domingo, 31 de agosto de 2025

Notas de Domingo - É a certeza que Move as Montanhas.

O homem se encontra sempre dividido entre dois polos: de um lado, o mundo externo, com suas pressões, resistências e fatos brutos; de outro, o mundo interno, com suas percepções, desejos, imagens e racionalizações. Esse dualismo o acompanha desde os primórdios da filosofia. Mas há um terceiro elemento, silencioso e mais decisivo que ambos: a certeza. Sem ela, tanto o externo quanto o interno se esfarelam em fragmentos dispersos, incapazes de dar unidade ao real.

Platão percebeu isso no mito da caverna. Os prisioneiros, acorrentados, confundem sombras com realidade, pão com pedra. A libertação não vem pelo mero contato com o “lá fora”, mas pela certeza intelectual que se dá ao contemplar a ideia do Bem. Essa certeza não é uma sensação, mas um ato de visão da inteligência, algo que ilumina tanto os objetos internos quanto os externos. É ela que organiza o campo da experiência.

No âmbito cristão, a certeza ganha uma tonalidade ainda mais radical. Jesus afirma que a fé do tamanho de um grão de mostarda é capaz de mover montanhas. A metáfora é poderosa porque afirma justamente que a realidade não se curva apenas à força física, mas à convicção interior. Não se trata de psicologia positiva ou de autoengano, mas de uma certeza ontológica: o homem, ao se alicerçar na verdade de Deus, participa de uma força que não conhece limites naturais. A montanha, que é o símbolo do obstáculo intransponível, cede diante da fé.

A modernidade, com seu cientificismo, tenta reduzir a certeza à probabilidade. Tudo é cálculo, estatística, projeção. Mas essa redução enfraquece a alma. Sem certeza, o homem moderno hesita, oscila, se deixa levar por modas e opiniões. O resultado é que, mesmo cercado de dados, encontra-se paralisado. Platão já advertia contra a doxa, a opinião, que muda ao sabor dos ventos. Somente a episteme, o conhecimento verdadeiro, é capaz de fundar uma vida sólida.

Nietzsche, embora tenha combatido o cristianismo, entendeu esse princípio no registro da vontade. “Quem tem um porquê suporta qualquer como.” A frase é lapidar. A certeza do sentido, do porquê, é o que permite atravessar as dores e resistências do mundo. O homem pode suportar a perda, a doença, a humilhação, desde que esteja seguro de uma razão superior. O que mata não é o peso da realidade externa, mas a ausência de certeza interior.

Se observarmos a história, percebemos que todas as grandes transformações nasceram de indivíduos ou povos que possuíam certezas inabaláveis. Alexandre o Grande não atravessaria o mundo se não estivesse convencido de seu destino. Os mártires cristãos não enfrentariam as feras sem a certeza da vida eterna. As revoluções, para o bem ou para o mal, sempre foram movidas pela convicção de que uma nova ordem era possível. O interno, aqui, coordena o externo através da certeza.

O problema surge quando essa certeza se baseia em ilusões. A mente, se não for iluminada pela razão ou pela verdade, pode fabricar certezas falsas. Confundir pão e pedra é, em última instância, construir convicções erradas. É aqui que a razão e a fé se encontram: ambas exigem discernimento. Não basta estar convencido; é preciso que a convicção se ancore naquilo que é verdadeiro. Caso contrário, a certeza se torna delírio coletivo, e a montanha movida pode ser um precipício.

Heidegger, em seu modo peculiar, chamaria isso de a necessidade de uma abertura ao Ser. O Dasein, o ser-aí humano, só se realiza plenamente quando se deixa guiar pela verdade do ser. Nesse sentido, a certeza não é apenas psicológica, mas existencial: é uma clareira aberta na qual o mundo externo e interno aparecem em unidade. A dúvida permanente pode até parecer sinal de inteligência, mas na prática paralisa. O homem precisa de certezas mínimas para agir.

Se pensarmos em termos conspiratórios, poderíamos dizer que o projeto da modernidade é solapar as certezas. A multiplicação de narrativas, a relativização de valores, a sobrecarga de dados aparentemente contraditórios — tudo isso serve a um propósito: enfraquecer o sujeito, torná-lo incapaz de mover qualquer montanha. Um povo sem certezas é dócil, manipulável, incapaz de resistência. O ataque, portanto, não é apenas contra a fé, mas contra a própria estrutura da certeza como força ontológica.

Mas justamente nesse terreno minado é que se torna mais clara a necessidade da certeza. Ela não é apenas uma crença pessoal, mas um ato que dá forma ao mundo. É como se o interno fosse um maestro, e a certeza a batuta que faz a orquestra externa seguir uma harmonia. Sem batuta, cada instrumento toca isolado; com batuta, a sinfonia acontece. A realidade é essa sinfonia, e o maestro interno só a conduz se tiver convicção.

Por isso, não basta acumular informações ou experiências. O que dá sentido a elas é a certeza que as organiza. O cientista pode ver mil dados, mas só quando tem certeza de uma hipótese é que avança. O político pode ler mil relatórios, mas é a convicção de um princípio que o faz agir. O pai de família pode enfrentar adversidades, mas é a certeza de que sua vida tem um sentido maior que o sustenta.

A confusão da modernidade entre dúvida metódica e dúvida existencial é também um sintoma. Descartes usou a dúvida para alcançar uma certeza indubitável: o cogito. Mas seus sucessores ficaram presos na dúvida, esquecendo de que a meta era a certeza. Assim, a dúvida se tornou uma virtude em si, quando deveria ser apenas um método. O resultado foi a corrosão das convicções. Sem chão, o homem moderno vive suspenso, e a montanha, inamovível.

Ao contrário, o homem antigo não temia afirmar certezas. Mesmo que errasse, tinha clareza de que viver é assumir convicções. Sócrates, diante da morte, não se retraiu; sua certeza de que era melhor sofrer uma injustiça do que cometê-la o sustentou até o último instante. Esse é o poder transformador da certeza: ela liberta o sujeito do medo, pois oferece um solo mais firme que a própria sobrevivência.

Na vida cotidiana, vemos isso nos exemplos mais simples. O atleta que vence porque tem certeza de sua capacidade. O camponês que atravessa a seca porque tem certeza da colheita futura. A mãe que cuida dos filhos porque tem certeza de que vale a pena. Sem certeza, o mesmo atleta sucumbe ao cansaço, o camponês desiste da terra e a mãe abandona seus filhos.

Tudo isso mostra que o real não é apenas soma de dentro e fora, mas síntese operada pela certeza. Ela é o ato que dá proporção, hierarquia e movimento ao conjunto. Por isso é correto dizer que é a certeza que move as montanhas: não como metáfora barata, mas como princípio ontológico da existência humana.

E se voltamos ao Evangelho, percebemos que a fé, entendida como certeza absoluta na verdade divina, não é irracionalidade. Pelo contrário, é a racionalidade mais alta, porque vê além da fragmentação dos fatos e se ancora no Ser que tudo sustenta. Nesse nível, a montanha já não é apenas obstáculo físico, mas símbolo de todas as resistências existenciais. E a certeza, como ato interior, abre o caminho.

Nietzsche, ainda que no registro do além-do-homem, confirmava isso ao exigir do homem uma força capaz de afirmar a vida sem titubear. A vontade de potência é, no fundo, uma exigência de certeza — uma convicção tão firme que faz suportar o eterno retorno do mesmo. Mesmo na sua crítica, o filósofo de Röcken reconhece que sem certeza não há força criadora.

Portanto, a realidade só se abre plenamente para aquele que assume certezas. O interno, iluminado pela razão e pela fé, coordena o externo e transforma o impossível em possível. A montanha está lá, pesada, imóvel. Mas diante de uma alma convicta, ela perde seu caráter absoluto e se torna apenas mais um elemento a ser integrado. É nesse ponto que o homem deixa de ser escravo do mundo e passa a ser coautor da realidade.

No fim, não é o externo que vence, nem o interno que se isola. É a certeza que, ao unir os dois, funda o real. Ela não nasce de ilusões, mas de um ato de confiança no ser. E é essa confiança que dá ao homem a coragem de mover montanhas, não como metáfora vazia, mas como expressão do poder mais íntimo de sua alma.

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