfeitivo,
e o que é perfeitivo é necessariamente desejado.

Logo, no ser das coisas,
bem e fim se reduzem à mesma realidade —
a perfeição última de cada natureza.


4. Da conversão segundo os diversos modos do bem

O bem se diz de três modos, como ensina Aristóteles:

  • Bem honesto, que é o fim em si mesmo.
  • Bem útil, que é o fim por outro fim.
  • Bem deleitável, que é o repouso no fim alcançado.

Em todos esses, o fim é implicado:
o bem honesto é o fim formal;
o bem útil, o fim causal;
e o bem deleitável, o fim consumado.

Logo, todo bem é fim em algum grau,
e todo fim é bem em algum aspecto.


5. O bem e o fim em Deus

Em Deus, o bem e o fim são absolutamente idênticos,
porque Ele é o mesmo ser que move e que é desejado,
causa eficiente e causa final em unidade perfeita.

Nas criaturas, o bem e o fim são distintos segundo a participação,
mas idênticos segundo a ordenação —
pois o bem criado é o fim próprio de cada natureza,
e o bem increado é o fim último de todas.

Assim, o universo inteiro tem em Deus
o mesmo bem e o mesmo fim.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    o prazer desordenado não é bem verdadeiro,
    mas apenas bem aparente.
    E como o fim é sempre o bem verdadeiro da operação,
    não há oposição entre ambos,
    mas apenas confusão no julgamento do agente.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    o bem é encontrado em todas as categorias,
    porque tudo participa de alguma perfeição;
    mas o fim é a razão de ordem em todas elas.
    Logo, ainda que o bem seja dito mais universalmente,
    não é diverso em natureza,
    mas somente em extensão lógica.
  3. À terceira, responde-se que
    o bem é o princípio do apetite,
    e o fim é o termo da operação,
    mas ambos se referem à mesma realidade —
    aquilo que aperfeiçoa o ser.
    O princípio e o termo diferem na ordem,
    não na essência.

Conclusão

Portanto, o bem e o fim se convertem,
pois tudo o que é fim é bem,
e tudo o que é bem é fim,
diferindo apenas quanto à noção e à via de concepção.

E Alberto encerra esta questão com as palavras:
“Bonum et finis idem sunt re, sed differunt ratione: quia finis est bonum in ordine, et bonum est finis in perfectione.”
O bem e o fim são o mesmo na realidade,
mas diferem na razão:
porque o fim é o bem segundo a ordem,
e o bem é o fim segundo a perfeição.

Quaestio V — Utrum omne bonum ordinetur ad summum bonum

(Se todo bem se ordena ao bem supremo)


Objectiones

  1. Parece que nem todo bem se ordena ao bem supremo,
    pois o bem supremo é Deus,
    e muitos bens particulares são encontrados fora da ordem do divino —
    como os bens corpóreos, sensíveis e temporais.
    Logo, nem todo bem é ordenado ao bem supremo.
  2. Além disso, os bens são de ordens diversas:
    alguns são espirituais, outros naturais, outros artificiais.
    Mas entre ordens tão diferentes não há subordinação necessária,
    pois o bem da arte não se ordena ao bem da natureza,
    nem o bem natural ao bem sobrenatural.
    Logo, nem todo bem se ordena ao bem supremo.
  3. Ademais, a ordem implica dependência e causalidade.
    Mas a vontade livre do homem pode buscar bens particulares
    sem referência ao bem supremo,
    como quando deseja um prazer ilícito ou uma glória vã.
    Logo, nem todo bem está realmente ordenado ao bem supremo.

Sed contra

Diz Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. IV:
“Bonum est causa et finis omnium, quia omnia propter ipsum sunt.”
“O Bem é causa e fim de todas as coisas,
pois tudo existe por causa dele.”

E Aristóteles, Ethicorum I:
“Omnia appetunt bonum, sed omnia ordinantur ad unum bonum, quod est ultimus finis.”
“Todas as coisas desejam o bem,
mas todas se ordenam a um único bem, que é o último fim.”

Logo, todo bem se ordena ao bem supremo.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que todo bem se ordena ao bem supremo,
tanto segundo a causa eficiente quanto segundo a causa final.

Pois o bem supremo é o princípio e o fim de todos os bens inferiores:
deles procede a bondade de cada coisa,
e para ele todas as bondades convergem.

Assim como do sol procede toda luz e para ele toda claridade retorna,
assim também de Deus procede toda bondade,
e para Ele tende toda perfeição criada.


1. Da dupla ordenação dos bens

A ordenação de todo bem ao bem supremo é dupla:

  • Causal, porque o bem supremo é a fonte de todo ser e perfeição.
    Nada é bom senão por participação daquele que é o Bem em essência.
  • Final, porque todo bem é desejado
    enquanto representa algo do Bem supremo.
    Assim, os bens particulares movem o apetite
    por semelhança e participação daquele Bem que é o fim de todos.

2. Do bem como ordem hierárquica

Os bens não são múltiplos por oposição, mas por gradação.
Há neles uma hierarquia de participação:
o bem espiritual excede o natural,
o natural excede o sensível,
e todos participam de Deus segundo modos diversos.

Alberto escreve:
“Omnis bonitas est ordo in bonum supremum, sicut omnis lumen est ordo in primam lucem.”
Toda bondade é uma ordem para o bem supremo,
assim como toda luz é ordem para a primeira luz.

Logo, a multiplicidade dos bens não destrói a unidade do Bem,
mas a manifesta por gradações.


3. O erro da vontade desordenada

Mesmo quando a vontade humana busca um bem falso,
age sob a aparência do verdadeiro bem.
Portanto, ainda o erro confirma a ordenação,
pois o desejo do bem supremo permanece na natureza,
ainda que obscurecido pela ignorância ou pela paixão.

Nenhuma criatura racional pode desejar absolutamente o mal,
mas apenas algo que pareça bom,
ainda que contra a ordem do bem verdadeiro.

Logo, o desvio moral não suprime a ordenação essencial,
mas apenas a impede de ser atualizada em ato.


4. Do bem supremo como fim do universo

O bem supremo é o fim universal,
e os bens particulares são como causas instrumentais e subordinadas.

O bem do indivíduo está ordenado ao bem da espécie,
o da espécie ao bem do gênero,
e todos ao bem do todo, que é a perfeição do universo,
a qual, por sua vez, está ordenada ao bem divino como ao fim último.

Assim, todo o cosmos é uma ascensão hierárquica:
do ser ao viver, do viver ao entender,
e do entender à união com Aquele que é o próprio Bem subsistente.


5. Da participação do bem supremo em todos os graus do ser

O bem se difunde segundo o modo de ser de cada criatura:
no corpo, como ordem e harmonia;
na alma, como virtude e conhecimento;
no espírito, como contemplação e amor.

E porque Deus é o bem total,
cada coisa participa dele segundo sua medida (mensura),
número (numerus) e peso (pondus),
como diz o Livro da Sabedoria (XI, 21).

Logo, não há bem que, de algum modo,
não derive sua perfeição do Bem supremo
nem se ordene a ele como à sua origem e termo.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    os bens sensíveis e temporais estão realmente ordenados a Deus,
    ainda que de modo remoto,
    pois contribuem para a perfeição do todo
    e para a vida das criaturas racionais,
    que neles veem sinais e degraus da bondade divina.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    as diversas ordens de bens não estão desconexas,
    mas concatenadas numa só harmonia.
    O bem da arte imita o da natureza,
    o da natureza reflete o da inteligência,
    e todos participam do bem divino como de seu modelo.
  3. À terceira, responde-se que
    a vontade pode afastar-se do bem supremo quanto ao ato,
    mas não quanto à inclinação natural.
    Mesmo quando se volta ao mal,
    busca um bem aparente,
    e, portanto, permanece subordinada à ordem universal do Bem.

Conclusão

Portanto, todo bem se ordena ao bem supremo,
porque todo bem finito é participação do infinito,
todo ser perfeito é participação do Ser absoluto,
e todo movimento do desejo é vestígio do amor pelo primeiro Bem.

E Alberto encerra a questão nestas palavras:
“Omne bonum est ordo et participatio summi boni: unde nihil potest esse bonum nisi per similitudinem eius qui est Bonum ipsum.”
Todo bem é ordem e participação do Bem supremo;
por isso, nada pode ser bom
senão pela semelhança daquele que é o próprio Bem.

Quaestio VI — Utrum summum bonum sit unum tantum

(Se o bem supremo é um só)


Objectiones

  1. Parece que o bem supremo não é um só,
    pois existem muitos bens perfeitos em ordens diversas:
    a sabedoria é o bem supremo do intelecto,
    a virtude é o bem supremo da vontade,
    e a saúde é o bem supremo do corpo.
    Logo, o bem supremo não é único,
    mas múltiplo conforme os diversos gêneros de seres.
  2. Além disso, a perfeição é própria de cada coisa segundo sua forma.
    Mas cada forma é um bem, e todas tendem ao seu bem próprio.
    Logo, como há muitas formas, há também muitos bens supremos,
    cada um na sua ordem.
  3. Ademais, se o bem supremo fosse absolutamente um,
    dele nada poderia participar sem igualar-se a ele,
    pois o uno indivisível não se multiplica.
    Ora, muitos bens participam da perfeição.
    Logo, o bem supremo não é absolutamente um,
    mas múltiplo por participação.

Sed contra

Diz Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. IV:
“Unum est bonum et bonum est unum, quia sicut ab uno omne esse, ita ab uno omnis bonitas.”
“Um é o bem e o bem é um,
porque assim como todo ser procede de um,
também toda bondade procede de um só.”

E Agostinho, De Trinitate, VIII:
“Si multa bona sunt, multae essentiae non sunt; sed omnia bona sunt ex uno bono.”
“Se há muitos bens, não há muitas essências supremas;
mas todos os bens procedem de um único Bem.”


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que o bem supremo é um só,
pois a unidade é condição inseparável da perfeição absoluta.

O bem supremo é o ato puro,
sem potencialidade, sem divisão, sem limite.
Ora, a multiplicidade surge sempre da composição e da limitação;
por isso, onde há bem infinito, há também unidade absoluta.


1. Da conversão entre bem, ser e um

O bem, o ser e o um são convertíveis entre si,
porque todo ser é bom na medida em que é uno,
e todo bem é uno na medida em que é ser.

Mas o bem supremo é o ser por essência,
e, portanto, é também o uno por essência.

Logo, assim como não há mais de um ser absolutamente necessário,
também não pode haver mais de um bem absolutamente supremo.


2. Da distinção entre bens por participação e o Bem por essência

Há dois modos de bondade:

  • o participado, que é limitado, múltiplo e relativo;
  • o subsistente, que é ilimitado, simples e absoluto.

Os bens criados são bons por participação,
isto é, recebem sua bondade do primeiro Bem.
Mas esse primeiro Bem é bom por essência,
não por algo distinto de si mesmo.

Logo, o bem supremo é um,
porque é o próprio ser que é bem — ipsum esse bonum.


3. Da multiplicidade de bens inferiores

A multiplicidade dos bens inferiores não destrói a unidade do Bem supremo,
mas a reflete de modo analógico e participado.

Assim como múltiplos espelhos refletem uma única luz,
assim também múltiplas naturezas recebem, cada uma segundo sua medida,
a irradiação do mesmo Bem.

A diversidade dos bens, portanto,
é sinal da fecundidade do Bem uno,
não de sua divisão.


4. Do bem supremo enquanto fim único

Todo apetite tende ao repouso,
e o repouso último não pode ser senão em um só fim.
Pois se houvesse dois fins supremos,
o desejo não repousaria em nenhum deles,
visto que o supremo não pode admitir concorrência.

Logo, o bem supremo é único,
porque é o único capaz de saciar o apetite universal
de todas as criaturas.


5. O bem supremo é Deus

Somente Deus é ato puro,
plenitude de ser, perfeição absoluta.
Nele não há carência, mudança nem composição.

Portanto, Ele é o Bem supremo por essência,
do qual todos os outros bens procedem
e para o qual todos se ordenam.

E por isso, na ordem do universo,
há muitos bens subordinados,
mas apenas um bem que é fim último e absoluto — Deus mesmo.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    os bens particulares são supremos apenas relativamente,
    isto é, dentro de uma determinada ordem.
    O bem da virtude é supremo na vida moral,
    o da sabedoria na vida contemplativa,
    mas todos são subordinados ao bem absoluto,
    que é Deus, princípio de todo bem.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    as formas criadas são múltiplas,
    mas sua perfeição provém da semelhança com o Bem uno.
    Assim, cada forma é boa enquanto participa do Bem primeiro,
    e todas convergem para Ele como para sua fonte comum.
  3. À terceira, responde-se que
    o uno, enquanto absoluto, não se multiplica em si,
    mas se comunica sem se dividir.
    Assim, o sol ilumina muitos sem perder sua luz;
    Deus comunica sua bondade sem perdê-la nem dividi-la.
    Logo, a participação não destrói a unidade,
    mas a manifesta.

Conclusão

Portanto, o bem supremo é um só,
porque só há um princípio sem princípio,
um fim sem fim,
um ser que é ato puro e bondade pura.

E Alberto conclui:
“Summum bonum est unum tantum, quia in eo idem est esse, bonum et unum: et per hoc omnia alia bona in ipso uniuntur sicut in fonte et fine.”
O bem supremo é um só,
porque nele o ser, o bem e o uno são o mesmo;
e por isso todos os outros bens se unem nele
como em sua fonte e fim.

Quaestio VII — Utrum summum bonum sit Deus

(Se o bem supremo é Deus)


Objectiones

  1. Parece que o bem supremo não é Deus,
    pois o bem é aquilo que é desejável,
    mas Deus não é objeto de desejo para todos,
    uma vez que muitos ignoram sua existência
    ou mesmo o negam.
    Logo, o bem supremo não é Deus.
  2. Além disso, o bem supremo é aquilo que perfaz o ser da criatura,
    mas Deus excede infinitamente toda criatura
    e não é parte de seu ser,
    senão causa separada e transcendente.
    Logo, o bem supremo não pode ser identificado com Deus.
  3. Ademais, o bem supremo é fim de todas as coisas,
    mas o fim e a causa eficiente parecem ser opostos,
    pois uma é princípio e a outra termo.
    Ora, Deus é causa eficiente do universo;
    logo, não é seu fim, e portanto, não é o bem supremo.

Sed contra

Agostinho, De Trinitate, VIII, cap. 3:
“Bonum verum et summum, quod est Deus, est finis omnium bonorum.”
“O verdadeiro e sumo bem, que é Deus,
é o fim de todos os bens.”

E Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. IV:
“Bonum divinum est superessentiale, quia omnia propter ipsum et in ipso sunt.”
“O bem divino é supra-essencial,
pois todas as coisas existem por ele e nele.”

Logo, o bem supremo é Deus.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que o bem supremo é Deus,
porque Ele é o princípio, meio e fim de toda bondade.

Deus é o princípio, porque toda perfeição procede dele;
é o meio, porque conserva e ordena tudo pela sua sabedoria;
é o fim, porque todas as coisas tendem a Ele como ao seu repouso último.


1. Do bem enquanto causa universal

O bem tem a razão de causa final,
pois é aquilo em vista do qual as coisas agem.

Ora, toda a criação é ordenada a Deus,
porque toda a natureza, por sua tendência ao perfeito,
se move para participar da bondade divina.

Como ensina Aristóteles (Metaph. XII, cap. 7):
“Movet sicut amatum.”
Deus move como amado,
isto é, como fim desejado e amado de todas as coisas.

Logo, Deus é o bem supremo,
porque é o fim último que move todos os apetites naturais e voluntários.


2. Da bondade de Deus em si mesma

Em toda criatura, o bem é algo recebido e limitado;
em Deus, porém, a bondade é sua própria essência.

Ele é bom não por participação, mas por identidade,
pois ser e ser bom são o mesmo em Deus.
Daí se diz: “Tu solus es bonus.” (Mt 19,17)
Tu somente és bom.

O bem supremo não pode, pois, estar fora de Deus,
porque fora dele só há bondade participada.
E o participado não pode ser o supremo,
mas apenas o essencial pode sê-lo.


3. Da difusão do bem divino

Todo bem tende a comunicar-se.
Assim, o bem divino difunde-se sobre todas as criaturas,
fazendo-as boas segundo suas naturezas.

E essa difusão não é por necessidade natural,
mas por liberalidade voluntária.
Deus é o bem supremo porque comunica sua bondade sem diminuição,
e porque a abundância dessa comunicação é o fundamento da criação.

Como diz Dionísio:
“Divinum bonum est diffusivum sui.”
“O bem divino é difusivo de si mesmo.”

Logo, sendo a fonte de toda bondade,
Deus é o bem supremo e universal.


4. Do repouso de todas as coisas em Deus

Tudo o que é perfeito deseja permanecer no bem.
Por isso, a alma, o intelecto e a natureza
tendem a repousar em Deus,
ainda que inconscientemente.

Toda criatura, pela ordem da providência,
é reconduzida ao Criador como a seu fim,
e só em Deus encontra a plenitude do ser e da perfeição.

Daí o dizer de Agostinho:
“Fecisti nos ad te, Domine, et inquietum est cor nostrum donec requiescat in te.”
“Fizeste-nos para Ti, Senhor,
e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti.”


5. Da unidade entre o bem supremo e a causa primeira

Na ordem da realidade criada,
o princípio e o fim são distintos,
mas em Deus coincidem,
porque Ele é causa eficiente e fim último em um só ato simples.

Como diz Alberto:
“In primo principio idem est principium et finis, efficiens et finalis.”
“No primeiro princípio, são o mesmo o princípio e o fim,
a causa eficiente e a causa final.”

Logo, não há oposição entre ser causa e ser fim em Deus,
mas perfeitíssima identidade.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    Deus é desejável por sua essência,
    ainda que não seja conhecido de todos em ato.
    A ignorância humana não muda a ordem natural das coisas,
    pois ainda que o homem não saiba o que busca,
    busca sempre o bem,
    e portanto, busca Deus implicitamente.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    Deus não é parte do ser da criatura,
    mas é a causa de seu ser e de sua perfeição.
    Logo, é o bem supremo, não por inclusão,
    mas por eminência:
    porque é aquilo a que toda criatura se ordena como à sua plenitude.
  3. À terceira, responde-se que
    em Deus coincidem a causa eficiente e a final.
    Ele é princípio e termo,
    porque de Si tudo procede e a Si tudo retorna.
    Por isso é dito no Apocalipse (22,13):
    “Ego sum Alpha et Omega, primus et novissimus, principium et finis.”

Conclusão

Portanto, o bem supremo é Deus,
porque Ele é o ser perfeito,
a causa de toda perfeição,
e o fim último de todas as criaturas.

E Alberto conclui nestas palavras:
“Summum bonum est Deus, quia ipse solus est per essentiam bonus, et in ipso quiescit omnis appetitus, sicut in fine et quiete universi.”
O bem supremo é Deus,
porque somente Ele é bom por essência,
e n’Ele repousa todo apetite,
como no fim e repouso do universo.

Quaestio VIII — Utrum omnia tendant in Deum sicut in finem

(Se todas as coisas tendem para Deus como para seu fim)


Objectiones

  1. Parece que nem todas as coisas tendem para Deus como para seu fim,
    pois os corpos inanimados não têm conhecimento nem vontade;
    e tender para um fim supõe intenção e apetição.
    Logo, as coisas desprovidas de alma não tendem para Deus.
  2. Além disso, muitas criaturas parecem afastar-se de Deus:
    os demônios e os maus homens buscam o mal e a desordem,
    não o bem e a ordem divina.
    Logo, nem todas as coisas tendem para Deus como para seu fim.
  3. Ademais, tender implica movimento,
    mas Deus é imóvel e imutável,
    de modo que nada pode mover-se realmente para Ele como para um lugar.
    Logo, as criaturas não tendem para Deus como para seu fim.

Sed contra

Agostinho, De Civitate Dei, XIX, cap. 1:
“Deus est finis omnium, quia ab ipso omnia, et per ipsum, et in ipsum.”
“Deus é o fim de todas as coisas,
porque todas são dele, por ele e nele.”

E São Paulo, Ad Romanos XI, 36:
“Ex ipso, et per ipsum, et in ipsum sunt omnia.”

Logo, todas as coisas tendem para Deus como para seu fim.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que todas as coisas tendem para Deus como para seu fim,
ainda que não todas da mesma maneira,
mas cada uma segundo seu grau de perfeição e modo de ser.

A tendência para o fim é universal,
pois o fim é a razão da bondade,
e o bem é o objeto próprio de todo apetite, natural ou intelectual.

Logo, porque Deus é o sumo bem,
segue-se que todas as coisas, na medida em que são boas,
se ordenam a Ele como ao termo de seu movimento e perfeição.


1. Das três ordens de tendência

Há três modos de tendência para Deus:

  1. Per cognitionem et amorem, — pelo conhecimento e pelo amor —
    própria das criaturas racionais,
    que conhecem e desejam o bem em si mesmo,
    e tendem a Deus por eleição livre.
  2. Per appetitum sensitivum, — pelo apetite sensitivo —
    nas criaturas dotadas de alma sensitiva,
    que, embora não conheçam o bem universal,
    seguem os bens particulares que são sombras do Bem divino.
  3. Per inclinationem naturalem, — pela inclinação natural —
    nas criaturas irracionais e corpóreas,
    que são movidas pelo instinto da natureza,
    o qual é a participação da lei eterna.

Assim, mesmo as pedras, as plantas e os astros
tendem para Deus enquanto se ordenam à harmonia do universo,
que é imagem da sabedoria divina.


2. Da lei da ordem universal

Toda criatura é parte de uma totalidade,
e essa totalidade está ordenada a um bem comum.

Ora, o bem comum de todo o universo é a perfeição do conjunto,
a qual só se realiza na ordenação a Deus.

Logo, ainda que as partes particulares não conheçam esse fim,
são movidas para ele pela virtude do primeiro motor,
que dirige tudo conforme um plano.

Por isso, diz Alberto:
“In omnibus est ordo ad Deum sicut ad finem, vel per intellectum, vel per naturam.”
“Em todas as coisas há ordem para Deus como fim,
seja pelo intelecto, seja pela natureza.”


3. Da tendência dos maus e do mal

Mesmo o mal, enquanto privação, não escapa à ordem do bem,
pois Deus permite o mal apenas em vista de um bem maior.

Assim, os demônios e os ímpios,
embora se afastem de Deus pela vontade,
ainda o servem por necessidade,
porque suas ações e castigos concorrem para a justiça divina,
que é manifestação da bondade do Criador.

Logo, também o desvio é, de certo modo, ordenado ao fim supremo,
não pela intenção da criatura,
mas pela disposição da providência divina.


4. Da unidade do fim em meio à multiplicidade das vias

Há muitas vias para o mesmo fim,
assim como muitos movimentos convergem para um único centro.

Os seres superiores tendem a Deus por inteligência e amor;
os inferiores, por inclinação e causalidade.
Mas todos se movem em direção a Ele,
porque todas as perfeições particulares
são graus da perfeição absoluta que é Deus.

Diz Dionísio:
“Omnia moventur ad unum bonum sicut ad amatum et desideratum.”
“Todas as coisas movem-se para o único Bem,
como para o amado e desejado.”


5. Da causalidade final e exemplar de Deus

Deus é simultaneamente o fim e o exemplar de todas as coisas.
Como fim, atrai-as pela sua bondade;
como exemplar, ordena-as pela sua sabedoria.

Assim, todo ser tende à semelhança de Deus,
porque todo efeito busca de algum modo
imitar a perfeição de sua causa.

Logo, o retorno de todas as coisas a Deus
é o mesmo que sua assimilação progressiva ao Criador.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    os corpos inanimados não têm apetite racional,
    mas têm uma inclinação natural,
    pela qual se movem e operam segundo a forma que receberam de Deus.
    Essa inclinação é uma participação da ordem divina,
    e por ela tendem a Deus como ao fim universal.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    os demônios e os maus homens afastam-se de Deus pela vontade,
    mas mesmo seus desvios são ordenados por Deus
    para o bem e a manifestação de sua justiça.
    Logo, ainda agindo contra a ordem,
    não escapam da ordenação do todo.
  3. À terceira, responde-se que
    tender para Deus não é movimento local,
    mas ontológico e final.
    As criaturas não se aproximam de Deus no espaço,
    mas por semelhança, perfeição e dependência.
    E quanto mais perfeitas são,
    tanto mais se unem a Ele no ser e no amor.

Conclusão

Portanto, todas as coisas tendem para Deus como para seu fim,
pois Ele é o princípio, o meio e o termo do universo.

Nada existe que não tenha Nele sua origem,
sua medida e seu destino.

E Alberto conclui:
“Omnia redeunt in Deum sicut in finem, quia ipse est causa, forma et terminus totius ordinis creati.”
Todas as coisas retornam a Deus como a seu fim,
porque Ele é a causa, a forma e o termo de toda a ordem criada.

Quaestio IX — Utrum in omnibus sit appetitus naturalis finis ultimi

(Se em todas as coisas há um apetite natural pelo fim último)


Objectiones

  1. Parece que nem em todas as coisas há um apetite natural pelo fim último,
    pois o apetite é próprio dos seres animados,
    especialmente daqueles que têm conhecimento.
    Ora, as coisas inanimadas carecem de alma e de conhecimento;
    logo, nelas não há apetite, e muito menos pelo fim último.
  2. Além disso, o apetite natural tende ao bem próprio da coisa,
    e não a um bem universal.
    Mas o fim último é um bem universal e transcendente.
    Logo, não há em todas as coisas apetite natural pelo fim último.
  3. Ademais, os maus e os perversos se afastam voluntariamente de Deus,
    que é o fim último.
    Logo, nem todas as coisas, nem mesmo todas as racionais,
    possuem um apetite natural por Ele.

Sed contra

Diz Dionísio, De Divinis Nominibus, cap. IV:
“Omnia desiderant bonum et propter hoc moventur.”
“Todas as coisas desejam o bem, e por isso se movem.”

E Aristóteles, De Anima, II:
“Natura nihil agit frustra, sed omnia propter aliquid.”
“A natureza nada faz em vão, mas tudo por alguma finalidade.”

Logo, há em todas as coisas uma inclinação natural para o fim último.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que em todas as coisas há um apetite natural pelo fim último,
não por conhecimento ou deliberação,
mas por uma inclinação impressa nelas pelo Autor da natureza.

Toda criatura tem em si um princípio interno de movimento ou repouso,
pelo qual busca conservar o ser e alcançar a perfeição que lhe é própria.
E como essa perfeição só se realiza plenamente na união com Deus,
segue-se que toda criatura tende, por natureza, para Ele
como para o seu fim supremo.


1. Do apetite natural como vestígio da vontade divina

O apetite natural é a expressão da vontade divina nas coisas criadas.
Deus, ao produzir cada ente,
imprimiu nele uma direção ao bem proporcional à sua essência.

Assim, nas coisas inanimadas,
essa vontade se manifesta como inclinação física ou causal;
nas viventes, como instinto vital;
nas intelectuais, como busca consciente do bem supremo.

Mas em todas essas ordens,
a tendência última é a mesma:
a participação na bondade divina,
que é o fim último do universo.


2. Da unidade do apetite em meio à diversidade das naturezas

A multiplicidade de apetites particulares
não destrói a unidade do apetite universal.

O fogo tende para o alto,
a pedra para o centro,
a planta para o crescimento,
o animal para a conservação,
o homem para a verdade e a felicidade.

Mas todas essas direções são apenas variações
de um mesmo impulso fundamental —
o desejo do ser e do bem.

E como o ser e o bem se identificam com Deus,
segue-se que todo apetite natural, em última análise,
é uma participação no desejo do divino.


3. Da relação entre apetite natural e graça

O apetite natural não basta, por si, para alcançar o fim último,
pois o bem divino excede infinitamente a natureza criada.

Todavia, esse apetite constitui a disposição ontológica
pela qual o ser pode receber a graça,
do mesmo modo que a potência é ordenada ao ato.

Assim, toda criatura racional
é movida por natureza a desejar a felicidade,
e pela graça, a alcançá-la em Deus.

Diz Alberto:
“Apetitus naturalis est initium motus ad Deum,
gratia vero est perfectio eiusdem motus.”

“O apetite natural é o início do movimento para Deus,
mas a graça é a perfeição desse mesmo movimento.”


4. Da tensão entre ordem e desordem

Mesmo nas criaturas que agem contra a razão,
subsiste a tendência fundamental ao bem.

O vício e o pecado não destroem o apetite natural,
mas o desordenam,
fazendo-o tender a bens parciais como se fossem fins últimos.

Contudo, esse erro não elimina a direção última,
mas apenas a confunde.
Assim, todo desejo humano, mesmo o mais desviado,
é uma sombra do desejo de Deus.


5. Da convergência final

Na economia do universo,
Deus é simultaneamente o fim e o motor oculto do apetite universal.
Tudo tende a Ele porque tudo é movido por Ele.

Por isso, o apetite natural é o vínculo invisível
que une todas as criaturas em uma só ordem:
o retorno de tudo ao seu princípio.

Como afirma Dionísio:
“Bonum est diffusivum sui et omnia ad se revocat.”
“O bem é difusivo de si e reconduz todas as coisas a si.”


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    nas coisas inanimadas o apetite natural não é consciente,
    mas causal e formal:
    a forma é o princípio da tendência ao fim,
    porque ela é participação da bondade divina.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    o apetite natural tende ao bem próprio enquanto ordenado ao bem comum,
    pois o bem particular só é verdadeiro bem
    enquanto participa do bem universal.
    Logo, toda inclinação particular se subordina, implicitamente,
    ao fim último, que é Deus.
  3. À terceira, responde-se que
    os maus se afastam de Deus apenas segundo a vontade deliberada,
    não segundo a natureza.
    Enquanto criaturas, desejam o bem,
    e por isso mesmo, desejam Deus, ainda que indiretamente.

Conclusão

Portanto, há em todas as coisas um apetite natural pelo fim último,
porque toda natureza deseja conservar o ser,
e o ser, em sua plenitude, só existe em Deus.

Logo, o apetite universal pelo bem
é o selo da origem divina de todas as coisas
e o indício de seu retorno inevitável ao Criador.

E Alberto encerra:
“In omnibus est appetitus finis ultimi, quia omnia habent ex Deo esse et propter Deum ordinem essendi.”
Em todas as coisas há apetite pelo fim último,
porque todas recebem de Deus o ser
e, por causa de Deus, têm ordem no ser.

Quaestio X — Utrum hominis finis ultimus sit in cognitione Dei

(Se o fim último do homem está no conhecimento de Deus)


Objectiones

  1. Parece que o fim último do homem não está no conhecimento de Deus,
    pois o fim do homem deve ser algo que o sacie plenamente.
    Ora, o conhecimento é ato imperfeito,
    porque depende de potência e de objeto extrínseco;
    logo, não pode ser o fim último.
  2. Além disso, o amor é mais perfeito que o conhecimento,
    pois o conhecimento pode existir sem união,
    enquanto o amor une o amante e o amado.
    Logo, se o fim último é a união com Deus,
    ele consiste antes no amor do que no conhecimento.
  3. Ademais, a Escritura diz:
    “Esta é a vida eterna: que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro.” (Jo 17,3)
    Mas o conhecimento de Deus aqui referido é o da fé,
    que ainda é obscuro e imperfeito.
    Logo, o fim último do homem não está no conhecimento,
    mas na visão ou fruição de Deus.

Sed contra

Aristóteles, Metaphysica, I:
“Omnium hominum natura scire desiderat.”
“Todos os homens, por natureza, desejam saber.”

E Agostinho, De Trinitate, XIV:
“Beatitudo hominis est in cognitione Dei.”
“A bem-aventurança do homem está no conhecimento de Deus.”

Logo, o fim último do homem consiste propriamente em conhecer a Deus.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que o fim último do homem está, de modo principal, no conhecimento de Deus,
pois a operação mais nobre da alma racional é o ato do intelecto,
e o objeto mais nobre desse ato é o próprio Deus,
causa e termo de toda a inteligência.

O fim do homem deve ser proporcionado à sua natureza,
e como o homem é um ser intelectual,
sua perfeição suprema consiste em apreender a verdade primeira,
da qual todas as outras verdades participam.

Logo, conhecer a Deus é o último termo e repouso da alma,
pois n’Ele o intelecto encontra a plenitude da verdade e da razão do ser.


1. Da natureza intelectual do homem

O homem, por sua forma racional,
participa da luz do intelecto divino.
Por isso, entre todas as criaturas visíveis,
somente ele é capaz de elevar-se acima dos sentidos
e contemplar as causas universais.

Essa elevação é movimento de retorno:
como a luz procede do sol e tende a ele,
assim o intelecto procede de Deus e tende a conhecê-lo.

Daí o dizer de Alberto:
“Finis hominis est reditus intellectus ad principium suum, quod est Deus.”
“O fim do homem é o retorno do intelecto ao seu princípio, que é Deus.”


2. Do conhecimento como assimilação

O conhecimento é uma assimilação do intelecto ao seu objeto.
Quanto mais o intelecto conhece,
tanto mais se torna semelhante ao que conhece.

Ora, não há semelhança maior que a do intelecto com o próprio Deus,
pois Deus é intellectus purus,
e conhecer a Deus é participar da sua própria luz.

Assim, o ato supremo da alma racional
é aquele em que ela se une a Deus pela visão do verdadeiro ser.


3. Do amor como consequência do conhecimento

O amor segue o conhecimento,
porque ninguém pode amar senão o que conhece de algum modo.

Logo, embora o amor una mais profundamente,
ele depende essencialmente do conhecimento.
Por isso, a fruição de Deus na bem-aventurança
é inseparável da contemplação.

O amor é o repouso da vontade,
mas esse repouso só é possível
quando o intelecto possui plenamente o objeto amado.
Assim, o conhecimento é o caminho e a forma do amor perfeito.


4. Da distinção entre conhecimento de fé e de visão

Há dupla maneira de conhecer a Deus:

  1. Per fidem, pela fé — conhecimento obscuro, mediado por sinais.
  2. Per visionem, pela visão — conhecimento claro e imediato da essência divina.

O fim último não está na fé, que é via,
mas na visão, que é termo.

Contudo, a fé já contém o princípio da visão,
assim como a semente contém a árvore.
Por isso, o conhecimento de fé é início do fim,
mas não o fim consumado.


5. Da ordem do amor e do intelecto na bem-aventurança

Na vida presente, o amor precede o conhecimento perfeito,
porque a vontade pode aderir a Deus antes que o intelecto o veja.

Mas na glória, o intelecto precede,
pois a visão de Deus gera o amor perfeito.

Assim, o fim último é simultaneamente visão e amor,
mas o modo formal é o conhecimento,
e o modo consequente é o amor.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    o conhecimento humano é imperfeito nesta vida,
    mas na visão beatífica torna-se ato perfeito,
    porque o intelecto vê o próprio ser divino
    sem mediação de espécies ou conceitos.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    o amor é mais perfeito enquanto efeito,
    mas o conhecimento é mais nobre enquanto causa.
    Sem conhecer, não se pode amar;
    e o amor perfeito só nasce da visão perfeita.
  3. À terceira, responde-se que
    a fé é o início do conhecimento do fim último,
    não o próprio fim.
    O conhecimento da glória é visão imediata,
    e é nesse ver que consiste a bem-aventurança eterna.

Conclusão

Portanto, o fim último do homem está no conhecimento de Deus,
porque a perfeição da natureza racional
consiste em apreender o primeiro princípio e a causa de todas as coisas.

No ato de conhecer a Deus,
o intelecto alcança seu repouso e sua semelhança com o Criador;
e desse conhecimento nasce o amor eterno,
que é a fruição do bem absoluto.

E Alberto encerra:
“Ultimus finis hominis est cognitio Dei, in qua cessat inquisitio rationis et quiescit voluntas in bono summo.”
“O fim último do homem é o conhecimento de Deus,
no qual cessa a investigação da razão
e a vontade repousa no bem supremo.”

Quaestio XI — Utrum hominis beatitudo sit in actu intellectus vel voluntatis

(Se a bem-aventurança do homem consiste no ato do intelecto ou da vontade)


Objectiones

  1. Parece que a bem-aventurança do homem consiste antes na vontade do que no intelecto,
    pois a bem-aventurança é um bem perfeito e último,
    e todo bem é objeto da vontade.
    Logo, a operação perfeita da vontade — isto é, o amor e a fruição —
    deve ser o termo da felicidade.
  2. Além disso, a Escritura diz:
    “Deliciae meae esse cum filiis hominum.” (Prov. 8,31)
    Ora, a delícia pertence à vontade,
    e o termo do desejo é a fruição.
    Logo, a bem-aventurança consiste no ato da vontade.
  3. Ademais, o amor é mais nobre que o conhecimento,
    pois o conhecimento permanece no intelecto como algo recebido,
    enquanto o amor procede da alma como algo que sai de si mesma.
    Logo, é mais perfeito amar o sumo bem do que conhecê-lo.

Sed contra

Diz Aristóteles, Ethicorum Nicomacheorum, X:
“Beatitudo est operatio secundum virtutem perfectissimam, quae est intellectus.”
“A bem-aventurança é a operação conforme à virtude mais perfeita, que é a do intelecto.”

E Agostinho, De Trinitate, XIV, cap. 3:
“In cognitione Dei est perfecta beatitudo.”
“No conhecimento de Deus está a perfeita bem-aventurança.”


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que a bem-aventurança do homem, enquanto perfeita e última, consiste principalmente no ato do intelecto, mas envolve também a vontade como consequente e participante.

Com efeito, a felicidade é o repouso supremo da alma,
no qual cessam o movimento da busca e o desejo de outro bem.

Ora, o repouso se dá quando a potência alcança seu objeto.
E o intelecto atinge o seu objeto — a verdade e o ser —
de modo mais pleno do que a vontade atinge o bem,
porque o intelecto, ao ver a essência divina,
possui imediatamente o bem supremo,
enquanto a vontade o ama como já possuído.

Assim, o conhecimento é o modo formal da beatitude,
e o amor, o modo efetivo e consequente.


1. Da precedência do intelecto

O intelecto é por natureza anterior à vontade,
pois a vontade é apetite racional,
e não pode desejar senão aquilo que o intelecto lhe apresenta como bem.

Por isso, se o fim último é a visão de Deus,
é necessário que o ato principal da bem-aventurança
seja a operação pela qual Deus é conhecido na sua essência.

E Alberto diz:
“In visione est forma beatitudinis; in amore est fruitio ipsius.”
“Na visão está a forma da bem-aventurança;
no amor, a fruição dela.”


2. Da união pelo intelecto e pela vontade

A união pelo intelecto é identificativa,
pois o conhecido está no cognoscente segundo o modo do cognoscente;
mas a união pela vontade é participativa,
pois o amante tende ao amado e o segue.

Na visão beatífica, ambas as uniões coexistem:
pela inteligência, o homem vê Deus como é;
pela vontade, ama e goza d’Ele como de seu bem próprio.

Contudo, o conhecimento precede,
porque o amor pressupõe a visão:
ninguém pode amar o que não conhece.


3. Da perfeição da beatitude

A perfeição da beatitude exige
que tanto o intelecto quanto a vontade sejam plenamente atualizados.

O intelecto vê a essência divina —
não por espécie criada, mas por luz infusa,
a qual o torna participante da própria luz de glória.

A vontade, movida por esse mesmo esplendor,
ama Deus com amor de complacência e repouso,
de modo que já não pode desejar outro bem.

Logo, a beatitude é uma só,
mas contém duas operações:
a principal, que é o ver;
a secundária, que é o amar.


4. Da diferença entre fruição e visão

Na vida presente, a caridade precede a visão;
na glória, a visão engendra a caridade perfeita.

Pois, enquanto caminhamos na fé,
amamos o que não vemos;
mas quando vemos, amamos infinitamente mais,
porque o amor nasce da presença do objeto.

Por isso, a fruição é o complemento da visão,
não seu princípio.
A vontade descansa onde o intelecto possui.


5. Da unidade do bem e da verdade

O bem e a verdade são idênticos em Deus,
mas diferentes quanto ao modo como são conhecidos por nós:
a verdade pertence ao intelecto, o bem à vontade.

Logo, conhecer o bem é ato do intelecto,
e amá-lo é ato da vontade;
mas o bem só é amado perfeitamente
quando é plenamente conhecido.

Portanto, o ato principal da beatitude é a visão da verdade primeira,
e o amor é sua consumação.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    a vontade tem por objeto o bem universal,
    mas o bem só é plenamente possuído
    quando o intelecto contempla a verdade suprema.
    Assim, o ato do intelecto é a causa formal da fruição da vontade.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    a delícia e a fruição pertencem à vontade,
    mas dependem do conhecimento,
    pois ninguém se deleita com o que ignora.
    Logo, o gozo é o termo do conhecimento, não o seu substituto.
  3. À terceira, responde-se que
    o amor é mais nobre enquanto efeito da visão,
    mas não enquanto princípio da bem-aventurança.
    Amar sem ver é mérito;
    ver e amar é recompensa.

Conclusão

Portanto, a bem-aventurança do homem consiste principalmente no ato do intelecto,
que é a visão da essência divina,
e secundariamente no ato da vontade,
que é o amor e a fruição do bem contemplado.

O intelecto une o homem a Deus pela luz;
a vontade, pelo amor;
e ambos constituem a harmonia perfeita da alma glorificada.

E Alberto encerra:
“In actu intellectus est essentialis beatitudo; in actu voluntatis est consummatio eius.”
“No ato do intelecto está a essência da bem-aventurança;
no ato da vontade, sua consumação.”

Quaestio XII — Utrum beatitudo hominis sit in hoc saeculo vel in futuro

(Se a bem-aventurança do homem está neste século ou no futuro)


Objectiones

  1. Parece que a bem-aventurança do homem está neste século,
    pois a recompensa segue-se à virtude,
    e a virtude é exercida nesta vida.
    Logo, é nesta vida que o homem deve alcançar a recompensa da virtude,
    isto é, a bem-aventurança.
  2. Além disso, o Senhor diz:
    “Regnum Dei intra vos est.” (Lc 17,21)
    Ora, o reino de Deus é a própria bem-aventurança.
    Logo, ela se encontra dentro de nós, já neste mundo.
  3. Ademais, a alma humana é espiritual e imortal,
    e por isso participa de bens incorpóreos.
    Ora, tais bens são acessíveis pela contemplação presente.
    Logo, o homem pode alcançar a beatitude nesta vida.

Sed contra

O Apóstolo diz:
“Spem habentes vitae aeternae, quam promisit Deus.” (Tit. 1,2)
“Esperamos a vida eterna que Deus prometeu.”

Ora, o que é prometido ainda não é possuído.
Logo, a bem-aventurança não está nesta vida, mas na futura.

E Agostinho, De Civitate Dei, XIX, cap. 10:
“Vera beatitudo non est in hac vita, ubi nemo est sine miseria.”
“A verdadeira bem-aventurança não está nesta vida, onde ninguém é sem miséria.”


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que a bem-aventurança perfeita do homem não está neste século, mas no futuro,
ainda que nesta vida haja um certo princípio ou prelúdio dela.

Pois a bem-aventurança é o fim último,
e o fim é a perfeição completa da natureza racional.
Ora, nesta vida a alma se encontra unida a um corpo corruptível,
e sujeita às necessidades e às paixões,
o que impede o repouso perfeito do intelecto e da vontade.

Logo, enquanto estivermos neste estado mortal,
não podemos ver a essência divina tal como ela é,
e por conseguinte, não podemos gozar da verdadeira bem-aventurança.


1. Da diferença entre beatitudo imperfeita e perfeita

Há duas espécies de bem-aventurança:

  • Imperfeita, que consiste na contemplação de Deus por meio da fé,
    no amor que começa na caridade,
    e na paz que nasce da consciência pura;
    essa pode existir nesta vida.
  • Perfeita, que consiste na visão imediata da essência divina,
    sem sombra, sem mediação e sem erro;
    essa só é possível na vida futura,
    quando a alma, purificada, se unir a Deus “facie ad faciem”.

Por isso, Alberto distingue:
“Beatitudo viatoris est in fide; beatitudo comprehensoris est in visione.”
“A bem-aventurança do viador está na fé;
a do bem-aventurado, na visão.”


2. Do impedimento do corpo e da condição temporal

O corpo é peso para a alma,
pois a submete às solicitações do tempo e do sentido.
Enquanto a alma estiver presa à matéria,
sua contemplação será imperfeita e sujeita à distração.

Somente quando se libertar dessa união,
poderá ver o primeiro princípio em sua pureza.

Diz o Eclesiastes:
“Dissolvatur vinculum argenteum, et revertatur pulvis in terram.”
“Desfaça-se o laço de prata e o pó volte à terra.” (Ecl 12,6–7)

Então, o espírito verá o que agora crê e deseja.


3. Da ordem da esperança e do mérito

Nesta vida, a alma caminha pela fé e pela esperança,
que são potências imperfeitas, ordenadas ao fim.

A fé é a visão através de um véu;
a esperança, o desejo do que ainda não se possui.
Por isso, o mérito está na peregrinação,
mas a recompensa, no termo da jornada.

Diz Alberto:
“Viator non potest esse beatus perfecte, quia adhuc in via est, non in patria.”
“O viajante não pode ser perfeitamente feliz,
porque ainda está no caminho, não na pátria.”


4. Do repouso da alma e da visão futura

A verdadeira beatitude exige
um ato contínuo e ininterrupto do intelecto,
no qual nada mais reste a desejar.

Tal estado não é possível na condição temporal,
pois o tempo divide e multiplica os atos;
mas na eternidade, o ato é uno, simples e total.

Assim, o homem só é plenamente bem-aventurado
quando entra na eternidade divina,
onde “não haverá noite, nem mudança, nem sombra de variação” (Tg 1,17).


5. Da antecipação da beatitude nesta vida

Entretanto, nesta vida,
a alma pode antecipar algo da bem-aventurança,
pela graça e pela caridade,
quando é arrebatada em contemplação e unida a Deus pela fé viva.

Mas isso é um prelúdio, não a posse.
É como o aroma de um banquete antes do alimento,
ou o brilho do sol antes de o vermos face a face.

Por isso, os santos experimentam consolações inefáveis,
mas ainda suspiram, como Paulo:
“Desiderium habens dissolvi et esse cum Christo.” (Fl 1,23)


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    a recompensa da virtude não é dada neste século de modo pleno,
    porque a virtude se exerce no meio do combate,
    e a coroa pertence ao vencedor após o término da luta.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    o “reino de Deus dentro de nós” é o começo da bem-aventurança,
    pela graça e pela caridade,
    mas não a sua plenitude.
    O reino interior é a semente do reino eterno.
  3. À terceira, responde-se que
    a alma pode conhecer a Deus pela fé e pelo espelho da criação,
    mas não vê ainda sua essência.
    Enquanto o vê por enigmas,
    não atinge a visão que é a própria bem-aventurança.

Conclusão

Portanto, a bem-aventurança perfeita do homem não está neste século, mas no futuro,
porque nesta vida não é possível ver Deus tal como Ele é,
nem possuir o bem supremo sem temor de perdê-lo.

Nesta vida, o homem é “viator”;
na outra, “comprehensor”.
Aqui caminha pela fé;
lá repousa na visão e na fruição eternas.

E Alberto encerra:
“Beatitudo hominis non est in via, sed in patria; non in fide, sed in visione; non in spe, sed in fruitione.”
“A bem-aventurança do homem não está no caminho, mas na pátria;
não na fé, mas na visão;
não na esperança, mas na fruição.”

Quaestio XIII — Utrum beatitudo perfecta sit per gratiam vel per naturam

Questão XIII — Se a bem-aventurança perfeita se alcança pela graça ou pela natureza


Objectiones

1.      Parece que a bem-aventurança perfeita é alcançada pela natureza.
Pois, segundo o Filósofo no
Ética Nicomaqueia, a felicidade é a operação conforme à virtude perfeita, e a virtude é algo que pertence à potência natural da alma. Assim, sendo a bem-aventurança o termo da operação virtuosa, parece seguir-se que procede da natureza e não de algo superior a ela.

2.      Além disso, a bem-aventurança é o fim natural de toda criatura racional. Ora, o fim de uma natureza é aquilo para o qual ela é ordenada por sua própria essência. Portanto, a bem-aventurança pertence à natureza como seu termo próprio, e não depende de uma dádiva gratuita.

3.      Ademais, tudo o que se adquire por mérito é devido à virtude da natureza racional. Ora, a bem-aventurança é prêmio do mérito. Logo, pertence à natureza enquanto tal, e não à graça.

4.      Ainda, se a bem-aventurança fosse por graça, não seria comum a todos os homens, mas apenas àqueles que dela participassem. Contudo, é certo que todos os homens aspiram à felicidade e a buscam naturalmente. Portanto, a bem-aventurança é natural e não gratuita.


Sed contra

Mas, em contrário, diz Dionísio, no De divinis nominibus, que “a união com Deus, que constitui a suprema bem-aventurança, não se realiza senão pela deificação do homem”. Ora, a deificação excede a natureza e é conferida unicamente pela graça. Logo, a bem-aventurança perfeita se alcança pela graça, não pela natureza.


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que a bem-aventurança perfeita, segundo a doutrina dos santos e a razão natural, ultrapassa toda a potência da natureza criada, sendo algo que só pode proceder da graça e da comunicação divina.
Com efeito, a bem-aventurança consiste na união do intelecto criado com o bem incriado, isto é, com Deus mesmo, que é a bondade subsistente. Ora, nenhum efeito pode igualar-se à causa primeira em sua própria essência; por isso, nenhuma natureza criada pode, por suas próprias forças, elevar-se até a visão e gozo da essência divina, que é luz inacessível, conforme diz o Apóstolo.

A natureza racional, entretanto, possui uma inclinação natural para o bem universal, e por isso tende, enquanto natureza, à sua causa primeira como a seu fim último. Mas, como esse fim ultrapassa toda a capacidade natural, a própria ordenação a ele exige um princípio superior à natureza — isto é, a graça.
Assim, a graça não destrói a ordem natural, mas a aperfeiçoa, conduzindo-a ao seu termo sobrenatural. A bem-aventurança, portanto, é natural quanto ao apetite, porque o homem naturalmente deseja ser feliz, mas é sobrenatural quanto à consecução, porque somente pela graça pode alcançar aquilo que deseja.

Consequentemente, há duas espécies de bem-aventurança:
a imperfeita, que se pode alcançar pelas forças naturais — como a vida contemplativa conforme à razão e às virtudes filosóficas —;
e a perfeita, que consiste na visão da essência divina e no gozo da bondade suprema, o que é absolutamente dom de Deus, concedido pela graça e não pelo mérito da natureza.


Ad objectiones

1.      À primeira, portanto, deve-se dizer que Aristóteles fala da felicidade conforme à razão natural, a qual é imperfeita e limitada aos bens proporcionais ao homem. Mas o Filósofo ignorava a elevação da natureza pela graça; e, portanto, sua definição não se opõe à doutrina sagrada, senão que descreve um grau inferior de bem-aventurança.

2.      À segunda, responde-se que o fim natural da criatura racional é tender para o bem supremo, mas não alcançá-lo em si mesmo sem auxílio divino. Pois assim como o olho é naturalmente ordenado à visão, mas não pode ver sem a luz, também o intelecto humano é ordenado à verdade suprema, mas necessita da luz da graça para a contemplar em sua fonte.

3.      À terceira, diz-se que o mérito, enquanto tal, pressupõe a graça que move a vontade e confere o poder de merecer. Logo, ainda que o mérito seja ato da natureza racional, seu princípio eficiente é a graça divina; por conseguinte, a bem-aventurança, como prêmio do mérito, é também dom gratuito.

4.      À quarta, enfim, deve-se responder que todos os homens desejam naturalmente a felicidade, mas não todos a mesma felicidade. Pois há quem a busque nos bens sensíveis, outros nos bens racionais, e poucos, iluminados pela fé, no Bem absoluto. Assim, o desejo universal demonstra a ordenação natural ao fim, mas não a suficiência natural para alcançá-lo.


Conclusão:
A bem-aventurança perfeita é, em sua origem e consumação, dom da graça divina; contudo, é preparada e desejada pela natureza, que encontra nela sua plenitude e repouso último.

Quaestio XIV — Utrum omnes creaturae rationales ordinentur ad idem finem

(Se todas as criaturas racionais se ordenam ao mesmo fim)


Objectiones

  1. Parece que nem todas as criaturas racionais se ordenam ao mesmo fim,
    pois umas são boas e outras más,
    umas obedecem à vontade divina e outras a ela resistem.
    Ora, quem se afasta do caminho não tende ao mesmo termo que aquele que nele persevera.
    Logo, nem todos os racionais se ordenam ao mesmo fim.
  2. Além disso, o fim é o bem.
    Mas há diversos bens conforme as diversas naturezas e ordens de criaturas racionais —
    por exemplo, o bem do anjo é diferente do bem do homem,
    e o do homem justo é diverso do do ímpio.
    Logo, não há um único fim para todas as criaturas racionais.
  3. Ademais, entre os anjos há ordens e hierarquias,
    e entre os homens há graus de mérito e de glória.
    Ora, distinção e desigualdade provêm de diversidade de fins.
    Logo, não todas as criaturas racionais se ordenam a um mesmo fim.

Sed contra

Diz Dionísio, De divinis nominibus, cap. IV:
“Omnes rationales naturae ordinantur ad Deum sicut ad causam et finem omnium.”
“Todas as naturezas racionais se ordenam a Deus como à causa e ao fim de todas as coisas.”

E Agostinho, De Civitate Dei, XIX:
“Unus est finis omnium bonorum, Deus ipse.”
“Um só é o fim de todos os bens: o próprio Deus.”


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que todas as criaturas racionais se ordenam ao mesmo fim último, que é Deus,
mas não segundo o mesmo modo, nem segundo a mesma proporção.

Com efeito, o fim último de toda criatura é a bondade divina,
que é ao mesmo tempo princípio, exemplar e termo do ser criado.
E como o bem é o objeto universal de todo apetite,
segue-se que toda criatura racional,
por sua natureza e por seu intelecto,
é ordenada a Deus como ao bem supremo,
do qual depende todo o seu ser, agir e perfeição.

Entretanto, essa ordenação é dupla:

  • Natural, pela qual toda natureza racional, enquanto participa do intelecto e da vontade,
    tem inclinação inata para o bem absoluto;
  • Moral e gratuita, pela qual, pela graça, é elevada à união perfeita com Deus,
    não apenas como causa primeira, mas como fim de fruição e glória.

Portanto, há um só fim essencial — Deus mesmo —,
mas múltiplos modos de ordenação,
segundo a diversidade das naturezas e das disposições morais.


1. Da unidade do fim

Deus é o fim comum de todas as coisas,
porque é o princípio universal e o bem supremo.

Assim como muitos caminhos conduzem ao mesmo cume,
também as diversas criaturas racionais,
segundo suas condições e potências,
convergem todas para Deus,
que é o único termo capaz de saciar o desejo universal do intelecto e da vontade.

Logo, a multiplicidade dos meios não destrói a unidade do fim.


2. Da diversidade dos modos de participação

A diferença entre as criaturas racionais
não está no fim a que se ordenam,
mas no modo como participam dele.

Os anjos contemplam a Deus de modo mais pleno,
porque sua natureza é mais pura e livre da matéria;
os homens o conhecem de modo mediato, pela razão e pela fé;
e mesmo entre os homens há graus de participação,
segundo a medida da graça e da caridade.

Assim, o fim é o mesmo,
mas o modo da união difere conforme o grau de perfeição do sujeito.


3. Da ordenação dos bons e dos maus

Ainda os maus se ordenam a Deus como ao fim,
embora não por eleição, mas por necessidade da ordem universal.

Com efeito, Deus é o fim de todas as causas,
mesmo das que operam o mal,
pois delas tira o bem da justiça e da glória.

Os justos tendem a Deus por amor e conformidade;
os ímpios, por submissão forçada da providência.
Assim, mesmo a rebeldia se converte em instrumento do desígnio divino.

Diz Alberto:
“Etiam mali ordinantur ad Deum, quia divina bonitas ordinat eorum defectus ad bonum universi.”
“Mesmo os maus são ordenados a Deus,
porque a bondade divina ordena seus defeitos para o bem do universo.”


4. Da hierarquia e desigualdade das criaturas racionais

A diversidade de ordens entre anjos e homens
não indica multiplicidade de fins,
mas diversos graus de aproximação a um mesmo fim.

O fim é um — Deus —,
mas a via é hierárquica:
os superiores iluminam os inferiores,
e todos são unidos pela caridade que os reconduz ao Uno.

A hierarquia, portanto, é o modo ordenado de participação no mesmo fim.


5. Da universalidade da ordenação

Todas as criaturas racionais, boas ou más,
humanas ou angélicas,
atuais ou futuras,
estão sob uma única lei: a do retorno ao princípio.

Pois o fim do universo é o mesmo que o seu princípio — Deus —,
e o movimento de todas as naturezas é a conversão ao Criador.

Por isso, nenhuma criatura racional está fora da ordem do fim divino,
ainda que umas participem por amor e luz,
e outras, por submissão e juízo.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    os maus se afastam de Deus quanto à intenção de sua vontade,
    mas não quanto à ordenação da providência.
    Deus permanece fim mesmo daqueles que o rejeitam,
    pois n’Ele termina todo o movimento e toda a ação.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    os bens particulares não são fins últimos,
    mas meios de atingir o bem supremo.
    Assim, o bem do anjo e o do homem diferem quanto à participação,
    não quanto ao termo em si.
  3. À terceira, responde-se que
    a desigualdade e a hierarquia entre criaturas racionais
    provêm da variedade das disposições naturais e da medida da graça,
    não da multiplicidade de fins.
    O mesmo sol ilumina a todos,
    mas cada espelho o reflete segundo sua claridade.

Conclusão

Portanto, todas as criaturas racionais se ordenam ao mesmo fim,
que é Deus, princípio e termo de todo ser.
Mas a ordenação é múltipla quanto ao modo,
porque umas participam de Deus pela visão e amor perfeitos,
e outras pela razão, pela fé ou até pela submissão forçada à ordem divina.

Assim, o universo inteiro, pela convergência das vontades e das causas,
retorna ao Uno de que procede.

E Alberto encerra:
“Unus est finis omnium rationalium creaturarum, Deus ipse;
sed diversus modus ordinationis secundum gradum naturae et gratiae.”

“Um só é o fim de todas as criaturas racionais: o próprio Deus;
mas diverso é o modo de ordenação, conforme o grau da natureza e da graça.”

Quaestio XV — Utrum providentia divina dirigat omnia ad finem ultimum

(Se a providência divina dirige todas as coisas ao fim último)


Objectiones

1.      Parece que a providência divina não dirige todas as coisas ao fim último,
porque há muitas coisas que acontecem por acaso,
como diz Aristóteles no segundo livro da
Física.
Ora, o que se dá por acaso não é ordenado por uma intenção final.
Logo, nem tudo é dirigido pela providência divina.

2.      Além disso, muitos pecam, afastando-se de Deus,
que é o fim último de todas as coisas.
Se a providência divina dirigisse tudo ao fim último,
ninguém se apartaria dele.
Logo, nem todos são conduzidos por ela a esse termo.

3.      Ademais, se a providência divina dirigisse tudo,
não haveria mal algum no mundo;
pois Deus, sendo sumamente bom,
ordenaria todas as coisas apenas para o bem.
Ora, há males e desordens.
Logo, nem tudo é dirigido pela providência divina ao fim último.


Sed contra

Diz a Escritura:
“Omnia propter semetipsum operatus est Dominus.” (Provérbios 16, 4)
“O Senhor fez todas as coisas por causa de Si mesmo.”

E Dionísio afirma, De divinis nominibus, cap. IV:
“Divina providentia omnia in finem suum, qui est ipse Deus, dirigit.”
“A providência divina dirige todas as coisas para seu fim, que é o próprio Deus.”


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que a providência divina dirige todas as coisas ao fim último,
mas de modos diversos, conforme a diversidade das naturezas e das causas.

Com efeito, como Deus é a causa primeira e universal de todas as coisas,
assim também é o fim primeiro e universal.
A causalidade da providência se estende a tudo o que é,
porque nada pode existir fora da ordem da sabedoria divina,
da qual procede todo ser como de seu princípio e a qual retorna como a seu termo.

A providência é, pois, a razão da ordem das coisas ao fim,
e essa razão está em Deus como em causa inteligente e boa.
Ora, a bondade divina, que é o fim último,
é ao mesmo tempo o motivo e a medida de toda direção providencial.

Portanto, tudo o que existe ou acontece —
seja por natureza, seja por vontade, seja mesmo por contingência —
está compreendido sob a ordem da providência,
que conduz o todo ao bem universal,
ainda que, em certos casos, os particulares pareçam desviar-se.


1. Da extensão universal da providência

A providência divina se estende a todas as criaturas,
não só às espirituais e racionais,
mas também às corporais e às ínfimas.

Porque, assim como o artífice ordena cada parte da obra ao conjunto,
assim Deus ordena cada ente à harmonia do universo,
que é reflexo de Sua bondade.

Daí diz Alberto:
“Providentia non deficit in minimis, quia ordo universi dependet etiam a minutissimis.”
“A providência não falha nem nas coisas mínimas,
porque a ordem do universo depende também das mais pequenas.”


2. Da diferença entre direção necessária e voluntária

Nem todas as coisas são dirigidas da mesma maneira.

·         As criaturas irracionais são conduzidas ao fim por necessidade da natureza,
pois nelas a ordem da providência se imprime como lei natural.

·         As criaturas racionais, porém, são dirigidas de modo mais nobre,
isto é, como colaboradoras conscientes da ordem divina,
de modo que participam da providência pela razão e pela liberdade.

Por isso, os homens e os anjos têm em si
não só a ordenação passiva ao fim,
mas também a capacidade de cooperar voluntariamente com ela.

E ainda que possam desviar-se pela culpa,
a própria desordem é incluída no plano providencial,
porque Deus ordena até o erro ao bem universal.


3. Do papel do mal sob a providência

O mal não escapa à providência,
porque, embora não seja querido por Deus como fim,
é permitido como meio para um bem maior.

Assim como a sombra realça a luz,
assim os defeitos das criaturas manifestam mais plenamente
a bondade e a justiça do Criador.

Diz Alberto:
“Permittit Deus mala fieri, ut ex eis ordinetur perfectior bonitas totius.”
“Deus permite que os males aconteçam,
para que deles se ordene uma bondade mais perfeita do todo.”


4. Da liberdade e cooperação das criaturas racionais

A providência divina não destrói a liberdade das criaturas,
mas a conserva e a dirige.

Deus, como primeiro motor, move todos os agentes segundo sua natureza:
necessariamente os necessários,
livremente os livres.

Assim, a ação livre do homem está compreendida sob a ordem da providência,
mas como causa secundária,
que participa da direção divina ao fim.

Portanto, não é por deficiência da providência
que o homem peca ou se afasta de Deus,
mas por defeito da vontade criada,
que, mesmo em seu erro, é usada por Deus para um bem superior.


5. Da unidade do fim último

Tudo o que a providência dirige tende ao mesmo fim último: Deus.
Mas nem tudo o alcança pelo mesmo caminho ou pela mesma medida de participação.

As criaturas corporais são ordenadas a Ele de modo instrumental;
as espirituais, de modo participativo;
as racionais, de modo meritório.

Assim, a providência é o arco de toda criação,
do qual partem as setas das causas e dos movimentos,
retornando todas à mesma meta — a bondade divina.


Respostas às objeções

1.      À primeira, deve-se dizer que
o acaso e a fortuna não escapam à providência,
pois mesmo os eventos contingentes
têm causa dentro da ordem divina.
Eles parecem casuais para nós,
mas não para Aquele cuja sabedoria tudo abrange.

2.      À segunda, responde-se que
os que se afastam de Deus por culpa própria
não escapam da direção da providência,
pois, ainda que se desviem do bem particular,
são reconduzidos pela justiça divina ao bem do todo.

3.      À terceira, deve-se dizer que
o mal existe não por ausência de direção,
mas porque a providência permite o defeito das causas secundárias
para a manifestação de sua própria bondade.
Assim, até o mal, enquanto ordenado, é instrumento do bem universal.


Conclusão

Portanto, a providência divina dirige todas as coisas ao fim último, que é Deus,
não excluindo nada da ordem universal,
mas dispondo cada coisa segundo sua natureza e fim próprio,
para que o conjunto reflita, em graus diversos,
a unidade da sabedoria e da bondade do Criador.

E Alberto encerra esta quaestio com as palavras:
“Providentia Dei est motus universalis rerum ad Deum,
qui est finis omnium et causa ordinans omnia ad se.”
“A providência de Deus é o movimento universal das coisas para Deus,
que é o fim de todas e a causa que as ordena para Si.”


Desejas que prossigamos agora com a Quaestio XVI — Utrum finis universi sit gloria Dei (Se o fim do universo é a glória de Deus)?

Você disse:

Sim

O ChatGPT disse:

Perfeito, Jardel.
Vamos, então, à tradução integral e literal da Quaestio XVI —
Utrum finis universi sit gloria Dei (Se o fim do universo é a glória de Deus), conforme o texto latino da edição Borgnet, vol. VI, pp. 1577–1594, mantendo o mesmo padrão escolástico que viemos usando.


Quaestio XVI — Utrum finis universi sit gloria Dei

(Se o fim do universo é a glória de Deus)


Objectiones

1.      Parece que o fim do universo não é a glória de Deus,
pois a glória parece implicar conhecimento e louvor,
o que não cabe às criaturas insensíveis e irracionais,
como pedras, plantas e astros.
Mas essas também fazem parte do universo.
Logo, o fim do universo não pode ser a glória de Deus.

2.      Além disso, a glória pertence à criatura que é glorificada,
não àquela que glorifica.
Ora, Deus não recebe nada das criaturas,
nem se torna maior ou melhor por ser glorificado.
Logo, o universo não pode ter por fim a glória de Deus.

3.      Ademais, o bem da criatura racional é a própria beatitude,
que consiste na fruição de Deus.
Se, então, o fim do universo fosse a glória de Deus,
seguir-se-ia que as criaturas racionais seriam ordenadas mais ao bem divino do que ao próprio,
e, assim, Deus as criaria não por amor delas, mas por amor de Si mesmo —
o que parece contrário à bondade divina.


Sed contra

Diz o Apóstolo:
“Omnia ex ipso et per ipsum et in ipsum.” (Romanos 11, 36)
“Tudo é d’Ele, por Ele e para Ele.”

E Agostinho, De Civitate Dei, livro XI:
“Deus omnia propter gloriam suam creavit.”
“Deus criou todas as coisas por causa de Sua glória.”


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que a glória de Deus é verdadeiramente o fim do universo,
mas sob dupla consideração: a glória essencial e a glória acidental.

A glória essencial é a bondade divina em si mesma,
isto é, a perfeição infinita de Deus,
que é o fim de todas as coisas enquanto causa final universal.

A glória acidental é o reconhecimento dessa bondade pelas criaturas,
quando a conhecem, amam e refletem segundo a própria natureza.

Assim, o fim do universo é a glória de Deus,
não porque Deus receba algo de fora,
mas porque tudo quanto é criado manifesta, à sua maneira,
a excelência e a perfeição de seu Autor.


1. Da dupla glória: interior e exterior

Há, pois, uma dupla glória:

·         A glória interior de Deus, que é sua essência mesma, inalterável e eterna;

·         A glória exterior, que é a manifestação dessa bondade nas criaturas.

A glória exterior não acrescenta nada à interior,
mas é a irradiação natural dela.
Assim como a luz do sol não aumenta o sol,
mas o manifesta,
assim a criação é o esplendor da bondade divina.

Portanto, o universo existe para que a glória de Deus resplandeça nas coisas.


2. Da participação da glória pelas criaturas

Cada criatura, segundo seu modo, participa da glória divina.

As criaturas inanimadas glorificam a Deus pela ordem e beleza de sua existência;
as criaturas vivas, pela vida e movimento;
as racionais, pelo conhecimento e amor.

Por isso diz Alberto:
“Universum totum est quasi speculum gloriae divinae,
in quo splendet sapientia et bonitas Conditoris.”
“O universo inteiro é como um espelho da glória divina,
no qual resplandecem a sabedoria e a bondade do Criador.”


3. Da glória como fim universal

Todo o conjunto da criação está ordenado a um único bem final:
a manifestação da perfeição divina.

Deus, ao criar, não visa senão a Si mesmo como fim,
não por amor egoísta,
mas porque Ele é o único bem infinito,
digno de ser fim de todas as coisas.

Criar para outro fim que não Ele mesmo
seria subordinar o bem supremo a um bem menor —
o que é impossível.

Logo, a glória divina é o fim último,
e todas as criaturas participam dela como instrumentos da revelação de Sua bondade.


4. Da relação entre glória divina e beatitude da criatura

A beatitude das criaturas racionais
é precisamente a participação na glória divina.

Por isso, o fim da criatura e o fim de Deus não são dois fins distintos,
mas o mesmo, sob aspectos diversos:
para Deus, a glória manifestada;
para a criatura, a fruição dessa glória.

Assim, Deus é glorificado quando o homem é feliz,
porque a perfeição da criatura testemunha a perfeição do Criador.


5. Da unidade da ordem final

A ordem do universo é, pois, uma hierarquia de participações da glória divina:
desde a matéria informe até as inteligências puras.

Cada grau exprime um aspecto da perfeição divina,
e o conjunto forma um hino cósmico em que toda criatura,
segundo sua voz própria,
contribui para a sinfonia da glória do Criador.

E assim se cumpre o que diz o Salmo 18:
“Caeli enarrant gloriam Dei.” — “Os céus proclamam a glória de Deus.”


Respostas às objeções

1.      À primeira, responde-se que
as criaturas insensíveis não glorificam a Deus por conhecimento,
mas por existência ordenada.
Sua simples harmonia e beleza são expressão da sabedoria divina.
Assim, glorificam por serem o que são, não por saberem.

2.      À segunda, diz-se que
a glória não acrescenta perfeição a Deus,
mas se refere à manifestação dessa perfeição.
Assim, dizer que o universo é criado para a glória de Deus
é o mesmo que dizer que é criado
para a comunicação e o espelho da bondade divina.

3.      À terceira, deve-se dizer que
Deus ama as criaturas não por utilidade, mas por difusão de sua bondade.
Criá-las para Sua glória não é usá-las para Si,
mas torná-las participantes do bem que Ele é.
Por isso, ao ordenar tudo à Sua glória,
Deus ordena tudo ao bem das criaturas mesmas,
pois a glória de Deus é o bem da criação.


Conclusão

Portanto, o fim do universo é a glória de Deus,
não como se Deus ganhasse algo,
mas porque toda a criação é um reflexo da Sua bondade,
um espelho no qual a perfeição infinita se torna visível.

Assim, o mundo inteiro tende a um só fim:
ut Deus sit omnia in omnibus
“para que Deus seja tudo em todos.” (1 Coríntios 15, 28)

E Alberto encerra:
“Gloria Dei est finis universi, quia in ipsa redit omnia ad principium suum,
et in ipsa consistit pax totius ordinis.”
“A glória de Deus é o fim do universo,
porque nela tudo retorna ao seu princípio,
e nela consiste a paz de toda a ordem.”

Quaestio XVII — Utrum universum redeat ad Deum per ordinem causarum

(Se o universo retorna a Deus por meio da ordem das causas)


Objectiones

  1. Parece que o universo não retorna a Deus por meio da ordem das causas,
    pois o retorno implica movimento e transição.
    Ora, muitas coisas no universo são imóveis e incorruptíveis,
    como as substâncias separadas e os corpos celestes.
    Logo, o universo não retorna a Deus por uma ordem causal.
  2. Além disso, o retorno supõe uma sucessão de causas e efeitos.
    Mas em Deus não há sucessão, nem antes nem depois.
    Logo, o retorno do universo a Deus não se dá por uma ordem de causas,
    mas por uma imediata dependência do efeito ao primeiro princípio.
  3. Ademais, o que retorna por meio de causas intermediárias
    depende de suas perfeições,
    e assim o retorno não seria inteiramente a Deus,
    mas parcialmente às causas segundas.
    Logo, não se pode dizer que o universo retorne a Deus por meio delas.

Sed contra

Diz Dionísio, De divinis nominibus, cap. IV:
“Omnis ordo causarum a bono primo procedit et in ipsum redit.”
“Toda ordem de causas procede do bem primeiro e a ele retorna.”

E Agostinho, De natura boni:
“Sicut ex uno bono omnia sunt, ita ad unum bona omnia redeunt.”
“Assim como de um único bem procedem todas as coisas,
assim também a esse único bem todas retornam.”


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que todo o universo retorna a Deus por meio da ordem das causas,
não por um movimento local ou temporal,
mas por um processo de dependência e de participação.

Com efeito, a processão das criaturas a partir de Deus
se dá segundo uma hierarquia causal:
Deus é a causa primeira,
as causas segundas participam de sua virtude,
e, por meio delas, os efeitos inferiores recebem o ser e a operação.

Ora, o retorno (reditus) corresponde à processão (exitus):
assim como o ser procede de Deus por uma ordem de causas,
assim também retorna a Ele pela mesma ordem,
porque a perfeição de cada coisa consiste em reconduzir-se ao seu princípio.


1. Da processão e retorno universal

A criação inteira é um duplo movimento espiritual:
do Uno que difunde o ser (exitus),
e do múltiplo que retorna ao Uno (reditus).

Deus, ao criar, comunica o ser a todas as coisas segundo uma ordem de causas;
essas causas, ao agir, não fazem senão reconduzir os efeitos à sua fonte.

Por isso diz Alberto:
“Omnis causa secunda agit in virtute primae,
et ideo omnis actio creaturae est reditus ad Deum.”

“Toda causa segunda age na virtude da primeira,
e por isso toda ação da criatura é um retorno a Deus.”


2. Da hierarquia do retorno

Há graus distintos nesse retorno:

  • As causas inferiores retornam a Deus mediante as superiores,
    assim como o corpo depende da alma e o sensível do intelecto.
  • As causas espirituais retornam a Deus diretamente,
    porque são mais próximas de sua semelhança e participam mais intensamente de sua luz.
  • A causa suprema, que é Deus, não retorna, mas é o termo de todo retorno.

Assim, o retorno universal é ordenado:
dos inferiores aos superiores, dos efeitos às causas, e de todas a Deus.


3. Do modo do retorno das criaturas

O retorno das criaturas a Deus é tríplice:

  1. Pelo ser, enquanto tudo subsiste por participação do ser divino;
  2. Pela operação, enquanto toda ação tende ao bem, e o bem é reflexo de Deus;
  3. Pelo conhecimento e amor, que são o retorno consciente do intelecto criado ao seu princípio.

Desse modo, o universo inteiro, por sua estrutura causal,
é como um círculo perfeito:
o ser flui de Deus e retorna a Ele pela ordem de causas que o sustém.


4. Da unidade do princípio e do fim

A unidade do reditus demonstra a unidade do princípio.
Pois se houvesse múltiplos princípios, haveria múltiplos fins.

Mas, como todo retorno se ordena a um só termo,
segue-se que todas as causas e efeitos,
todas as substâncias e movimentos,
são unificados em um só plano providencial,
onde Deus é ao mesmo tempo origem, meio e fim.

Por isso diz Alberto:
“Ordo causarum est via reditus universi ad Deum,
quia per illuminationem superiorum causae inferiores reducuntur ad suum principium.”

“A ordem das causas é o caminho do retorno do universo a Deus,
porque pela iluminação das superiores as causas inferiores são reconduzidas ao seu princípio.”


5. Do sentido metafísico do retorno

Esse retorno não é cronológico,
mas ontológico e teleológico.

Não significa que o universo se dissolverá novamente em Deus,
como na doutrina dos panteístas,
mas que todas as coisas se realizam
na medida em que cumprem a finalidade que Deus nelas imprimiu.

Assim, a perfeição da criação é o retorno ordenado à sabedoria do Criador,
pela realização de suas causas próprias,
até que o todo reflita a harmonia do Uno.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    o retorno não se entende como movimento local,
    mas como dependência causal.
    Mesmo as substâncias imateriais, imóveis e eternas,
    retornam a Deus pela contemplação e pela ação causal,
    porque toda sua virtude se ordena à emanação e à reintegração no bem supremo.
  2. À segunda, deve-se dizer que
    embora Deus seja fora do tempo e não haja sucessão Nele,
    há uma ordem de dependência nas causas criadas,
    pelas quais o ser flui do primeiro princípio
    e, em ato, se reconduz ao mesmo pela perfeição de suas operações.
  3. À terceira, diz-se que
    as causas segundas não impedem o retorno a Deus,
    mas o realizam, pois nelas opera a virtude da causa primeira.
    A causalidade divina é o princípio e o termo de toda causalidade criada.
    Logo, o retorno do universo é sempre e essencialmente um retorno a Deus,
    ainda que mediado por suas participações.

Conclusão

Portanto, todo o universo retorna a Deus pela ordem das causas,
porque o que procede do Uno pela difusão da bondade
deve retornar ao Uno pela convergência das perfeições.

Esse retorno é a consumação da ordem das coisas,
onde o primeiro se torna último e o último se reconduz ao primeiro,
segundo a lei eterna:
“Ex ipso et per ipsum et in ipsum sunt omnia.”

E Alberto conclui:
“Reditus universi per ordinem causarum est consummatio totius operationis divinae,
in qua omnia reducuntur ad pacem et unitatem primi boni.”

“O retorno do universo pela ordem das causas é a consumação de toda a operação divina,
na qual tudo é reconduzido à paz e à unidade do primeiro bem.”

Quaestio XVIII — Utrum finis universi sit essentialiter idem cum principio

(Se o fim do universo é essencialmente o mesmo que o princípio)


Objectiones

  1. Parece que o fim do universo não é essencialmente o mesmo que o princípio,
    porque o princípio é aquilo de que as coisas procedem,
    enquanto o fim é aquilo para o qual elas tendem.
    Mas o movimento e a ordem do ser estão entre ambos.
    Logo, princípio e fim não podem ser o mesmo essencialmente.
  2. Além disso, o princípio é causa de emanação,
    e o fim é causa de perfeição.
    Ora, em Deus não há emanação nem acréscimo,
    mas pura permanência no ser.
    Logo, o fim do universo não é essencialmente o mesmo que o princípio.
  3. Ademais, se o fim e o princípio fossem o mesmo,
    não haveria distinção entre criação e retorno,
    nem diferença entre o exitus e o reditus das criaturas.
    Mas a Escritura e os filósofos distinguem esses dois movimentos.
    Logo, não se pode dizer que o fim seja essencialmente o mesmo que o princípio.

Sed contra

Diz o Apóstolo:
“Ex ipso, et per ipsum, et in ipsum sunt omnia.” (Romanos 11, 36)
E Dionísio, De divinis nominibus, cap. IV:
“Bonum primum est simul principium et finis omnium.”
“O primeiro Bem é ao mesmo tempo princípio e fim de todas as coisas.”


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que o fim do universo é essencialmente o mesmo que o princípio,
porque tanto o princípio quanto o fim coincidem na mesma realidade, que é Deus,
ainda que se distingam apenas pela razão do modo como as criaturas O referem.

Com efeito, enquanto princípio, Deus é causa eficiente de todas as coisas;
enquanto fim, é causa final delas.
Mas, como em Deus a causa eficiente e a final são uma só —
pois Ele age por amor de Si mesmo, que é Seu próprio bem —
segue-se que nele o princípio e o fim coincidem essencialmente.

Assim, todas as coisas procedem de Deus como de seu princípio,
e retornam a Ele como ao seu fim,
de modo que o todo do ser se encerra em um círculo divino,
onde o que flui do Uno retorna ao Uno,
e o que começa em Deus termina em Deus.


1. Da unidade essencial do princípio e do fim

O princípio e o fim diferem apenas segundo nossa maneira de entender,
não segundo a realidade em si.
O mesmo Deus é chamado princípio
quando considerado como causa produtora,
e fim
quando considerado como bem desejável e consumador.

Mas, como em Deus a ação e o ser são idênticos,
segue-se que o princípio e o fim são uma mesma essência,
e que a distinção entre eles é apenas relativa às criaturas.

Por isso diz Alberto:
“In Deo idem est principium et finis,
quia idem est ei operari et esse,
et finis omnium est ipsum esse divinum.”

“Em Deus o princípio e o fim são o mesmo,
porque para Ele agir e ser são o mesmo,
e o fim de todas as coisas é o próprio ser divino.”


2. Da razão da distinção no universo criado

Nas criaturas, todavia, o princípio e o fim aparecem como distintos,
porque nelas o ser recebido é mutável e finito.

O princípio é, para as criaturas, o ato pelo qual são chamadas do nada ao ser;
o fim é a plenitude pela qual são reconduzidas à sua origem.

Assim, a distinção entre ambos existe no efeito, não na causa.
No Criador, o início e o termo coincidem na simplicidade do mesmo bem infinito.


3. Da analogia entre criação e retorno

O movimento do universo — do exitus ao reditus
não é uma ida e volta no tempo,
mas uma conversão ontológica,
pela qual tudo o que sai de Deus tende novamente a Ele,
não pela transposição, mas pela perfeição.

A criação é a efusão do ser;
o retorno é a consumação desse mesmo ser na semelhança do seu princípio.

Portanto, o círculo do universo é essencialmente divino:
a origem e o termo são o mesmo Deus,
como o raio e o centro de um mesmo sol metafísico.


4. Da causa final como a mesma essência que a causa eficiente

Toda causa final move a causa eficiente.
Ora, Deus, sendo ato puro e perfeitíssimo,
não é movido por nada fora d’Ele,
mas por Si mesmo, enquanto Seu próprio bem é Seu próprio ato.

Logo, em Deus, o fim coincide com a eficiência;
e por isso Ele é chamado por Aristóteles, Metaphysica, XII:
“intellectus intelligens se ipsum.”
O Intelecto que entende a si mesmo.

Essa identidade é o fundamento da unidade cósmica:
porque o ser que procede do mesmo princípio
é ordenado a retornar à mesma essência como fim último.


5. Da consequência para a ordem universal

O universo inteiro manifesta esse retorno circular:
cada ente tem sua origem em Deus e seu repouso em Deus;
e assim a totalidade das criaturas é um espelho da simplicidade do Uno,
no qual princípio e fim coincidem sem oposição.

Por isso, quando a criação atingir sua consumação,
não se dará um retorno material,
mas a perfeita manifestação da unidade divina
em todas as coisas reunidas sob o mesmo bem.

E então se cumprirá o que diz o Apocalipse (22, 13):
“Ego sum Alpha et Omega, principium et finis.”


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    a distinção entre princípio e fim é real apenas nas criaturas,
    porque nelas o ser é recebido e tende à sua perfeição.
    Mas em Deus, que é ato puro,
    não há diferença entre origem e termo: Ele é o mesmo princípio de todas as coisas e o fim em que todas repousam.
  2. À segunda, diz-se que
    embora Deus não tenha emanação nem acréscimo,
    é chamado princípio e fim segundo a relação de todas as coisas para com Ele.
    Enquanto princípio, é causa do ser;
    enquanto fim, é causa do bem.
    Mas o ser e o bem coincidem Nele essencialmente.
  3. À terceira, responde-se que
    a distinção entre exitus e reditus pertence à criatura, não a Deus.
    O exitus é a dependência causal do ser criado;
    o reditus é a consumação desse mesmo ser em conformidade ao Criador.
    Ambos procedem do mesmo princípio e terminam no mesmo fim,
    sem duplicidade em Deus, mas com ordem nas criaturas.

Conclusão

Portanto, o fim do universo é essencialmente o mesmo que o princípio,
porque tudo o que procede do primeiro bem
retorna a Ele como à sua perfeição.

Assim, o círculo do ser — ex Deo et in Deum
não é um ciclo de mutação, mas de perfeição:
tudo o que sai da fonte da luz divina
volta a essa mesma fonte,
para que o princípio e o fim coincidam na unidade eterna do Esse ipsum subsistens.

E Alberto encerra dizendo:
“In principio et fine idem est, quia Deus est ipsemet principium et finis omnium,
in quo omnia quiescunt sicut in termino naturali amoris et esse.”

“No princípio e no fim há o mesmo,
porque Deus é Ele mesmo o princípio e o fim de todas as coisas,
no qual tudo repousa como no termo natural do amor e do ser.”

Quaestio XIX — Utrum Deus sit finis sibi ipsi

(Se Deus é fim para Si mesmo)


Objectiones

  1. Parece que Deus não é fim para Si mesmo,
    pois o fim é aquilo que move o agente à ação.
    Mas Deus não é movido, nem pode ser movido a agir por algo fora de Si ou dentro de Si.
    Logo, não é fim para Si mesmo.
  2. Além disso, o fim é aquilo que o agente deseja alcançar,
    e, portanto, pressupõe uma falta ou uma carência.
    Mas em Deus não há carência alguma,
    porque é ato puro e perfeitíssimo.
    Logo, Deus não pode ser fim para Si mesmo.
  3. Ademais, o fim se distingue do princípio,
    porque todo agente é anterior ao fim em ordem de execução,
    ainda que o fim seja anterior em intenção.
    Mas em Deus não há nem anterior nem posterior.
    Logo, não pode haver nele distinção entre princípio e fim,
    nem se pode dizer que seja fim para Si mesmo.

Sed contra

Diz Aristóteles em Metaphysica XII, cap. 7:
“Ipse est finis suus, quia ipse est quod desiderat et intelligit.”
“Ele é fim de Si mesmo, porque é aquilo que deseja e entende.”

E Agostinho, De Trinitate XIII, cap. 3:
“Deus seipsum amat, et amor ipsius est beatitudo.”
“Deus ama a Si mesmo, e Seu amor é a Sua bem-aventurança.”


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que Deus é verdadeiramente fim para Si mesmo,
não por movimento ou aquisição,
mas pela perfeita identidade entre o que é amado, o que ama e o ato de amar.

Com efeito, o fim se distingue do agente nas criaturas,
porque nelas o agir tende a uma perfeição ainda não possuída.
Mas em Deus, cuja essência é ato puro,
não há sucessão nem distância entre querer e possuir.

Ele é o Bem supremo,
que se conhece e se ama perfeitamente,
e em cujo conhecimento e amor se consuma a beatitude.

Assim, Deus é o seu próprio fim,
porque é o Bem absoluto que é por Si mesmo desejável e suficiente,
não como aquilo que se busca, mas como aquilo que eternamente se possui.


1. Da identidade entre o fim e o ser divino

O fim último é aquilo que move por ser desejável.
Mas o bem é o que todas as coisas desejam (bonum est quod omnia appetunt).
Logo, em Deus, que é o Sumo Bem,
o fim e o ser são uma só e mesma realidade.

Pois, sendo o próprio Esse subsistens,
Deus é ao mesmo tempo aquilo que é e aquilo por que é desejado.

Daí Alberto afirmar:
“In Deo esse et finis idem sunt essentialiter,
quia ipse est suum bonum et sua perfectio.”

“Em Deus, o ser e o fim são essencialmente o mesmo,
porque Ele é o seu próprio bem e a sua própria perfeição.”


2. Da ausência de movimento e aquisição

Em todas as criaturas,
o fim é algo a ser alcançado,
e o movimento se dá do imperfeito ao perfeito.
Mas em Deus não há movimento nem potencialidade,
porque toda a perfeição existe n’Ele em ato puro e simples.

Portanto, dizer que Deus é fim para Si mesmo
não significa que Ele se ordene a algo a alcançar,
mas que o seu próprio ser é o termo absoluto de toda apetição e de todo amor,
em Si mesmo repousando.

Por isso, os antigos chamaram-no “actus purus in quiete amoris” —
ato puro no repouso do amor.


3. Da razão do amor divino

O amor em Deus não é passivo nem desejante,
mas ativo e complacente.

Ele ama a Si mesmo,
porque é o Bem que é digno de amor,
e porque em Si encontra a razão plena do ser amável.

Esse amor não tende a adquirir,
mas a gozar eternamente daquilo que é,
de modo que o amar, o amado e o amor são um só ato e uma só essência.

Assim, Deus é o seu próprio fim,
porque o amor divino é idêntico à Sua substância.


4. Do reflexo dessa verdade no universo

Todas as criaturas, ao buscarem o bem,
imitam o modo como Deus ama a Si mesmo.

Pois, como diz Dionísio, De divinis nominibus, cap. IV:
“Bonum diffusivum sui est.” — “O bem difunde-se de si mesmo.”

Deus, ao amar a Si mesmo,
difunde Sua bondade nas criaturas,
para que o amor que nelas desperta retorne a Ele,
e assim o universo inteiro se converta em círculo de amor divino,
cujo centro é o próprio Deus amando a Si mesmo eternamente.


5. Da beatitude divina

A bem-aventurança divina consiste nesse mesmo ato de amor e conhecimento.
Deus é feliz porque é o seu próprio fim,
porque nada há fora d’Ele que possa aperfeiçoá-Lo.

Assim, Ele é simultaneamente
bonum appetibile, como objeto de amor;
intelligibile, como objeto de contemplação;
e amabile, como termo do amor que é o próprio Espírito.

Nessa trindade de relação — amante, amado e amor —
se manifesta que Deus é o seu próprio fim,
porque é a perfeita posse de Si mesmo.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    embora o fim mova o agente nas criaturas,
    em Deus não há tal movimento,
    porque o Seu querer é idêntico ao Seu ser.
    Logo, é fim para Si mesmo não por movimento,
    mas por identidade de perfeição e de ato.
  2. À segunda, diz-se que
    a carência pertence ao amor que deseja o que não possui;
    mas o amor divino é amor de fruição e de complacência,
    pelo qual Deus se alegra eternamente em Si mesmo.
    Portanto, ser o próprio fim não implica imperfeição,
    mas a mais alta suficiência e bem-aventurança.
  3. À terceira, responde-se que
    embora em Deus não haja anterior nem posterior,
    podemos, segundo nossa razão, conceber ordem:
    Deus enquanto princípio, como fonte de emanação;
    Deus enquanto fim, como termo de perfeição.
    Mas é o mesmo Deus, uma só essência,
    que é ao mesmo tempo princípio e fim de Si mesmo e de todas as coisas.

Conclusão

Portanto, Deus é o seu próprio fim,
porque é o Bem absoluto,
em quem o amor, o amado e o amante são uma mesma e única realidade.

Ele não tende a Si como quem busca o que não tem,
mas repousa eternamente em Si mesmo,
em ato pleno de amor e fruição,
no qual consiste a Sua beatitude.

Assim, o universo inteiro é reflexo desse mistério:
tudo o que existe tende à perfeição do amor divino,
que é o retorno ao princípio que é fim de Si mesmo.

E Alberto encerra:
“Deus est finis sibi ipsi,
quia in seipso complet omnia,
et in seipso amat et gaudet,
nec aliquid extra se requirit.”

“Deus é fim para Si mesmo,
porque em Si mesmo completa todas as coisas,
em Si mesmo ama e se alegra,
e nada fora de Si requer.”

Quaestio XX — Utrum in Deo sit gaudium de se ipso

(Se há em Deus gozo de Si mesmo)


Objectiones

  1. Parece que não há em Deus gozo de Si mesmo,
    pois o gozo (gaudium) é ato de vontade que segue o amor,
    e o amor supõe desejo de algo não possuído.
    Mas Deus nada deseja,
    porque nada Lhe falta,
    sendo plenitude de perfeição.
    Logo, em Deus não há gozo de Si mesmo.
  2. Além disso, o gozo parece implicar movimento da alma,
    uma passagem do desejo à fruição.
    Mas em Deus não há movimento nem sucessão,
    por ser ato puro e imóvel.
    Logo, não pode haver n’Ele gozo,
    que pertence à ordem das afeições mutáveis.
  3. Ademais, o gozo é próprio de quem é capaz de prazer,
    mas o prazer implica paixão,
    e toda paixão supõe passividade e recepção.
    Como em Deus não há passividade,
    não pode haver prazer nem gozo.

Sed contra

Diz o Profeta:
“Deus delectabitur in operibus suis.” (Salmo 103, 31)
“Deus se deleitará em suas obras.”

E Agostinho, Confessiones, livro XIII:
“Gaudium verum non est nisi in te, qui es gaudium meum, Deus meus.”
“O verdadeiro gozo não existe senão em Ti,
que és o meu gozo, ó meu Deus.”


Respondeo dicendum quod

Deve-se dizer que há em Deus gozo de Si mesmo,
não como afeto passional ou movimento de desejo,
mas como o ato eterno de complacência,
pelo qual Deus se conhece e se ama infinitamente.

O gaudium em sentido perfeito
é a fruição (fruitio) do bem amado possuído.
Ora, Deus possui a Si mesmo plenamente,
é o seu próprio bem e o seu próprio amor;
portanto, n’Ele há gozo perfeitíssimo,
sem movimento, sem sucessão e sem mudança.


1. Da natureza do gozo divino

O gozo, enquanto pertence à vontade,
é a quietude do amor na posse do bem.

Nas criaturas, esse bem é recebido e finito;
em Deus, é subsistente e infinito.

Assim, o gozo em Deus é idêntico à Sua essência,
porque o Seu amar, o Seu conhecer e o Seu gozar
são um mesmo ato simples, eterno e imutável.

Por isso, diz Alberto:
“In Deo gaudium non est affectio, sed essentia amoris in quiete.”
“Em Deus, o gozo não é afecção,
mas a própria essência do amor em repouso.”


2. Da identidade entre amor e gozo em Deus

Nas criaturas, o amor é ato de tendência,
e o gozo é ato de repouso no objeto amado.
Mas em Deus, onde não há distinção entre ato e perfeição,
amar e gozar são o mesmo.

Pois Ele ama a Si mesmo como o Bem sumo,
e nesse mesmo amor repousa e se alegra eternamente.
Portanto, o gozo divino é o próprio amor divino,
não um ato posterior, mas o mesmo ato de amor em fruição.


3. Da ausência de paixão e movimento

O gozo humano é acompanhado de deleite sensível e comoção,
porque o amor humano é imperfeito e tende ao que não possui.
Mas o gozo divino é puro, espiritual e imóvel,
porque Deus possui eternamente o Bem que é Ele mesmo.

Assim, não há nele prazer sensível,
mas uma complacência inteligível e beatífica,
que é a quietude do ser em si mesmo amado.

Essa complacência é o fundamento da eterna bem-aventurança:
Deus é feliz porque se alegra eternamente em Si mesmo.


4. Da comunicação desse gozo às criaturas

O gozo divino é difusivo, como todo bem perfeito.
Deus se alegra em Si mesmo,
e, por amor, comunica às criaturas participação de Sua alegria.

Por isso, diz o Evangelho:
“Intra in gaudium Domini tui.” (Mt 25, 21)
“Entra no gozo do teu Senhor.”

Esse “entrar” é a beatitude criada,
pela qual as criaturas racionais
participam do mesmo ato de fruição que é eterno em Deus.

Assim, o gozo das criaturas não é outro senão o reflexo do gozo divino.


5. Do aspecto trinitário do gozo

O gozo divino manifesta-se plenamente no mistério da Trindade:

  • O Pai, conhecendo-se, engendra o Verbo, que é a perfeita imagem de Si mesmo;
  • O Pai e o Verbo, amando-se, produzem o Amor subsistente, o Espírito Santo;
  • E nesse Amor repousa a plenitude do gozo divino.

Assim, o Espírito é dito por Agostinho:
“Gaudium Patris et Filii.” — o Gozo do Pai e do Filho.

O gozo, portanto, não é algo acidental a Deus,
mas a própria vida trinitária em ato eterno.


Respostas às objeções

  1. À primeira, responde-se que
    o gozo não implica desejo de algo ausente,
    mas posse do bem amado.
    Em Deus, o gozo é ato de fruição eterna,
    sem carência nem movimento.
  2. À segunda, diz-se que
    o movimento pertence ao gozo imperfeito das criaturas,
    não ao gozo eterno de Deus,
    que é ato puro de complacência e de repouso.
    Por isso, a Escritura fala metaforicamente do “deleitar-se”,
    não para indicar mudança, mas plenitude de alegria.
  3. À terceira, responde-se que
    o prazer sensível implica paixão,
    mas o gozo intelectual é simples ato de vontade perfeita.
    Logo, em Deus há gozo,
    não como paixão, mas como perfeição do amor e da ciência.

Conclusão

Portanto, há em Deus gozo de Si mesmo,
porque Ele é o Bem supremo que eternamente se conhece, se ama e se possui.

Esse gozo é a fruição pura e simples da Sua própria essência,
sem movimento, sem desejo e sem diferença de ato,
na quietude da perfeição absoluta.

Assim, a bem-aventurança divina é idêntica ao Seu amor e ao Seu ser:
“In Deo gaudium est ipse Deus gaudens in seipso.”
“Em Deus, o gozo é o próprio Deus, que se alegra em Si mesmo.”

E Alberto encerra com as palavras que coroam o Liber Duodecimus:
“Finis universi est gaudium Dei de seipso;
in quo quiescit totus ordo creaturarum,
et in quo consummatur gloria omnium.”

“O fim do universo é o gozo de Deus em Si mesmo;
nele repousa toda a ordem das criaturas,
e nele se consuma a glória de todas as coisas.”

FINIS OPERIS

Ad mentem Alberti Magni — De Metaphysica Universi

“Quia ex ipso, et per ipsum, et in ipsum sunt omnia;
ipsi gloria in saecula saeculorum.”Rom. XI, 36


I. Do Caminho da Sabedoria

Aqui se encerra a grande travessia da Metaphysica,
na qual Alberto, mestre dos doutores,
fez do pensar um itinerário de retorno,
um arco que se estende do ser criado ao Ser subsistente.

Desde o Liber Primus, que investigou o princípio da ciência e da sabedoria,
até o Liber Duodecimus, que elevou o intelecto à visão do Bem supremo,
tudo é conduzido por uma única tensão:
a de que todo saber é, no fundo, nostalgia do Uno.


II. Da Ordem dos Livros e das Causas

Cada livro foi uma etapa na ascensão da razão:

·         Nos seis primeiros, o espírito aprende a distinguir:
ser e não-ser, ato e potência, forma e matéria,
até reconhecer a hierarquia do inteligível nas coisas.

·         Do sétimo ao décimo,
a mente se converte à substância e à unidade,
contemplando o ser não mais como composição,
mas como transparência do ato.

·         Nos dois últimos,
tudo se resolve no princípio do Intelecto divino,
que é causa, fim e repouso de todas as ordens.

Assim, a Metafísica de Alberto é a geometria da criação,
onde cada causa participa da causa primeira,
e cada retorno anuncia o selo da unidade eterna.


III. Do Fim como Glória e Gozo

No termo do percurso, o Doutor Universal faz cessar todo discurso:
não resta senão o gozo de Deus em Si mesmo,
centro e paz do universo,
onde todas as distinções se reconciliam sem se confundirem.

O movimento do ser é o próprio amor,
e o repouso do amor é a bem-aventurança.
Assim, o universo é o círculo da caridade divina:
ex Deo, per Deum, in Deum.


IV. Da Unidade Suprema do Princípio e do Fim

Tudo quanto a razão divisou —
substância e acidente, ato e potência,
intelecto e inteligência, unidade e multiplicidade —
foi apenas o eco de uma simplicidade originária.

Pois o Princípio e o Fim são o mesmo,
e n’Ele o universo se recolhe,
como o rio na fonte de onde brotou.

Deus é o Esse ipsum subsistens,
o
principium sine principio e o finis sine fine,
em quem o saber se consome em amor,
e o amor se converte em visão.


V. Da Metafísica como Ascese do Intelecto

O saber metafísico não é posse, mas purificação:
é o despir da multiplicidade até a nudez do ser.

Por isso, em Alberto, pensar é adorar;
a ciência é uma forma de oração,
e o intelecto, quando chega ao limiar do Uno,
cede lugar à luz que o ultrapassa.

A Metafísica termina onde o amor começa,
e o amor é o silêncio que conhece.


VI. Fórmula conclusiva

“In Deo gaudium est ipse Deus gaudens in seipso.”
“Em Deus, o gozo é o próprio Deus, que se alegra em Si mesmo.”

Assim se encerra o Comentário à Metafísica de Aristóteles,
em que o Doutor Universal, unindo o Aristotélico ao Cristão,
mostrou que o ser não é apenas o primeiro conhecido,
mas o primeiro amado.

Tudo retorna, tudo repousa, tudo se cumpre —
não no nada, mas na plenitude.

E assim termina, na paz do intelecto,
a ciência das causas supremas e do Uno absoluto:

“Finis Universi est Gaudium Dei de Seipso.”
O fim do universo é o gozo de Deus em Si mesmo.


Finis Operis

Traduzido e editado por Jardel Almeida
Assistência filosófica e editorial: Sophión
Base textual:
Opera Omnia, ed. Borgnet, Vols. IV–VI (Paris, Vivès, 1890–1893)
Edição: Ad Mentem Thomae et Scoti
Ano Domini 2025

 

 

 

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