quarta-feira, 2 de julho de 2025

Antropología Filosófica: A Estrutura, a Dinâmica e o Destino da Pessoa Humana.

Título:
Antropología Filosófica: A Estrutura, a Dinâmica e o Destino da Pessoa Humana.

Subtítulo:
Síntese e Interpretação Filosófica da Obra de José Ángel García Cuadrado.

Autor:
Antônio Freixo

Nota de capa:
Este estudo apresenta uma reelaboração sistemática da obra Antropología filosófica de José Ángel García Cuadrado, articulando em linguagem formal os fundamentos metafísicos, existenciais e transcendentais da pessoa humana.

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ÍNDICE – Antropología filosófica: Una introducción a la Filosofía del Hombre.

Capítulo I – A Estrutura Metafísica do Homem como Espírito Encarnado.

Artigo 1 – A Questão Filosófica sobre o Homem e o Problema da Unidade Substancial
Artigo 2 – Corpo, Alma e a Compreensão Tradicional da Pessoa
Artigo 3 – A Rejeição dos Reducionismos e a Recuperação do Realismo Ontológico

Capítulo II – A Dinâmica Existencial da Pessoa: Liberdade, Amor e Cultura.

Artigo 1 – A Liberdade como Estrutura Ontológica e Existencial
Artigo 2 – A Interpessoalidade como Fundamento da Comunhão Humana
Artigo 3 – Cultura, Técnica e Espírito: A Obra Humana no Mundo

Capítulo III – Origem e Destino: Entre a Finitude e a Trascendência.

Artigo 1 – Evolução, Criação e a Questão do Princípio Antropológico
Artigo 2 – A Morte, o Enigma Humano e a Possibilidade da Imortalidade
Artigo 3 – Abertura à Transcendência: Filosofia, Mistério e Revelação

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Capítulo I – A Estrutura Metafísica do Homem como Espírito Encarnado

Artigo 1 – A Questão Filosófica sobre o Homem e o Problema da Unidade Substancial.

A interrogação sobre o homem não é meramente empírica, mas ontológica. Não se trata de saber apenas como o homem funciona ou de onde vem, mas o que é o homem em sua constituição mais profunda. Essa pergunta, com raízes na tradição grega — especialmente em Aristóteles —, é retomada na filosofia cristã com Tomás de Aquino e culmina numa reflexão metafísica que ultrapassa as abordagens científicas parciais. A antropologia filosófica afirma que o homem não é um agregado de partes, mas uma unidade substancial, um ser uno no qual corpo e alma, matéria e espírito, coexistem como um único princípio individual.

Negar essa unidade — como fazem tanto os dualismos espiritualistas quanto os materialismos reducionistas — resulta em uma concepção mutilada da realidade humana. O dualismo de Platão, por exemplo, concebendo o corpo como prisão da alma, contradiz a experiência fundamental da unidade do sujeito. Por outro lado, o materialismo moderno reduz o espírito a uma função da matéria, negando toda transcendência e obliterando o mistério pessoal. A resposta clássica do hilemorfismo aristotélico-tomista oferece uma alternativa: a alma é a forma substancial do corpo, e o homem é, assim, um composto de matéria e forma, cuja unidade é metafisicamente real e não apenas funcional.

Essa concepção assegura que todo ato humano — desde a percepção sensível até os mais altos exercícios da liberdade e do pensamento — é expressão de uma unidade substancial, e não produto da justaposição entre corpo e espírito. A pessoa, portanto, não tem um corpo e uma alma: é corpo e alma em unidade. Essa abordagem permite fundamentar a dignidade ontológica do homem e sua distinção essencial em relação ao restante dos entes da natureza.

Artigo 2 – Corpo, Alma e a Compreensão Tradicional da Pessoa.

A tradição filosófica e teológica ocidental construiu, ao longo dos séculos, uma concepção de pessoa como substância individual de natureza racional, segundo a clássica definição de Boécio, ampliada por Tomás de Aquino. Essa definição implica uma identidade que permanece no tempo, uma racionalidade que transcende o imediato e uma interioridade capaz de refletir sobre si mesma. A alma racional, princípio vital e espiritual, não apenas anima o corpo, mas informa toda a realidade pessoal, conferindo unidade e identidade substancial ao ser humano.

A alma, neste sentido, não é um suplemento metafísico ou uma herança de concepções religiosas arcaicas, mas uma exigência filosófica da própria experiência humana: na linguagem, na ciência, na arte, na moral e na religião. Todas essas atividades apontam para uma fonte espiritual irredutível à matéria. A corporeidade, longe de ser uma limitação, é condição de realização da alma. A pessoa não é um espírito aprisionado num corpo, mas um ser espiritual que é corpo, que se exprime e se manifesta na e pela corporeidade.

O reconhecimento dessa dupla dimensão — espiritual e material — leva à rejeição tanto do espiritualismo desencarnado quanto do biologicismo moderno. A concepção de homem como “espírito encarnado” é, portanto, mais do que uma metáfora: é uma exigência ontológica. A noção de pessoa, nesse quadro, transcende as classificações zoológicas e impõe uma dignidade absoluta, derivada da estrutura ontológica da unidade substancial entre corpo e alma.

Artigo 3 – A Rejeição dos Reducionismos e a Recuperação do Realismo Ontológico.

O século XX assistiu à multiplicação de antropologias parciais, fragmentárias, que reduzem o homem ora a sua dimensão biológica, ora a sua historicidade, ora a sua funcionalidade social. Essas abordagens, embora legítimas em seus domínios próprios, tornam-se insuficientes — e até perigosas — quando pretendem abarcar a totalidade do ser humano. O reducionismo biologicista, por exemplo, vê o homem como um produto da seleção natural; o psicologismo o reduz a impulsos e condicionamentos inconscientes; o culturalismo o dissolve em estruturas sociais mutáveis. Em todos os casos, o resultado é uma amputação da verdadeira natureza humana.

A resposta filosófica exige o retorno ao realismo ontológico: a crença de que a realidade é inteligível e que o homem, como ente dotado de razão, pode conhecê-la — ainda que de modo limitado e progressivo. O homem, nesse quadro, não é apenas objeto de análise, mas sujeito que se conhece a si mesmo como alguém. É o único ser que se interroga sobre o próprio ser. Essa autorreferência não é um círculo vicioso, mas uma manifestação da liberdade e da interioridade próprias da pessoa.

Ao recuperar o realismo metafísico, a antropologia filosófica reconstrói as bases para um conhecimento integral do homem: aquele que não se reduz a dados empíricos, mas se abre à contemplação do ser, do bem e da verdade. A dignidade da pessoa humana, a sua liberdade, a sua vocação à transcendência, tudo isso encontra sua base firme na ontologia. A partir dessa compreensão é que se pode construir uma ética sólida, uma política justa e uma cultura verdadeiramente humana.

Capítulo II – A Dinâmica Existencial da Pessoa: Liberdade, Amor e Cultura

Artigo 1 – A Liberdade como Estrutura Ontológica e Existencial.

A liberdade não é um simples atributo da vontade humana, mas uma estrutura ontológica que define a existência pessoal. Ser pessoa significa, antes de tudo, ser livre. Essa liberdade, porém, não se identifica com a ausência de condicionamentos ou com o poder arbitrário de escolha. Ao contrário, ela deve ser entendida como a capacidade de autodeterminação orientada pela razão em direção ao bem. A pessoa humana é o único ente da natureza que pode dizer “sim” ou “não” a si mesmo, que pode agir ou abster-se de agir, segundo um juízo interior.

A liberdade, enquanto transcendental da pessoa, está enraizada na espiritualidade da alma racional. É a liberdade que torna possível o amor, a responsabilidade moral, o arrependimento e o perdão. A liberdade não é o contrário da natureza, mas sua perfeição. Quanto mais o homem age segundo a verdade de sua essência, mais livre ele é. A liberdade é a expressão da racionalidade vivida como comunhão com o ser, e não como separação voluntarista da ordem objetiva.

Essa concepção se opõe tanto ao determinismo naturalista, que reduz a ação humana a efeitos de causas físicas, quanto ao voluntarismo moderno, que divorcia a liberdade da verdade. No primeiro caso, o homem é uma máquina sofisticada; no segundo, é um caos soberano. Ambos negam a possibilidade de uma ética objetiva e de uma convivência ordenada. A liberdade verdadeira exige uma antropologia realista, na qual a razão, a vontade e a afetividade se integram como potências de uma substância una, dotada de dignidade.

Artigo 2 – A Interpessoalidade como Fundamento da Comunhão Humana.

A pessoa não se realiza no isolamento, mas na comunhão. O ser humano é constitutivamente relacional. Não se trata apenas de uma exigência moral ou afetiva, mas de uma estrutura ontológica. A abertura ao outro é um dado original, não derivado. O homem nasce de uma relação, cresce em relações e só se compreende plenamente no espelho do rosto alheio. A solidão radical não é apenas trágica; é inumana.

A interpessoalidade é o lugar onde a liberdade se torna ato, onde a verdade se comunica, onde a dignidade se reconhece. O outro não é um limite, mas uma possibilidade de plenitude. O amor — como doação livre e consciente de si — é a forma mais alta da comunhão interpessoal. A ética, portanto, não pode ser compreendida sem uma ontologia do outro.

As filosofias modernas que partem do sujeito isolado — seja no racionalismo cartesiano, seja no idealismo kantiano — falham em explicar o fenômeno mais básico da existência humana: o encontro. O personalismo contemporâneo, por outro lado, redescobre que o eu só se compreende a partir do tu. A alteridade, longe de anular a identidade, é sua condição de possibilidade. É no rosto do outro que o homem reconhece sua própria vocação à transcendência e ao dom.

Artigo 3 – Cultura, Técnica e Espírito: A Obra Humana no Mundo.

A ação humana no mundo gera cultura. Essa cultura é a expressão visível do espírito que habita o homem. Toda técnica, toda linguagem, toda arte, todo símbolo são manifestações da interioridade humana que se objetivam. O homem, diferentemente dos animais, não apenas vive: ele constrói um mundo. E esse mundo não é neutro, mas carrega valores, fins, interpretações.

A cultura é, assim, prolongamento da natureza, mas também superação. Ela não é um adorno supérfluo, mas o modo próprio de ser do homem no mundo. Negar a cultura é negar a humanidade. Mas para que essa cultura seja verdadeiramente humana, ela deve respeitar a ordem do ser. Uma técnica que viola a natureza, uma arte que nega a beleza, uma linguagem que destrói o sentido — tudo isso são sintomas de uma cultura que se afastou de sua raiz ontológica.

A tarefa da antropologia filosófica é recolocar a cultura em sua base metafísica: o homem como ser racional, livre e aberto à verdade. Isso implica um juízo sobre os produtos culturais, um discernimento crítico que vá além do relativismo. A cultura não é autossuficiente; ela deve ser medida pela dignidade da pessoa. Só assim a técnica serve ao homem, e não o contrário. Só assim a arte eleva, e não degrada. Só assim a história progride, e não se corrompe.

Capítulo III – Origem e Destino: Entre a Finitude e a Transcendência

Artigo 1 – Evolução, Criação e a Questão do Princípio Antropológico.

A investigação filosófica sobre a origem do homem não pode prescindir da contribuição das ciências, mas tampouco se subordina a elas. A biologia evolutiva pode descrever o processo de hominização, identificar marcos genéticos e morfológicos, mas permanece cega à questão essencial: o que é o homem? A filosofia, por sua vez, pergunta pela natureza específica que emerge nesse processo: quando e como surge o ser dotado de espírito, consciência e liberdade?

O conceito de criação, em seu sentido metafísico, não se opõe necessariamente ao evolucionismo, desde que este não seja interpretado como uma doutrina materialista. A criação implica a existência de uma causa transcendente que funda o ser do homem em sua totalidade, não apenas sua corporeidade. O surgimento do homem é o surgimento de uma nova ordem ontológica: a da pessoa. A alma espiritual não é produto da evolução; é princípio subsistente, indivisível, criado diretamente por Deus.

A noção de monogenismo, historicamente associada à antropologia teológica, reafirma a unidade ontológica da espécie humana. Tal unidade possui implicações morais e metafísicas: todos os homens partilham a mesma natureza, a mesma dignidade, o mesmo chamado à verdade. A filosofia do homem, ao reconhecer a criação como fundamento, restitui ao homem sua identidade e liberdade sem reduzi-las a um acaso cósmico. O início do homem está marcado por uma vocação: ser imagem do Absoluto.

Artigo 2 – A Morte, o Enigma Humano e a Possibilidade da Imortalidade.

A morte é o dado mais radical da experiência humana. Ela não é apenas um fato biológico, mas uma interpelação filosófica. Todo homem sabe que vai morrer, e essa consciência da finitude funda o drama de sua existência. A morte revela o limite do ser, mas também a abertura ao infinito. A reflexão antropológica não pode evitar a pergunta: se o homem é um ser dotado de razão, liberdade, amor e sede de sentido, como compreender a morte como aniquilação?

A separação entre alma e corpo, segundo a tradição tomista, marca o fim da vida terrena, mas não anula a subsistência da alma racional, cuja natureza é espiritual e incorruptível. Essa imortalidade não é uma crença subjetiva ou religiosa, mas uma conclusão filosófica fundada na análise da atividade intelectual: se o intelecto não depende intrinsecamente da matéria para operar, então sua subsistência transcende a destruição do corpo.

A esperança na continuidade pessoal após a morte, portanto, não é uma alienação, mas uma exigência racional da própria estrutura do espírito humano. As filosofias materialistas tentaram apagar esse horizonte, reduzindo o homem a um epifenômeno biológico. Contudo, o clamor da consciência e da razão permanece: o homem não foi feito para o nada. A morte, longe de ser o fim absoluto, aparece como passagem, como crise ontológica que anuncia a necessidade de uma resposta transcendente.

Artigo 3 – Abertura à Transcendência: Filosofia, Mistério e Revelação.

A pergunta última sobre o destino do homem leva inevitavelmente ao limiar da metafísica. Toda antropologia filosófica, quando levada a sério, converte-se em uma teologia em potência. A estrutura do ser humano — racional, livre, moral, relacional — aponta para um além de si mesmo. O homem está orientado ao Absoluto. Essa abertura à transcendência não é uma superstição cultural, mas uma condição ontológica da liberdade e do desejo de plenitude.

A razão filosófica reconhece seus próprios limites. Ela pode demonstrar que há algo além do homem, mas não pode, por si mesma, preencher o conteúdo desse além. É nesse ponto que a revelação se insere como resposta possível ao clamor do espírito. A fé, longe de ser oposta à razão, a prolonga e a eleva. A tradição cristã, especialmente a partir de Tomás de Aquino, propôs uma síntese: a razão humana é capaz de chegar até as portas do mistério; a fé, iluminada pela graça, as atravessa.

A antropologia filosófica, ao recuperar essa abertura, reconcilia o homem consigo mesmo. Ela mostra que o homem não é um acidente do cosmos nem uma entidade fechada em si. Ele é um viator, um peregrino do ser, que se compreende na medida em que se transcende. A pergunta “o que é o homem?” não pode ser separada da pergunta “quem é Deus?”. E é nesse cruzamento entre razão e revelação, entre finitude e mistério, que se revela, por fim, o verdadeiro rosto da pessoa humana.


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