Obra: O Legado de Wells e a Crise do Século XXI.
Base: “A Nova Ordem Mundial”, de H. G. Wells.
ÍNDICE
Capítulo I – A Soberania em Colapso: Entre a Realidade Nacional e a Pretensão Global
Artigo 1 – A Ruína dos Estados: da tese de Wells à erosão contemporânea da soberania
Analisa a proposta de Wells sobre o fim dos Estados soberanos e confronta com a crise de autoridade estatal atual — destacando a guerra na Ucrânia, a instabilidade nos países da África francófona e a dependência dos países do Sul Global de organismos supranacionais como FMI e OMS.
Artigo 2 – A Federação Impossível: a ONU, a União Europeia e o fracasso da governança global
Discute a falência prática dos organismos multilaterais propostos como embrião da ordem global wellsiana, cruzando com a ineficácia da ONU diante dos conflitos em Gaza, a crise migratória no Mediterrâneo e a fragmentação política da Europa.
Capítulo II – A Padronização do Espírito: Ética, Religião e Poder no Século XXI
Artigo 1 – O Culto Verde e a Fé Universal: o ambientalismo como religião do globalismo
Aborda a previsão de Wells sobre a substituição das religiões por uma fé comum “pacífica” e compara com o discurso climático atual, o papel de Greta Thunberg, o ESG, e a imposição ambiental como doutrina política supranacional.
Artigo 2 – A Nova Moral e a Velha Censura: o politicamente correto como tecnologia de controle
Relaciona a ética pós-aristotélica proposta por Wells com os mecanismos modernos de cancelamento, censura digital e controle da linguagem, evidenciando o papel das big techs como instrumentos da engenharia moral globalista.
Capítulo I – A Soberania em Colapso.
Artigo 1 – A Ruína dos Estados: da tese de Wells à erosão contemporânea da soberania.
A concepção de H. G. Wells sobre o fim da era dos Estados soberanos, como exposta em A Nova Ordem Mundial, parte de uma convicção histórica: os Estados nacionais, organizados segundo o princípio da soberania absoluta, teriam se tornado obsoletos diante das transformações tecnológicas, econômicas e militares que aboliram as distâncias e comprimiram o planeta em uma malha de interdependência inevitável. Para Wells, a permanência da soberania como estrutura organizadora da política mundial conduziria, inexoravelmente, à repetição das guerras — fossem elas bélicas, econômicas ou ideológicas. Sua proposta era clara: substituir a soberania nacional por uma federação global, capaz de assegurar a paz e impedir a autodestruição da espécie.
Se, à época, tal diagnóstico podia parecer utópico ou prematuro, os eventos contemporâneos parecem não apenas confirmar sua análise, mas ao mesmo tempo revelar o caráter paradoxal e contraditório de sua solução. A guerra na Ucrânia, por exemplo, manifesta uma dupla crise da soberania: de um lado, a impotência das instituições multilaterais que deveriam resguardá-la; de outro, o retorno brutal da lógica imperial, que a transcende e a aniquila. A Federação Russa, longe de se comportar como uma peça do tabuleiro institucional global, age como entidade pré-moderna, submetendo o Direito Internacional à razão de força. Ao mesmo tempo, a Ucrânia, embora formalmente soberana, depende integralmente do financiamento externo para manter-se como unidade funcional, reduzindo a própria soberania a uma ficção sustentada por interesses alheios.
O mesmo se aplica aos países da África francófona, cujas estruturas estatais ruíram sob a pressão de décadas de ingerência externa, guerras por procuração e colapsos econômicos. Mali, Níger, Burkina Faso — todos esses Estados, hoje governados por juntas militares, clamam por soberania enquanto expulsam influências estrangeiras, mas, na prática, carecem de qualquer condição material de autodeterminação. Não há soberania possível sem autonomia produtiva, sem controle de território ou sem legitimidade orgânica diante da população. A ruína dessas nações confirma a profecia de Wells: a soberania isolada, numa era de forças transnacionais, é um artifício anacrônico, facilmente desmontado.
No Ocidente, a soberania é corroída por outro vetor: a submissão a organismos supranacionais e a regimes regulatórios que escapam ao controle popular. A pandemia de COVID-19 expôs esse processo de forma irrefutável. Políticas sanitárias foram impostas com base em diretrizes transnacionais — OMS, CDC, ONU — enquanto os parlamentos nacionais tornaram-se instâncias consultivas. Países inteiros cederam poderes a conselhos técnicos, e a noção de cidadania foi reduzida ao cumprimento de normas derivadas de pactos multilaterais. Sob o argumento da ciência e do bem comum, consolidou-se o que Wells antecipava: uma tecnocracia global incipiente, sustentada por redes de especialistas e organismos transgovernamentais.
A questão não é apenas a existência de acordos multilaterais — que sempre existiram —, mas a substituição da soberania por um sistema de delegação permanente a entes sem representação direta. O Estado-nação, nesse contexto, transforma-se em mero executor de diretrizes globais. O caso do Brasil, por exemplo, é emblemático: ao aderir sistematicamente a tratados ambientais, sanitários e financeiros, condiciona suas políticas públicas a organismos externos, mesmo quando essas diretrizes conflitam com a realidade interna. O Banco Central independente, a governança climática atrelada à ONU e a dependência estrutural de financiamento externo são sintomas dessa erosão.
Wells identificou corretamente o esgotamento funcional da soberania, mas errou ao propor sua substituição por um Estado global. O que emerge no mundo contemporâneo não é uma federação racional de povos, mas um sistema informal de hierarquia transnacional, onde a soberania é dissolvida em nome da eficiência, da paz ou do progresso, mas sem qualquer base ética ou representativa sólida. O resultado não é a ordem, mas o caos normativo: Estados fracos demais para governar, e instituições globais poderosas demais para serem responsabilizadas.
Nesse sentido, a ruína da soberania valida a crítica de Wells, mas invalida sua esperança. O colapso do Estado nacional não gerou paz, mas fragmentação. O mundo não caminhou para uma unidade consciente, mas para uma ordem líquida, instável, onde o poder é exercido por quem detém os mecanismos técnicos de imposição, e não por consenso. A profecia se cumpre, mas o futuro dela derivado está ainda por ser moldado — e não necessariamente segundo os moldes fabianos do autor.
Artigo 2 – A Federação Impossível: a ONU, a União Europeia e o fracasso da governança global.
H. G. Wells via na federação mundial a única alternativa plausível à anarquia dos Estados soberanos. Em A Nova Ordem Mundial, ele defendia que a paz duradoura só poderia surgir de uma estrutura global com autoridade efetiva sobre as nações, retirando-lhes a soberania e transformando-as em entes autônomos, mas subordinados a um centro diretivo universal. Wells recusava, portanto, qualquer tentativa de simples cooperação diplomática entre Estados, pois entendia que a mera coexistência jurídica de soberanias em competição resultaria, inevitavelmente, em conflitos periódicos. A governança global, para ele, exigia não um pacto entre iguais, mas uma nova ordem de poder, capaz de disciplinar os impulsos destrutivos do nacionalismo e da concorrência.
A criação da Organização das Nações Unidas em 1945, apenas cinco anos após a publicação do livro, pode ser vista como o início de uma tentativa de realizar a proposta wellsiana. No entanto, o curso histórico demonstrou que a ONU jamais se converteu na entidade federativa prevista. Sem autoridade coercitiva real, sem força executiva sobre os Estados mais poderosos e com sua estrutura submetida ao veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança, a ONU tornou-se o que Wells mais temia: uma reedição fracassada da Liga das Nações — um clube de diplomatas impotentes, incapaz de prevenir ou deter conflitos fundamentais.
A guerra da Síria, a invasão do Iêmen, o genocídio dos uigures na China e, mais recentemente, a guerra em Gaza, escancaram a falência da governança multilateral. As resoluções da ONU são sistematicamente ignoradas, as missões de paz são inócuas ou inexistentes, e a própria instituição tornou-se palco de retórica, não de ação. A ausência de coerção prática transformou a ONU numa peça simbólica, cuja única eficácia reside na legitimação de discursos, não na mediação de ordens reais. A paz mundial, sob sua administração, tornou-se um conceito ritualizado, esvaziado de qualquer consequência.
A União Europeia, por sua vez, parece ter sido, em certo momento, a realização mais próxima da ideia wellsiana de federação. Com a criação do Parlamento Europeu, da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e da moeda única, o bloco adotou mecanismos que suprimiram porções significativas da soberania dos Estados-membros. Tratava-se de um experimento singular: Estados históricos, com culturas políticas distintas, abrindo mão de parcelas de sua independência para formar uma unidade transnacional regulada. Durante certo tempo, a UE funcionou como o laboratório do globalismo político – um modelo antecipado da federação mundial.
No entanto, os últimos anos evidenciaram os limites dessa engenharia. A crise migratória, a pandemia e o conflito na Ucrânia revelaram profundas fissuras na unidade europeia. O Brexit mostrou que a soberania ainda habita o imaginário popular, e que uma ordem supranacional imposta tecnocraticamente, sem adesão cultural e afetiva dos povos, está condenada à instabilidade. A tentativa de Wells pressupunha uma fusão de consciências, não apenas uma fusão de regulamentos; e nisso, a UE falhou. As eleições europeias recentes, marcadas pelo avanço de partidos eurocéticos e nacionalistas, indicam que o projeto de unificação política está em retrocesso, minado pela percepção de que a estrutura comum serve mais a interesses financeiros e ideológicos do que ao bem-estar local.
Wells ignorou o fator antropológico. A identidade nacional, por mais racionalmente criticável que seja, possui raízes profundas no imaginário coletivo. Nenhuma engenharia política sobrevive à desconexão entre elites e povos. A governança global fracassa não apenas por ausência de meios coercitivos, mas por déficit de legitimidade simbólica. Nem a ONU, nem a União Europeia, conseguiram transformar sua autoridade em pertencimento. As massas não se reconhecem nessas estruturas. Sentem-se tuteladas, não representadas. O projeto wellsiano, idealizado como emancipação planetária, tornou-se, na prática, instrumento de opressão difusa – e, por isso, rejeitado.
Conclui-se, portanto, que a federação global imaginada por Wells é, no presente contexto, politicamente impossível. Não porque sua crítica à soberania esteja errada – ela continua válida –, mas porque a solução proposta falha em compreender os limites do poder sem raízes. A utopia federalista exige uma condição prévia: a existência de um ethos comum, um imaginário partilhado que una os homens para além de suas histórias particulares. Sem isso, toda tentativa de unificação global será uma forma sutil de colonização – e será combatida como tal. O fracasso da ONU e a crise da União Europeia não invalidam a tese de que a soberania está em colapso, mas demonstram que o modelo de substituição oferecido até aqui é insuficiente, e talvez, inalcançável.
Capítulo II – A Padronização do Espírito.
Artigo 1 – O Culto Verde e a Fé Universal: o ambientalismo como religião do globalismo.
Herbert George Wells, ao propor uma nova ordem mundial, reconhecia que nenhuma transformação política seria viável sem a substituição das crenças e mitos fundantes da humanidade por um novo arcabouço simbólico universal. Sua obra aponta para a necessidade de uma crença comum — não necessariamente teológica, mas funcional — que permitisse a coexistência pacífica de culturas radicalmente distintas sob uma autoridade global. A religião tradicional, por ser particularista e dogmática, deveria ser relegada à condição de folclore. Em seu lugar, surgiria uma nova fé civil, pacificadora e compatível com os princípios do coletivismo planetário. Essa “fé”, embora não nomeada de forma explícita por Wells, é hoje reconhecível no discurso ambientalista global.
A ascensão do ambientalismo como narrativa universal é um dos fenômenos mais notáveis do século XXI. Sob o manto do “aquecimento global”, da “emergência climática” e da “sustentabilidade”, construiu-se uma cosmologia laica, com seus dogmas, suas culpas, seus rituais e seus profetas. A substituição da culpa metafísica pelo pecado ecológico – emissão de carbono, uso de plástico, desmatamento – cria um campo moral abstrato no qual a redenção se dá por meio de condutas adequadas, adesão institucional e reverência à nova doutrina planetária. O indivíduo é constantemente vigiado por métricas, índices e selos, da mesma forma como o fiel era outrora julgado pela confissão, penitência e pureza ritual.
A compatibilidade desta nova fé com as exigências do globalismo wellsiano é evidente. O ambientalismo não exige conversão total. É uma fé de superfície, capaz de coexistir com religiões tradicionais desde que estas se curvem às suas premissas. Um muçulmano pode ser ambientalista, assim como um budista ou um católico progressista. O ambientalismo não exclui — subordina. Ele atua como metanarrativa reguladora, infiltrando-se nas liturgias públicas, nos currículos escolares, nas agendas corporativas e nos tratados internacionais. É, portanto, o instrumento simbólico ideal para a unificação ética da humanidade, conforme desejado por Wells.
A governança climática ilustra esse processo. O Acordo de Paris (2015), a Agenda 2030 da ONU e os relatórios do IPCC assumem, hoje, o papel de documentos magisteriais, emulando encíclicas laicas que ditam os termos do comportamento legítimo em escala planetária. O conceito de "justiça climática" se tornou fundamento moral para reformas econômicas, tecnológicas e jurídicas, mesmo contra a vontade popular. Leis nacionais são alteradas, subsídios são redirecionados, estruturas produtivas são destruídas com base em imperativos que não passam pelo crivo eleitoral, mas pela autoridade difusa de uma ciência sacralizada e indevassável.
O caso da agricultura europeia e o levante dos agricultores, em países como Holanda e Alemanha, é exemplar. Sob a justificativa de metas ambientais, pequenos produtores foram estrangulados por regulações que inviabilizam suas atividades, enquanto grandes conglomerados adaptados à agenda ESG acumulam lucros. Trata-se de um processo de expropriação disfarçado de consciência ecológica, em que o novo culto se transforma em ferramenta de domínio tecnocrático. A lógica de Wells se confirma: a nova religião é necessária para substituir as antigas e moldar uma população dócil; o que não se confirma é seu caráter pacificador. O ambientalismo, em sua versão institucionalizada, está longe de promover paz. Ele promove controle.
O Brasil, por sua vez, encontra-se sob a mesma tensão. A política ambiental é, cada vez mais, decidida fora do país: pela OCDE, pelo FMI, pelo sistema ONU. A gestão da Amazônia tornou-se uma questão internacional. O discurso de “salvar a floresta” é usado como chave para condicionar investimentos, atrair submissão e modelar políticas agrícolas e industriais. Em nome do clima, discute-se até mesmo a limitação da soberania territorial. Uma vez mais, a profecia de Wells encontra realização prática: o ambientalismo como dogma global, com pretensões de legitimar uma ordem jurídica superior às constituições nacionais.
No entanto, o que falta a essa religião secularizada é aquilo que sobra às religiões tradicionais: sentido existencial. O culto verde carece de transcendência real. Ele ordena, mas não consola. Ele disciplina, mas não liberta. Sua liturgia é burocrática, seus dogmas são estatísticos, seus sacerdotes são especialistas, e sua promessa final é a perpetuação da vida biológica — não a salvação da alma. Por isso, sua força reside no medo: do colapso climático, do apocalipse ambiental, do fim da espécie. Como toda fé baseada no terror, ela impõe a obediência, mas não gera comunhão. Ela unifica sem unir.
Assim, o ambientalismo, como religião da nova ordem, cumpre parcialmente o papel proposto por Wells. Ele serve de base simbólica para uma governança global, modela consciências e disciplina comportamentos. Mas sua aceitação depende menos de adesão voluntária do que de imposição indireta — por meios jurídicos, econômicos e educacionais. Sua universalidade é mais formal que vital. O que se constrói, portanto, é uma unificação exterior, não uma alma comum. Uma ordem global, talvez. Mas não um mundo reconciliado.
Artigo 2 – A Nova Moral e a Velha Censura: o politicamente correto como tecnologia de controle.
Wells reconhecia que a fundação de uma ordem mundial não exigiria apenas novas instituições políticas ou econômicas, mas a formatação de um novo modelo de mente. Para ele, uma verdadeira paz só poderia ser alcançada se os homens compartilhassem não apenas os mesmos interesses, mas os mesmos modos de pensar, sentir e decidir. Era necessário substituir a lógica ocidental da prova e da contradição por uma lógica mais “holística”, mais plástica, mais compatível com a convivência passiva. O mesmo se aplicava à ética: a antiga moral aristotélica deveria ceder lugar a uma moral flexível, desvinculada de princípios fixos, capaz de harmonizar culturas dissonantes por meio do consenso superficial. Essa substituição exigiria o enfraquecimento das convicções tradicionais — e a imposição de um novo código, capaz de gerar uniformidade comportamental.
Hoje, essa nova moral é conhecida como politicamente correta.
O politicamente correto não é apenas uma modificação de linguagem, mas uma reconfiguração da realidade simbólica. Ele transforma os limites do discurso, redefine o bem e o mal, determina quais opiniões são aceitáveis e quais devem ser extintas. Não se trata de uma ética argumentativa, mas de uma moral de exclusão — que opera não pela persuasão, mas pelo veto. É uma moral funcional à engenharia social proposta por Wells, pois desarma a oposição antes mesmo que ela surja. Impede a divergência classificando-a como patologia: discurso de ódio, preconceito, desinformação.
Nas últimas décadas, o politicamente correto evoluiu de uma norma de etiqueta para um sistema de controle. Plataformas digitais — Google, Meta, X (ex-Twitter), YouTube — atuam como árbitros morais do mundo. O que se publica, compartilha ou comenta passa por filtros algorítmicos orientados por diretrizes ideológicas globalistas. Livros são banidos, perfis são desmonetizados, conteúdos são rotulados como “perigosos”, mesmo sem infringirem leis. O espaço público foi terceirizado às big techs, que exercem mais poder de censura que qualquer Estado soberano. E tudo isso em nome da convivência pacífica, da segurança emocional e da “verdade validada”.
O caso recente do bloqueio de canais conservadores no Brasil, por determinação judicial, e sua articulação com interesses internacionais, ilustra a tese. A liberdade de expressão, princípio fundante da civilização ocidental, cedeu lugar à tutela discursiva operada por uma aliança entre tecnocracia, judiciário e corporações. A ordem wellsiana se manifesta aí não como proposta formal, mas como resultado prático: o colapso da liberdade em nome da uniformidade. O “novo mundo” não precisa de um Estado global declarado — ele já opera por meio de uma rede de controle descentralizado, mas ideologicamente unificado.
No plano da educação, a situação é ainda mais grave. O currículo escolar em dezenas de países já adota uma estrutura narrativa voltada à padronização das consciências: gênero, raça, clima, inclusão, diversidade, direitos humanos — todos tratados como dogmas inquestionáveis. O objetivo não é formar o indivíduo pensante, mas o sujeito adaptado. Como previu Wells, o pensamento autônomo precisa ser substituído por uma racionalidade condicionada, capaz de aceitar ordens globais sem questionamento. A crítica passa a ser desvio. O silêncio, virtude.
Wells desejava uma mente global. Hoje, temos a mente digital, moldada por impulsos breves, vigiada em tempo real, conformada pela lógica da aprovação pública. A nova moral não nasce do interior do sujeito, mas é injetada por múltiplos dispositivos: mídia, escola, entretenimento, ambiente de trabalho, rede social. O indivíduo é constantemente induzido a escolher o que já foi escolhido por ele. Sua autonomia é preservada no discurso, mas anulada no processo.
O paradoxo é que essa moral de superfície, ao invés de pacificar, aprofunda as divisões. A intolerância ao dissenso, ao contrário do prometido, não gera harmonia, mas ressentimento. A censura, sob a máscara da inclusão, cria enclaves de radicalização. Ao tentar eliminar os conflitos, a nova moral apenas os empurra para o subterrâneo. O resultado não é paz — é polarização mascarada, revolta disfarçada de conformidade, silêncio tenso onde antes havia diálogo. A paz wellsiana, baseada em um consenso artificial, se mostra incapaz de lidar com a complexidade da natureza humana.
Portanto, a nova ética não é uma evolução, mas uma técnica. Não é o florescimento de uma nova consciência, mas o ajuste de conduta por meio da vigilância. Não é uma moral superior, mas uma tecnologia de domesticação. O que Wells via como instrumento de pacificação, revela-se, na prática, como o mecanismo de controle de uma elite sem rosto, que molda o comportamento coletivo por meio do medo simbólico, do isolamento digital e da sedução das massas por meio da linguagem de “empatia” e “tolerância”.
O mundo está mais unificado na aparência, mas mais fragmentado na essência. E onde não há verdade compartilhada, só resta o silêncio das consciências dobradas.
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