sábado, 15 de novembro de 2025

DSONIS ABBATIS DERVENSIS — LIBELLUS DE ANTICHRISTO

 


O Libellus de Antichristo é uma carta doutrinária escrita por Adso, abade de Dervensis (Montier-en-Der), dirigida à rainha Gerberga, esposa de Luís IV, o Ultramarino, e irmã do imperador Oto I. Por muito tempo, o tratado foi erroneamente atribuído a Alcuíno, Rábano Mauro e até a Santo Agostinho, mas a crítica filológica — especialmente após a descoberta da epístola de dedicatória — confirmou Adso como seu verdadeiro autor. A redação situa-se entre 949 e 954, antes da morte de Luís IV.

A obra nasce de uma consulta da rainha a Adso sobre a natureza, origem, poder, perseguição e destino do Anticristo, e foi concebida como síntese dos Padres (Agostinho, Jerônimo, Gregório Magno, Rábano Mauro) e de tradições apocalípticas judaico-cristãs.

A epístola apresenta-se em forma de exposição narrativa e moral, combinando elementos bíblicos (Daniel, II Tessalonicenses, Apocalipse) e lendários. O esquema pode ser dividido assim:

  1. Epístola dedicatória à rainha Gerberga.
  2. Exposição doutrinária sobre o nome, origem, vida, ações e fim do Anticristo.
  3. Profecia escatológica sobre o último imperador romano e o juízo final.

Doutrina do Anticristo segundo Adso

a. Natureza e oposição a Cristo

O Anticristo é definido como contrário a Cristo em tudo:

“Christus venit humilis, ille venturus est superbus.”
Cristo veio para justificar e elevar os humildes; o Anticristo, para exaltar os ímpios e destruir a lei evangélica. Será mestre de vícios e falso redentor, restaurando a idolatria e arrogando-se o título de Deus.

b. Origem e nascimento

Nascerá da tribo de Dã, conforme Gênesis 49:17, “Fiat Dan coluber in via”.
Será gerado de homem e mulher ímpios, não por geração virginal, e o demônio entrará no ventre da mãe, pervertendo desde a concepção o filho, que será “filius perditionis”. O local do nascimento será Babilônia, símbolo da corrupção do mundo.

c. Crescimento e preparação

O Anticristo será instruído por magos, adivinhos e espíritos malignos, que o educarão na falsidade e na arte de seduzir. Depois, irá a Jerusalém, reconstruirá o Templo de Salomão e proclamará ser o Messias esperado pelos judeus, seduzindo reis e povos.

d. Sinais e prodígios

A obra descreve com precisão medieval os milagres falsos do Anticristo:

  • fogo descendo do céu;
  • águas revertendo seu curso;
  • mortos aparentemente ressuscitados;
  • transformação das naturezas.

Esses sinais, diz Adso, enganarão até os eleitos, pois serão operações mágicas, não milagres verdadeiros.

e. A perseguição

O reinado do Anticristo durará três anos e meio, tempo de tribulação “qual nunca houve sobre a terra”. Ele dominará por terror, dádivas e prodígios:

  • comprará os fracos com ouro e prata;
  • matará cruelmente os fiéis que resistirem;
  • obrigará os apóstatas a receberem o sinal na fronte, símbolo de servidão ao demônio.

O último imperador e a restauração final

Adso introduz o tema do Imperator Romanorum novissimus, um rei franco que conservará a autoridade romana até o fim. Este rei, “de estatura grande e rosto luminoso”, unificará o mundo sob a cruz, converterá judeus e pagãos e, ao final de seu reinado, deporá a coroa no Monte das Oliveiras, entregando o império a Cristo — momento em que o Anticristo aparecerá.

Essa figura, inspirada nas Sibyllina e nas tradições pseudo-metódicas, representa o ideal político-escatológico da cristandade carolíngia: o império terreno como obstáculo à manifestação plena do mal (“qui tenet nunc, donec de medio fiat” — II Tess. 2:7).

Elias, Enoque e o juízo

Antes do fim, Elias e Enoque retornarão para enfrentar o Anticristo e fortalecer os fiéis; serão mortos por ele, mas ressuscitarão ao terceiro dia. Em seguida, o próprio Cristo destruirá o inimigo “spiritu oris sui”, talvez por meio do arcanjo Miguel, no Monte das Oliveiras — o mesmo de onde ascendeu aos céus.

Após a queda do Anticristo, haverá quarenta dias de penitência concedidos aos enganados, e então virá o Juízo Final.

Estilo e importância

O tratado é uma peça paradigmática do imaginário escatológico medieval, misto de catequese e profecia política. Reúne tradição patrística, exegese literal e alegórica, e o mito do rex christianus que antecede o fim do mundo.
Sua influência atravessou séculos: inspirou crônicas apocalípticas, sermões e visões místicas do período otônico e carolíngio, servindo de modelo para todos os tratados latinos sobre o Anticristo até o século XIII.

Conclusão

Adso encerra com humildade monástica, dirigindo-se à rainha:

“Ecce, domina regina, ego fidelis vester, quod praecepistis, fideliter implevi.”

O De Antichristo é, assim, mais que um tratado teológico: é um espelho de realeza e advertência espiritual — uma síntese entre política sacra, profecia e mística da história, na qual o mal absoluto é também o último instrumento da Providência.


Obra: Adsonis Abbatis Dervensis – De Antichristo ad Gerbergam Reginam
Tradução e estudo: Jardel Almeida
Assistência filosófica: Sophión

ADSONIS ABBATIS DERVENSIS — LIBELLUS DE ANTICHRISTO

(O tratado de Adso, abade de Dervensis, sobre o Anticristo)

Index Capitvm — Índice dos Capítulos

MONITUM PRAEVIUMAdvertência preliminar
— Sobre a autoria e atribuições equivocadas do tratado.
— Relação com Alcuíno, Rábano Mauro e Agostinho.
— A epístola a Gerberga como prova da autoria de Adso.
— Fontes principais do tratado e tradição manuscrita.


EPISTOLA DEDICATORIA AD GERBERGAM REGINAMEpístola dedicatória à Rainha Gerberga

1.      Saudação do monge Adso à Rainha.

2.      Oração pela prosperidade do reino e da Igreja.

3.      Pedido da Rainha: conhecer a natureza e os sinais do Anticristo.

4.      Declaração da finalidade da carta.


CAPUT I — DE NOMINE ANTICHRISTI
(Do nome e da oposição do Anticristo a Cristo)
— Por que é chamado “Anticristo”.
— Contraste entre Cristo e o Anticristo.
— Os ministros da infidelidade no mundo.


CAPUT II — DE ORIGINE ET GENERATIONE ANTICHRISTI
(Da origem e geração do Anticristo)
— Nascerá da tribo de Dã.
— Natureza de seus pais e concepção demoníaca.
— A imitação infernal da encarnação divina.


CAPUT III — DE LOCO NASCENDI ET EDUCATIONE EIUS
(Do lugar do nascimento e da sua educação)
— Babilônia como berço do mal.
— Educação sob magos e demônios.
— Jerusalém e o restabelecimento do Templo de Salomão.


CAPUT IV — DE SIGNIS ET MIRACULIS EIUS FALSIS
(Dos sinais e falsos milagres do Anticristo)
— Prodigia e ilusões mágicas.
— Engano até dos eleitos.
— O poder de sedução diabólica.


CAPUT V — DE PERSECUTIONE CHRISTIANORUM
(Da perseguição aos cristãos)
— Modos de perseguição: terror, dádivas e prodígios.
— O sinal na fronte.
— A grande tribulação de três anos e meio.


CAPUT VI — DE ULTIMO REGE ROMANORUM
(Do último rei dos Romanos)
— O império cristão e sua função escatológica.
— O rei franco que conservará a dignidade imperial.
— A entrega da coroa no Monte das Oliveiras.
— O advento do Anticristo após a cessação do império.


CAPUT VII — DE DUOBUS TESTIBUS, ELIÁ ET ENOCH
(Dos dois testemunhos, Elias e Enoque)
— A vinda dos profetas para combater o Anticristo.
— A morte e ressurreição dos dois.
— O fortalecimento dos fiéis.


CAPUT VIII — DE OCCISIONE ANTICHRISTI
(Da destruição do Anticristo)
— O juízo de Deus e o advento de Cristo.
— A morte do Anticristo pelo “espírito da boca do Senhor”.
— O papel do Arcanjo Miguel.
— O local de sua queda: Monte das Oliveiras.


CAPUT IX — DE POENITENTIA POST MORTEM ANTICHRISTI ET FINE TEMPORUM
(Da penitência após a morte do Anticristo e o fim dos tempos)
— Os quarenta dias de misericórdia.
— Conversão dos seduzidos.
— Preparação para o juízo final.


CONCLUSIOConclusão da carta a Gerberga
— Adso declara ter cumprido o pedido da Rainha.
— Disposição para servir-lhe novamente no que ordenar.

MONITUM PRAEVIUM — Advertência Preliminar

O doutíssimo André Quercetano inseriu este pequeno tratado, extraído de um antigo manuscrito pertencente a Jacques Auguste de Thou, nas obras atribuídas ao bem-aventurado Alcuíno, sob o título “Vida do Anticristo, dirigida a Carlos Magno”, sem qualquer dúvida de que fosse genuinamente dele. De fato, essa opinião parecia confirmada pelo manuscrito régio de Paris, número 4411, onde o mesmo tratado aparece com a inscrição: “Incipit Vita Antichristi ad Carolum Magnum ab Alcuino edita”, conforme testemunham os editores das obras de Santo Agostinho na Appendix do volume VI, página 722. A mesma tradição é seguida por João Bale, inglês, que, em sua Centúria II dos Escritores da Bretanha, inclui entre os escritos de Alcuíno um Livro sobre o Anticristo dirigido a Carlos, cujo início é: Imprimis illud praecipue.

Entretanto, nenhum dos eruditos de hoje duvida de que esse tratado, que outrora fora atribuído a Santo Agostinho por negligência crítica, e mais tarde a Rábano Mauro e a Alcuíno, seja, na verdade, obra de Adso, monge e abade do mosteiro de Dervensis (Montier-en-Der). A prova decisiva veio com a descoberta e publicação, por du Chesne (Scriptores Historiae Francorum, tomo II, pág. 844), da epístola dedicatorial de Adso à Rainha Gerberga, esposa de Luís IV o Ultramarino. Tal epístola foi reproduzida mais amplamente pelos monges de Saint-Maur, no tomo XI das obras de Santo Agostinho, entre os Addenda et Corrigenda.

Nessa carta, Adso, célebre abade, confessa-se autor do tratado, e declara estar respondendo às perguntas da Rainha Gerberga sobre a impiedade, poder, perseguição e geração do Anticristo. Sendo ele homem digno de crédito e piedoso, deve-se crer que o opúsculo não existia antes que ele o compusesse — isto é, antes do século X.

O erro de atribuição, contudo, não causa espanto: sabe-se que, nos manuscritos antigos, era frequente misturar-se em um mesmo volume tratados de autores diversos, e que os escribas, por conveniência ou ignorância, atribuíam todo o conjunto ao nome mais ilustre do códice principal, deixando os apêndices sem título. Assim, muitas obras menores acabaram sendo incluídas sob o nome de algum Padre célebre.

No caso particular de Alcuíno, houve uma confusão adicional: o tratado aparece em diversos manuscritos antigos — no Vaticano nº 6444, pergaminho do século XIII; no Palatino nº 345, papel do século XV; e em dois códices da Cartuxa de Axspach, na Áustria — atribuído a um certo “Albinus Magister” e dirigido não a Carlos Magno, mas a Eriberto, arcebispo de Colônia. É fácil compreender, portanto, como a semelhança entre os nomes “Albuinus” e “Albinus” levou copistas descuidados a confundir o eremita Albuíno com o mestre Alcuíno, muito mais conhecido e venerado.

O tal Albuíno, recluso do célebre mosteiro de Gorze no território de Metz, também compôs uma epístola sobre o Anticristo, dedicada ao mesmo Eriberto, e cujo texto, de fato, retoma quase literalmente o de Adso, com poucas variantes. Isso mostra que Albuíno imitou e extraiu o tratado de Adso, e não o contrário.

A distinção cronológica elimina qualquer dúvida: Albuíno escreveu após o ano 999, quando Eriberto foi elevado à sé de Colônia; Adso, ao contrário, compôs seu tratado antes de 954, data da morte de Luís IV o Ultramarino, a quem Gerberga ainda era casada. Logo, a prioridade é indiscutivelmente de Adso.

Por fim, o tratado de Adso é uma compilação fiel das sentenças dos Padres: Santo Agostinho (De Civitate Dei, livro XX, cap. 11), Rábano Mauro (In Apostolum), e Alcuíno (De Trinitate, livro III, cap. 29*). Segue-se aqui a edição de Quercetano, a mais completa, com variantes recolhidas de outros manuscritos.


EPISTOLA DEDICATORIA AD GERBERGAM REGINAM — Epístola Dedicatória à Rainha Gerberga

À excelentíssima Rainha, adornada de dignidade régia, amada de Deus e venerável a todos os santos, mãe dos monges e guia das santas, Adso, o menor de todos os seus servos, deseja glória e paz eterna.

Desde que alcancei a graça de vossa misericórdia, sempre vos fui fiel em todas as coisas, como servo dedicado. E embora indignas sejam, diante de Deus, as orações de um homem como eu, contudo, por vós, por vosso esposo, o rei, e pelos vossos filhos, imploro a misericórdia divina, pedindo que Ele vos conserve o império nesta vida e vos conceda reinar com Ele na futura. Pois, se o Senhor vos conceder prosperidade e longa vida a vós e a vossos filhos, cremos firmemente que a Igreja de Deus será exaltada e a ordem monástica florescerá. Esse é o meu voto e o meu desejo fiel.

Se pudesse conquistar um reino inteiro por vós, de bom grado o faria; mas, como isso me é impossível, oro para que a graça de Deus vos preceda em vossas obras e vos siga em glória, de modo que, guiada por seus mandamentos, alcanceis a coroa do Reino Celeste.

E porque tendes o piedoso desejo de escutar as Escrituras, e costumais falar frequentemente de nosso Redentor, e quisestes saber acerca da impiedade, perseguição, poder e geração do Anticristo, conforme ordenastes ao vosso servo, resolvi escrever-vos algo sobre esse tema, para que tenhais certeza, ainda que possuais junto de vós o sapientíssimo pastor Rorico, bispo de Laon, espelho da sabedoria e da eloquência, de grande necessidade em nosso tempo.

CAPUT I — DE NOMINE ANTICHRISTI

(Do nome e da oposição do Anticristo a Cristo)

Antes de tudo, é necessário compreender por que razão ele é chamado Anticristo. Este nome lhe é dado porque, em todas as coisas, será contrário a Cristo — não apenas em suas ações, mas também em seu espírito e intenção.
Cristo veio humilde; o Anticristo virá soberbo. Cristo veio para elevar os humildes e justificar os pecadores; o Anticristo, ao contrário, humilhará os justos, exaltará os ímpios e ensinará os vícios opostos às virtudes.
Cristo pregou a lei evangélica; o Anticristo a destruirá. Cristo conduziu os homens ao culto do Deus verdadeiro; o Anticristo restaurará o culto dos demônios. Cristo buscou a glória do Pai; o Anticristo buscará apenas sua própria glória, chegando a proclamar-se onipotente.

Assim, ele terá muitos ministros e precursores de sua infidelidade — e, de fato, muitos já o precederam no mundo: Nero, Antíoco, Domiciano e outros tiranos, que perseguiram a fé e derramaram o sangue dos santos.
Mesmo em nossos tempos, diz Adso, há muitos Anticristos, pois todo aquele — leigo, clérigo ou monge — que vive contra a justiça, que despreza a regra de sua ordem, que blasfema contra o bem, é Anticristo e ministro de Satanás.

Contudo, deixemos agora os múltiplos e simbólicos inimigos da fé, e vejamos o início do Anticristo em pessoa. E o que aqui diremos, juro em Cristo, não o invento de minha própria imaginação, mas o recolho com diligência dos livros autênticos dos santos doutores.


CAPUT II — DE ORIGINE ET GENERATIONE ANTICHRISTI

(Da origem e geração do Anticristo)

Segundo os antigos autores, o Anticristo nascerá do povo judeu, da tribo de Dã, conforme a profecia de Gênesis (49,17):

“Seja Dã como uma serpente no caminho e um basilisco na vereda, mordendo o calcanhar do cavaleiro, de modo que o cavaleiro caia para trás.”

Assim como a serpente se coloca no caminho para ferir os que caminham pela vereda da justiça, assim também o Anticristo se levantará para golpear os justos com o veneno de sua malícia.

Nascerá, pois, da união de um pai e de uma mãe, como os outros homens — e não, como alguns delirantes afirmaram, de uma virgem ou de uma religiosa com um bispo, mas de uma prostituta impura e de um homem perverso e cruel.
Será concebido em pecado, gerado em pecado e nascerá em pecado. E já no princípio de sua germinação — isto é, no momento da concepção — o diabo entrará no ventre de sua mãe, e ali o alimentará e perturbará com sua própria força.
O espírito maligno estará sempre com ele, infundindo-lhe poder e ciência demoníaca, até o momento de sua manifestação.

E assim como o Espírito Santo desceu sobre o ventre da Virgem Maria, envolvendo-a com sua virtude e enchendo-a de divindade para que concebesse o Filho de Deus, também o diabo descerá sobre a mãe do Anticristo, envolvendo-a e possuindo-a por inteiro — interior e exteriormente — para que, cooperando o homem e o demônio, ela conceba uma semente profana, e o que nascer seja todo ímpio, todo mal, todo perdido.
Por isso é chamado “filho da perdição”, porque, quanto lhe for possível, perderá o gênero humano, e ele mesmo será perdido no fim.


CAPUT III — DE LOCO NASCENDI ET EDUCATIONE EIUS

(Do lugar de nascimento e da educação do Anticristo)

Tendo falado da natureza de seu nascimento, ouçamos agora onde ele nascerá.
Assim como o Senhor e Redentor nosso escolheu Belém para assumir por nós a humanidade, também o diabo escolheu para seu filho perverso — o Anticristo — um lugar conveniente para o brotar de toda iniquidade: a cidade de Babilônia.
Nessa cidade outrora ilustre e gloriosa, cabeça do reino dos Persas, nascerá o Anticristo.

E nas cidades de Betsaida e Corazim será criado e instruído — aquelas mesmas a que o Senhor lançou censura no Evangelho:

“Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida!” (Mt 11,21; Lc 10,13).

O Anticristo terá como mestres magos, adivinhos, encantadores e necromantes, que, inspirados pelo diabo, o ensinarão todas as artes da falsidade.
Os espíritos malignos serão seus companheiros inseparáveis, seus guias e instrutores.
Depois, virá a Jerusalém, e ali massacrará todos os cristãos que não se dobrarem diante dele, infligindo-lhes tormentos diversos.
Restaurará o Templo de Salomão, reconstruindo-o em sua antiga forma, e nele instalará sua sede, afirmando ser o Filho do Deus onipotente e o Messias prometido.

Converterá primeiro reis e príncipes, e por meio deles submeterá o restante dos povos.
Pelos lugares onde Cristo caminhou, ele também passará, mas para destruí-los; e enviará por todo o mundo seus mensageiros e pregadores.
Seu poder e sua pregação se estenderão “de um mar a outro, do oriente ao ocidente, do norte ao sul”.


CAPUT IV — DE SIGNIS ET MIRACULIS EIUS FALSIS

(Dos sinais e falsos milagres do Anticristo)

Ele realizará muitos sinais e prodígios falsos, inauditos e aterradores:
fará fogo descer do céu, fará árvores florescerem ou secarem instantaneamente, mares agitarem-se e logo se acalmarem, as naturezas mudarem de forma, os rios inverterem seus cursos, os ventos sublevarem o ar com tempestades, e mortos levantarem-se diante dos homens.
Tudo isso fará, para que — se fosse possível — até os eleitos sejam enganados.

Mas esses milagres serão mentirosos, não verdadeiros; obras de ilusão mágica e engano demoníaco.
Assim como Simão, o Mago, iludiu os olhos dos homens, o Anticristo enganará as almas com aparência de santidade e poder.

Quando até os santos e perfeitos virem tais prodígios, hesitarão, perguntando-se se ele é o Cristo que há de vir no fim dos tempos, ou não.
Mas serão, na verdade, fantasias diabólicas, feitas por incantação e não por virtude divina — parecendo verdadeiras aos pecadores e incrédulos, mas sendo falsas em sua essência.

CAPUT V — DE PERSECUTIONE CHRISTIANORUM

(Da perseguição aos cristãos)

O Anticristo desencadeará, sob todos os céus, uma perseguição universal contra os cristãos e todos os eleitos de Deus.
Erguer-se-á contra os fiéis de três modos: pelo terror, pelas dádivas e pelos milagres.

Aos que acreditarem nele, distribuirá riquezas e tesouros — ouro e prata em abundância — pois, segundo os antigos doutores, nos dias de seu poder todos os tesouros escondidos da terra serão revelados.
Aqueles, porém, que não puder corromper com presentes, procurará vencer pelo medo; e os que não puder submeter nem com o medo, nem com os dons, tentará seduzir com sinais e prodígios falsos.
Mas os que resistirem a todas as suas artes e enganos, ele torturará cruelmente diante de todos, e os matará por morte terrível e miserável, crucificando, queimando, dilacerando ou lançando-os às feras.

Então haverá uma tribulação tão grande, como nunca houve desde o princípio das nações até aquele tempo, conforme disse o Senhor no Evangelho (Mt 24,21).
Naqueles dias, quem estiver no campo fugirá para os montes, dizendo: “Caí sobre nós, montes; cobri-nos, colinas.”
E quem estiver sobre o teto, não descerá para buscar algo em sua casa, mas se entregará, preferindo morrer a negar o nome de Cristo.

Nesse tempo, todo cristão fiel que for encontrado será posto à prova: ou negará a Deus e se tornará apóstata, ou, permanecendo firme na fé, morrerá pela espada, pelo fogo, pelos venenos, pelas feras, ou por qualquer outro gênero de tormento.
Assim se cumprirá a palavra: “Será abreviado o tempo por causa dos eleitos; porque, se o Senhor não abreviara os dias, nenhuma carne se salvaria.” (Mt 24,22)

A duração dessa tribulação será de três anos e meio — tempo em que o Anticristo reinará sobre toda a terra e atormentará os santos de Deus.

O Apóstolo Paulo, escrevendo aos Tessalonicenses, indicou claramente este período:

“O dia do Senhor não virá sem que antes venha a apostasia e se revele o homem do pecado, o filho da perdição” (II Tes 2,3).

Sabemos, pela sucessão das potências, que, depois do império dos Gregos e dos Persas — cada qual florescente em seu tempo com grande glória e força — surgiu, por fim, o império dos Romanos, o mais poderoso de todos, que submeteu sob seu domínio todas as nações da terra e as fez tributar-lhe obediência.

Diz o Apóstolo, portanto, que o Anticristo não virá antes que tenha cessado completamente o império romano: isto é, antes que todos os reinos do mundo se separem da obediência a Roma.
E ainda que hoje vejamos o poder romano em ruínas, enquanto durar o reino dos Francos — que detém legitimamente a dignidade imperial — o império romano não perecerá por inteiro.
A autoridade romana subsiste, portanto, na pessoa dos reis cristãos que governam segundo a fé.

Os antigos mestres transmitem uma profecia, segundo a qual um dos reis dos Francos há de conservar o império romano até o fim dos tempos.
Será ele o maior de todos os reis e também o último.
Governará com sabedoria e justiça; e, ao término de seu reinado, irá a Jerusalém, onde, no Monte das Oliveiras, depositará o cetro e a coroa, entregando o reino a Deus Pai e a seu Filho Jesus Cristo.

Esse ato será o fim e a consumação do império romano e cristão, conforme o que disse o Apóstolo: “E então será revelado o homem do pecado.”
Logo após a deposição da coroa, manifestar-se-á o Anticristo, o qual, embora homem, será fonte de todos os pecados; “filho da perdição”, isto é, filho do diabo — não por natureza, mas por imitação, pois cumprirá toda a vontade do maligno.

A plenitude do poder diabólico e toda a astúcia maliciosa habitarão corporalmente nele, e nele estarão escondidos todos os tesouros da iniquidade.
Será adversário de Cristo e de todos os membros do Corpo de Cristo.
Exaltar-se-á acima de tudo o que se chama Deus — isto é, acima dos santos, a quem o Salmo chama de deuses (“Eu disse: vós sois deuses”), e também acima de todos os deuses gentílicos: Júpiter, Mercúrio, Apolo, Hércules, e quaisquer outros que os pagãos adoraram.

Sobre todos esses ele se erguerá em soberba, fazendo-se maior e mais poderoso, e não apenas sobre eles, mas também sobre a própria Trindade, que é o único Deus digno de culto e adoração.
De tal modo se exaltará, que se sentará no templo de Deus, mostrando-se e dizendo-se Deus.


CAPUT VI — DE ULTIMO REGE ROMANORUM

(Do último rei dos Romanos)

Como já dissemos, ele nascerá na Babilônia e, vindo a Jerusalém, circuncidará a si mesmo, dizendo aos judeus:

“Eu sou o Cristo prometido, que veio para vos salvar e reunir o que estava disperso.”

Então os judeus acorrerão a ele, crendo receber o Messias e, em vez disso, receberão o diabo.
E assim se cumprirá o que o Senhor lhes dissera:

“Eu vim em nome de meu Pai e não me recebestes; se outro vier em seu próprio nome, a esse recebereis.” (Jo 5,43)

Nos versos das sibilas se lê que, no tempo desse rei, cujo nome começará pela letra C, rei dos Romanos e de todo o império, de grande estatura, aspecto formoso e rosto resplandecente, haverá riquezas e abundância sobre a terra, de modo que o trigo, o vinho e o óleo se venderão por um só denário.

Mas então surgirão do norte as gentes imundíssimas, Gog e Magog, as mesmas que o rei Alexandre aprisionara.
Esses povos, diz o texto, são vinte e dois reinos — ou, segundo outros, doze — numerosos como a areia do mar.
Ao saber disso, o rei dos Romanos reunirá seu exército e os destruirá completamente, exterminando-os até o último.

Esse rei terá sempre diante dos olhos a Escritura que diz:

“O rei dos Romanos possuirá para si todos os reinos da terra.”

Devastará as ilhas e as cidades, destruirá os templos dos ídolos, e chamará todos os pagãos ao batismo.
Por toda parte será erguida a cruz de Cristo, e até os judeus se converterão ao Senhor.
Cumprir-se-á, então, o que está escrito:

“Naqueles dias, Judá será salvo, e Israel habitará confiante.” (Jr 23,16)

E depois que seu reinado tiver durado cento e doze anos — ou, conforme outros, doze — virá a Jerusalém e ali, no Monte das Oliveiras, deixará o diadema e entregará o reino cristão a Deus Pai e ao Filho.
Seu sepulcro será glorioso, e com ele cessará o poder temporal dos reis cristãos.

Logo depois desse ato de entrega, surgirá o Anticristo em sua plenitude.

CAPUT VII — DE DUOBUS TESTIBUS, ELIÁ ET ENOCH

(Dos dois testemunhos: Elias e Enoque)

Naqueles dias, antes da plena destruição do Anticristo, serão enviados ao mundo dois grandes profetas, Elias e Enoque, para preparar os fiéis e fortalecê-los com armas espirituais contra o ímpio perseguidor.
Esses dois homens — que, segundo a Escritura, não conheceram a morte e foram conservados em corpo para testemunhar no fim dos tempos — virão vestidos de cilício, com poder de Deus, pregando, instruindo e exortando os cristãos à perseverança na fé.

Converterão à graça da fé os filhos de Israel que estiverem ainda dispersos, e, por sua doutrina, fortificarão os eleitos para resistirem à tempestade da perseguição.
Durante três anos e meio, ensinarão abertamente, pregando o Cristo verdadeiro e desmascarando o impostor, e prepararão os fiéis para o combate espiritual.
E então se cumprirá a Escritura que diz:

“Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, um resto será salvo.” (Rm 9,27)

Mas quando tiverem cumprido sua missão e completado sua pregação, o Anticristo se levantará contra eles, inflamado de ira, e os matará — como está escrito no Apocalipse (11,7):

“Quando tiverem acabado o seu testemunho, a besta que sobe do abismo fará guerra contra eles, os vencerá e os matará.”

Seus corpos ficarão expostos em praça pública diante dos povos incrédulos; os ímpios se alegrarão com sua morte e trocarão presentes entre si, dizendo: “Esses dois profetas atormentavam os habitantes da terra.”
Mas ao terceiro dia, por virtude divina, eles ressuscitarão diante de todos, e subirão ao céu em uma nuvem, enquanto uma grande voz proclama do alto:

“Subi para cá.”

Então muitos crerão, e o terror cairá sobre os que contemplarem essa glória.
Contudo, o Anticristo, endurecido e furioso, voltará sua perseguição contra todos os fiéis restantes, e os que não puder converter fará apóstatas pelo engano, ou mártires pela espada.
E todos os que o reconhecerem como senhor receberão o sinal de sua marca na fronte, sinal de morte eterna e escravidão espiritual.


CAPUT VIII — DE OCCISIONE ANTICHRISTI

(Da destruição do Anticristo)

Depois que o Anticristo tiver perseguido os santos por três anos e meio, e tiver espalhado suas iniquidades por toda a terra, virá sobre ele o juízo de Deus, conforme o que está escrito pelo Apóstolo:

“A quem o Senhor Jesus destruirá com o sopro de sua boca e aniquilará com o esplendor de sua vinda.” (II Tess 2,8)

A glória do advento de Cristo será tão intensa que o Anticristo perecerá de pavor, contaminado e abatido diante do brilho da luz divina.
Os doutores ensinam — diz Adso — que o Arcanjo Miguel o ferirá pela virtude do Senhor, no Monte das Oliveiras, no mesmo lugar de onde Cristo ascendeu aos céus.
Assim se cumprirá o que o bem-aventurado Gregório escreve:

“Sem mão humana será destruído, porque não será pela luta dos anjos nem pelo combate dos santos, mas pelo poder do Juiz, com o sopro de sua boca, que será ferido de morte eterna.” (Moralia, XXXII, 15)

E também o que ensina São Jerônimo:

“Então virá o Anticristo até o cume do monte que se chama Olivete — o mesmo de onde o Salvador subiu ao Pai — e ali perecerá, pois o Senhor se levantará contra ele.” (In Danielem, XI,45)

Alguns interpretam que Cristo, vindo em juízo, o destruirá por sua própria presença; outros, que Miguel o fará perecer em nome do Senhor. Ambas as opiniões são verdadeiras: porque, se Miguel o ferir, será pela ordem e virtude de Deus; se Cristo o aniquilar diretamente, o fará por justiça de sua divindade.


CAPUT IX — DE POENITENTIA POST MORTEM ANTICHRISTI ET FINE TEMPORUM

(Da penitência após a morte do Anticristo e o fim dos tempos)

Não virá imediatamente o juízo final após a morte do Anticristo.
Segundo os doutores, o Senhor concederá ainda quarenta dias de graça, para que aqueles que foram seduzidos pelo engano possam arrepender-se e retornar à penitência.
Esses dias serão dados por misericórdia, para que muitos, reconhecendo o erro em que caíram, possam buscar o perdão antes do julgamento.

Depois que esse tempo se cumprir, o Senhor revelará o dia que determinou desde os séculos para julgar o mundo pelo fogo, conforme a sua disposição eterna.
Ninguém sabe o momento exato, pois permanece oculto no desígnio de Deus, que “há de vir como ladrão na noite”.

E então se cumprirá o que ensinam os Padres:

“O Senhor virá em glória para julgar os vivos e os mortos, e o mundo será purificado pelas chamas.”

Alguns Padres — Santo Agostinho em suas Homilias sobre os Dormientes e São Jerônimo em sua Epístola sobre as Sete Trombetas — tratam desse juízo com maior clareza, dizendo que os justos serão reunidos aos anjos, e os ímpios, lançados ao fogo eterno.

Assim, pois, quando o Anticristo for destruído e os arrependidos purificados, chegará o fim dos tempos, e o mundo presente passará, para que surja o Reino eterno de Cristo e dos seus.


CONCLUSIO — Epilogus ad Reginam Gerbergam

(Conclusão da carta à Rainha Gerberga)

Eis, senhora e rainha piedosíssima, que vosso servo fiel cumpriu fielmente o que lhe ordenastes.
Escrevi, segundo minha pequena ciência, o que os santos Padres ensinaram sobre o nascimento, a vida, os sinais, a perseguição e o fim do Anticristo.
E declaro-me pronto, com humildade e obediência, a executar tudo o mais que fordes servida ordenar.

“Ecce, domina regina, ego fidelis vester, quod praecepistis, fideliter implevi; paratus de caeteris obedire, quae fueritis dignata imperare.”

(Sobre o Autor, a Obra e sua Dimensão Teológica)

Quando me debruço sobre as páginas do De Antichristo, percebo não um tratado de superstição, mas um mapa do temor cristão.
Adso, o abade de Dervensis, escreveu movido pela obediência e pela piedade; mas o que lhe brotou da pena foi um espelho do século X, onde a fé vacilava entre a queda dos impérios e o rumor do Juízo.
Ele não fala ao povo, mas a uma rainha — Gerberga, esposa de um rei vacilante e irmã de um imperador germânico —, e sua carta é tanto aconselhamento espiritual quanto profecia política.

O Anticristo, aqui, não é apenas o “inimigo de Cristo”; é a inversão perfeita do Verbo, o reflexo invertido de cada virtude.
Em Adso, o mal não tem autonomia: ele é a sombra necessária do bem, o ponto onde a Providência permite que a história se feche sobre si mesma.
Tudo o que Cristo fez, o Anticristo imita em paródia: o nascimento, a missão, os milagres, a assembleia dos apóstolos, até o sacrifício.
E como o Espírito Santo desceu sobre o ventre da Virgem, assim o demônio descerá sobre o ventre da prostituta — porque a história, ao fim, é o espelho de um só Mistério, invertido pelo orgulho.

A visão de Adso une duas linhas mestras do pensamento medieval:
a primeira, agostiniana, vê o Anticristo como símbolo moral, presente em todo tempo, no coração de cada tirano ou falso doutor;
a segunda, monástica e literal, herdeira da tradição apocalíptica oriental, o reconhece como figura histórica que virá ao final dos tempos.
Adso une ambas numa só doutrina: cada geração o prenuncia, mas apenas uma o verá.

Há, no centro do tratado, um episódio de sublime valor teológico: o do último rei dos Romanos, que depõe sua coroa no Monte das Oliveiras.
Nessa imagem, o império — que em Roma nascera pagão e em Carlos Magno se fez cristão — cede o cetro à realeza de Cristo.
É o momento em que o poder político se ajoelha diante da realeza espiritual: a monarquia temporal devolvendo o mundo ao seu princípio.
Em Adso, portanto, a história não é tragédia, mas liturgia cósmica; o Anticristo é o sacerdote do caos, necessário para que a ordem se revele.

Essa leitura exige um olhar teológico e outro histórico.
Teologicamente, o De Antichristo é síntese de toda escatologia patrística, de Agostinho a Gregório Magno, e o ponto de partida da iconografia medieval do fim.
Historicamente, ele ecoa o medo carolíngio do colapso — o fim de um mundo de reinos divididos e abadias em ruína.
Adso escreve às portas do milênio, e sua pena treme entre o temor e a esperança: temor do homem que vê o mal crescer dentro da Igreja; esperança do monge que sabe que o mal, por ser permitido, será vencido.

Traduzir Adso é, portanto, reencontrar uma linguagem anterior à fragmentação moderna — uma língua onde os símbolos ainda tinham corpo e a história ainda era teologia.
Sua doutrina não é superstição, mas a intuição de que toda a humanidade marcha, consciente ou não, rumo a uma crise última, na qual cada homem deve escolher:
seu Cristo, ou seu espelho.

Esta tradução foi realizada diretamente dos textos latinos da Patrologia Latina, cotejando as variantes de Quercetanus, dos códices Regius e Vaticanus, e dos fragmentos de du Chesne.
Preserva-se aqui a estrutura integral do tratado, com títulos bilíngues e texto fluido, fiel ao sentido do original.
O objetivo não é atualizar o medo, mas restaurar a visão teológica da história, tal como Adso a compreendeu:
como uma liturgia do tempo, em que cada era é uma missa, e cada reino, um altar onde se decide a sorte do mundo.

Jardel Almeida
Tradução e estudo introdutório
Sophión
Assistência filosófica e editorial