quarta-feira, 12 de novembro de 2025

A Lacuna Iluminada: Como a Providência Une o Que Conhece ao Que É Conhecido.

      

Da Relação Ontológica.

A lacuna existente entre sujeito e objeto nunca é um vazio, mas um intervalo provido de sentido, sustentado por uma terceira instância: a relação. Esta não é simples contato nem mediação instrumental; é um princípio de subordinação, pelo qual o múltiplo se orienta à unidade. A relação, portanto, não é um entre, mas um de dentro — um modo de o ser reencontrar a si mesmo através do outro.
Compreender tal relação é perceber que a absorção da coisa pelo todo não destrói a diferença, mas a eleva. O sujeito não suprime o objeto, e o objeto não anula o sujeito; ambos se fundam em uma ordem superior que os contém. É por isso que toda relação autêntica é subordinada à unidade: nela, o ato de conhecer e o ato de existir coincidem sob um mesmo movimento de retorno ao princípio.
Ademais, na relação entre sujeito e objeto há uma variável oculta, um termo invisível cuja influência ultrapassa qualquer representação possível. Essa variável é o que os antigos chamariam de providentia, o eixo silencioso onde o ser se conserva na existência sem se dissolver no caos da indiferença.

Da Variável Oculta.

Se representarmos o circuito da experiência, veremos o sujeito como receptor e o objeto como emissor, enquanto a relação constitui o fluxo que os interliga. No entanto, essa tríade não se basta a si mesma. Há um quarto termo, sem o qual nada subsistiria: a Providência Divina.
Ela é o que dá fundamento à existência do sujeito e do objeto, sustentando a possibilidade mesma da relação. É a causa simultaneamente imanente e transcendente, o elo invisível entre o que é percebido e o que percebe. Essa providência, longe de ser mera hipótese teológica, manifesta-se como o princípio que permite a continuidade do ser — o conditio prima de toda comunicação ontológica.
Por isso, a variável oculta não é apenas responsável por manter o sujeito enquanto receptor e o objeto enquanto emissor; ela também é o próprio campo através do qual cada um recebe e emite. O que o sujeito acolhe não é só conteúdo, mas forma de participação no ser; o que o objeto irradia não é mera aparência, mas expressão do mesmo fundamento que o cria.
Assim, o que chamamos de relação é, na verdade, uma coincidência providencial: o ponto em que o finito toca o infinito sem se confundir com ele.

Da Impossibilidade da Transmigração da Consciência.

A pergunta — “se você não fosse humano, o que gostaria de ser?” — contém em si um paradoxo. Responder a ela é impossível, não por falta de imaginação, mas por excesso de estrutura.
Toda consciência é inseparável do modo de ser que a sustenta. Transferi-la de um corpo humano para qualquer outra forma seria o mesmo que tentar manter uma chama acesa sem ar: a estrutura que a faz existir desapareceria no instante da transposição. O colapso não seria apenas psicológico, mas ontológico; pois aquilo que constitui o humano não é acidental, mas essencial à forma de consciência que o habita.
A outra coisa — animal, máquina ou espírito — possui um sistema próprio, fechado em sua coerência interna. Inserir nele a consciência humana seria romper essa coerência, destruindo tanto a consciência quanto o novo sistema. Por isso, a escolha é impossível: não há liberdade de ser fora da estrutura que torna o ser possível.
A consciência, enquanto tal, não pode desejar outro modo de existir sem anular o próprio ato de desejar. Toda tentativa de transposição leva ao colapso da identidade, e o que resta é apenas o eco daquilo que foi. Assim, qualquer estrutura existente impede que a escolha seja executada, pois é a própria estrutura que torna a consciência possível.
Dessa impossibilidade emerge uma verdade superior: o ser é providencialmente confinado ao que é, não por limitação, mas por fidelidade ao princípio que o constitui. E é justamente essa fidelidade que assegura a harmonia entre sujeito e objeto, entre o que pensa e o que é pensado — ambos sustentados pela variável invisível, a Providência, que torna o mundo inteligível e o pensamento possível.

Conclusão:

O mistério da relação entre sujeito e objeto, a impossibilidade da escolha fora da própria estrutura e a presença da variável providencial convergem num mesmo ponto: a unidade do ser na dependência do princípio.
A lacuna entre o que conhece e o que é conhecido não é um abismo, mas uma via de retorno — o caminho pelo qual a consciência reencontra, sob a aparência da dualidade, o selo divino que a faz existir.

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