terça-feira, 22 de julho de 2025

 


Título da obra:
"O Sistema Não Foi Feito Para Pensar: Anatomia de um Emburrecimento Global"
Autor: Antônio Freixo


Capítulo 1 – A Fábrica de Idiotas

  1. Da Escola ao Algoritmo: A Programação da Ignorância
    A substituição do pensamento pela repetição, do estudo pela adaptação automática, é o novo normal. Este artigo analisa como a escola tradicional e os algoritmos de redes sociais operam sob a mesma lógica: manter o sujeito numa bolha, sem tempo, sem contexto, sem reflexão.
  2. O Saber Domesticado: Educação Como Adestramento
    Aqui se expõe como o conhecimento virou produto empacotado, entregue por pacotes didáticos, plataformas gamificadas e pedagogias modistas que desarmam a consciência. O aluno virou cliente, e o professor, vendedor. O pensar virou serviço de assinatura.
  3. Diplomas para Inúteis: A Economia da Escolarização Estéril
    Compara o inchaço dos diplomas e certificações com o aumento da precariedade. O saber escolar, formatado e despolitizado, forma operários para o tédio corporativo, não construtores de mundo.

Capítulo 2 – O Currículo Oculto do Controle

  1. A Arte de Não Pensar: O Ensino da Confusão Sistêmica
    A desconexão entre matérias e a pulverização da experiência formam um sujeito incapaz de compreender totalidades. Escola, mídia e entretenimento aplicam o mesmo veneno: fragmentar para dominar.
  2. Posição de Classe, Hoje com Wi-Fi e App
    O controle por classes escolares deu lugar à gestão digital de trajetórias: boletins online, CRM educacional, plataformas de ranqueamento. A desigualdade virou dado, e o emburrecimento, interface.
  3. O Cidadão do TikTok: Vigiado, Passivo e Feliz
    Expõe a vigilância educacional como modelo da nova cidadania. Avaliações externas, sistemas de pontuação, boletins de desempenho. A mesma lógica se infiltra nas redes, nos bancos, no mercado.

Capítulo 3 – A Cultura da Dependência

  1. Pensar é um Risco: Por que Ninguém Ensina Isso?
    A escola ensina o medo de errar, a necessidade de aprovação, o vício em tutela. Quem pensa por conta própria vira problema. Aqui se relaciona isso ao colapso da autonomia emocional na juventude.
  2. Autoestima de Plástico: Likes, Mérito e Notas
    A substituição do reconhecimento real por métricas falsas — curtidas, notas, certificados — gera pessoas frágeis, inseguras e manipuláveis. A autoestima virou um serviço terceirizado.
  3. Vigilância Integral: O Lar como Extensão da Escola
    O dever de casa virou a vigilância perpétua. O aluno é controlado até no sono. A educação à distância e os algoritmos de produtividade são o estágio avançado do mesmo sistema: nada escapa ao controle.

Capítulo 4 – Quebrando as Grades Invisíveis

  1. Desescolarizar a Mente: Primeiros Passos
    O primeiro ato de liberdade é perceber a prisão. Este artigo traz experiências de autoeducação, projetos comunitários e iniciativas alternativas. Também analisa o papel da leitura, do erro e da pausa no processo real de formação.
  2. A Rebeldia do Senso Comum: O que os Pobres Sabem que os Especialistas Ignoram
    A inteligência popular, o saber artesanal, o conhecimento cotidiano foram tratados como lixo pela escola formal. Aqui, se mostra como comunidades ignoradas pela academia constroem soluções reais.
  3. Família, Bairro, Templo: Os Três Espaços que a Escola Quer Eliminar
    O sistema educacional precisa isolar a criança da experiência. Este artigo mostra como a família, a comunidade e o sagrado formam barreiras ao totalitarismo educacional e por isso são sistematicamente enfraquecidos.

Capítulo 5 – A Nova Escola da Servidão

  1. A Máquina Global do Ensino Corporativo
    Google, Microsoft, Unesco, Banco Mundial — todos têm projetos educacionais. O artigo analisa o sequestro da educação por interesses transnacionais. A nova escola não ensina a pensar: ensina a se adaptar.
  2. Educação ESG: O Disfarce Verde da Engenharia Social
    Sob o manto da sustentabilidade e diversidade, esconde-se um projeto de engenharia comportamental. A escola virou oficina de produção de conformismo com aparência de progresso.
  3. Contra o Sistema, um Corpo Pensante: Conclusão Provisória
    O artigo final propõe um recomeço. A escola não será reformada, mas substituída. E esse novo início não virá de cima, nem do Estado, mas da iniciativa de indivíduos livres — aqueles que, como ervas daninhas, brotam nas rachaduras do asfalto do sistema.

 

 

Capítulo 1 – A Fábrica de Idiotas
Artigo 1 – Da Escola ao Algoritmo: A Programação da Ignorância

O emburrecimento não é acidente, é projeto. Se no século XX a escola tradicional foi o principal aparelho de formatação mental, hoje ela apenas entrega o bastão para um sucessor mais eficiente: o algoritmo. O problema nunca foi só o que a escola ensina — e sim como ela nos ensina a pensar, ou melhor, a não pensar. Aquilo que antes era feito por cadernos e carteiras, agora é feito por telas e “feeds”. Mas a essência segue intacta: impedir que o indivíduo desenvolva juízo próprio, impedir que ele conecte pontos, que pense em totalidades, que enxergue a estrutura por trás dos fenômenos.

Na escola, o aluno aprende que a realidade é fragmentada, que tudo se resume a provas, tarefas, boletins. Ele aprende a decorar e a agradar. Mas, assim que se forma, se lança numa sociedade onde essa lógica continua — só que agora mediada por plataformas que refinam a burrice em tempo real. O algoritmo te mostra o que te dá dopamina, não o que te dá sentido. Ele te prende no curto prazo, no imediato, na reação, na emoção — exatamente como os velhos métodos escolares. O que a escola fazia em anos, o feed faz em minutos.

O curioso é que tanto o professor medíocre quanto o TikTok operam da mesma forma: entregam pequenas doses de conteúdo desconexo, exigem resposta rápida, castigam o silêncio, premiam o exibicionismo. A lógica é simples: quem pensa devagar demais é eliminado. Pensamento complexo virou obstáculo, não virtude. As escolas não falam disso, claro. Os pais também não. Preferem pensar que a culpa é “dos jovens de hoje”. Mas o jovem de hoje é o produto final de um sistema que passou décadas preparando o terreno. O que vemos agora é apenas a colheita do que foi plantado em silêncio.

Olhe para as universidades. São centros de ativismo repetitivo, de linguagem enlatada, de pensamento padronizado. Lá, o que se premia não é o mérito intelectual, mas o alinhamento retórico com a ideologia dominante. A burrice ganha status. E os que se destacam por senso crítico logo são enquadrados como “radicais”, “problemáticos”, “antissociais”. Isso é Gatto puro: a escola como máquina de nivelar por baixo, de recompensar a docilidade, de produzir mão-de-obra obediente.

O mercado ama isso. O funcionário ideal não é o criativo — é o funcional. Ele sabe apertar o botão certo, mas não pergunta por que aperta. E se o botão for de um drone que mata civis, pouco importa. Desde que bata a meta. A escola ensinou isso sem dizer. O algoritmo reforça com imagens. A máquina funciona.

Gatto já dizia: a escola foi feita para domesticar, não para educar. E o mundo atual, com suas telas brilhantes e discursos vazios, é apenas a continuação dessa doutrina por outros meios. Estamos numa nova etapa do mesmo programa: da sala de aula à rede neural, do caderno ao feed. A programação da ignorância segue firme. Só mudou a interface.

Se há saída? Sim, mas ela não está nos grandes centros de inovação, nem nas reformas ministeriais. Está em algo mais simples: desligar o automático. Voltar a fazer perguntas que ninguém quer ouvir. Criar o hábito do silêncio, da contemplação, do estudo real — aquele que não visa nota, mas verdade. Só assim se quebra a corrente entre a escola e o algoritmo. Só assim se começa a reverter a programação. Pensar, hoje, é um ato de desobediência. E desobedecer, no fim, é o que ainda nos resta de humano.

Artigo 2 – O Saber Domesticado: Educação Como Adestramento

A escola diz que ensina a pensar, mas tudo nela é estrutura de obediência. A prova disso é simples: pergunte a qualquer aluno mediano o que aprendeu nos últimos cinco anos de aula e observe o silêncio constrangido que se segue. Agora pergunte quais regras ele aprendeu a seguir — horários, normas, formas de agradar, de parecer interessado sem estar, de responder o que o professor quer ouvir mesmo sem entender. Vai ver que o aprendizado ali não é de conteúdo, mas de comportamento. Não se forma gente pensante, se forma gente adestrada.

Isso ficou ainda mais explícito com a entrada das novas tecnologias. As plataformas digitais de ensino são vendidas como inovação, mas nada mais são do que instrumentos de controle e vigilância. O professor agora aplica prova com timer, o aluno responde enquanto é monitorado por webcam, e o conteúdo vem em pílulas padronizadas, igual para todos. É como se a Amazon tivesse comprado a educação. E é isso mesmo. A educação virou logística: transporte de dados de um servidor para uma mente passiva. O sujeito pensa que aprende, mas só consome. Reproduz. E esquece. Isso não é saber. É adestramento.

Pega um exemplo atual: o uso do termo “protagonismo juvenil” nas escolas. Parece bonito. Mas na prática, o aluno só pode “ser protagonista” dentro do que a escola permite. Ou seja, pode simular liberdade desde que continue obedecendo. Pode montar feira de ciências, desde que não questione o conteúdo do livro didático. Pode fazer apresentação, desde que não fale de política de verdade, nem de religião, nem da própria vida como ela é. É um teatro. A escola ensina a encenar, não a ser. Ensina a agradar, não a compreender. Ensina a se posicionar socialmente, não a existir como sujeito autêntico.

Esse é o “currículo oculto” de Gatto: um conjunto de práticas e símbolos que domesticam o aluno, mascarando esse adestramento como se fosse formação. A nota substitui o juízo. O conteúdo vira um pretexto para modelar comportamento. E o professor — com exceções raras — vira um gerente de conduta, não um mediador do real.

O problema é que isso não acaba com a formatura. Vai para o mercado, e está tudo lá. Entrevistas de emprego com perguntas idiotas, avaliação por competências comportamentais, testes psicológicos para medir “aderência à cultura organizacional”. O sujeito que sobrevive à escola será bem aceito: já está treinado para obedecer sorrindo.

Agora olha para os que escapam disso — os que largam a escola, criam negócios próprios, escrevem, estudam por conta, fazem perguntas incômodas. Esses são sempre tratados como “problemáticos”. Por quê? Porque o sistema não sabe lidar com quem pensa fora do script. A educação moderna não tolera a existência de quem aprendeu a pensar sozinho. Por isso a escola não forma pensadores, forma funcionários. E isso vale da creche à pós-graduação.

O saber virou simulação. Simulamos que ensinamos, simulam que aprendem. Tudo dentro da lei. Tudo aprovado pelo MEC. E a sociedade, no fim, aplaude. Porque adestrar é mais fácil do que formar. E o burro treinado é menos perigoso do que o ignorante livre.

Artigo 3 – Diplomas para Inúteis: A Economia da Escolarização Estéril

O sujeito estuda quinze, vinte anos. Sai com um diploma bonito na mão, um currículo cheio de certificados, mas incapaz de resolver qualquer coisa real. Não sabe escrever um texto coerente, não sabe interpretar um contrato, não sabe montar uma ideia sólida sem recorrer ao Google. Se colocarem ele numa roda de conversa com gente minimamente preparada, afunda em três minutos. E o mercado sabe disso. A escola forma gente titulada, mas inapta. A isso chamamos de sucesso educacional.

As empresas não contratam mais pelo diploma. Pedem "perfil", "soft skills", "inteligência emocional" — ou seja, aquilo que a escola nunca ensinou e nem sabe ensinar. E os profissionais, mesmo depois de anos em sala de aula, correm para fazer cursinhos, coaching, MBA de fim de semana, tentando compensar a sensação de que passaram duas décadas aprendendo quase nada. A educação virou uma esteira: você corre, se endivida, se frustra — e no final, é tratado como descartável. Mas com diploma na parede. Orgulho de família.

Isso não é uma falha do sistema. É a finalidade dele. A escolarização massiva surgiu para alimentar a indústria, não para formar indivíduos plenos. E hoje ela serve ao mesmo patrão: a máquina do consumo. O sujeito que passou a vida sendo treinado para obedecer não questiona preço, não exige qualidade, não se revolta com a precariedade. Ele aceita. Porque foi educado para aceitar. Aceitou a escola, aceitou a fila do vestibular, aceitou o estágio não remunerado, aceita o salário de fome. E, com o tempo, aceita que não vale muito mesmo.

É comum ouvir a frase “a escola prepara para a vida”. Mentira. Ela prepara para um simulacro de vida: o script da submissão com aparência de escolha. E quem sai dela com alguma centelha de lucidez, precisa depois desconstruir tudo o que aprendeu. Precisa esquecer fórmulas inúteis, desaprender regras absurdas, desprogramar-se. Só então começa, de fato, a se formar. Ou seja, para aprender de verdade, é preciso antes desescolarizar a cabeça.

Gatto falava disso com todas as letras: o sistema funciona. Ele não fracassou. Ele emburreceu com sucesso. E continua. Hoje, com ajuda da tecnologia, da linguagem publicitária, das pedagogias pasteurizadas, da neurociência mercantil. Tudo sofisticado. Mas com a mesma essência: fabricar impotência e vendê-la como formação.

O trágico é ver jovens brilhantes sendo tragados por essa máquina. Gente que poderia construir, criar, pensar grande, mas que foi reduzida a um ciclo de provas, notas, apostilas e boletins. E mesmo depois de adultos, seguem dependendo de alguém para dizer se estão certos ou errados. Perderam o eixo. Foram bem-educados demais.

Essa é a economia do emburrecimento: gera consumo, gera obediência, gera lucro. Forma inúteis certificados, prontos para servir — mas nunca para liderar. Nunca para romper. Nunca para mudar. Por isso o sistema os premia. Por isso os chama de “bons alunos”.

Capítulo 2 – O Currículo Oculto do Controle
Artigo 1 – A Arte de Não Pensar: O Ensino da Confusão Sistêmica

Desde os primeiros dias de aula, o aluno é introduzido numa realidade artificial onde as coisas não fazem sentido, mas devem ser obedecidas. A rotina escolar é organizada não para o aprendizado, mas para a obediência silenciosa. Matemática às 8h, História às 9h, Educação Física às 10h — e nenhuma conexão entre essas coisas. O estudante é treinado para mudar de assunto como quem troca de canal: sem lógica, sem crítica, sem contexto. O que importa não é compreender, mas “acompanhar o ritmo”.

A confusão não é uma consequência colateral — é a estrutura. Um aluno que entende demais começa a fazer perguntas perigosas. Por que se estuda isso? Por que desse jeito? Por que agora? Melhor que ele não entenda. Melhor que obedeça. E então, o conteúdo vira uma sequência de fragmentos, esvaziados de sentido, como um quebra-cabeça sem figura. O cérebro vai se adaptando ao caos. Pensar se torna sinônimo de decorar.

Nas universidades, isso se aprofunda. O aluno médio sai do ensino médio sem saber nada de filosofia, sociologia ou lógica formal. Entra no ensino superior e recebe doses homeopáticas de doutrinação ideológica, sem estrutura argumentativa, sem contraponto. E ele aceita, porque não aprendeu a questionar. Aprendeu a repetir com estilo. A confusão agora vem com vocabulário sofisticado, palavras como “interseccionalidade”, “epistemicídio”, “biopolítica”. Mas o aluno segue sem saber como essas ideias se ligam à realidade concreta. Ele não é formado para pensar sobre o mundo — é treinado para repetir chavões sobre ele.

Esse padrão está em tudo. A mídia opera assim. A cultura do Twitter, com seus microtextos inflamados, funciona do mesmo jeito: fragmentar, inflamar, dispersar. A Netflix lança séries sobre tudo, mas que não aprofundam nada. O TikTok mostra tudo, mas em 15 segundos. Estamos vivendo uma era de excesso de informação com ausência total de compreensão. Isso não aconteceu por acaso. Foi treinado.

Gatto via isso com clareza: a escola é o primeiro estágio de um processo de desarticulação da mente. É nela que o sujeito aprende que as coisas “são assim mesmo” e que questionar é falta de educação. Aprende que conhecimento é um monte de dados jogados no colo, e que compreender de verdade é “perder tempo”. Esse vício de superficialidade cola na alma.

E o pior: a confusão é recompensada. O aluno que aceita tudo, mesmo sem entender, tira nota boa. O que questiona, complica. A máquina o trata como obstáculo. E mais tarde, no mundo adulto, essa lógica continua: o funcionário que cumpre ordem sem entender é promovido. O que pensa muito, é mandado embora. Pensar virou obstáculo.

A arte de não pensar é ensinada cedo. É sofisticada. E funciona. O resultado está aí: milhões de adultos com diploma, mas sem noção básica de como o mundo opera, sem vocabulário interno, sem estrutura para fazer uma análise decente da própria vida. Não porque sejam burros, mas porque foram confusos desde sempre. E agora têm medo de clareza.

A escola moderna é uma fábrica de ruído. E o silêncio necessário para pensar, esse é punido. Por isso a lucidez hoje é revolucionária. Porque exige que se rompa com a estrutura inteira. Com o tempo, com o conteúdo, com a linguagem. Exige que se quebre o ritmo da confusão — e se aprenda a pensar de novo, do zero.

Artigo 2 – Posição de Classe, Hoje com Wi-Fi e App

A escola sempre ensinou que cada um deve saber seu lugar. A sala de aula é um teatro de hierarquias: o professor manda, o aluno obedece; o aluno “nota dez” manda indiretamente no “nota dois”; os populares têm poder, os introspectivos viram alvo. Mas hoje isso evoluiu. Agora, a posição de classe vem com login, senha e um dashboard digital que entrega em tempo real o seu lugar na fila.

A gamificação da educação — vendida como “inovadora” — nada mais é do que a sofisticação da velha lógica de dominação. Você não tem mais só uma nota: tem gráficos, metas, rankings e alertas. Cada clique seu é medido. Cada tarefa entregue fora do prazo vira indicador de “baixo desempenho”. A escola virou uma planilha viva. E os alunos? Recursos em fluxo.

A divisão de turmas por “nível” já não se limita a inteligência ou rendimento. Agora ela é moldada por algoritmo. Plataformas decidem que tipo de conteúdo você pode acessar. Alunos “fracos” recebem o básico, repetido de forma mastigada. Os “fortes” têm acesso a desafios. Ou seja, a desigualdade começa dentro do próprio sistema de ensino e é reafirmada por ele a cada passo.

Essa nova organização, toda digitalizada, simula modernidade. Mas é o velho sistema de castas com roupas de startup. Os mais pobres seguem nas piores escolas, com a pior estrutura, os piores materiais e os piores professores. Só que agora, quando falham, a culpa é “da falta de engajamento”, “do uso inadequado da plataforma”, ou do “baixo nível de autoeficácia”. Os termos mudaram. A lógica, não.

E há mais. A meritocracia escolar é usada como laboratório para o mundo adulto. Você aprende desde cedo que o sistema é justo — quando não é. Aprende que quem “se esforça” vence — quando isso depende de fatores muito além do esforço. Aprende a não reclamar da injustiça, mas a competir dentro dela. A escola, nesse ponto, funciona como um simulador da sociedade: te ensina a aceitar a desigualdade como destino.

Gatto dizia que a escola ensina posição de classe. Ele estava certo. Mas hoje essa posição vem com relatório, login e chatbot. As novas ferramentas não emancipam — gerenciam. Elas personalizam a alienação. O aluno acha que está sendo valorizado, quando na verdade está sendo medido, monitorado e inserido numa gaveta específica do sistema. É a pedagogia do funil: você vai sendo empurrado para o seu lugar na engrenagem. E uma vez lá, aprende a agradecer por estar dentro dela.

A ideologia da “personalização” disfarça o fato de que o destino está sendo imposto com maquiagem de escolha. Você “escolheu” esse caminho, dizem — mas foi treinado para só enxergar esse. A escola moderna é, portanto, um sistema de seleção social com aparência de progresso. E quem questiona, quem tenta burlar, quem não se encaixa, é diagnosticado, medicado, removido.

Esse é o novo currículo oculto: não apenas manter as castas, mas fazê-las parecer escolha individual. Não apenas definir quem sobe ou quem desce, mas tornar natural que a maioria fique onde está. Hoje com tablets, apps e badges. Mas com a mesma alma de sempre: docilidade, separação, controle.

Artigo 3 – O Cidadão do TikTok: Vigiado, Passivo e Feliz

A escola prepara o terreno. O TikTok colhe os frutos. O aluno que passou anos aprendendo a obedecer toques de campainha, a decorar sem entender, a se movimentar conforme mandam — esse sujeito está pronto para a vida digital. Só precisa de um celular. A vigilância deixa de ser física e se torna voluntária. A nova cela é portátil, divertida e viciante. E o melhor: o prisioneiro aplaude.

Hoje, tudo é medido. O quanto você caminha, dorme, consome, posta, compartilha, pensa. Mas não é chamado de vigilância — é “experiência personalizada”. A escola treinou isso sem chamar de treino. Quando um aluno só pode ir ao banheiro com permissão, quando precisa justificar cada ausência, quando sua atenção é cobrada minuto a minuto — ele está sendo preparado para o mundo onde a autonomia é suspeita. Onde não se vive sem registro. Onde todo gesto precisa de validação externa.

Na internet, a lógica é a mesma, mas com brilho. Cada vídeo visto é uma aula de comportamento. Cada curtida, um sinal de que você está “por dentro”. Cada notificação, uma recompensa. As plataformas são escolas 2.0 — mais eficazes, mais atraentes, mais sutis. Mas a função é idêntica: manter o sujeito domesticado, passivo, reativo, feliz.

O “cidadão do TikTok” não reflete. Reage. Seu senso crítico foi achatado entre a 6ª série e a tela do smartphone. Ele consome discursos prontos, repete frases de efeito, adota causas sem entender seus fundamentos. É ativista de stories, revolucionário de 30 segundos. Ele se acha livre, mas vive em bolhas fabricadas por algoritmos treinados para evitar qualquer dissonância cognitiva.

E o que a escola faz diante disso? Nada. Ou pior: adota o modelo. “Vamos usar o TikTok em sala”, dizem os educadores modernos. “Vamos aproximar o conteúdo da linguagem do aluno”. Só que não é o conteúdo que se adapta — é o pensamento que se deforma. A linguagem fragmentada das redes, baseada em aceleração, superficialidade e autoexposição, invade a escola com status de modernidade. Mas é só mais uma camada de domesticação.

Gatto já denunciava o controle invisível da escola: regras não ditas, condutas modeladas, vigilância camuflada. Hoje, isso tudo é feito com métricas de engajamento, com inteligência artificial e termos como “machine learning”. O que antes era um sistema de repressão, agora é uma fábrica de prazer. O controle virou entretenimento. O controle é vendido como liberdade.

E a consequência disso é grave: o cidadão médio perde a capacidade de observar o todo. A complexidade vira ameaça. O silêncio, desconforto. A leitura, tortura. Ele precisa de estímulo constante, de imagem em movimento, de áudio embalado. E assim se constrói o novo analfabeto: aquele que sabe ler, mas não consegue interpretar; que vê tudo, mas não compreende nada.

Estamos diante de uma geração preparada para obedecer sem perceber que obedece. Não precisam mais de um professor autoritário — o algoritmo faz o serviço. Não precisam mais de prova final — o score de engajamento basta. O novo cidadão é dócil, performático e politicamente desarmado. E isso interessa muito.

No fim, o projeto é simples: pegar o que a escola começou — vigilância, passividade, adaptação — e transformar tudo isso em hábito inconsciente. A mente se acostuma a ser observada. O corpo se vicia em reagir. O eu se dissolve num feed. E o sistema vence — sem precisar bater. Basta recompensar.

Capítulo 3 – A Cultura da Dependência
Artigo 1 – Pensar é um Risco: Por que Ninguém Ensina Isso?

Pensar é perigoso. Não porque possa matar — mas porque pode libertar. E ninguém que lucra com a obediência quer gente livre. É por isso que a escola, embora fale de autonomia, ensina a dependência. Desde cedo, a criança aprende que não deve confiar na própria intuição, nem na experiência direta. Se ela descobre algo sozinha, não vale. Só conta se estiver no livro, se for validado pelo professor, se estiver na “resposta certa” da apostila. O pensamento próprio é tolerado enquanto não atrapalha o funcionamento da máquina. Quando começa a questionar o sistema, vira ameaça.

O aluno aprende rápido: refletir atrasa, perguntar incomoda, desconfiar isola. Então, ele adapta. Aprende a perguntar só o que o professor quer ouvir. Aprende a pensar em voz baixa. Aprende a evitar o risco de errar — porque errar é penalizado. A inteligência vira cautela. A mente vira serva.

Esse padrão não para na escola. Vai para o trabalho. Vai para a política. Vai para a vida afetiva. O adulto médio não toma decisão sem “pesquisar no Google”, sem pedir opinião, sem autorização externa. Não porque seja inseguro por natureza — mas porque foi treinado para depender. A dependência virou estrutura psíquica.

Gatto via isso. Ele entendia que a escola não cria autonomia, mas molda a personalidade para encaixe social. O aluno obediente vira o cidadão que confunde ordem com moral, regra com justiça, sucesso com submissão. E isso é ótimo para qualquer regime, qualquer empresa, qualquer ideologia que queira crescer sem ser questionada. Pensar é risco. E o sistema atual é covarde.

Observe o discurso dominante: “confie na ciência”, “siga os especialistas”, “consulte um técnico”, “não compartilhe desinformação”. Tudo parece sensato — e muitas vezes é. Mas a mensagem subliminar é uma só: não pense por si. Delegue. Obedeça. Submeta-se à curadoria alheia. O saber virou uma espécie de propriedade institucional. E quem ousa desconfiar é chamado de “negacionista”, “problemático”, “reacionário” ou “lunático”, dependendo do lado que incomodar.

A verdade é que o pensamento autêntico sempre será marginal. Ele nasce onde ninguém quer olhar. Ele incomoda. E isso exige coragem. Por isso não se ensina. Por isso é mais fácil falar de “cidadania”, “projetos integradores”, “valores humanitários” — tudo embalado numa estética de cuidado — do que permitir que alguém forme um juízo próprio a partir da dúvida, do erro, da contradição.

O pensamento livre é lento, solitário e arriscado. E ninguém quer mais isso. Nem os professores, nem os alunos, nem os pais. A maioria quer adaptação. Quer facilidade. Quer paz. E o preço dessa paz é alto: é o abandono da lucidez.

No fundo, a escola de hoje prepara o aluno para a maior habilidade do século XXI: terceirizar o próprio juízo. Ensina o jovem a ser consultor de si mesmo — mas sempre sob supervisão. Ensina a desconfiar da intuição, do senso comum, da fé, da tradição — e a confiar cegamente em gente que ele nunca viu. Ensina a dizer “eu acho” sem nunca realmente ter pensado.

O resultado é uma sociedade com excesso de informação e déficit de verdade. Gente cheia de dados, mas vazia de sentido. E o pior: com medo de pensar. Porque pensar, hoje, é um risco. E quase ninguém está disposto a correr.

Artigo 2 – Autoestima de Plástico: Likes, Mérito e Notas

A criança entra na escola curiosa, viva, cheia de impulso natural para explorar. Em pouco tempo, vira uma extensão do boletim. Ela aprende que seu valor está em uma nota. Que sua inteligência está num número. Que sua identidade depende de méritos mensuráveis. E, sem perceber, internaliza a equação mais perversa da modernidade: “sou o que os outros dizem que eu sou”.

O sistema é cruel, mas refinado. A autoestima, que deveria nascer de um juízo interno — da consciência do próprio valor — é transferida para fora. Primeiro para os pais, depois para os professores, mais tarde para os gestores, e finalmente para a multidão invisível que habita as redes sociais. É o ciclo da dependência emocional institucionalizada. A escola ensina a ser “bom” pelos critérios de alguém. Ensina a esperar aprovação para existir. Ensina que, sem validação, você não vale nada.

Gatto alertava para isso quando falava da “autoestima condicional”. O aluno é avaliado o tempo inteiro, desde os seis anos de idade. Ocorre um aprendizado profundo, mas subterrâneo: “meu valor depende daquilo que esperam de mim”. Isso destrói o espírito, sem que ninguém veja o dano. E quando chega a adolescência, a mesma lógica aparece de novo — só que agora com filtros, stories e algoritmos. A nota virou like. O boletim virou engajamento. A ansiedade escolar virou ansiedade social.

A sociedade aplaude o “aluno destaque”, mas não vê o que está por trás: o vício por aprovação, a paralisia diante do erro, o desespero em ser reconhecido. O sujeito estuda, trabalha, se veste, posta e pensa para agradar. Se o olhar externo desaparece, ele desmorona. Isso não é autoestima. É submissão em forma de performance.

E o mais grave é que o discurso educacional se apropriou da palavra autoestima sem entender o que ela significa. Hoje se diz que “precisamos fortalecer a autoestima dos alunos”, mas o que se faz é exatamente o contrário. O aluno é exposto a metas inalcançáveis, a comparações públicas, a rankings disfarçados de incentivo. Ele é moldado para competir desde cedo — mas sem estrutura interior. Resultado: ou se torna um narcisista vazio, ou um derrotado crônico. Em ambos os casos, frágil, manipulável, dependente.

A lógica meritocrática na educação só piora isso. Porque diz: “se você não se destaca, é porque não se esforça”. E ninguém para para perguntar se o critério de destaque é justo. Ou se a competição é honesta. Ou se todo mundo começa do mesmo lugar. Não. A mensagem é direta: se você fracassa, a culpa é sua. Isso destrói a alma. E o sistema aplaude.

Hoje temos gerações inteiras que não suportam a frustração. Que colapsam diante da crítica. Que precisam de aprovação constante para seguir. Isso não é fraqueza pessoal. É resultado de um sistema que ensinou, desde o começo, que o valor está fora de si. Que autoestima é algo que se recebe, não que se constrói.

Quer libertar alguém? Ensine-o a confiar no próprio juízo. A aceitar o erro como parte do caminho. A não se medir pelos critérios de um sistema doente. Mas isso não dá lucro. Não dá ranking. Não forma mão de obra dócil. Por isso a escola segue premiando a nota e punindo a dúvida. E o Instagram faz o resto.

A autoestima, hoje, é feita de plástico. Brilha, mas não sustenta. Rompe no primeiro impacto. E isso é conveniente. Porque quem não se sustenta sozinho, precisa sempre de alguém para dizer que ele vale alguma coisa. E quem precisa disso, obedece. Consome. Cala. E agradece.

Artigo 3 – Vigilância Integral: O Lar como Extensão da Escola

A escola acaba às cinco, mas o controle continua. A criança chega em casa e, em vez de encontrar respiro, leva junto o fantasma da sala de aula: dever de casa, agenda digital, aplicativos com alertas de pendência, mensagens da coordenação, relatórios de desempenho. O que antes era exceção virou rotina. O lar, último espaço simbólico de autonomia da criança, foi invadido. Agora a vigilância não tem mais parede, nem relógio. É perpétua.

O discurso oficial é sempre o mesmo: “acompanhamento pedagógico”, “envolvimento da família”, “melhoria do rendimento”. Mas na prática, trata-se de ampliar o raio de controle. A criança aprende que não existe mais separação entre tempo livre e tempo controlado, entre espaço íntimo e espaço institucional. Cada gesto, cada comportamento, cada clique é contabilizado. A escola virou nuvem. Está em todo lugar. E sempre vigiando.

Gatto já denunciava esse processo no tempo em que o dever de casa era a única extensão do controle. Hoje, com a digitalização total da educação, o sistema se sofisticou. Plataformas como Google Classroom, Canvas, SophiA e similares transformaram a casa em filial da escola. Os pais, seduzidos pela ideia de “transparência”, vigiam junto. E a criança cresce sem saber o que é o silêncio, o tédio criativo, o tempo morto. Tudo é monitorado. Até a procrastinação virou dado.

Esse tipo de controle não apenas mata a liberdade. Ele destrói a intimidade. A casa vira mais um ponto do panóptico. E o aluno se acostuma com a ideia de que sempre há alguém olhando, esperando, cobrando. Isso gera ansiedade crônica, fuga para distrações de curto prazo, dependência emocional de feedback constante. A criança não consegue mais aprender sem que alguém diga: “muito bem”. E se não disser, ela trava. Esse é o objetivo oculto: impedir que o sujeito se torne autossuficiente.

O modelo foi absorvido sem resistência. Escolas privadas vendem esse controle como vantagem competitiva. Pais exigem relatórios diários. Professores viraram operadores de CRM. E o mais doente: ninguém se pergunta se isso é normal. Se isso é saudável. Se isso é humano.

Pior ainda é o efeito colateral: a desconfiança. A criança passa a achar que precisa ser corrigida o tempo todo. Que não pode aprender sozinha. Que o erro é perigoso. Ela perde a coragem de experimentar. De inventar. De se isolar para pensar. Porque isolamento virou sinônimo de desvio. De falta. De “problema”. Tudo que escapa à planilha é suspeito.

E essa suspeita vai se estendendo. Ao pai que não responde rápido. À mãe que não participa da reunião online. À família que não se engaja nas tarefas. O sistema trata qualquer autonomia como descaso. Qualquer crítica como resistência. E assim a lógica da escola se torna a lógica da casa. E mais tarde, do trabalho, do governo, do consumo.

O resultado? Um sujeito que nunca se sente sozinho — mas nunca se sente livre. Um aluno que pode ser excelente em notas, mas incapaz de decidir o que quer da vida. Um profissional que entrega relatórios impecáveis, mas que trava diante do imprevisível. Um adulto treinado para ser monitorado. Que chama isso de responsabilidade. Mas vive, no fundo, como prisioneiro comportado.

A vigilância integral começou com um caderno. Agora está em cada tela, em cada app, em cada hábito. E o sujeito moderno, orgulhoso da própria produtividade, esqueceu o essencial: sem espaço íntimo, não há liberdade. E sem liberdade, não há pensamento. Só adaptação.

Capítulo 4 – Quebrando as Grades Invisíveis
Artigo 1 – Desescolarizar a Mente: Primeiros Passos

A primeira prisão que se rompe não é a da escola, é a da cabeça. Porque o sujeito pode sair do prédio, abandonar o currículo, largar o diploma — mas continuar pensando como um aluno bem comportado. A dependência não é só institucional, é mental. E desescolarizar não é apenas um gesto político ou pedagógico: é um processo interior de libertação.

O problema é que a escola entra fundo. Ela molda não só o modo como aprendemos, mas o modo como enxergamos o mundo. Ensina que só se aprende com autoridade, que só vale o que tem avaliação, que o erro é fracasso, que a dúvida é fraqueza. Esse é o script. E mesmo quem se revolta contra ele, muitas vezes, continua preso à sua forma. Sai da escola, mas quer outro mestre. Outro diploma. Outro certificado. Outro método. A mente segue domesticada.

Desescolarizar a mente é reaprender a aprender. É lembrar que pensar não exige prova, que ler não exige interpretação padrão, que estudar não precisa de apostila, aplicativo ou sala. É voltar à experiência real: observar, escutar, tocar, testar, errar, refazer. O mundo vira sala de aula. A vida vira currículo.

E isso já acontece — embora à margem. Crianças que aprendem sozinhas a programar. Adolescentes que se alfabetizam lendo mangás. Adultos que formam biblioteca em casa enquanto a faculdade entrega PowerPoint. Tudo isso é educação real, mas ninguém valida. Porque não tem carimbo, nem sistema de avaliação. É saber que escapa.

O sistema odeia isso. A escola detesta o autodidata. O governo desconfia do educado fora da grade. Porque esses sujeitos pensam demais, decidem sozinhos, não seguem o fluxo. E a sociedade — domesticada como está — trata logo de chamá-los de “excêntricos”, “desviantes”, “rebeldes”. Mas são, na verdade, o que resta de inteligência viva.

Gatto entendia isso: educação não é transmissão de conteúdo, é ativação da consciência. É reapropriação da própria experiência. É autonomia de pensamento, de tempo, de ritmo. Não se aprende por obrigação. Aprende-se por necessidade, por interesse, por sentido. E isso não se ensina, se facilita.

Por isso, os primeiros passos para a desescolarização não estão nos livros certos, nem nos cursos alternativos. Estão no silêncio. Na pausa. Na atenção. Estão no gesto simples de sentar sozinho com uma pergunta e ter coragem de não saber a resposta. Estão em parar de competir. Em parar de agradar. Em parar de seguir ordem.

Educar-se, nesse sentido, é um ato solitário — mas não isolado. Porque logo se descobre que outros também estão nesse caminho. Gente que lê fora da moda. Que pensa fora da agenda. Que se recusa a trocar liberdade por certificado. Essas pessoas formam o que Ivan Illich chamava de “rede de aprendizagem espontânea”. Uma escola sem muros. Uma pedagogia sem sistema.

A boa notícia? Ela já existe. Está nos clubes de leitura que surgem por afinidade. Nas rodas de conversa sem tema fixo. Nos podcasts de gente que ainda pensa. Nos diários íntimos que ninguém lê. Nos filhos que aprendem com os pais — e vice-versa. A desescolarização começa quando se para de pedir permissão para aprender.

É isso que o sistema mais teme: o sujeito que não precisa dele. Que estuda porque quer, que aprende porque precisa, que pensa porque não aguenta mais o vazio. Esse não volta mais para a sala. Esse quebrou a grade por dentro.

Artigo 2 – A Rebeldia do Senso Comum: O que os Pobres Sabem que os Especialistas Ignoram

Tem coisa que só se aprende fora da escola. E não é porque falta estrutura, livro ou método. É porque o saber que vale mesmo não cabe em currículo, nem em palestra de pedagogo. Tem mãe analfabeta que sabe mais de lógica do que muito doutor. Tem pedreiro que compreende mais de gravidade, cálculo e geometria prática do que muito engenheiro de planilha. Tem quitandeira que sabe mais de finanças, fluxo de caixa e psicologia humana do que muito MBA com inglês fluente. Mas esse saber é invisível — porque é vivo, espontâneo, desobediente.

O sistema educacional trata esse tipo de inteligência como ruído. Porque ela não foi homologada. Não passou pelo crivo dos especialistas. Não tem “referência”. Só que é ela que sustenta o país. É ela que costura roupa, constrói parede, vende comida, cuida de doente, cria filhos. Enquanto isso, os especialistas publicam artigo, mas não sabem trocar uma lâmpada.

A escola ensinou o sujeito a desprezar o senso comum. Disse que “achismo” não é conhecimento, que “experiência empírica” não tem valor, que só vale o que vem de cima. E com isso, destruiu a confiança de uma geração inteira na própria inteligência. Hoje, um jovem que nasceu ouvindo os avós dizerem “isso aí dá problema”, prefere acreditar num “influencer” de laboratório. A intuição popular foi trocada por gráficos de PowerPoint. E o resultado está aí: uma sociedade cega, que tropeça no óbvio e chama isso de complexidade.

John Gatto entendia a força do saber não certificado. Ele via, nas ruas, nos lares e nos subúrbios, uma inteligência selvagem, mas precisa. Gente que nunca ouviu falar de Piaget ou Paulo Freire, mas sabia exatamente como formar caráter, como ensinar responsabilidade, como dar limite. E sabia também que educação não é autoajuda com lousa digital — é exigência, sacrifício, tempo, e acima de tudo, exemplo.

Só que esse tipo de saber é perigoso para o sistema. Porque não depende dele. Não se curva a modismos. Não se vende. É um saber de resistência. Por isso precisa ser ridicularizado, criminalizado, silenciado. Não se pode deixar que o sujeito acredite que sua avó, sem diploma, possa ter mais sabedoria do que o psicólogo escolar com três pós-graduações. Isso quebraria toda a cadeia de dependência.

Mas a verdade é essa: os pobres sabem o que os especialistas esquecem. Sabem que criança precisa de rotina, de castigo justo, de afeto real. Sabem que quem fala demais costuma fazer de menos. Sabem que educação não é discurso — é postura. E sabem, principalmente, que o mundo é duro, que a vida não dá tutorial, que caráter vale mais que nota.

Recuperar esse saber exige humildade. Exige calar a soberba acadêmica e escutar quem vive no chão da vida. Exige entrar no boteco, no açougue, no salão de beleza e ver ali não ignorância, mas potência. Porque onde o Estado falha, onde a escola falha, onde a ONG falha — é o saber do povo que sustenta tudo de pé. Sempre foi.

E enquanto a elite debate se “a BNCC é eficaz” ou se “as metodologias ativas geram protagonismo”, tem mãe analfabeta ensinando pro filho que quem mente perde o valor, que quem promete tem que cumprir, que respeito é base. Isso não está em apostila. Mas é o que salva.

Se a educação quiser ser algo mais que burocracia com aplicativo, vai ter que olhar pra esse saber com respeito. E vai ter que admitir: os pobres sabem. Sabem porque vivem. E o que vive, ensina.

Artigo 3 – Família, Bairro, Templo: Os Três Espaços que a Escola Quer Eliminar

A escola moderna não disputa apenas conteúdo — disputa território. O projeto não é só ensinar o que querem, mas apagar o que já existia. E os alvos são claros: a família, o bairro e o templo. São eles os espaços onde ainda existe cultura viva, saber encarnado, autoridade espontânea. Onde ainda há histórias passadas de boca em boca, valores que não mudam conforme o edital, vínculos que não dependem de nota ou cargo. E por isso mesmo, esses três espaços precisam ser minados.

A família é o primeiro obstáculo. É nela que a criança aprende quem é, de onde vem, o que deve temer e o que deve respeitar. Se a família funciona, ela cria filtro contra a propaganda. Cria critério contra a manipulação. Cria referência contra a doutrinação. Isso é perigoso para um sistema que quer formar indivíduos quebrados, maleáveis, flutuantes. Por isso a escola moderna se mete na casa. Questiona a autoridade dos pais. Impõe linguagem que os adultos não compreendem. Acusa qualquer resistência de “retrógrada”. E quando os pais reagem, são culpabilizados por “falta de diálogo” ou “resistência à mudança”.

Depois vem o bairro — a comunidade. O lugar onde ainda há vizinho, padaria, futebol de rua, conversa fiada, vida compartilhada. A escola odeia isso. Prefere o aluno isolado, trancado, atomizado. O estudante que não convive fora do ambiente controlado é mais fácil de manipular. E se o bairro for pobre, pior: ali existe solidariedade de verdade. Existe ajuda sem nota fiscal, conselho sem CNPJ, sabedoria sem protocolo. Isso é intolerável. Porque mostra que é possível viver, aprender, crescer — sem depender do sistema.

E o terceiro espaço é o templo — qualquer um. Pode ser igreja, terreiro, sinagoga ou mesquita. A escola vê neles um inimigo velado. Porque ali existe transcendência. Existe hierarquia natural. Existe autoridade moral que não vem do diploma, mas da vivência. Existe disciplina que não nasce do medo da prova, mas do temor de algo maior. E tudo isso desestabiliza o projeto secularizante da educação pública. Um aluno que aprende que existe algo sagrado — seja Deus, seja a alma — é um aluno mais resistente à domesticação.

Por isso esses três espaços precisam ser “modernizados”. No fundo, desfigurados. O Estado intervém na família com cartilhas. Fragmenta o bairro com “segurança pública”. Ridiculariza o templo com caricaturas e campanhas. E no lugar deles, planta o novo tripé da formação: Estado, mídia e plataforma. São eles que agora educam, disciplinam, acolhem e moldam.

Gatto intuía isso quando falava do papel da comunidade na educação real. Ele entendia que o saber está no barbeiro, no velho da praça, na avó que reza, no padeiro que ensina a pesar com o olho. Que há mais formação num velório de parente do que em um mês de aula sobre “valores humanos”. E que a escola, para se tornar totalitária, precisa destruir esses vínculos — porque eles ensinam de graça o que o sistema cobra caro sem entregar.

O drama é que muitos já aceitaram isso. Acham que o saber do YouTube vale mais que o do avô. Que a fala do influencer pesa mais que a do pastor. Que a professora progressista da escola entende mais de infância do que a própria mãe. Isso é sinal de que a guerra está avançada. E que os três últimos bastiões de resistência já estão cercados.

Mas nem tudo está perdido. Porque esses espaços, por mais golpeados que sejam, renascem. Família de verdade sobrevive até em ruína. Bairro ainda pulsa onde há boteco. E templo, mesmo fechado, permanece vivo no coração dos fiéis. Esses lugares ensinam o que nenhuma escola digital jamais ensinará: o valor da presença, da escuta, da autoridade legítima. A educação começa aí. E só aí.

Capítulo 5 – A Nova Escola da Servidão
Artigo 1 – A Máquina Global do Ensino Corporativo

O mundo inteiro virou sala de aula. Mas não aquela com giz e quadro — virou uma sala sem paredes, com sensores, metas, gráficos, políticas públicas e selos ESG. E o professor? Não é mais um sujeito com vocação. Agora é uma engrenagem terceirizada dentro de um projeto educacional montado por fundações bilionárias, agências multilaterais, gigantes da tecnologia e ministros treinados em Davos. A nova escola não quer formar pessoas — quer moldar peças. E para isso, precisa funcionar como máquina.

Google, Microsoft, Unesco, Banco Mundial. Parece que todos acordaram, ao mesmo tempo, decididos a “melhorar a educação global”. Curioso. Justo as mesmas instituições que formatam o mundo para poucos agora se dizem preocupadas com o aprendizado dos pobres. Só que essa “educação” vem embalada com termos bonitos: inclusão, diversidade, inovação, competências do século XXI. Mas por trás do marketing, está o velho plano: formar uma massa ajustável, rastreável e previsível.

O ensino corporativo opera como qualquer sistema de produção enxuta. A lógica é clara: medir tudo, padronizar tudo, automatizar o máximo possível. O aluno não é mais um ser em formação. É um perfil de consumo, com histórico de engajamento, aptidões emocionais rastreadas por IA e respostas mapeadas em tempo real. A promessa é “personalização”, mas o que entregam é padronização travestida de variedade. O mesmo conteúdo, em mil formatos. O mesmo controle, com mil nomes.

Gatto já falava disso nos anos 90, antes do big data, antes da Google for Education, antes da UNESCO virar player de cultura e valores. Ele sabia que o projeto da escola obrigatória era formar mão de obra dócil, não cidadãos conscientes. Agora isso se amplia para o plano digital-global. As corporações não querem apenas formar trabalhadores. Querem formar consumidores fiéis, eleitores previsíveis, cidadãos emocionais, fáceis de conduzir.

A “educação global” se torna, então, um braço do gerenciamento total da vida. A criança aprende desde cedo que sua existência é rastreável. Que tudo é métrica. Que toda emoção pode virar relatório. Que toda ação precisa de validação. É o nascimento do homem estatístico. O sujeito que não age — responde. Que não decide — escolhe entre duas opções dadas.

E para garantir isso, as escolas se tornam hubs de dados. Cada tablet entregue a um aluno de periferia vem com um preço embutido: sua liberdade. Cada aplicativo didático gratuito alimenta servidores com traços comportamentais. Cada parceria com fundação internacional garante dependência técnica. O país ensina, mas quem gerencia o saber são outros — invisíveis, inalcançáveis, bilionários.

E o trágico é que quase ninguém percebe. Porque essa nova escola vem cheia de tela, cor, badge, gamificação. Parece moderna, democrática, acessível. Mas é só uma versão turbinada da velha prisão. Agora sem grades. Agora com emojis. Mas ainda prisão.

O futuro da servidão é educado com tecnologia de ponta. E se não rompermos com isso logo, o analfabeto do amanhã será aquele que ousar desconfiar do sistema. Que ousar pensar fora dos módulos. Que ousar ensinar algo que não está na cartilha internacional.

A nova escola quer apagar a última centelha de liberdade: o pensamento independente. E ela fará isso sorrindo, oferecendo certificado, reconhecimento global e uma conta Google para cada aluno.

Artigo 2 – Competências, Habilidades e a Ilusão do Protagonismo

Nada mais funcional para um sistema de controle do que convencer o controlado de que é livre. É isso que a nova escola faz com maestria: vende escravidão como protagonismo. Troca o conteúdo denso por “habilidades”. Troca o saber sólido por “competências”. Tira o professor da frente e coloca o aluno como “centro do processo”. Parece emancipador — é só marketing.

O aluno, agora, “constrói o próprio conhecimento”. Parece bonito. Mas no fundo, é jogado num mar de tarefas fragmentadas, sem hierarquia, sem densidade, sem norte. Ele precisa “resolver problemas”, mas nunca pode perguntar o que está por trás do problema. Precisa “trabalhar em equipe”, mas nunca questionar a finalidade do trabalho. Precisa “ser criativo”, mas dentro do escopo. É liberdade formatada. É autonomia monitorada.

Gatto já dizia: o objetivo não é formar pensadores, mas obedientes com iniciativa. Gente que pareça autônoma, mas que funcione perfeitamente dentro das linhas de montagem. As “competências socioemocionais” são o novo currículo oculto. O aluno precisa aprender a “colaborar”, “ter empatia”, “regular suas emoções” — mas não porque isso o tornará mais humano. É porque será mais funcional. Mais adaptável. Mais lucrativo.

Observe os documentos oficiais. A BNCC, por exemplo, parece preocupada com o desenvolvimento integral. Mas o que ela propõe é um sujeito mole, maleável, cordial, positivo. Um sujeito que aprenda a “conviver com o diverso”, mas que jamais questione a estrutura. Um sujeito que aprenda a “lidar com frustrações”, mas nunca descubra de onde vem o sofrimento. É uma pedagogia do afeto domesticado. A inteligência é emocional porque não pode ser crítica.

E os professores? Viram facilitadores. Mentores. Orientadores de trilhas. O nome muda porque a função muda. Não se espera mais que ensinem algo profundo, apenas que acompanhem. Que avaliem segundo rubricas padronizadas. Que entreguem dados para alimentar dashboards institucionais. O saber foi desvalorizado. O que conta é a habilidade de conduzir sem ensinar, de gerir sem formar. O professor virou coach com diploma.

E o aluno se adapta. Aprende a performar. A decorar palavras-chave. A montar apresentações com storytelling. A simular reflexão. Tudo isso para ganhar selo, pontuar no portfólio, aparecer bem na avaliação externa. A escola se torna um teatro. E o aluno, protagonista — mas de uma peça escrita por outros.

É por isso que tantos jovens saem da escola sem saber o básico, mas com currículo recheado. Sabem montar slide, mas não escrever uma oração subordinada. Sabem identificar fake news, mas não interpretar um texto de duas páginas. Sabem gravar vídeo opinando, mas não têm ideia do que é um argumento. E pior: acham que sabem.

A pedagogia das competências destruiu o senso de verdade. Não importa mais o que é certo — importa como você se sente a respeito. Não interessa mais a realidade — interessa a narrativa. O conteúdo virou obstáculo. O saber virou peso. O aluno virou “protagonista de si mesmo” — mas sem roteiro, sem gramática, sem memória.

Esse é o cidadão perfeito para a nova ordem: articulado, flexível, sorridente — e vazio. E a escola, longe de corrigir isso, é a incubadora. É nela que se treina o funcionário ideal: aquele que muda de ideia sem conflito, que muda de cidade sem raiz, que muda de identidade sem crise. É o sujeito líquido. E líquido não sustenta nada.

Artigo 3 – O Fim da Educação e o Início do Gerenciamento de Pessoas

A escola não educa mais. Ela gerencia. O aluno não é mais discípulo — é cliente, usuário, parte interessada. O professor não é mestre — é operador de processos. O diretor virou gestor de recursos humanos, o coordenador virou analista de desempenho, e o currículo virou pacote de competências vendável em qualquer parte do mundo. A educação foi substituída por um sistema de governança. Não se forma mais seres humanos: se formata pessoas para funcionar.

Tudo começa com a linguagem. Educação virou “prestação de serviço”. O saber virou “entrega”. A disciplina virou “intervenção pedagógica”. O aluno deixou de ser ser para virar dado. E dado precisa de indicador. Precisa de meta. Precisa de avaliação por desempenho. A escola virou empresa, o estudante virou produto em desenvolvimento, e a sociedade bate palma. Porque ninguém mais sabe o que era uma escola de verdade.

Gatto denunciava isso de forma profética. Ele dizia: a escola está se tornando um processo técnico, sem alma. E acertou. Hoje, os manuais pedagógicos se parecem com relatórios de RH. Os planejamentos anuais são cheios de “skills”, “KPI’s”, “design thinking”. Fala-se muito em projeto de vida, mas o que se ensina é plano de carreira. O que antes era busca por sentido virou simulação de propósito com marca d'água.

A educação virou instrumento de conformação. Se antes o objetivo era formar o cidadão — agora é preparar o profissional. Mas nem isso se faz direito. Forma-se um sujeito ansioso, incapaz de concentração, viciado em mediação, com medo de silêncio e avesso à profundidade. Um sujeito que sabe se vender, mas não sabe o que é. Que sabe falar, mas não diz nada. Que sabe parecer, mas não sustenta. A escola gerencia. Mas não forma.

E o gerenciamento é total. A escola não apenas ensina, ela molda conduta. Aponta os “bons exemplos”, pune os desvios, premia o engajamento, corrige o comportamento inadequado. O aluno aprende, desde cedo, que sua existência é monitorada. Que seu valor depende de como responde às demandas. Que seu futuro será tanto melhor quanto mais bem ajustado for. É treinamento para submissão.

Esse modelo está por toda parte. Desde o ensino fundamental com seus relatórios socioemocionais, até a universidade com seus programas de compliance estudantil. A escola virou uma simulação de empresa. E o mais trágico: os alunos já se comportam como colaboradores. Com medo de errar. Com pavor de se destacar demais. Com desespero por aprovação. Com necessidade de se adaptar ao algoritmo da vez.

A educação morreu quando o saber deixou de ser fim e virou ferramenta. Quando o aluno deixou de ser buscador e virou material humano. Quando o professor deixou de ser voz e virou técnico de comportamento. O que se faz agora é outra coisa. É treinamento. É condicionamento. É programação.

E essa nova escola, moldada por interesses que ninguém elegeu, já venceu. Porque está em todas as esferas: na escola pública de bairro, na rede privada bilionária, nos programas de formação continuada, nas políticas nacionais e nos fóruns internacionais. A máquina roda. E roda bem.

Mas há quem resista. Nos cantos, nas margens, nas famílias, nos autodidatas, nos que ainda acreditam que pensar dói, mas liberta. Que saber exige esforço. Que educar é uma luta contra a barbárie — não um aperfeiçoamento dela.

A escola da servidão está aí. Mas ainda há quem prefira a liberdade. Mesmo que custe caro. Mesmo que ande só. Mesmo que a voz seja baixa. Gatto sabia disso. E escreveu para esses.

Conclusão – O Cadáver na Sala de Aula

A esta altura, só um imbecil funcional, desses treinados por décadas no catecismo da pedagogia progressista, ainda ousaria sustentar que a escola moderna serve para educar. Já não se trata de um erro de percurso, nem de desvio interpretativo. A máquina está funcionando com precisão mecânica — e o produto final é o homem desfigurado: intelectualmente atrofiado, emocionalmente manipulável, moralmente fluido, espiritualmente vazio. Um ser que não sabe de onde veio, que não compreende onde está e que não ousa perguntar para onde vai. A escola moderna não erra: ela acerta no que foi construída para fazer. Ela não falha — ela triunfa no seu propósito de destruição.

Mas o mais espantoso não é isso. É que diante da evidência, diante do caos instalado, diante das ruínas que se acumulam ano após ano em boletins coloridos e sorrisos sintéticos, ainda haja quem aplauda. Ainda haja quem escreva tese sobre "aprendizagem significativa", como se as cinzas da civilização pudessem ser varridas com metodologia ativa. O cadáver está na sala de aula, e os especialistas discutem o tom da maquiagem.

Gatto tocou na ferida, mas o leitor brasileiro — viciado em autoajuda disfarçada de ciência — preferiu fazer de conta que era só mais um gringo excêntrico. Porque para ouvir Gatto é preciso coragem. Coragem de reconhecer que tudo está errado. Que o que chamam de “educação” é um processo de imbecilização em larga escala, com protocolo, CNPJ e aprovação institucional. E que o primeiro ato de inteligência é o rompimento. Romper com o discurso, com o método, com o medo. Romper até com a ilusão de que é possível reformar um sistema cuja essência é a deformação.

A educação só renascerá no Brasil se passar pela mesma trilha da filosofia: o reconhecimento do erro radical. Não se trata de melhorar a escola, mas de superá-la. Não se trata de resgatar o ensino, mas de recomeçar o ato de educar — com sangue, suor, memória e sacrifício. Só se educa pelo exemplo. Só se educa pelo vínculo. Só se educa pelo amor à verdade. E isso não cabe em grade curricular, não se mede por competência, não se aprende por aplicativo.

A escola faliu. E quem ainda acredita nela é cúmplice — por covardia, por burrice ou por conveniência.

Resta, pois, aos que ainda pensam, aos que ainda sentem, aos que ainda crêem, o dever de não se render. De ensinar no silêncio, na resistência, no gesto gratuito, no saber vivido. A cultura só se salva de um modo: sendo encarnada. E a verdadeira educação, como a verdadeira filosofia, começa onde termina o sistema.

Não esperem diploma. Não esperem aplauso. Não esperem estatuto.
Ensinem. Mesmo sem plateia. Mesmo sem salário. Mesmo sem perdão.

Porque o mundo só será salvo por quem, apesar de tudo, se recusa a esquecer o que é um ser humano.

 

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